RESUMO: O presente trabalho tem como escopo analisar as alterações promovidas na Lei dos Crimes Hediondos pelo Pacote Anticrime, Lei n. 13.964/2019, uma vez que esta promove alterações substanciais no que diz respeito à punibilidade asseverada nos casos do cometimento dos crimes de homicídio qualificado com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, do latrocínio, da extorsão, do furto, do genocídio, da arma de fogo de uso proibido, e da organização criminosa. O presente trabalho se propõe a uma análise detalhada das mudanças legislativas e controvérsias que surgiram com a alteração legislativa em questão, bem como a realização de um comparativo entre a previsão normativa anterior e a nova redação legal promovida pelo Pacote Anticrime.
Palavras-chave: Lei dos Crimes Hediondos. Pacote Anticrime. Homicídio qualificado com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Latrocínio. Extorsão. Furto. Genocídio. Arma de fogo de uso proibido. Organização criminosa.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Das Alterações na Lei dos Crimes Hediondos - 2.1 Do Homicídio Qualificado – Arma de Fogo de Uso Restrito ou Proibido - 2.2 Do Latrocínio - 2.3 Da Extorsão - 2.4 Do Furto - 2.5 Do Genocídio - 2.6 Da Arma de Fogo de Uso Proibido e Outros - 2.7 Da Organização Criminosa - 3. Conclusão - 4. Referências
1. INTRODUÇÃO
A Lei dos Crimes Hediondos foi publicada no Diário Oficial da União, em 26 de julho de 1990. Naquela ocasião, dentre o enfrentamento a tantos outros crimes bárbaros, a sociedade experimentava o dessabor dos crimes de sequestro. Caso emblemático foi o sequestro do empresário Abílio Diniz, ocorrido no dia 11 de dezembro de 1989, 06 (seis) dias antes do segundo turno da eleição presidencial que elegeu Fernando Collor de Melo. O Estado buscou, com a Lei dos Crimes Hediondos, dar uma resposta à violência, endurecendo a punição para os crimes mais abjetos, causadores de comoção pública e merecedores de maior reprovação.[i]
A Lei em comento regulamenta o artigo 5º, inciso XLIII da Constituição da República Federativa do Brasil. De acordo com o disposto no art. 2º, I, da Lei n. 8.070/90, os crimes hediondos e os equiparados são insuscetíveis de anistia, graça e indulto.[ii]
Em sua primeira redação, a Lei dos Crimes Hediondos considerou hediondos os crimes de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro e, na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, todos do Código Penal, e os crimes de genocídio, tentados ou consumados.
Havia a previsão, no §1º do artigo 2º da lei em comento, de que os autores destes crimes não teriam direito à progressão de regime e deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado, o que gerou neste ponto a declaração de inconstitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal, segundo o entendimento de que esta previsão feria os princípios da individualização e humanização da pena, além dos princípios da igualdade e do devido processo legal. Este entendimento fez surgir, inclusive, a Súmula Vinculante 26, a qual prevê que “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
Observe o precedente representativo emitido por aquele Órgão Supremo:
PENA — REGIME DE CUMPRIMENTO — PROGRESSÃO — RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso, que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA — CRIMES HEDIONDOS — REGIME DE CUMPRIMENTO — PROGRESSÃO — ÓBICE — ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/1990 — INCONSTITUCIONALIDADE — EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena — art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal — a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990. [HC 82.959, rel. min. Marco Aurélio, P, j. 23-2-2006, DJ de 1º-9-2006.].[iii]
Com a Lei 11.464/2007, o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos crimes Hediondos passou a prever que a pena destes crimes seria cumprida inicialmente em regime fechado. De qualquer forma, o atual entendimento jurisprudencial é no sentido de que cabe ao juiz sentenciante a definição quanto ao regime de cumprimento de pena a ser aplicado ao condenado, em respeito ao princípio da individualização da pena, como se observa em Teses de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, como segue: “É inconstitucional a fixação ex lege, com base no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, do regime inicial fechado, devendo o julgador, quando da condenação, ater-se aos parâmetros previstos no artigo 33 do Código Penal”. [Tese definida no ARE 1.052.700 RG, rel. min. Edson Fachin, P, j. 2-11-2017, DJE 18 de 1º-2-2018, Tema 972.].[iv]
Esta lei passou por diversas reformas legislativas. Lei 8.930/1994; 9.695/1998; 11.464/2007; 12.015/2009; 12.978/2004; 13.104/2015; 13.142/2015; 13.497/2017; 13.769/2018. Em muitos casos a lei tem sido utilizada de maneira eleitoreira por aqueles que inflamam o público com o argumento de que a segurança pública se resolve com o endurecimento das leis, e em outros momentos a lei tem servido apenas para acalmar os ânimos da sociedade, desempenhando papel muito mais emergencial e simbólico do que efetivo em seu propósito.
Uma vez que o Brasil adota um critério legal, enumerativo ou taxativo para a definição dos crimes hediondos, o juiz não possui discricionariedade para afastar a hediondez, ou ainda, aplicá-la em casos que não os previstos na lei. Também devido a esta taxatividade, o legislador tem feito diversas mudanças na tipificação dos crimes, o que, em certa medida, atinge também aqueles previstos na Lei dos Crimes Hediondos. Exemplo disto são as recentes mudanças apresentadas pelo Pacote Anticrime, que em seu artigo 5º traz a previsão de alteração da redação do artigo 1º da Lei 8.072/1990, especialmente em seus incisos I (homicídio), II (roubo), III (extorsão qualificada) e IX (furto qualificado pelo emprego de explosivo).[v]
2. Das Alterações na Lei dos Crimes Hediondos
Passemos à análise das alterações promovidas na Lei dos Crimes Hediondos pelo Pacote Anticrime, Lei n. 13.964/2019, uma vez que esta promove alterações substanciais no que diz respeito à punibilidade asseverada dos crimes desta natureza. Vale referir que o Pacote Anticrime, na Lei dos Crimes Hediondos, fez alterações apenas no que tange ao rol de crimes hediondos, pois as alterações relacionadas à progressão de regime, liberdade condicional e outras características de cumprimento de pena, foram incluídas na Lei de Execuções Penais.
2.1 Do Homicídio Qualificado – Arma de Fogo de Uso Restrito ou Proibido
Com relação às mudanças citadas, a primeira crítica que se faz é pelo fato de que o Pacote Anticrime tentou incluir no Código Penal o inciso VIII do parágrafo 2º, no artigo 121, mais precisamente a qualificadora do homicídio, quando cometido com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, e, ato contínuo, considerou esta figura qualificada de homicídio como crime hediondo. Ocorre que a inclusão deste inciso VIII, § 2º, 121 do CP, restou vetada pela Presidência da República, sob o argumento que sua aprovação poderia vir em prejuízo dos agentes de segurança pública, como se percebe na Mensagem 726, de 24 de dezembro de 2019, da Presidência da República:[vi]
Inciso VIII do § 2º do art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de1940, alterado pelo art. 2º do projeto de lei.
“VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido:”
Razões do veto
“A propositura legislativa, ao prever como qualificadora do crime de homicídio o emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, sem qualquer ressalva, viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança jurídica, notadamente aos agentes de segurança pública, tendo em vista que esses servidores poderão ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas armas, que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal ou de terceiros ou, ainda, em situações extremas para a garantia da ordem pública, a exemplo de conflito armado contra facções criminosas.”
Entretanto, a alteração legislativa, mesmo constando como vetada no Código Penal, consta no rol de crimes hediondos da Lei 8.072/1990, ou seja, mais uma de tantas outras situações em que o legislativo demonstra a falta de zelo na publicação de nossas leis. Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990
“Art. 1º ................................................................
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);[vii]
2.2 Do Latrocínio
A Lei dos Crimes Hediondos apresentava em seu texto, tanto na redação original, quanto na alteração promovida pela Lei 8.930/1994, a expressão “latrocínio” como sinônimo de roubo acompanhado de morte da vítima. Trata-se de crime contra o patrimônio, e de acordo com a Súmula 603 do Supremo Tribunal Federal, “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do Juiz singular e não do Tribunal do Júri”.[viii]
Hipóteses possíveis
a) roubo consumado e homicídio tentado: tentativa de latrocínio;
b) roubo consumado e homicídio consumado: latrocínio consumado;
c) roubo tentado e homicídio tentado: tentativa de latrocínio;
d) roubo tentado e homicídio consumado: latrocínio consumado.
Uma das inovações trazidas pelo Pacote Anticrime é a retirada da expressão “latrocínio” da Lei dos Crimes Hediondos, sendo substituída pela expressão “roubo”, conforme a técnica de nomenclatura utilizada no artigo 157 do Código Penal.
O roubo, artigo 157 do Código Penal, possui em seu bojo diversos desdobramentos, que vão desde o roubo em sua modalidade “simples” (porém classificado como crime complexo), roubo circunstanciado (aquele que apresenta circunstâncias majorantes) e roubo qualificado (quando o tipo prevê pena diversa em virtude de nova elementar).
A Lei dos Crimes Hediondos passa a prever hipóteses em que o “roubo” será considerado hediondo. Como dito, hipóteses no plural, e não mais apenas a situação em que ocorre a morte (consumada ou tentada) da vítima. O inciso II do artigo 1º da Lei passa a prever três alíneas que descrevem as situações em que o roubo será considerado crime hediondo. Nas alíneas “a” e “b” temos situações descritas como roubo circunstanciado. São elas: quando ocorre a restrição de liberdade da vítima, ou ainda, quando ocorre o emprego de arma de fogo “de uso permitido”, arma de fogo de uso proibido e arma de fogo de uso restrito. Na alínea “c” temos duas situações descritas como roubo qualificado. São elas: quando ocorre lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima), e ainda, quando ocorre o resultado morte.
Em resumo, com o Pacote Anticrime, deixa de ser hediondo apenas o roubo com resultado morte, e passa a compor o rol destes crimes o roubo que restringe a liberdade da vítima; quando emprega arma de fogo, arma de fogo de uso proibido ou restrito; quando ocorre lesão corporal grave ou gravíssima; e o resultado morte. Não é demais recordar que se tratam de inovações que vêm em prejuízo do acusado, e por isso somente podem aplicar-se aos casos cometidos após a entrada em vigor da alteração legislativa, em respeito ao mandamento constitucional do artigo 5º, inciso XL (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu).[ix] Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
“Art. 1º ................................................................
I - .........................................................................
II - roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);
2.3 Da Extorsão
A extorsão, assim como o roubo, está classificada entre os crimes de natureza patrimonial. Trata-se da conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa (CP, art. 158). Na prática, o crime guarda semelhança com o roubo, mas não deve com este ser confundido, pois em ambos ocorre a subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. Entretanto, textualmente falando, a diferença está no fato de que a extorsão exige a participação ativa da vítima, fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. No roubo, diferentemente, o agente atua sem a participação da vítima.
Semelhante ao que aconteceu com o crime de roubo, o Pacote Anticrime também implementou alterações relacionadas ao crime de extorsão dentro da Lei dos Crimes Hediondos, ampliando o rol em que será possível ao julgador atribuir à conduta criminosa os rigores necessários para o enfrentamento da hediondez da conduta.
Antes do Pacote Anticrime, a Lei dos Crimes Hediondos, em seu inciso III do artigo 1º, previa como hediondo o crime de extorsão qualificada pela morte (artigo 158, § 3º, do Código Penal), e no Inciso IV do mesmo artigo, a extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º). Este último, o inciso IV, não sofreu qualquer alteração. A mudança se concentra no inciso III, que passa a prever como crime hediondo a extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, quando ocorra lesão corporal, ou ainda, quando ocorra o resultado morte.
Perceba que, com relação a lesão corporal no crime de extorsão, o legislador não teve o cuidado de especificar a natureza da lesão, diferentemente do que acontece no Código Penal em relação ao mesmo crime, ou ainda, com relação ao roubo dentro da Lei dos Crimes Hediondos, em que o legislador especifica a natureza da lesão que configurará o crime como sendo hediondo. Há de ocorrer posicionamentos divergentes, contudo, entendemos que a jurisprudência há de se curvar ao entendimento que prejudique, de forma menos gravosa, ao criminoso, ou seja, considerará hedionda a figura da extorsão qualificada pela lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima). Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
“Art. 1º ................................................................
I - .........................................................................
II - .......................................................................
III - extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
2.4 Do Furto
A inclusão do furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum é figura que chama a atenção em particular. Não resta dúvida de que o legislador incluiu esta figura à Lei dos Crimes Hediondos na esperança de combater mais eficientemente os ataques as agências bancárias. Estes ataques têm se tornado frequentes. Não só despertam a atenção pela frequência com que ocorrem, mas também pelo modus operandi utilizado pelos criminosos, que têm realizado as ações criminosas, normalmente, em cidades pequenas, de reduzido efetivo policial, empregando forte quantidade de explosivos e alto grau de violência contra a população.
Andou bem o legislador neste sentido. O que chama a atenção, no entanto, é o fato de passar a integrar o rol de crimes hediondos o furto que se utiliza de explosivos, mas não se incluir na Lei dos Crimes Hediondos o roubo quando há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (artigo 157, § 2º-A, inciso II), afinal de contas, não nos parece restar qualquer dúvida no sentido de que o roubo seja figura mais grave do que o furto, assim como não restam dúvidas de que, por vezes, os ataques as agências bancárias são promovidos com a tomada de reféns, sejam clientes ou funcionários, e por isso, também, deveria ter havido esta preocupação por parte do legislador. Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
“Art. 1º ................................................................
[...]
IX - furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A).
2.5 Do Genocídio
O parágrafo único do artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos também ganha nova redação. O texto anterior considerava hediondos o crime de genocídio previsto nos artigos 1º,2º e 3º da Lei nº 2.889/1956, e a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, crime previsto no artigo 16 da Lei nº 10.826/2003, todos tentados ou consumados. A redação cumulava-se apenas no parágrafo citado.
Com o Pacote Anticrime, o parágrafo único do artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos passa a conter 5 (cinco) incisos. No inciso I, reitera a manutenção do crime de genocídio, previsto nos artigos 1º,2º e 3º da Lei nº 2.889/1956, como hediondo. Vale lembrar que genocídio é crime cometido contra a humanidade, consistente em destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Observe que o tipo não é praticado apenas com a morte das vítimas, podendo ser entendida como genocídio a conduta, por exemplo, de adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo.[x] Neste caso, competente para o julgamento seria a justiça comum. Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
“Art. 1º ................................................................
[...]
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I - o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
2.6 Da Arma de Fogo de Uso Proibido e Outros
O inciso II, do parágrafo único, do artigo 1º da Lei em estudo, passa a prever a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido como crime hediondo. O Decreto 9.847/2019, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, traz a definição quanto as armas de fogo de uso permitido, uso restrito e uso proibido. Quanto as armas de fogo de uso proibido, são aquelas que constam de acordos e tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; ou ainda, as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos[xi]. A posse ou porte destas armas classifica-se como crime hediondo.
Ainda com relação às armas de fogo, respectivamente nos incisos III e IV, do parágrafo único, do artigo 1º da Lei 8.072/1990, passam a ser classificados como crimes hediondos o comércio ilegal de armas, bem como o tráfico internacional de arma de fogo, acessório e/ou munição, condutas incriminadas de acordo com Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Verifique a integra do texto legal já com a redação dada pelo Pacote Anticrime:
“Art. 1º ................................................................
[...]
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I - ........................................................................
II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
2.7 Da Organização Criminosa
As organizações criminosas existem desde os mais remotos tempos e acompanham a evolução da sociedade, isto quando não estão a um passo à frente, principalmente no que diz respeito a encontrar meios de burlar o sistema legal e auferir riquezas ilícitas. Poderíamos citar como exemplos as Tríades na China, a Yakuza no Japão, as máfias na Itália, e no Brasil o cangaço, o Comando Vermelho, o PCC, entre outros.[xii]
Ocorre que, para um combate efetivo, e a aplicação de penas mais severas contra os integrantes destes grupos, o Brasil deveria, em primeiro lugar, possuir legislação para tanto, em virtude da necessidade de observância ao princípio da legalidade, já que esta constitui real limitação ao poder estatal de interferir arbitrariamente na esfera de liberdade do indivíduo.
A lei que primeiro tratou do tema foi a de nº 9.034/1995, que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Ocorre que esta lei não trouxe uma definição do que seria considerado organização criminosa. Parte da doutrina opinava por utilizar-se do conceito extraído da Convenção de Palermo, que considera Grupo criminoso organizado aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Entretanto este conceito, como presente em legislação alienígena, não poderia resolver a questão.[xiii]
A situação foi contornada somente com a entrada em vigor da Lei das Organizações Criminosas, em 2 de agosto de 2013. De acordo com esta lei organização criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.[xiv]
O conceito de organização criminosa difere daquele empregado para descrever associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código Penal, ou seja, associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Difere também do conceito de associação da Lei de Drogas, o qual prevê como associação o vínculo entre duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 daquela lei.
Além do conceito supra, a Lei 12850/2013 também dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal nos casos que envolvem a organização criminosa.
No inciso V, do parágrafo único, do artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos, o legislador fez constar a hediondez da formação de organização criminosa quando tenha como fim à prática de crimes hediondos ou equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo, artigo 5º, XLIII, CRFB/1988). Perceba que não se trata do cometimento de algum crime em especial, como homicídio, roubo ou furto, por exemplo. O inciso V pune como crime meio a própria formação da organização criminosa, pois trata-se de crime autônomo, e independentemente do cometimento de qualquer crime, poderá a organização criminosa sofrer todos os rigores da Lei dos Crimes Hediondos, ou seja, será insuscetível de anistia, graça ou indulto; fiança, prisão temporária de 30 dias prorrogável por igual período, entre outros.
“Art. 1º ................................................................
[...]
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
[...]
V - o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.”