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Controle interno na dívida ativa municipal

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29/12/2020 às 08:30
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4. APRIMORAMENTO DA GESTÃO NA DÍVIDA ATIVA MUNICIPAL

Com efeito, para a realização de um eficiente controle na dívida ativa municipal, o órgão de controle interno, seja ele a Procuradoria Jurídica ou a Controladoria Interna, deve possuir os meios e garantias para alcançar seu desiderato.

Nesse sentido, ainda que não haja expressa previsão legal, como nas legislações municipais da Prefeitura de Ribas do Rio Pardo – MS e na da Câmara Municipal de Água Clara – MS, devem ser reconhecidas a estes órgãos os meios para que possam atingir os seus fins, sob pena de ineficácia.

Nisso consiste a teoria dos poderes implícitos, adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando apreciou a possibilidade do Ministério Público realizar investigações criminais por seus próprios meios (RE 593.727).

Nesse diapasão, segundo os Delegados de Polícia Eduardo Cabette e Francisco Neto11,

A teoria dos poderes implícitos tem sua origem na Suprema Corte dos EUA, no ano de 1819, no precedente Mc CulloCh vs. Maryland. De acordo com a teoria, a Constituição, ao conceder uma função a determinado órgão ou instituição, também lhe confere, implicitamente, os meios necessários para a consecução desta atividade. Nesse contexto, os defensores da investigação Ministerial argumentam que, ainda que a Constituição da República não tenha conferido expressamente ao Parquet a possibilidade de investigar infrações penais, tal prerrogativa estaria inserida de maneira implícita no dispositivo que confere ao Ministério Público a titularidade da Ação Penal (artigo 129, inciso I). Em outras palavras, se a opinio delicti fica a cargo do promotor público, deve-se outorgar a ele os meios necessários para melhor exercer a sua função, o que, segundo os defensores da tese, incluiria a possibilidade de realizar as investigações. A teoria em estudo também poderia ser explicada pelo famoso adágio “quem pode o mais, pode o menos”. Assim, se o Ministério Público pode o mais (propor a Ação Penal), também pode o menos (realizar investigações preliminares).(g. n.)

Destarte, segundo essa teoria, atribuindo a Constituição a função para os órgãos de controle interno realizar auditorias e fiscalizações, deve dar a eles os meios para a consecução de suas atividades.

Nada obstante, existem alguns municípios nos quais esses cargos são de provimento em comissão, como é o caso do município de Santa Bárbara D’Oeste –SP, conforme as Leis Complementares nº 58/2009 e 215/2015, em seu art. 5º.

Nesses casos, a atuação do controle resta comprometida, pois os cargos e funções de confiança são de livre provimento e exoneração do gestor, ou ad nutum, conforme art. 37, inc. II, da Constituição da República.

Como já salientou o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, o concurso público é12,

o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantem no poder leiloando cargos e empregos Públicos. (g. n.)

Portanto, não só para os cargos de Controlador, mas também os de Procurador não prescindem do indispensável concurso público para o seu provimento, como primeira garantia do servidor para o exercício imparcial de suas atribuições na fiscalização e controle da dívida ativa municipal.

Conforme pontuou o Procurador de Contas Ricardo Alexandre13,

Em virtude de a inscrição, via de regra, ficar a cargo de um órgão de representação judicial, alguns autores enxergam no ato de inscrição um importante mecanismo de controle de legalidade de todo o procedimento administrativo que se iniciou logo após o fato gerador e culminou com o encaminhamento para inscrição em divida ativa, pois se trata da primeira vez em que a matéria será submetida a alguém necessariamente graduado em direito (o procurador da fazenda ou cargo equivalente). (g. n.)

E não é outro o entendimento do magistrado paulista Ricardo Chimenti, segundo o qual14

Conforme tivemos oportunidade de sustentar na obra Lei de Execução Fiscal comentada e anotada (2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 45), “Não sendo efetuado o pagamento do valor lançado, no prazo fixado em lei, a Fazenda Pública inscreve a dívida, o que permite o controle da legalidade da exigência. (g. n.)

Portanto, a inscrição é o momento chave para a realização do controle de legitimidade desse ato administrativo, tanto pela Consultoria Jurídica, quanto pela Controladoria Interna, quando esse ato não estiver indo ao encontro do postulado da eficiência.

Noutra quadra, sobre a obrigatoriedade de consolidação do órgão de controle interno pelo ente municipal, o professor Marcelo Corrêa anota que15

É importante destacar que a Constituição Federal prevê no artigo 31, 70 e 74 e Lei de Responsabilidade Fiscal em seu artigo 59, sem falar da exigência do Tribunal de Contas do Estado, que estabelece que a fiscalização dos atos da administração deva ser exercida com base num SISTEMA DE CONTROLE INTERNO, concebido a partir de uma estrutura organizada e articulada, envolvendo todas as unidades administrativas no desempenho de suas atribuições. De forma simplificada, podemos dizer que a instauração de um Controle Interno, nada mais é do que o cumprimento de uma exigência constitucional, mas de forma ampla pode-se afirmar que este tem um importante papel, pois se trata de um departamento que articula informações por meio de métodos de monitoramento e fiscalização com o objetivo de resguardar a entidade pública por meio de orientações preventivas nas áreas contábil, financeira, orçamentária e patrimonial, verificando a legalidade, legitimidade, economicidade, moralidade e desempenho na administração dos recursos e bens públicos.

Ademais, conforme publicou em artigo o Advogado José Perina, corroborando o entendimento aqui esposado de que o órgão de controle interno deve ser dotado de garantias16,

A Controladoria é o Órgão Central de Controle Interno do Poder Executivo, com total autonomia funcional, responsável pela expedição de atos normativos e regulamentadores dos procedimentos de controle. É unidade administrativa para integrar os procedimentos de controle e fiscalização e ainda consolidar as informações de gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional, com a finalidade de atestar a legalidade, a legitimidade, a economicidade, a eficiência e a eficácia dos programas de governo; podendo também fazer controle exercido com metodologia de auditoria no âmbito de determinada unidade administrativa. (...) O Controle Interno deve ter o status de uma Secretaria, devendo assim estar ligado diretamente ao gabinete do prefeito, na medida em que os próprios secretários passam a ser passíveis de fiscalização.

Transpondo as lições acima também para o Poder Legislativo, pode-se dizer que na estrutura da Câmara de Vereadores a Controladoria deve possuir o status de uma Diretoria, devendo estar ligada diretamente à Mesa Diretora ou à Presidência, haja vista que os demais órgãos estarão sujeitos à sua fiscalização.

Finalmente, em trabalho monográfico exemplar, o Auditor Estadual Roberto Fink aponta que para o efetivo funcionamento do sistema de controle interno nos municípios, oito condicionantes devem ser observadas. São elas: instituição mediante lei específica, apoio incondicional da alta administração, unidade de coordenação integrada por servidores efetivos, qualificação desses servidores, autonomia para o exercício dessas atribuições, disponibilidade de tempo, remuneração adequada e utilização dos trabalhos desenvolvidos para o aprimoramento da gestão pública.17

Finalmente, conforme assevera Antônio Roque Citadini (pág. 90), existe a necessidade do controle interno não se submeter ao Poder Executivo, sob pena da atividade não ser útil à Administração.

Aliás, a jurisprudência pátria, em julgados felizes, tem dado guarida ao entendimento aqui defendido, no sentido do provimento do cargo de Controlador/Auditor de Controle Interno mediante concurso público de provas e títulos, face a sua natureza técnica, haja vista que o controlado não deve possuir a confiança do controlador, sob pena de subversão do sistema de controle interno. Eis a ementa de alguns julgados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARGUIÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA – ASSOCIAÇÃO ESTADUAL – DEMONSTRAÇÃO DE REPRESENTATIVIDADE E PERTINÊNCIA TEMÁTICA DA DEMANDA – PRELIMINAR REJEITADA – LEI COMPLEMENTAR – TRANSFORMAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO DO MUNICÍPIO – CRIAÇÃO DE CARGOS COMISSIONADOS DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E CONTROLE INTERNO, GERENTE DE DEPARTAMENTO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, GERENTE DE DEPARTAMENTO DE GERENCIAMENTO DO APLIC, GERENTE DE DEPARTAMENTO DE AUDITORIA E CONTROLE INTERNO, GERENTE DE NÚCLEO DE ACOMPANHAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, GERENTE DE NÚCLEO DE CONTROLE INTERNO, GERENTE DE NÚCLEO DE PADRONIZAÇÃO DE PROCESSOS E GERENTE DE NÚCLEO DE TRANSPARÊNCIA – ATRIBUIÇÕES DE NATUREZA TÉCNICA – AUSÊNCIA DE ATIVIDADES DE ASSESSORAMENTO, CHEFIA OU DIREÇÃO – OFENSA AO

P RINCÍPIO DA INVESTIDURAREGRA DISPOSTA NO ART. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 129, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – INCONSTITUCIONALIDADE VERIFICADA – AÇÃO PARCIAL PROCEDENTE.

(ADI nº 1018096-68.2020.8.11.0000 - Orgão Especial - TJMT)

"...Diante do exposto, com base no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 4º da LC 22/2017, do Município de Belmonte/SC, na parte em que estabeleceu o provimento dos cargos de Diretor de Controle Interno e de Controlador Interno por meio de cargo em comissão ou função gratificada."

(RE nº 1.264.676-SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes)

De forma idêntica, em julgado mais antigo, entendeu o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo nos autos de TC nº 1091/2011, cuja ementa segue em destaque:

NECESSIDADE DE IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO JUNTO AO PODER LEGISLATIVO - REGRA DO ARTIGO 74 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL - IMPOSSIBILIDADE DE O CARGO DE CONTROLADOR INTERNO SER OCUPADO EM RAZÃO DE NOMEAÇÃO EM CARGO COMISSIONADO OU MEDIANTE CONTRATO ADMINISTRATIVO - CARGO OCUPADO POR SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO INVESTIDO POR CONCURSO PÚBLICO - NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO: ATÉ A REALIZAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO, O PREENCHIMENTO DO CARGO DEVE SER FEITO POR SERVIDORES JÁ PERTENCENTES AO QUADRO DE PESSOAL EFETIVO, DESDE QUE REÚNAM AS QUALIFICAÇÕES NECESSÁRIAS AO DESEMPENHO DAS ATRIBUIÇÕES INERENTES - RESOLUÇÃO TC N. 227/2011 - GUIA DE ORIENTAÇÃO PARA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. (g. n.)

Nesse diapasão, por exemplo, o Controlador inscrito nos quadros da OAB ou não, deve gozar da independência profissional e isenção técnica prevista no art. 18. da Lei Federal nº 8.906/94.

Consequentemente, além da já citada nomeação do Controlador ou Procurador por concurso público, uma remuneração adequada é essencial para permitir que esse servidor dedique-se de forma integral para a realização dessa importante função na fiscalização dos recursos do público.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por fim apresentar os diversos argumentos que giram em torno das características do sistema de controle interno municipal, em especial os dispositivos da Constituição Federal, bem como os do Código Tributário Nacional, da Lei de Execuções Fiscais, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei de Normas Gerais sobre Direito Financeiro, além de algumas legislações municipais acerca da temática.

Com efeito, o ideal é que o controle da Administração Pública municipal seja realizado de forma ampla, não somente pelos órgãos do sistema de controle interno, a Procuradoria Jurídica e a Controladoria Interna, mas também pelo sistema de controle externo, composto pela fiscalização exercida pela Câmara de Vereadores, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado (ou do município, no caso dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro), pelo Poder Judiciário, mediante as ações judiciais específicas, como o mandado de segurança, a ação popular e a ação civil pública, além do controle popular, exercido através do direito constitucional de petição.

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Ademais, a doutrina especializada no assunto classifica o controle interno como controle administrativo, nesse realizado dentro do mesmo ente do qual pertence o órgão fiscalizador, dentro de sua estrutura hierárquica.

Nesse diapasão, a própria Constituição da República determinou, em seu art. 74, que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno, sendo que sua instituição trata-se de cumprimento de norma constitucional, cuja omissão pode ser sanada com o manejo do instrumento constitucional de fiscalização abstrata das omissões inconstitucionais, como ação direta de inconstitucionalidade, e neste mesmo dispositivo permitiu a participação popular nesse sistema de controle.

Assim, sendo a Controladoria Interna e a Advocacia Pública municipal os órgãos legitimados a esse mister fiscalizatória, nada mais pertinente do que conferir a eles, de acordo com a teoria dos poderes implícitos, os meios para que alcancem o fim almejado, qual seja, uma fiscalização imparcial e eficiente dos princípios constitucionais da legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, tudo em conformidade com o art. 70. da Constituição de Outubro.

Igualmente, o papel conferido aos órgãos de controle interno na Constituição Federal de 1988 deve ocorrer como respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, neles compreendido os direitos sociais, os quais somente são atendidos quando existentes recursos financeiros suficientes, sendo que, para atingir seus misteres constitucionais em sintonia com o princípio constitucional da eficiência, deve-se dar aos dispositivos constitucionais uma interpretação que lhes de a máxima efetividade, ou seja, no sentido de possibilitar ao sistema de controle interno uma atuação direta e independente, com resultados que garantam a eficácia e eficiência na gestão orçamentária e financeira, nestas compreendidas as receitas auferidas mediante a arrecadação tributária, classificada como receita derivada pela Lei Federal de Direito Financeiro.

De seu turno, muito olvidado pela doutrina de direito tributário e financeiro é o fato de que a inscrição dos créditos tributários na dívida ativa é o momento chave para o exercício do controle administrativo de legalidade desse ato administrativo, a fim de evitar prejuízos financeiros decorrentes da geração de títulos executivos nulos e sem nenhum efeito jurídico, papel este a ser prontamente executado pelos órgãos de controle interno.

Finalmente, devem-se parabenizar os entes municipais que já instituíram, em seus âmbitos, a Controladoria e a Procuradoria municipais, cujo efetivo funcionamento somente tende a trazer benefícios ao sistema de controle interno, principalmente àquele que deve ser realizado dentro do sistema de dívida ativa, almejando sempre a arrecadação de receitas para fazer frente aos investimentos constitucionalmente obrigatórios, como saúde, educação, segurança pública e seguridade social.

Em arremate, cabe trazer à baila as palavras do Ministro Alexandre de Moraes em recente julgado, proferido no bojo da ADI-MC 6357 DF, segundo o qual “a importância de planejamento e a garantia de transparência são os dois pressupostos mais importantes para a responsabilidade na gestão fiscal, a serem realizados mediante prevenção de riscos e possíveis desvios do equilíbrio fiscal”.

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Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestre em Direito. Procurador Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno Abdalla. Controle interno na dívida ativa municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6390, 29 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87585. Acesso em: 5 dez. 2025.

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