5 REFLEXÕES JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO TEMA
A Constituição Federal da República, de 1988, dentre outros direitos e garantias fundamentais, enfatiza em seu artigo 5º a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no país, ressalvada as atividades a serem exercidas somente por brasileiros natos ou naturalizados[19]. Vislumbrando a importância desta questão, a jurisprudência do STF assegurou aos não residentes a isonomia de seus direitos, com base no supra princípio da Dignidade da Pessoa Humana, principio expresso no texto constitucional (vide artigo 1º, III), tudo isto para garantir o livre exercício de qualquer atividade laboral entre brasileiros natos ou naturalizados e estrangeiros que em solos nacionais se encontrem, pois agora, todos possuem os mesmos direitos trabalhistas.
Elucida Delgado que o Direito do Trabalho é o único meio eficiente de distribuição de renda e poderio no plano de uma sociedade capitalista, porquanto a renda é pulverizada por meio das normas reguladoras do contrato de emprego – contrato individual de trabalho. Ao passo que o poderio é distribuído por meio das normas e dinâmicas inerentes ao direito trabalhista coletivo, muito embora as duas dimensões atuem de modo combinado, o trabalho representa o elo que inserirá o estrangeiro à nova sociedade. Os direitos trabalhistas dos imigrantes e dos refugiados no Brasil, estão pautados no caput do artigo 5º da Constituição, que declara a igualdade de todos perante a Lei. Ao iniciar este artigo mencionando os movimentos migratórios forçados realizados pelos sírios, mas, no recente ano de 2019, contemplamos povos vizinhos realizando o mesmo movimento.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR) aponta que o número de venezuelanos que deixaram o país chega a 4 milhões, alcançando o status de segundo maior grupo populacional deslocado do mundo, ficando atrás justamente dos povos refugiados sírios, que somam o total de 5,6 milhões de pessoas[20]. O grande propulsor dos povos venezuelanos fora a grave crise econômica e política que dessolou o país naquele ano, ocasião em que a população se viu sem emprego e sem perspectivas de vida. Este binômio culminou nos movimentos migratórios foçados observados. Estes povos enxergaram no Brasil um país de novas oportunidades, de recomeços. Neste ponto, entra o direito do trabalho, que com sua natureza de direito social relaciona-se aos direitos fundamentais intencionando garantir a estes novos grupos dignidade de vida através do labor e de todos os seus corolários.
Na sistemática jurídica nacional, os conflitos de cunho trabalhistas são tratados diante da Justiça do Trabalho, que é uma justiça especializada, estruturada em varas do trabalho, tribunais regionais e TST. Em alguns casos, a matéria ou competência tratada poderá chegar ao STF, mas vale recordar que este órgão não compõe a justiça do trabalho. Aqui, o trabalhador terá a faculdade de exercício do jus postulandi, quando sem representação de advogado, poderá ajuizar a reclamação trabalhista diretamente na vara de trabalho onde houve a prestação de serviço.
No ano de 2017, a Ex.ª juíza Angélica Candido Slomp, da 2ª Vara de Trabalho de Londrina obteve premiação em razão de uma decisão concedida num caso de um trabalhador refugiado de Bangladesh que estava de forma irregular no Brasil. Na respeitosa decisão, a Mmª liberou os valores do FGTS para este trabalhador, pautada na Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o país é signatário. Nesta decisão, a juíza fez valer a regra de que todos os trabalhadores gozam de forma plena e efetiva dos direitos laborais conferidos aos cidadãos do país.[21] Destes precedentes extraímos duas vertentes. A primeira é que o imigrante e refugiado têm total direito de recorrer por meio de reclamação trabalhista ao poder judiciário para auferir seus direitos previsto na legislação trabalhista, ainda que a atividade exercida seja de maneira informal, e ele não tenha todos os documentos comprovantes do status de refugiado ou imigrante. E a segunda, é que estes imigrantes e refugiados ainda possuem problemas quanto ao reconhecimento deste direito, o que os leva à vulnerabilidade.
Muitos destes estrangeiros, com pouco ou quase nenhum conhecimento trabalhista, são levados a situações de exploração laboral, por este motivo, o conhecimento dos direitos e garantias trabalhistas, bem como o acesso à justiça, serão fatores que impulsionarão a redução destes casos. Neste sentido, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (4ª região), se posicionou parcialmente favorável aos pedidos do requerente e refugiado Kowlan Sewa de Sylveira que, nos autos do processo de nº 1000514-76.2019.5.02.0037, buscava o reconhecimento de vínculo empregatício somado ao direito de perceber horas extraordinárias sobre sábados e domingos trabalhados em um dos templos da requerida Igreja Cristã Apostólica Renascer em Cristo. Nos autos, o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício fora devidamente conhecido e concedido, entendendo o colendo tribunal que o período trabalhado compreendia as datas de 09/01/2017 à 12/10/2018, ocasião em que Kowlan exerceu a função de auxiliar de serviços gerais, com último salário somado em R$2800,00 mensais.
No acordão proferido, o órgão reconheceu o vínculo empregatício por meio de constatação dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas, que, conforme já mencionamos neste artigo, pressupõe o vínculo verificando a existência de requisitos legais tais como a prestação de serviço com habitualidade, pessoalidade, subordinação jurídica e pagamento de salário. No que tange ao pedido de horas extras sobre sábados e domingos trabalhados, o tribunal, seguindo o entendimento do juízo de primeiro grau, entendeu inexistir habitualidade na prestação de serviço, restando incompleta a caracterização dos pressupostos dos artigos 2º e 3º, razões pelas quais votou pela improcedência deste pedido.
Ao final, o tribunal julgou parcialmente procedente os pedidos do requerente, condenando a parte requerida ao pagamento dos honorários sucumbenciais e de indenização a título de danos morais[22]. Ressalta-se que este julgado é passível de revisão ou reforma por um órgão da justiça do trabalho de estância superior. Mas a sua citação neste artigo se faz necessária para demonstrar que imigrantes e refugiados possuem direitos equiparados aos dos brasileiros, sendo de igual forma necessário que conheçam os direitos básicos e que, quando preciso, ingressem na justiça trabalhista para fazer cumpri-los. Para isto, visando a disseminar o conhecimento dos direitos e garantias trabalhistas, é que instituições como a ACNUR e a Secretaria do Trabalho desenvolvem ações para levar ao estrangeiro o acesso a este direito. No ano de 2015, a ACNUR, juntamente com o então Ministério do Trabalho, criaram a “Cartilha dos direitos trabalhistas para refugiados no Brasil” e, posteriormente, o “Guia do trabalho decente aos estrangeiros”, que é distribuído entre os não nacionais e servem de grandes combatentes ao trabalho escravo de qualquer natureza bem como o análogo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos fatos trazidos à discussão por este artigo, percebe-se a relevância atual e futura acerca do tema. O Brasil, enquanto nação, tem iminente desafio no que tange à recepção dos grupos de estrangeiros e refugiados que, nos movimentos de êxodo, o procuram para recomeçar. O direito do trabalho entra como meio viável de garantia dos direitos básicos do cidadão não nacional residente no país e daquele que, por fundado temor de perseguição ou violação de seus direitos, se vê obrigado a deixar seu país natal. Constata-se que, por meio do labor, esses indivíduos proverão para si e para sua família o sustento. A Constituição Federal assegura, no artigo 5º, a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no país. Tal garantia constitucional de igualdade emoldura outras regulamentações que foram criadas a posteriori, com caráter protecionista a estes cidadãos, como é o caso da Lei 9.474/1997 – chamada lei do refúgio, e a Lei 11.445/2017, que é a lei de imigração - ambas definem e estruturam o trabalho do estrangeiro e dos refugiados em solos nacionais, fixando direito de extrema importância, que é a emissão da CTPS.
A CTPS é um marco no que tange à materialidade dos direitos trabalhistas modernos. O não nacional, com ou sem regulamentação completa, possui este direito equiparando-se aos nacionais. Neste ponto, os estrangeiros e refugiados que estiverem envoltos numa relação de emprego, estarão salvaguardados nas égides da Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, que garantirá liquidamente direitos comuns aos dos prestadores de labor brasileiros, como por exemplo, regime de trabalho legal, intervalos na jornada, repouso remunerado, férias, salário e etc. Ressalta-se que garantias previdenciárias também estarão dispostas a estes trabalhadores. Tal fato demonstra que o país está nos trilhos corretos para que a regra constitucional da igualdade seja cumprida à risca. Há delimitação da importância da proteção dos imigrantes, bem como a de refugiados através de legislação desenvolvida e específica para o assunto, o que gera a integralização e a adaptação desses povos.
Ainda assim, é grande o desafio, e há muito a ser enfrentado. Os caminhos que percorrem um indivíduo considerado imigrante ou refugiado até a assinatura de um contrato de trabalho, como o de muitos trabalhadores brasileiros desempregados, é tortuoso. Sabemos que o país enfrenta um momento de crise e em alguns setores ocorre recessão, e este binômio culmina na falta de oferta de emprego que, somada à deficiência de alguns dos mecanismos de proteção existentes, dificultam a integração dos não nacionais. Muitos tentam a sorte como autônomos. E outros, infelizmente, são atraídos para trabalhos que correm ao arrepio da lei, em condições contrárias às estabelecidas nas legislações trabalhistas.
Por ainda ser possível visualizar falhas expressivas nas legislações existentes, acreditamos emergir com certa urgência a necessidade de um olhar mais atento, talvez um novo órgão de autonomia nacional, trabalhando em conjunto com o poderio estatal para combater e garantir a estes cidadãos desburocratização, oportunidades e um trabalho honesto. Isto poderia vir a ser o norte para um novo capítulo na história de vida dos estrangeiros e do próprio país, que tem fama de receptivo.
Esses apontamentos objetivam reforçar o quão longo ainda é o caminho a ser trilhado pelo Brasil, que, atuando em conjunto com os grupos protetivos, deverá valer-se de uma legislação hábil e verdadeiramente protetiva, para que, com o devido respeito, seja, de fato, capaz de proporcionar a dignidade de vida que tanto buscam os grupos migratórios.
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