Muito se tem debatido com relação aos crimes cometidos pela internet que envolvam fraudes a partir do exterior.
Da mesma forma é comum a existência de tais delitos quando o delito vem do exterior nos casos que envolvam cenas de conteúdo pornográfico, principalmente quando envolvam pedofilia.
Em recente julgamento, no RHC 31.491/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 4 de setembro de 2013, num caso envolvendo a divulgação de imagens ou fotografias com conteúdo pornográfico infantil (artigo 241 do estatuto da criança e do adolescente), utilizando-se programa de compartilhamento de arquivos, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que para firmar a competência da Justiça Federal não basta que o Brasil seja signatário de Convenção Internacional, sendo imprescindível a comprovação da internacionalidade da conduta atribuída ao acusado.
Para fixar a competência da Justiça Federal seria necessário que na atividade ilícita de pedofilia, inclusive por meio de internet, o crime se consuma com a publicação ou divulgação, ou qualquer outra das ações previstas no tipo penal do artigo 241, caput, e § § 1º e 2º, da Lei 8.069/90, na rede mundial de computadores, de fotografias ou vídeos de pornografia infantil, dando o agente causa ao resultado da publicação, que é vedada por lei, dento e fora dos limites do território nacional.
Naquele caso em discussão, o agente utilizou-se do Programa eMule, cuja característica é o compartilhamento de arquivos e que teria divulgado imagens ou fotografias com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes, o que faria evidenciar a competência da Justiça Federal para julgamento da ação penal, sendo o material proibido acessível para computares localizados em diversas partes do mundo.
Naquele caso, citou-se, inclusive, o compromisso do Brasil perante a comunidade internacional, ao aderir aos termos da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, promulgada no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 99.710/1990.
O julgamento aqui trazido a colação está em convergência a outro em que foi Relatora a Ministra Assusete Magalhães, DJe de 22 de março de 2013, CC 103.011/PR, onde identificou-se, naquele momento, que o material de conteúdo pornográfico não ultrapassou os limites dos estabelecimentos escolares nem tampouco as fronteiras do Estado brasileiro. Identificou-se que, não obstante, a origem do material em questão fosse, em tese, advinda da internet, a conduta que se pretendia apurar consistia no download realizado, pelo investigado, e na armazenagem de vídeos, em computadores de escolas municipais, amoldando-se ao crime previsto no artigo 241, § 1º, II, da Lei 8.069/90, cuja redação vigente é anterior a Lei 11.829/08, inexistindo indícios de que o investigado tenha divulgado ou publicado o material além das fronteiras nacionais.
Para aquele caso não restou evidenciada a transnacionalidade do delito, tendo em vista que a conduta do investigado restringiu-se, até aquela época, à captação e ao armazenamento de vídeos, de conteúdo pornográfico, ou de cenas de sexo explícito, envolvendo crianças e adolescentes, nos computadores de duas escolas, fixando o Superior Tribunal de Justiça a competência para instruir e julgar o caso para a Justiça Estadual.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Justiça Federal é competente para processar e julgar a prática de crime de publicação, na internet, de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo criança ou adolescente. Esse entendimento é extraído do julgamento do Recurso Extraordinário 628624, em tema de repercussão geral reconhecida.
O RE questiona o acórdão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) que determinou a competência da Justiça Federal para processar e julgar a suposta prática do crime de publicação de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo adolescentes (artigo 241-A da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente), quando cometidos na internet. Em síntese, o autor do RE sustenta que a matéria seria de competência da Justiça estadual, uma vez que não existiria qualquer evidência de que o acesso ao material pornográfico infantil, disponível na rede mundial de computadores, tenha ocorrido fora dos limites nacionais.
O relator da matéria, ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso extraordinário, considerando não haver tratado endossado pelo Brasil prevendo o crime, mas apenas a ratificação do Brasil à Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele concluiu que a ausência de tratado específico confirmado pelo Brasil impossibilita atribuir competência da Justiça Federal para julgar o fato. Segundo o ministro, o delito foi totalmente praticado no Brasil – início e consumação – “porquanto o material veio a ser inserido no computador que se encontrava no país, não tendo sido evidenciado o envio ao exterior e a partir dessa publicação é que se procederam vários acessos”. Dessa forma, ele votou no sentido de reformar o acórdão da 4ª Turma do TRF-1, determinando a remessa do processo à Justiça estadual de Minas Gerais. O voto do relator foi seguido pelo ministro Dias Toffoli.
O ministro Edson Fachin abriu a divergência e foi seguido pela maioria do Plenário. Ele negou provimento ao recurso extraordinário e entendeu que a matéria é de competência da Justiça Federal, conforme disposição contida no artigo 109, inciso V, da Constituição Federal.
Segundo ele, há três requisitos essenciais e cumulativos para a definição da competência da Justiça Federal na matéria: que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção; que o Brasil seja signatário de compromisso internacional de combate àquela espécie delitiva; que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido (ou que deveria ter sido produzido).
“Do exame que fiz, compreendi como preenchidos os três requisitos”, ressaltou o ministro Edson Fachin. De acordo com ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é produto de tratado e convenção internacional subscrita pelo Brasil “exatamente para proteger as crianças dessa prática nefasta e abominável que é a exploração de imagens na rede mundial, internet”.
Com isso, salvo melhor juízo, entende-se que a questão(ponto controvertido) objeto de julgamento em sede de repercussão geral, tem uma solução pela competência da Justiça Federal para julgar crime de publicação on line de conteúdo pornográfico infantil.
À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que:
a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro;
b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e
c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente.
A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil.
Recentemente o STJ voltou a se debruçar sobre a matéria de alta gravidade que envolve os crimes cometidos pela internet e a competência para instruir e julgar.
Por unanimidade, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a competência da Justiça de São Paulo para julgar ação penal contra pessoas que estariam usando indevidamente uma marca brasileira de joias para dar golpes por meio das redes sociais.
Em representação à Polícia Civil de São Paulo, a empresa proprietária da marca alegou que estaria sendo vítima de crimes contra a propriedade intelectual em mensagens postadas nas redes sociais ou encaminhadas por WhatsApp e e-mail, e pediu que fosse iniciada uma investigação.
De acordo com o inquérito policial, a fraude seria praticada por internautas localizados em outros países. Com as mensagens na internet – que normalmente simulavam promoções da marca –, eles atraíam pessoas para páginas falsas e tentavam induzi-las a fazer operações financeiras.
Por entender que o processo discutia delitos transnacionais praticados no exterior pela internet, o juiz de Santana de Parnaíba (SP), vinculado ao tribunal estadual, encaminhou os autos para a Justiça Federal, a qual suscitou o conflito de competência. Para o juízo federal, os crimes em apuração não afetavam interesses da União; além disso, o uso da internet, por si só, não seria suficiente para justificar a sua competência.
O caso foi objeto de discussão no CC 168775 .
Trago à colação parte do voto:
“No caso, não há elementos probatórios que permitam afirmar que as condutas em apuração são criminalizadas nos países em que a mensagem foi visualizada (até porque esses locais não estão declinados nos autos) e que houve resultado no exterior, com usuários vítimas das fraudes. No mais, o Brasil não é signatário de convenção ou tratado internacional em direito comercial que o obriga a criminalizar violações contra os registros de marcas, nos termos dos arts. 189 e 190 da Lei n. 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial).
5. Sobre esse último ponto, vale referir que o Decreto n. 10.033/2019 incorporou o Protocolo de Madri sobre o Registro Internacional de Marcas (firmado em Madri, Espanha, em 27/06/1989), o qual, embora seja considerado o mais importante documento para a proteção global de marcas, não faz referências à tipificação de delitos. Outrossim, a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT – o Acordo TRIPs (promulgado pelo Brasil no Decreto n. 1.355/94), embora preveja a criminalização de condutas em seu art. 61, ressalva que a tipificação deve ocorrer nas hipóteses de pirataria e contrafação, em que é nítido o intuito comercial, e em larga escala – o que não é a hipótese dos autos.
6. Distinção relativamente ao CC 163.420/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, no qual a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao declarar a competência da Justiça Comum Federal, considerou o fato de o Brasil ser signatário de "Convenção Internacional sobre Combate ao Racismo".
Cabe ainda ressaltar que a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, promulgada pelo Decreto n. 65.810/1969, prevê expressamente em seu art. IV, alínea a, as condutas que devem ser declaradas delitos puníveis por lei.”
Em seu voto, Laurita Vaz considerou ainda que não seria prudente estabelecer a competência da Justiça Federal sob o argumento de que haveria interesse da União na apuração dos crimes, em razão da posição do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – autarquia federal – no sistema de proteção à propriedade industrial no Brasil.
Para ela, antes do objetivo de cometer crimes contra a marca, o que os fraudadores pretendiam era induzir os consumidores a acreditar em falsas promoções da grife de joias, com a verdadeira finalidade de obter vantagem ilícita.
"Sob essa perspectiva, a conduta praticada, a rigor, corresponderia ao crime de estelionato, que absorveria os crimes da Lei 9.279/1996. É a premissa que, a propósito, resultou na edição da Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça", concluiu a ministra ao declarar a competência da Justiça estadual.
Com informações do STJ