4. Dos embargos à execução contra a Fazenda Pública. A nova redação do art. 741 e do seu parágrafo único
Para não terminar sem o registro, ainda que breve, continua vigente o parágrafo único do art. 741, do CPC, sede originária de toda a discussão, como visto no primeiro quadrante deste estudo.
Com a reforma trazida pela Lei n. 11.232/2005, os Embargos à Execução fundada em sentença foram alterados para Embargos è Execução contra a Fazenda Pública, ganhando o caput do art. 741, bem como os seus incisos I, V e VI, nova redação. Também o parágrafo único teve a redação alterada, passando a contar com o mesmo texto hoje empregado na impugnação à execução para o cumprimento das sentenças, quando fundada na inexigibilidade do título judicial por inconstitucionalidade da norma que o sustenta (art. 475-L, §1º).
Por essas razões, ressalvando o que ficou dito quando da análise do procedimento a ser observado pela impugnação à execução, já que os embargos oferecidos pela Fazenda Pública seguirão, por força do próprio posicionamento topográfico do instituto, o regular e aceito procedimento dos arts. 736, e seguintes, do CPC, estende-se, por se entender perfeitamente aplicável ao novo parágrafo único do art. 741, do CPC, todas as sugestões e demais argumentos lançados no corpo deste trabalho.
5. Conclusão
O acalorado debate em torno da coisa julgada inconstitucional ganha colorido diverso quando observado à luz da anunciada colisão entre os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade substancial.
Inserido nesse conturbado contexto, encontra-se, como visto ao longo deste despretensioso trabalho, o recém criado instituto da impugnação à execução para o cumprimento de título judicial fundado em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, fruto da Lei n. 11.232/2005, que alterou diversos artigos do Código de Processo Civil e, em especial, a sistemática da execução.
Em linhas conclusivas, tem-se que a nova roupagem legislativa da referida impugnação deixa fora de dúvidas que o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade incumbirá ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro órgão jurisdicional pela via difusa.
Sobre o controle, depois da análise dos valores envolvidos no complexo jogo da chamada coisa julgada fundada em norma inconstitucional – segurança jurídica e igualdade –, entende-se que o reconhecimento da inexigibilidade do título deverá ter como fundamento uma decisão do STF prolatada no controle concentrado de constitucionalidade, sem prejuízo da edição de Resolução pelo Senado. Esse o primeiro marco para a aplicação do instituto.
Na seqüência, quando do julgamento da impugnação pelo juízo competente, seja ele qual for, e à vista de um caso concreto, faz-se importante destacar, como segundo marco para a aplicação do instituto, que o resultado da impugnação em debate dependerá da ponderação daqueles mesmos valores constitucionais – segurança jurídica e igualdade –, vistos aqui sob um novo enfoque, orientada pelo princípio instrumental da razoabilidade.
Com essa interpretação, consoante ressaltado no corpo do texto, o que se buscou foi colocar a salvo a constitucionalidade da própria impugnação à execução para o cumprimento de título judicial fundado em norma reconhecida inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, prevista no §1º, do art. 475-L, do Código de Processo Civil.
A análise do tema apenas teve início. E o convite a ela decorre da sua relevância.
Nesse particular, o objetivo das idéias aqui lançadas foi, justamente, o de alinhavar algumas orientações que possam, de forma minimamente segura, guiar os que se lançarem nesta longa caminhada.
Referências Bibliográficas
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MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Gera. Comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 8ª ed., São Paulo: RT, 2004.
TALAMINI, Eduardo. "Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade (CPC, art. 741, parágrafo único)", RePro n. 106, pp. 38/83.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. II. 36ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
________. "A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional", Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 89, Belo Horizonte, jan.-jun./2004.
ZAVASCKI, Teori Albino. "Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC", RePro n. 125, pp. 79/91.
Anexo
Superior Tribunal de Justiça
Recurso Especial nº 720.953-SC, 1ª Turma, unânime, j. 28.06.2005, DJU 22.08.2005, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI.
"PROCESSO CIVIL. SENTENÇA INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS.
1. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideraras as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo).
2. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2a parte).
3. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g, as que a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável, d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.
4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência.
5. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC.
6. Á luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais - a antiga ou a nova - deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses) e a deliberação tomada se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI).
7. Recurso a que se nega provimento."
Notas
01
Confira-se, na jurisprudência, dentre inúmeros outros, os seguintes acórdãos: STF – HC n. 60.095/RJ, Min. Rafael Mayer; STJ – REsp n. 226436/PR, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; e TJ/RJ – Ap. Cível n. 2002.001. 05960, Des. Francisco de Assis Pessanha.02
Nas palavras de THEODORO JÚNIOR, "como regra geral, só a dívida vencida pode ser exigida através da execução forçada". In Curso de Direito Processual Civil, 36ª ed., vol. II, Editora Forense, 2004, p. 278.03
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil Brasileiro (Exposição sistemática do procedimento). 23ª ed. rev. at. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 187.04
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 8. ed., SP, RT, 2004, p. 156.05
THEODORO JÚNIOR, Humberto. "A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional", Revista Brasileira de Estudos Políticos, 89, jan.-jun./2004, Belo Horizonte, p. 94/95.06
Por todos, vale conferir: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Considerações sobre a chamada ´relativização` da coisa julgada material", Revista Dialética de Direito Processual – RDDP, n. 22, pp. 108/109.07
TALAMINI, Eduardo. "Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade (CPC, art. 741, parágrafo único)", RePro n. 106, pp. 38/83. Em síntese conclusiva, afirma: "Assim, nos casos enquadráveis no art. 741, par, ún., a regra geral é a da possibilidade de desconstituição do provimento veiculador da solução inconstitucional, podendo-se excepcionalmente afastar a incidência da norma por razões de segurança jurídica. Nos demais casos (provimentos declaratórios, constitutivos, condenatórios transitados em julgado depois do início de vigência da nova norma, condenatórios já executados, condenatórios que contenham violações constitucionais "não-paradigmáticas" etc), a regra geral é a da manutenção do provimento, cabendo excepcionalmente sua desconstituição. Em ambas as exceções, deverão ser considerados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade".08
ZAVASCKI, Teori Albino. "Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC", RePro n. 125, pp. 79/91.09
Pede-se vênia para remeter o leitor aos textos citados.10
Como leciona o Prof. BARBOSA MOREIRA, "As modificações do Código têm um traço comum evidentíssimo: inspiram-se todas no propósito de tornar mais ágil a marcha do feito, eliminando formalidades supérfluas e simplificando a prática de atos processuais". In "Os novos rumos do processo civil brasileiro", Temas de Direito Processual, 8ª Série, p. 67-68.11
Ver, também neste ponto, a ementa do REsp n. 720.953-SC, transcrita no Anexo.12
Os destaques não são textuais e objetivam aclarar as mudanças na redação do dispositivo, quando confrontada com a anterior redação do parágrafo único do art. 741, do CPC.13
THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil, p. 268; dentre outros.14
TALAMINI. Op. Cit., p. 73-74.15
THEODORO JÚNIOR. "A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional".16
Sobre o tema, vale conferir os posicionamentos dos professores TALAMINI, Eduardo, e ZAVASCKI, Teori Albino, mesmo que anteriores à reforma. Obras citadas.17
ZAVASCKI. Op. Cit., p. 85.18
Nesse sentido, TALAMINI. Op. Cit., p. 62/63.19
"O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias (...)". MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Gera. Comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.82.20
"O princípio isonômico revela a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas". STF – 2ª Turma, Ag. Instr. n. 207.130-1/SP, rel. Min. Marco Aurélio, abril/1998.21
BARROSO, Luís Roberto. "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil)", R. Dir. Adm., Abr./Jun. 2005, n. 240, p.11.22
BARROSO. Op. Cit., p.11. Grifos no original.23
Interessante citar, neste passo, dois recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal: MS n. 25.460-DF (Inf. n. 415), ficando assentado que: "Vantagem pecuniária incorporada aos proventos de aposentadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode O Tribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória. Precedentes (...)". RE 442683/RS, rel Min. Carlos Velloso (Inf. n. 413), ressaltando a jurisprudência da Corte no sentido da impossibilidade do provimento derivado dos cargos públicos, mediante ascensão funcional, asseverou que, na espécie, tratar-se-ia de ação em processo subjetivo e que os atos questionados ocorreram sob a égide de legislação que os possibilitava. Entendeu-se que o desfazimento desses provimentos causaria, consoante assentado no acórdão impugnado, dano muito maior à Administração Pública e atentaria contra os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.24
BARROSO. Op. Cit. p. 11.