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Dois fatores de insegurança jurídica na área tributária

17/10/2020 às 13:00
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O regime não cumulativo do PIS-Cofins e a substituição tributária para frente deveriam ser eliminadas do nosso sistema tributário. Apresentamos proposta de redação para o § 7º do art. 150 da Constituição.

Há dois fatores que trazem insegurança jurídica permanente aos contribuintes em geral. Se eliminássemos ambos do nosso sistema tributário em vigor, atingiríamos, de imediato, a simplificação pretendida pelos autores da reforma tributária radical, que mais complica do que resolve.

O primeiro fator de insegurança jurídica é o regime não cumulativo do PIS-COFINS, que veio à luz como forma de aumentar a arrecadação de forma sub-reptícia.

Insatisfeitos com o regime cumulativo que jamais trouxe qualquer tipo de litígio, os legisladores partiram para a implantação do regime não cumulativo, um regime nebuloso que permite a exacerbação da carga tributária de maneira invisível, mediante a manipulação da base de cálculo e das alíquotas diferenciadas fixadas para cada produto ou grupo de produtos.

Assim é que a Lei nº 10.865/2004, que instituiu o PIS/COFINS-Importação pelo regime não cumulativo, já sofreu 76 alterações. Basta conferir no site do Planalto-Legislação para constatar a espantosa quantidade de normas riscadas por conta de suas substituições. Fico a imaginar: como é possível o contribuinte conviver com essas instabilidades jurídicas, sem perda considerável do seu tempo dedicado à atividade empresarial.

O outro fato de insegurança jurídica reside na esquisita figura jurídica da substituição tributária para frente. Esse mecanismo atécnico, que afronta a teoria geral do fato gerador, permite que o estado arrecade antes da ocorrência do fato gerador, tributando a futura operação mercantil, com base no fato gerador presumido.

Depois que os governantes encurtaram o prazo de recolhimento do imposto que, no início era de 30 dias fora o mês, até chegar ao prazo de 5 a 10 dias, pleitearam e obtiveram do Congresso Nacional a aprovação da Emenda nº 3, de 17-3-1993, que inseriu o § 7º ao art. 150 da CF com a seguinte redação:

“§ 7º. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Esse regime vem sofrendo uma alteração constante, ao sabor dos interesses políticos do momento, encampados pelos legisladores.

O maior ganho dos governadores não estava apenas na arrecadação antecipada, mas, na apropriação indébita da diferença entre o arrecadado com base no fato gerador presumido e aquele resultante do fato gerador efetivamente ocorrido na operação subseqüente, infinitamente menor, como decorrência do inchaço da base de cálculo provocado pelos astutos legisladores estaduais, favorecidos pela jurisprudência equivocada do STF que, durante duas décadas, bateu-se pela tese de que sendo definitiva a substituição tributária, não há que se cogitar de restituição do excesso, ou da complementação do eventual valor faltante.

Após duas décadas de equivocada jurisprudência danosa aos contribuintes, o STF reverteu a tese determinando a restituição do imposto pago a mais, porém, modulou os efeitos da decisão, perpetuando a apropriação indébita do excesso arrecadado, resultante da ação de espertos governantes que elevaram demasiadamente a base de cálculo da operação de substituição tributária para arrecadar bem acima do limite legal.

É ledo engano supor que, com a interpretação conforme a Constituição dada ao § 7º, do art. 150 da CF, os litígios cessaram. Esse regime vem provocando litigiosidade no contencioso administrativo e judicial envolvendo questões das mais variadas, como a identificação do sujeito ativo do crime de apropriação indébita na operação de substituição tributária; o procedimento a ser observado na substituição tributária em operações interestaduais, uma vez que cada estado está adotando uma sistemática própria, ao arrepio da lei de regência nacional do ICMS, a Lei Complementar nº 87/96. Por causa dos litígios infindáveis em razão desse odioso regime de substituição tributária, na proposta de reforma tributária encaminhada ao Ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo IBDAFT, que presidimos, alteramos a redação do § 7º do art. 150 da CF para os seguintes termos:

“§ 7º. É vedada a atribuição ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição com fundamento no fato gerador presumido”.

Concluindo, quase 100% das demandas judiciais pertinentes ao PIS-COFINS estão relacionadas a esses dois aspectos tratados neste artigo: o regime não cumulativo e a substituição tributária.

É preciso mudar a cultura do “complicar para arrecadar” para “simplificar para arrecadar mais”.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Dois fatores de insegurança jurídica na área tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6317, 17 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86058. Acesso em: 28 mar. 2024.

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