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O Pantanal sob o enfoque ambiental e criminal

21/09/2020 às 20:15
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O fogo já destruiu cerca de 16% do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, onde vivem 36 espécies em extinção. Quem irá se responsabilizar por isso?

I – O FATO

Como disse Bernardo Mello Franco, em artigo para o Globo, em 16 de setembro do corrente ano, o fogo já destruiu cerca de 16% do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, onde vivem 36 espécies em extinção. Até a semana passada, 23 mil quilômetros quadrados foram reduzidos a cinzas. Uma área maior que a do estado de Sergipe.

Os efeitos para a fauna local ainda não puderam ser calculados. O Parque Encontro das Águas, principal refúgio das onças-pintadas, perdeu mais de 70% de seu território. Mas nem imagens de animais carbonizados foram capazes de sensibilizar o Planalto.

Disse, ainda, Bernardo Mello Franco, naquela oportunidade:

“A Polícia Federal afirma que a origem do fogo é criminosa. Fazendeiros destruíram a mata nativa para abrir pastos. Em ano de seca atípica, as labaredas saíram do controle e se alastraram para áreas preservadas. O governo demorou a se mexer para reduzir a extensão da catástrofe.”

Parece haver uma conduta criminosa com evidente problema de desequilíbrio climático. 

Dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso apontam que a maior parte dos focos de calor surgem justamente em propriedades privadas. Mais de cinco mil foram registrados dentro de áreas cercadas. Nas estimativas oficiais, 15% da cobertura natural pantaneira virou pastagem.

Segundo o Estadão, Sustentabilidade, o bioma vive seu momento mais difícil desde 1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a registrar focos de calor. Em julho, o número desses focos no bioma chegou a 1.684, ultrapassando os 1.259 registrados em 2005. A tragédia continuou. Ainda assim, em 28 de agosto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou a suspensão já precária das ações de combate ao fogo tanto no Pantanal quanto na Amazônia.

Segundo especialistas o aquecimento global não causa incêndios florestais. De fato, a causa imediata é muitas vezes o descuido humano (pontas de cigarro, fogos de acampamento não extintos adequadamente, etc.), ou natural, de “relâmpago seco” em que uma tempestade produz raios, mas pouca chuva. Pelo contrário, o aquecimento global exacerba as condições e aumenta o risco de incêndios florestais.

A composição da atmosfera está mudando a partir das atividades humanas: houve mais de 40% de aumento no dióxido de carbono, principalmente a partir da queima de combustíveis fósseis desde 1800, e mais da metade do aumento se deu desde 1985. Outros gases que aprisionam o calor (metano, óxido nitroso, etc.) também estão aumentando em concentração na atmosfera em decorrência de atividades humanas. As taxas estão se acentuando, não caindo (como esperado com o Acordo de Paris).

Isso leva a um desequilíbrio de energia para o planeta.


II – BIOMAS

Bioma é uma unidade biológica ou espaço geográfico cujas características específicas são definidas pelo macroclima, a fitofisionomia, o solo e a altitude, dentre outros critérios. São tipos de ecossistemas, habitats ou comunidades biológicas com certo nível de homogeneidade.

Um conjunto de ecossistemas constitui um bioma.

  • Biótopo: O solo, as águas, o ar, a luz solar.

Área abiótica ou biótopo é a base onde estão assentados os seres vivos, o chão, o solo, o ar do ambiente e as águas. O biótipo significa o conjunto dos fatores do meio ambiente que não têm vida tais como a areia, as rochas, a argila, os minerais, as substâncias inorgânicas, o ar, a energia do ambiente, os raios, os trovões, os relâmpagos, o calor, a radioatividade, a luz solar, a energia de uma forma geral compõe o biótipo.

  • Biocenose: A fauna e a flora, os micróbios, os seres vivos em geral.

O bioma é unidade biótica de maior extensão geográfica resultante da interação do clima com a biota regional e o substrato regional, e denominada de acordo com o padrão de vegetação dominante. São exemplos: campo, floresta tropical, savana.

Os principais biomas brasileiros são: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pampas, Caatinga e Pantanal.


III  – O CRIME DE INCÊNDIO AMBIENTAL

Se o incêndio é provocado em mata ou floresta, aplica-se o artigo 41 da Lei nº 9.605/98, em face do princípio da especialidade. Se o agente possui, detém, fabrica ou emprega artefato explosivo, sem autorização, aplica-se o artigo 10, § 3º, III, da Lei nº 9.437/97.

Nesse caso da lei de crimes ambientais tem-se uma conduta que consiste em provocar (dar causa, produzir, ensejar) incêndio, que é entendido como fogo perigoso, potencialmente lesivo à integridade das matas e florestas. É o caso conhecido como “fogo não controlado em floresta ou qualquer outra forma de vegetação” (Decreto 2.661/98, artigo 20), sendo irrelevantes, para a caracterização do delito os meios executórios dos quais se vale o agente, desde que válidos para a execução do incêndio. O objeto material  é mata ou floresta, de preservação permanente ou não. Como tal é crime comum, material, comissivo ou omissivo e ainda plurissubsistente. O tipo penal comporta ainda conduta culposa, por força do parágrafo único, quando se tem um crime de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena é de seis meses a um ano, e multa, podendo se falar nos benefícios da transação penal (artigo 76 da Lei nº 9.099/95 e ainda suspensão condicional do processo, artigo 89 do mesmo diploma legal).

A conduta criminosa de causar incêndio é a de provocar, de algum modo, a combustão. O crime poderá ser comissivo ou omissivo consistente em não apagar o fogo quando o agente tem o dever jurídico de fazê-lo, como no caso do que causou de forma involuntária, como explicou Magalhães Noronha(Direito penal, volume III, 15ª edição, pág. 156).

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Bem ensinou Magalhães Noronha (Direito Penal, volume III, 10ª edição, pág. 359) que incêndio não é qualquer fogo, mas tão-só o que acarreta risco para pessoas ou coisas. A sua lição é aqui registrada: “É mister, pois, que o objeto incendiado seja tal que exponha a perigo o bem tutelado. Ainda: necessário é que esteja em lugar, no qual o incêndio seja perigoso, isto é, provoque aquele perigo. Consequentemente, a queima de duas ou três folhas de papel num quintal, ou o incêndio de casa sita em lugar ermo e despovoado não caracteriza o delito, pois não acarretam o perigo”. Desta forma, decidiu-se que para a existência do crime de incêndio é indispensável a prova da ocorrência de perigo efetivo ou concreto para pessoas ou coisas indeterminadas (RTJ 65/230; RT 200/117,224/282, 350/366, 405/113, 418/256, 419/107, 445/350, dentre outras decisões). Não importa a natureza da coisa incendiada nem que ela seja de propriedade do agente.

Assim, pode haver incêndio sem chamas devastadoras e ardentes, bastando a continuidade da combustão. Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume IX, pág. 24, nota 6), ensinou que há mesmo coisas que ardem sem flamas indiscretas, como, por exemplo, uma turfeira.

Não só o fogo é considerado pela lei penal para efeito do crime, pois outros meios devem ser considerados como a energia elétrica, por via de curto circuito, o gás inflamável etc, desde que provoque o incêndio nos termos do que exige o artigo 250.

Já se entendeu que não é necessário que pessoas sejam lesadas ou postas em risco. Entende-se que a disjuntiva “ou” constante do artigo 250 determina, de forma clara, a possibilidade de ocorrer o delito de incêndio sob perigo eventual ou lesão efetiva somente do patrimônio de outrem (RT 366/210, 506/394).

Ainda Magalhães Noronha(obra citada, pág. 360), na linha de Manzini, lembra que o modo também por que se propaga o incêndio não conta, uma vez que tanto faz lançar diretamente a matéria incendiária em um palheiro, como deitar fogo a coisas que se acham próximas à porta de uma casa, para que o fogo a ele se estenda.

Trata-se de crime de perigo concreto, sendo condição para o crime que acarrete perigo para a incolumidade pública. Não é necessário que o perigo consista na combustão, havendo perigo para a incolumidade pessoal, se o incêndio de uma coisa gera pânico que provoca perigosa fuga ou tumulto de pessoas. Assim, não basta a potencialidade do perigo, sendo necessário que este seja concreto e efetivo (RT 538/334).

Para Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 940), trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa), formal (delito que não exige, para a sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico, consistente na efetiva ocorrência de dano para alguém). Havendo dano, ocorre o exaurimento de forma livre. É ainda comissivo e, excepcionalmente, omissivo impróprio, instantâneo, de perigo comum concreto (aquele que coloca um número indeterminado de pessoas em perigo, mas precisa ser provado), unissubjetivo, unissubsistente (praticado num único ato) ou plurissubsistente.


IV – A BIODIVERSIDADE DO PANTANAL

No pantanal, há 263 espécies de peixes, 463 de aves, 113 de répteis, 41 de anfíbios e 132 de mamíferos.

O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta.

O Pantanal sofre influência direta de três importantes biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Além disso sofre influência do bioma Chaco (nome dado ao Pantanal localizado no norte do Paraguai e leste da Bolívia).

Há cinco unidades de conservação no Pantanal: Parque Nacional do Pantanal Matogrossense (MT), Parque Estadual Encontro de Águas (MT), Reserva Particular do Patrimônio Ambiental – Sesc Pantanal (MT), Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro (MS), Parque Estadual do Guirá (MT).

 Entende-se por Unidades de Conservação: Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público. Por sua vez, Florestas Públicas são espaços de manejo sustentado, que se sustentavam legalmente com base no artigo 5º, alínea b, do Código Florestas, que determinava a criação de Florestas Nacionais, Estaduais, e Municipais com fins econômicos, técnicos e sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O Pantanal sob o enfoque ambiental e criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6291, 21 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85511. Acesso em: 19 mar. 2024.

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