O direito à educação está consagrado no art. 6º da Constituição Federal sob o título dos direitos e garantias fundamentais e seus princípios fundamentais estão inscritos nos artigos 205 e 206 da Carta Magna. Diz o texto constitucional:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; 1 VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
Ao inscrever a educação como direito universal e subjetivo, o Brasil avançou na direção da garantia de acesso à educação e, nos últimos anos, buscando avançar também na questão da qualidade de ensino, mas há ainda um longo caminho a percorrer para que alcancemos a garantia do padrão de qualidade também inscrito entre os princípios constitucionais da educação nacional – as Prefeituras, infladas em gestões anteriores de novas funções, sem repasses adequados, para fazer de conta que cumpriam o texto constitucional e a lei federal com repasses pontuais e o desmonte da remuneração de quem não ganha o mínimo existencial.
A Portaria Interministerial MEC/ME 3/2019 define o valor mínimo nacional por aluno/ano dos anos iniciais do ensino fundamental urbano em R$ 3.440,29, em substituição ao valor de R$ 3.238,52 que fora estimado na Portaria Interministerial 7/2018.
O Ministro Cézar Peluso (STF) pronunciou-se sobre a questão da função social do magistério e sua valorização, ao participar em 2008 dos debates durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3772, contra a lei federal 11.301/2006, que estende o benefício da aposentadoria especial aos professores ocupantes de cargos de direção, coordenação e assessoramento pedagógico.
Disse o magistrado naquela ocasião que “(Trata-se) de valorizar uma função importante, como diz o Art. 205 (da Constituição Federal), de uma atividade que faz parte da dignidade humana porque é condição necessária para o desenvolvimento das virtualidades da pessoa. Isto é, uma pessoa que não recebe educação, não se desenvolve como pessoa e, portanto, não adquire toda a dignidade a que tem direito, e a educação é, portanto, nesse nível, tão importante, que quem se dedique a ela como professor recebe do ordenamento jurídico um benefício correspondente.”
Destaca-se, aqui, a necessidade da garantia de condições de trabalho para professoras e professores como fator necessário para assegurar a qualidade do ensino. De um lado, devem ser garantidos salários dignos e compatíveis com a importância de sua função social e sua formação, de tal modo que ele possa se dedicar com tranquilidade e segurança à sua profissão, sem necessidade de desdobrar-se em muitas classes e escolas, com excessivo número de alunos, ou até mesmo acumular outras atividades, o que evidentemente prejudica a qualidade de seu trabalho.
Por outro lado, devem ser garantidas estrutura física e condições ambientais satisfatórias nas escolas, equipamentos, materiais pedagógicos, organização dos tempos e espaços escolares e a correta composição de sua jornada de trabalho, sem sobrecarregá-lo com excessivo trabalho em sala de aula, diretamente com os alunos. Isto resultará em profissionais mais motivados e mais preparados para ministrar aulas e participar de todo o processo educativo em sua unidade escolar e no sistema de ensino.
Outro aspecto a ser considerado é adoecimento dos professores em razão das condições de trabalho e inadequada composição da jornada, o que acarreta um custo crescente para os sistemas de ensino com a concessão de licenças e com substituições.
O advento da Lei Federal nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica foi um importantíssimo passo no sentido da superação da atual situação.
Além de determinar que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais com valor abaixo do piso salarial profissional nacional, a lei 11.738/2008 determina também, em seu artigo 2º, § 4º, que na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com alunos.
Desta forma, no mínimo 1/3 da jornada de trabalho deve ser destinado às chamadas atividades extraclasse. Contudo, a lei foi contestada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada pelos governos estaduais de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará e Santa Catarina, ainda no ano de 2008. Esta ADIN já foi superada por decisão definitiva daquela Corte, que declarou plenamente constitucional a Lei 11.738/2008.
Com tal decisão, a lei já deveria ter sido aplicada por todos os entes federados, em todos os sistemas de ensino do país, mas não é o que ocorre.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN - Lei n.º 9.394/96 discorre em seus artigos 62 e 67 sobre a formação do magistério.
O art. 67 determina que os sistemas de ensino promovam a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público, os seguintes direitos:
I. Ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II. Aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para este fim;
III. Piso salarial profissional.;
IV. Progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
V. Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI. Condições adequadas de trabalho.
Como vimos, é princípio constitucional a valorização dos profissionais da educação escolar e, como princípio específico, a necessidade de piso salarial nacional. Vê-se, então, que a tônica dos dois incisos constitucionais citados acima é a da valorização do magistério, cujos docentes estão incluídos entre os profissionais da educação básica.
Ressaltamos que o eixo da valorização dos profissionais da educação, como suporte para uma educação de qualidade, é que de respaldo às diretrizes políticas e legais definidas pela Lei Federal nº 11.738/08, que regulamentou o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica.
No espaço de tempo entre a aprovação da Constituição de 1988 e a LDB, o Brasil vivenciou, também, a aprovação do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), que definiu como meta de valorização salarial, o seguinte:
Aumentar progressivamente a remuneração do magistério público, através de plano de carreira que assegure seu compromisso com a produtividade do sistema, ganhos reais de salários e a recuperação de sua dignidade profissional e do reconhecimento público de sua função social. (BRASIL, 1993, p. 43).
De acordo com o documento acima citado, a implementação de uma política de longo alcance para o magistério era condição precípua para que se atingisse os objetivos de elevação dos padrões de qualidade educacional. Apontava, enquanto política de financiamento, a criação de Fundos, Programas e Projetos, no sentido de promover a equalização social de oportunidades para todas as regiões.
É nesse contexto que foram criados os Fundos – FUNDEF e depois FUNDEB - e se publicou a Lei Federal nº 11.738/2008. Cabe esclarecer que o Projeto de Lei do Piso Salarial, que foi aprovado em caráter definitivo, resultou de amplo debate envolvendo a sociedade, os gestores das três esferas de governo e o congresso nacional.
É fruto, também, de dois Projetos de Lei: um oriundo do Executivo (PL 619/07), em que são coautores o Ministério da Educação (MEC), Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), no texto do Senado Federal (PL 7.431/06).
Assim, regulamentou-se o Piso Nacional Salarial, Lei n.º 11.738/08. Os conceitos de Piso e de Profissionais do Magistério dispostos no art. 2.º da Lei n.º 11. 738/08 possuem abrangência nacional. O seu objetivo é propiciar maior isonomia profissional no país, e sua incidência se dá sobre os profissionais habilitados em nível superior ou nível médio, na modalidade Normal, atuantes nas redes públicas de educação básica da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Esse artigo fixa, também, a composição da jornada de trabalho sobre a qual se aplicará o Piso Salarial Nacional. Três pilares da carreira profissional encontram-se contemplados nesse conceito: salário, formação e jornada.
A definição do que é o piso salarial nacional está contida no parágrafo 1º do artigo 2º da lei, assim redigido:
§ 1º- O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.
Continuando, a mesma lei mais adiante (§ 4º do mesmo artigo 2º) trata da composição da jornada de trabalho: § 4º. Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
Logo, quando se afirma que vai se pagar certa quantia por determinado trabalho, há que se explicitar qual é a quantia e qual é o trabalho. O trabalho é tanto a quantidade de horas que se trabalha como é também a descrição dessas mesmas horas, ou seja, a descrição de como elas se dividem, dentro ou fora da sala de aula.
Não há sentido e nem possibilidade lógica em se afirmar que será pago determinado valor a um profissional sem que se diga a que se refere este valor. O que a lei afirmou é que o Piso Salarial Nacional é igual a R$ 950,00 mensais (valor da época da publicação da lei), pago como vencimento, por uma jornada de 40 horas semanais (proporcional nos demais casos), sendo que essa jornada deve ser cumprida de modo que, no máximo, 2/3 sejam exercidos em atividades de interação entre professores e alunos.
Em relação à constitucionalidade do § 4º do artigo 2º da Lei Federal n° 11.738/2008, transcrevemos parte do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, quando fala da importância de um terço da jornada ser destinado para atividades extra aula:
Eu ousaria, acompanhando agora a divergência iniciada pelo Ministro Luiz Fux, entender que o § 4º também não fere a Constituição pelos motivos que acabei de enunciar, pois a União tem uma competência bastante abrangente no que diz respeito à educação. Eu entendo que a fixação de um limite máximo de 2/3 (dois terços) para as atividades de interação com os alunos, ou, na verdade, para a atividade didática, direta, em sala de aula, mostra-se perfeitamente razoável, porque sobrará apenas 1/3 (um terço) para as atividades extra-aula. Quem é professor sabe muito bem que essas atividades extra-aula são muito importantes. No que consistem elas? Consistem naqueles horários dedicados à preparação de aulas, encontros com pais, com colegas, com alunos, reuniões pedagógicas, didáticas; portanto, a meu ver, esse mínimo faz-se necessário para a melhoria da qualidade do ensino e também para a redução das desigualdades regionais.
O julgamento ocorreu em 27/04/2011 e, portanto, desde então, todo ente da federação deveria organizar as jornadas de trabalho docentes de acordo com o disposto no § 4º do artigo 2º.
Consagrou-se a tese jurídica, portanto, que dá lastro aos dizeres da Lei do Piso, formando-se a proporcionalidade de um terço da jornada de trabalho para atividades extraclasses, que, por força de lei, deve cumprir a finalidade prevista no artigo 67, inciso V, da Lei Federal nº 9394/96 – LDB, ou seja, deve ser destinada para estudos, planejamento e avaliação.
No caso das pajens e auxiliares de ensino em creches, tem-se que a Lei de Diretrizes e Base - Lei Federal 9.394/96, estabeleceu no artigo 89, o prazo de 3 (três) anos para que as creches passassem a integrar o sistema de ensino, o que não está sendo obedecido pelos entes públicos, com raríssimas exceções.
Geralmente, a função de pajem acaba por compreender a força de trabalho que dirige grupos de crianças, acompanhando e participando de seus deveres escolares, orientando quanto a higiene, educação e alimentação, visando desenvolver os níveis cognitivos, afetivos e sensório motor.
Portanto, a Lei nº 11.738/2008 é perfeitamente aplicável aos pajens que possuam qualificação na área da educação em nível médio ou superior, considerando que exercem atividade de suporte pedagógico, além dos cuidados como monitoras.
Embora ainda não se possa dizer que o precedente seja amplo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5615 SP, Relatoria do Min. Alexandre de Moraes, parece ter se inclinado no sentido ora apresentado, eis que, no caso das creches da USP validou a tese de que as auxiliares de educação infantil teriam direito ao piso salarial previsto em lei.
A jurisprudência paulista, desde há muito, tem até permitido a cumulação, quando o caso, de cargos de professor e pajem. Sobre o tema, entendimentos cristalizados:
TJ-SP - Apelação APL 9105645802008826 SP 9105645-80.2008.8.26.0000 (TJ-SP) Data de publicação: 02/02/2012 MANDADO DE SEGURANÇA SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL DO QUADRO DO MAGISTÉRIO - PRETENSÃO À ACUMULAÇÃO DE CARGOS PROFESSOR E PAJEM POSSIBILIDADE. 1. Embora o cargo de pajem seja qualificado como ?auxiliar?, os requisitos para o provimento são técnicos. 2. Inteligência dos artigos 37 , XVI , letra ?b?, da CF e 4º do Decreto Estadual nº 41.915 /07. 3. Precedentes deste Tribunal de Justiça. 4. Sentença reformada. 5. Recurso de apelação provido.
TJ-SP - Apelação Cível AC 91056458020088260000 SP 9105645-80.2008.8.26.0000 (TJ-SP) Data de publicação: 02/02/2012 MANDADO DE SEGURANÇA SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL DO QUADRO DO MAGISTÉRIO - PRETENSÃO À ACUMULAÇÃO DE CARGOS PROFESSOR E PAJEM POSSIBILIDADE. 1. Embora o cargo de pajem seja qualificado como “auxiliar”, os requisitos para o provimento são técnicos. 2. Inteligência dos artigos 37, XVI, letra “b”, da CF e 4º do Decreto Estadual nº 41.915/07. 3. Precedentes deste Tribunal de Justiça. 4. Sentença reformada. 5. Recurso de apelação provido.
Admitindo a aplicação do piso salarial a pajem, também da Justiça bandeirante:
TJ-SP - Apelação APL 10042594820158260405 SP 1004259-48.2015.8.26.0405 (TJ-SP) Data de publicação: 30/09/2015 APELAÇÃO – Servidora municipal – Pajem – Município de Osasco. PISO SALARIAL – Aplicação da Lei Federal n. 11.738 /08 aos professores municipais – Admissibilidade – Inteligência dos arts. 24, § 1º e 206, VIII, ambos da CF – No entanto, a lei é aplicada tão somente aos profissionais do magistério público (art. 61, da Lei 9.394 /96), que não é o caso da autora - Inteligência da LCM n. 168/08, com redação dada pelas LCMs ns. 172/08 e 189/10 – Sentença mantida - Recurso improvido.
Não obstante existam julgados em sentido contrário, a grande maioria deles se atém ao fato de não haver prova efetiva de similitude entre os cargos de pajem e professor de educação infantil – portanto, a grande preocupação do advogado, ao mover demanda desta natureza deva ser a comprovação da situação fática, eis que a tese jurídica parece estar sendo pacificada.
A diferenciação entre as funções de professor e pajem, normalmente sem exigência de formação semelhante, com carga horária superior e salário inferior, acarreta uma divisão de tarefas na prática educativa. Essa posição, segundo pesquisadores da área como Rosemberg (1994) são criticadas devido às consequências nefastas para os alunos, pois cria um conceito inerente a separação entre corpo e mente, na gestão do cotidiano onde um cuida e outro educa. Isso sem citar contextos que o profissional considerado pajem é intimado a participar de diversos papéis educativos, participando inclusive de treinamentos pedagógicos, que se configuram acima da suposta função para o qual são remunerados. Necessário o reconhecimento da complexidade do cuidado e educação de crianças como uma construção indissociável.
Além disso, aponta-se como uma prática rotineira o papel do pajem certamente atuando em diversos campos devido a necessidade de a creche atuar oferecendo atividades diversas objetivando o preparo para a alfabetização, através de treino motor e exercícios de grafismos. (OLIVEIRA; ROSSETTI-FERREIRA, 1989)
A política nacional de formação de profissionais para Educação Infantil precisa superar decisivamente a visão que norteou o atendimento dessa faixa etária, onde as crianças ficavam apenas sob cuidados físicos e atendimentos básicos, para isso, é imprescindível oferecer condições de exercício profissional na Educação Infantil. Não se detém a discussão sobre os aspectos de formação, mas sobre a prática, a valorização e a dignidade salarial.