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Teletrabalho e direito à desconexão

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O equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar é fundamental. A desconexão das plataformas digitais após a jornada de trabalho é essencial, em especial na atual sociedade em que as relações interpessoais estão cada vez mais virtuais.

O século XXI marca uma nova sociedade e uma nova organização do trabalho. Pressão para atingir metas, sobrecarga e ritmo intenso de labor, sistema de premiações ou punições, divisão de tarefas, estratégias de controle e extrapolação da jornada de trabalho são alguns traços característicos dessa nova organização. É nesse contexto que emerge o assédio moral organizacional.

O assédio moral organizacional consiste no conjunto de condutas abusivas e reiteradas, que estão inseridas na política gerencial da empresa, dirigidas a todos os trabalhadores indistintamente ou a determinado setor ou perfil de trabalhadores, que atinge a dignidade, a integridade física e mental, além de outros direitos fundamentais do trabalhador.

A disseminação da internet e o desenvolvimento de aplicativos e plataformas digitais, no contexto de Quarta Revolução Industrial, acarretam o surgimento de um novo modelo de produção, cuja organização do trabalho, alicerçada no “crowdsourcing”, é controlada pela programação ou pelo algoritmo.

O “crowdwork” ou “crowdsource” (trabalho em multidão) consiste no labor que é executado por meio de plataformas on-line que colocam em contato, por um tempo indefinido, determinado número de organizações, empresas e indivíduos através da Internet, conectando clientes e trabalhadores em uma base global.

Intensificam-se, desse modo, formas atípicas de execução e de fiscalização do labor, que, associadas à hiperconexão, telepressão e informatização do trabalho, potencializam a prática de uma nova modalidade assediadora: o assédio moral virtual.

Nesse sentido, o assédio moral virtual consiste no conjunto de ações ou omissões, abusivas e reiteradas, praticadas por meios de comunicação escritos, orais e visuais, por intermédio de plataformas eletrônicas, aplicativos de mensagens instantâneas, correio eletrônico ou sistemas informatizados, que violam os direitos fundamentais do trabalhador.

Em virtude da cultura organizacional de constante conexão e disponibilidade, existe uma pressão por respostas imediatas, independentemente do dia, lugar e horário. Trata-se da telepressão.

É comum, portanto, que o trabalhador responda a e-mails ou envie mensagens instantâneas ao supervisor ou aos clientes fora do horário de trabalho. Quando essa cobrança por conexão permanente e respostas rápidas é acompanhada de condutas abusivas e hostis, inseridas na política gerencial da empresa, surge o assédio moral organizacional virtual.

Com o teletrabalho, a demanda por alta produtividade e constante conexão é ainda maior. O teletrabalho consiste no labor realizado à distância por intermédio da tecnologia da informação.

No Brasil, o teletrabalho subordinado foi reconhecido no ordenamento jurídico com a alteração promovida pela Lei n. 12.551/2011 no art. 6º da CLT, no sentido de que, presentes os requisitos da relação de emprego, não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância.

A Lei n. 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, com o objetivo de regulamentar o trabalho à distância realizado por intermédio dos meios telemáticos e informatizados, incluiu o Capítulo II-A na CLT, disciplinando o teletrabalho nos arts. 75-A a 75-E, além de inserir o inciso III no art. 62 da CLT, que prevê a ausência de controle de jornada para os teletrabalhadores.

Fruto de árduas lutas e conquistas históricas, a limitação razoável do número de horas de trabalho é um direito humano que encontra alicerce em diversas convenções internacionais, bem como amplo regramento na Constituição Federal, constituindo norma de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Com efeito, a ausência de limitação da jornada de labor possibilita a realização de jornadas superiores a 8 horas diárias e 44 horas semanais, comprometendo o direito fundamental à saúde e à integridade física e mental do trabalhador (arts. 5º, V e X, 6º, 7º, XXII, e 196 da CF/1988), além de violar o direito à irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, da CF/1988) e o direito à desconexão. Possibilita, ainda, a prática do assédio moral virtual.

Isso porque, ao excluir o teletrabalhador da limitação de jornada, potencializa-se a hiperconexão e a realização de jornadas extenuantes, bem como a exigência de constante disponibilidade e respostas imediatas (telepressão). Compromete-se, assim, o descanso, o lazer e o convívio familiar do teletrabalhador, violando seu direito fundamental à desconexão.

O direito à desconexão ou direito ao não trabalho é o direito fundamental implícito de não estar à disposição do empregador nos momentos de folga, feriados ou ao final de sua jornada de trabalho. Busca-se garantir, assim, a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho.

O equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar é fundamental. A desconexão das plataformas digitais após a jornada de trabalho é essencial. Numa sociedade em que as relações interpessoais estão cada vez mais virtuais, referidas medidas evitam o assédio moral e o adoecimento mental dos trabalhadores, concretizando o direito fundamental ao trabalho digno.

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Sobre a autora
Claiz Maria Pereira Gunça dos Santos

Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Graduada em Direito, com Láurea Acadêmica, pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça. Teletrabalho e direito à desconexão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6357, 26 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87103. Acesso em: 2 nov. 2024.

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