Capa da publicação Os guardiões das constituições lusófonas: análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática
Capa: EPE Espanha
Artigo Destaque dos editores

Os guardiões das constituições lusófonas:

uma breve análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática

Exibindo página 2 de 5
Leia nesta página:

3 OS GUARDIÕES DE ANGOLA[16]

Na Constituição angolana o seu preâmbulo enuncia que a conquista da cidadania e da independência se insere na longa tradição de luta do povo e de sacrifícios coletivos que corajosamente preservaram essas conquistas e que esse povo anseia estabilidade, dignidade, liberdade, desenvolvimento, modernidade, prosperidade, democracia e que seja socialmente justo, para as presentes e futuras gerações.  Ou seja, o cidadão angolano é o principal interessado pela efetividade social e eficácia normativa de sua Constituição, por isso, é o seu guardião primaz.

Nesse texto constitucional, está disposto que a soberania popular é fundamento do Estado e que a soberania estatal pertence ao povo, que a exerce nos termos da Constituição. O poder político pressupõe a legitimidade popular e que são ilegítimas e criminosas a tomada do poder fora dos limites da legalidade constitucional. Prescreve a Constituição ser ela a lei suprema da República, e que o Estado angolano subordina-se a ela (Constituição) e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis. Dispõe que as leis, os tratados e os demais atos do Estado, dos órgãos do poder local e dos entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à Constituição, e que se reconhece a validade e a força jurídica do costume que não seja contrário à Constituição nem atente contra a dignidade da pessoa humana.

Se vislumbrarmos os partidos políticos como associações políticas de cidadãos, segundo a Constituição angolana, essas associações devem contribuir para a consolidação da nação e da independência nacional, a salvaguarda da integridade territorial, o reforço da unidade nacional, a defesa da soberania e da democracia, a proteção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana e a defesa da forma republicana de governo e do caráter laico do Estado.  No plano da cidadania, prescreve a Constituição angolana que eles têm deveres para com a família, com a sociedade e com o Estado, e que ninguém será prejudicado ou privilegiado por força de suas características naturais ou condição cultural.

No tocante aos órgãos e poderes do Estado, a Constituição prescreve que o presidente da República, dentre outras atribuições, deve respeitá-la e defendê-la. E pode promover, junto ao Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva e sucessiva de constitucionalidade de atos normativos e tratados internacionais, bem como de omissões inconstitucionais. Como chefe de Estado, o presidente é o comandante das Forças Armadas, e ouvido o Parlamento, pode declarar os estados de guerra ou de sítio ou de emergência. O presidente pode ser destituído por crime de violação da Constituição.

O parlamento angolano, intitulado Assembleia Nacional, está autorizado a mudar (revisar) a Constituição e velar por sua aplicação, bem como pela boa execução das leis. A Constituição, para ser alterada, requer a aprovação de dois terços dos Deputados, e são vedados referendos sobre matéria constitucional. Para a decretação dos estados de exceção constitucional (guerra, sítio e emergência), o Parlamento deve se pronunciar.

Quanto ao Judiciário, está prescrito que no exercício da função jurisdicional os tribunais são independentes e imparciais, estando apenas sujeitos à Constituição e à lei, e que devem garantir e assegurar a observância delas. Há o Tribunal Constitucional cuja principal missão é apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas, atos e leis, inclusive preventivamente, segundo as garantias de Constituição e do controle de constitucionalidade. Os magistrados do Tribunal Constitucional, em número de 11, são designados para um mandato de sete anos, não renovável, sendo 4 indicados pelo presidente da República, 4 escolhidos pelo Parlamento, 2 escolhidos pelo Conselho Superior da Magistratura e 1 selecionado por concurso público curricular.

Há no texto constitucional um capítulo específico para disciplinar as garantias da Constituição e o controle de constitucionalidade, mormente a fiscalização de constitucionalidade, cometendo ao Tribunal Constitucional a competência para essa atividade, bem como o rol de legitimados para provocar esse Tribunal, cujas decisões possuem força obrigatória e geral. A Constituição autoriza o Tribunal a manipular os efeitos de suas decisões se houver justos motivos.

Ainda na seara jurídica, tem-se o Ministério Público que dentre suas atribuições compete a defesa da legalidade democrática. Também há a figura do Provedor de Justiça, uma entidade pública independente que tem como objeto a defesa dos direitos, liberdade e garantias dos cidadãos. Também há o reconhecimento da Advocacia e da Defesa Pública, esta para as pessoas carentes de recursos financeiros.

As forças armadas são uma instituição militar, regular e apartidária, incumbida da defesa militar do país, obedientes aos órgãos de soberania competentes, sob a autoridade suprema do presidente da República, nos termos da Constituição, das leis e das convenções internacionais. A defesa da Pátria e dos direitos dos cidadãos, prescreve a Constituição, é direito e dever fundamental de todos os angolanos.  A Constituição disciplina a garantia da ordem e os seus objetivos de segurança e tranquilidade públicas, e a proteção das instituições, dos cidadãos, de seus bens, direitos e liberdades fundamentais contra a criminalidade violenta ou organizada, tendo a Polícia Nacional como a instituição vocacionada para essa missão. Cuide-se que nela há a disciplina para a preservação da segurança do Estado visando a salvaguarda do Estado democrático de direito, mediante as instituições de órgãos de inteligência e de segurança do Estado.

Em suma, esses os órgãos e instituições que a Constituição angola elegeu para a guarda de sua supremacia normativa e para a defesa da legalidade democrática do país.


4 OS GUARDIÕES DE CABO VERDE[17]

Na última asserção do preâmbulo da Constituição de Cabo Verde está enunciado que ela formalmente corporifica as profundas mudanças políticas operadas no país e propicia as condições institucionais para o exercício do poder e da cidadania num clima de liberdade, de paz e de justiça, fundamentos de todo o desenvolvimento econômico, social e cultura do país.  Nessa, em linha similar às Constituições de Portugal e de Angola, está preceituado que a soberania pertence ao povo, que o Estado subordina-se à Constituição e às leis e que os atos governamentais somente serão válidos se estivem em conformidade com a Constituição.

Dentre as tarefas do Estado está a de garantira a sua independência e unidade, bem como a democracia política e a participação democrática dos cidadão na organização do poder e demais aspectos da vida política e social. Também está prescrito que as normas constitucionais relativas aos direitos, liberdade e garantias vinculam todas as entidades públicas e privadas e são diretamente aplicáveis. E reconhecido a todo cidadão o direito de não obedecer a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão ilícita, quando não seja possível recorrer à autoridade pública. Tenha-se que os direitos, liberdades e garantias só poderão ser suspensos em casos de declaração do estado de sítio ou de emergência.

Segundo a Constituição, são órgãos de soberania o presidente da República, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais.  O presidente é o garante da unidade da Nação e do Estado, da integridade do território, da independência nacional, vigia e garante o cumprimento da Constituição e dos tratados internacionais, e é o comandante supremo das Forças Armadas. Dentre suas atribuições, está a de dissolver a Assembleia Nacional, nomear o primeiro-ministro, de requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade das leis, dos tratados internacionais e dos referendos, de vetar os projetos de lei, de decretar o estado de sítio e de emergência, e de declarar a guerra ou celebrar a paz.

O Governo é composto pelo primeiro-ministro, pelos ministros e pelos secretários de Estado. O Conselho de Ministros é constituído pelos ministros. O Governo é órgão que define, dirige e executa a política interna e externa do país, e é politicamente responsável perante a Assembleia Nacional. Compete ao Governo o exercício de atividades políticas e a condução da administração superior do país.

A Assembleia Nacional é o órgão que representa todos os cidadãos caboverdianos. É formada pelos deputados eleitos, e pode ser dissolvida, na mesma legislatura, se rejeitar duas moções de confiança ao Governo ou se aprovar quatro moções de censura ao Governo. Porém não pode ser dissolvida na vigência dos estados de exceção (sítio ou emergência), nem nos doze meses posteriores a sua eleição nem nos doze meses anteriores ao término do mandato do presidente da República, sendo juridicamente inexistente o ato de dissolução praticado fora das autorizações constitucionais. A Constituição garante o direito de oposição para os deputados cujos partidos não participam do Governo.

Dentre as atribuições de guarda da Constituição, está a de fiscalizar o Governo, de autorizar a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência. Além, obviamente, de alterar a Constituição, se houver aprovação de dois terços dos deputados. A revisão da Constituição só pode ocorrer após decorridos cinco anos da publicação da última lei de revisão constitucional. Excepcionalmente, se houver a concordância de quatro quintos dos deputados, a Assembleia pode revisar a Constituição fora desses prazos. A Constituição não pode ser revisada na vigência do estado de exceção constitucional e há limites materiais para essa revisão, como independência nacional, a forma republicana, a separação dos órgãos de soberania, a independência judicial, os direitos, liberdades e garantias constitucionais etc.

No tocante ao poder judiciário, está prescrito que a administração da Justiça tem por objeto dirimir conflitos de interesses públicos e privados, reprimir a violação democrática e assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Constituição e à lei, e não podem aplicar normas contrárias à Constituição ou aos princípios nela consignados. Assim como nas Constituições já ventiladas, há um capítulo apenas para cuidar do Tribunal Constitucional e da “guarda e defesa” da Constituição.

Ao Tribunal Constitucional compete a matéria jurídico-constitucional. Os seus magistrados exercerão a função por um período de nove anos e possuem as prerrogativas e proibições inerentes aos demais magistrados. As decisões do Tribunal, nos processos de fiscalização de constitucionalidade ou de legalidade, possuem força obrigatória geral. Os efeitos das decisões, no concernente aos prazos, podem ser manipuladas, a fim de preservar a segurança jurídica e a estabilidade das situações normativas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A defesa nacional é a disposição, integração e ação coordenadas de todas as energias e forças morais e materiais da Nação, face a qualquer forma de ameaça ou agressão, a integridade territorial e a independência de Cabo Verde, a liberdade e a segurança da sua população, bem como o ordenamento constitucional democraticamente estabelecido. As forças armadas estão subordinadas e obedecem aos competentes órgãos constitucionais e legais de soberania e não podem ter qualquer atuação político-partidária, e devem defender as instituições democráticas e o ordenamento constitucional.

Esses são os principais aspectos do modelo constitucional caboverdiano de defesa da legitimidade democrática e de guarda da legalidade constitucional.


5 OS GUARDIÕES DA GUINÉ-BISSAU[18]

Segundo a Constituição, a Guiné-Bissau é uma república soberana, democrática, laica e unitária, cuja soberania reside no povo, que exerce o poder político diretamente ou através dos órgãos eleitos democraticamente, com efetiva participação popular orientada para a construção de uma sociedade livre e justa. Na Constituição há a proclamação de gratidão eterna ao combatente que voluntariamente se sacrificou para garantir a libertação da pátria, demonstrando que a conquista da liberdade foi mediante intensa participação e insurreição popular em face do domínio colonial português nas lutas de libertação no século passado.

Prescreve a Constituição que a República da Guiné-Bissau defende o direito dos povos à autodeterminação e à independência, que apoia a luta dos povos contra o colonialismo, o imperialismo, o racismo e todas as demais formas de opressão e exploração. E que é dever fundamental do Estado salvaguardar, por todas as formas, as conquistas do povo e, em particular, a ordem democrática constitucionalmente instituída, e que a defesa da Nação deve organizar-se com base na participação ativa e na adesão consciente das populações. Também prescreve que as Forças Armadas são instrumento nacional ao serviço do povo e instituição primordial de defesa da Nação, com a incumbência de defender a independência, a soberania e a integridade territorial. As forças armadas devem obedecer aos órgãos de soberania, são apartidárias e seus elementos não podem exercer qualquer atividade política. E, segundo a Constituição, as forças de segurança têm por função defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, e também são apartidárias e seus elementos proibidos de qualquer atividade política.

Dispõe a Constituição que são órgãos de soberania o presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o governo e os tribunais, e que a organização do poder político está baseada na separação e independência dos órgãos de soberania e na subordinação de todos eles à Constituição.  Está prescrito que o presidente da República é o chefe de Estado, símbolo da unidade, garante da independência nacional e da Constituição e comandante supremos das forças armadas. Jura o presidente defender a Constituição, as leis, a independência e unidade nacionais. Para essas missões, a Constituição autoriza o presidente a promulgar, ou a vetar as leis, declarar os estados de guerra, de sítio ou de emergência (emergência constitucional), de dissolver ou o Parlamento ou de demitir o Governo.

O Parlamento (a Assembleia Nacional Popular) é o supremo órgão legislativo e de fiscalização política representativa dos cidadãos guineenses, e também tem competência para defender e zelar pela Constituição, seja mediante a sua reforma ou requerendo a dissolução do Governo ou requerendo o processamento em face de eventuais crimes do presidente da República. A decretação dos estados de emergência constitucional deve ser apreciada pelo Parlamento.

No tocante ao poder judiciário, está prescrito que os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, são independentes e apenas sujeitos á lei, que os magistrados devem exercer as suas funções com total fidelidade aos princípios fundamentais e aos objetivos da Constituição e que devem obediência apenas à lei e à sal consciência. O Supremo Tribunal de Justiça é a instância judicial suprema da República.

No processo de fiscalização da constitucionalidade das leis, está prescrito que os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição. E que admitida a questão da inconstitucionalidade, o incidente será apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, cujas decisões terão força obrigatória e geral. No tocante à revisão ou reforma da Constituição, a proposta deve ser aprovada por pelo menos dois terços dos parlamentares, e não podem afetar uma série de temas, como a unidade e a república, a laicidade e a integridade do Estado, os direitos e liberdades fundamentais etc. Em suma, são esses os guardiões da Constituição da Guiné-Bissau.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Os guardiões das constituições lusófonas:: uma breve análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6299, 29 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85637. Acesso em: 23 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos