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A experiência de uma voluntária nos testes do covid-19 e a relação com as fake news

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Conto a minha experiência como voluntária dos testes realizados pela Pfizer, para estudo da vacina, e o que tudo isso tem a ver com uma série de fake news que vêm sendo espalhadas.

No último ano, o mundo parou por conta da pandemia causada pelo Covid-19 e a vontade de extirpar o vírus fez com que as grandes indústrias farmacêuticas iniciassem uma corrida para produzir um medicamento eficaz contra o vírus. As gigantes Pfizer, Johnson & Johnson, AstraZeneca, Bayer, Merck, Moderna, Sinovac, dentre outras, receberam doações bilionárias de governos e particulares que financiaram projetos de pesquisa para criar e produzir uma vacina em um curto espaço de tempo e, sobretudo, capaz de anular o Sars-CoV-2.

Especificamente quanto ao campo de pesquisa realizado pela Pfizer-BioNTech, farmacêutica a qual me voluntariei para participar dos estudos clínicos, a sua vacina BNT162b2 é baseada no RNA mensageiro, ou mRNA, que ajuda o organismo a gerar a imunidade contra o coronavírus, especificamente o vírus SARS-CoV-2, onde o mRNA estimula a resposta do sistema imune resultando, assim, potencialmente em proteção para o indivíduo, segundo canal de perguntas e respostas fornecido pela própria Pfizer [1].

As pesquisas foram realizadas na Alemanha, em parceria com outra farmacêutica, a alemã BioNTech, tendo sido escolhido voluntários de vários países para a fase 3 de estudo da vacina, dentre eles o Brasil, que contou com 2.900 participantes nas cidades de São Paulo - SP, no CEPIC – Centro Paulista de Investigação Clínica, e em Salvador - BA, na OSID - Obras Sociais Irmã Dulce.

Inscrevi-me para participar da equipe de voluntários da vacina Pfizer-BioNTech na cidade de Salvador - BA, sendo convocada no mês de agosto do ano de 2020. A primeira reunião se deu para conhecer o método de pesquisa e estudo, entender o funcionamento da vacina, como seria operacionalizada a logística de vacinação após conclusão dos estudos, além de dar ciência dos termos de consentimento que cada voluntário deveria assinar para participar do programa.

A cada nova ida a OSID, eu e os demais voluntários, realizávamos exames clínicos, testes para Covid-19 e todo os procedimentos médicos necessários para o estudo em comento, sendo fornecido aos participantes todas as datas em que deveriam comparecer a nova reunião.

Ainda nos foi explicado que seria necessário se submeter a duas doses da vacina e que existiriam dois grupos no estudo, o dos “vacinados” e o dos participantes que tomariam placebo, substância inócua que não tem o condão de produzir anticorpos do Covid-19, bem como que não seria divulgado naquele momento o que cada voluntário havia recebido.

Em setembro de 2020, recebi a primeira dose da substância, até então por mim desconhecida, e em outubro do mesmo ano, após 21 dias, fui submetida à segunda e última dose. Após isso, deveria aguardar o fim dos estudos e a comprovação de eficácia – ou não – da BNT162b2.

No início do mês de novembro de 2020, a Pfizer e a BioNTech anunciaram a eficácia da vacina, que foi considerada mais de 90% eficaz na prevenção da Covid-19, em participantes sem evidência de infecção prévia por Sars-CoV-2. Segundo Albert Bourla, presidente e CEO da Pfizer, ao anunciar o sucesso dos estudos declarou que

“Hoje é um grande dia para a ciência e a humanidade. O primeiro conjunto de resultados de nosso ensaio de Fase 3 da vacina COVID-19 fornece a evidência inicial da capacidade de nossa vacina em prevenir COVID-19 (...) Com as notícias de hoje, estamos um passo significativo mais perto de fornecer às pessoas em todo o mundo uma inovação muito necessária para ajudar a pôr fim a esta crise de saúde global. Estamos ansiosos para compartilhar dados adicionais de eficácia e segurança gerados por milhares de participantes nas próximas semanas” [2].

Por fim, em dezembro do mesmo ano foi publicado na revista científica New England Journal of Medicine o resultado completo dos estudos da vacina BNT162b2, confirmando a segurança e a eficácia de 95% do imunizante, estando o medicamento apto e pronto para imunizar a população [3].

Contudo, o centro de pesquisa responsável pelos estudos na cidade de Salvador somente manteve contato para me informar sobre a substância a que eu havia sido submetida no fim de janeiro de 2021, quando fui avisada que participei do grupo “vacinados” e que havia apresentado imunidade. O primeiro momento foi de euforia, alegria e gratidão à ciência, aos colaboradores das Obras Sociais Irmã Dulce, e a todos profissionais da Pfizer e BioNTech que se empenharam e correram contra o tempo para produzir uma vacina eficaz e segura.

Contudo, em dado momento esses bons sentimentos foram esmagados pela chuva de Fake News a respeito dessa e de outras vacinas, pela guerra política que a pandemia gerou, além das várias alegações e supostas denúncias de burla à lista de pessoas com prioridade na aplicação do imunizante, uma vez que, pessoas como eu, teoricamente fora das características do grupo de risco, estariam sendo vacinadas antes daqueles que gozavam de prioridade.

A ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária - é o órgão responsável por regular o registro de medicamentos para garantir que um novo remédio seja eficaz e seguro para a população. E para isso é necessária a aprovação do uso de todo e qualquer tratamento que pode durar até 180 dias para medicamentos considerados prioritários e até 365 dias para aqueles considerados não prioritários, conforme estabelecido pela Lei nº 13.411/2016 [4].

Contudo, em virtude da pandemia mundial provocada pelo Covid-19, foi publicada a Lei nº 13.979/2020, cujo texto dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, além de prever a possibilidade de autorização excepcional e temporária para importação e distribuição de insumos, que independem de registro definitivo em agência sanitária estrangeira, sendo suficiente o emergencial, dadas as peculiaridades da crise sanitária enfrentada, segundo ministros do STF nos julgamentos das ADIs nº 6.586 e 6.587.

A vacina produzida pela Pfizer-BioNTech não conseguiu autorização em caráter emergencial para seu uso no Brasil, sendo autorizadas as vacinas do Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o consórcio Astrazeneca/Oxford, o que gerou, e ainda tem gerado, uma série de especulações e divulgação de notícias falsas a respeito.

A exemplo do ocorrido com a primeira pessoa a receber o imunizante no país, a enfermeira Mônica Calazans. À época, circulou nas redes sociais notícias de que Mônica já havia tomado doses da Coronavac e que a imunização foi encenada como forma de ludibriar a população, tomando como base uma reportagem real publicada no site do Conselho Regional de Enfermagem em que Calazans fala sobre sua experiência como voluntária para os testes da vacina [5].

De fato, a enfermeira participou dos teste clínicos realizados pelo Instituto Butantan/Sinovac, contudo, foi submetida a doses de placebo, conforme esclarecido pelo próprio centro de pesquisas, ou seja, a época em que foi submetida a vacina e se tornou a primeira pessoa imunizada no Brasil, a enfermeira ainda não havia adquirido anticorpos da doença por ter tomado, enquanto voluntária, substância inócua, o placebo.

O mesmo vem ocorrendo com outros participantes voluntários que foram atacados em redes sociais sob o argumento de que haviam “furado fila” para tomar doses da vacina Coronavac sem respeitar a lista de prioridades.

Em verdade, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra o Covid-19 elenca uma série de requisitos que o indivíduo deve comprovar para ser considerado grupo prioritário, como os profissionais de saúde na linha de frente do combate a pandemia, idosos, povos indígenas, pessoas com determinadas deficiência, caminhoneiros, pessoas em situações de rua, povos quilombolas, dentre outros.

E mais! Para além disso é importante esclarecer que o plano de vacinação se aplica tão somente às vacinas autorizadas em caráter emergencial pelo Poder Público, não abarcando outros grupos de pesquisa realizados no Brasil com indústrias farmacêuticas que não tiveram seu imunizante liberado para uso no país, bem como os participantes voluntários que, de acordo com o programa associado, receberiam as doses da vacina caso houvesse tomado placebo ao longo dos estudos.

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Como é o caso do grupo em que eu, essa que vos escreve, se voluntariou, cujo termo assinado por nós esclarece que os voluntários que participaram dos estudos e grupo de testes da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 no Brasil e que receberam placebo e não o imunizante, seriam vacinados posteriormente de forma gratuita e antecipada, o que vem acontecendo desde o dia 20 de janeiro do corrente ano, de acordo com comunicado divulgado pela Pfizer.

Segundo a farmacêutica, o procedimento de vacinação está de acordo com normas definidas pela Anvisa e Conep - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, e irá imunizar pouco mais de 1.400 voluntários dos 2.900 participantes no Brasil [6].

Ora, os voluntários receberão vacinas do seu grupo de pesquisa, e não vacinas antecipadas, ou por motivos de “filas furadas” à frente de grupos prioritários, como tem sido espalhado nas redes sociais. Acusar um participante de burla ao sistema por ele não fazer parte de grupo de prioridade é, na verdade, espalhar notícias falsas, criar um ambiente de ódio, descredibilizar pesquisas sérias, e enfraquecer o entendimento da população de que vacinação é necessária.

Essa escritora, por exemplo, é advogada, não possui qualquer comorbidade ou deficiência, não é idosa e nem se encaixa em qualquer outro requisito para ser considerada participante do grupo prioritário, porém, está hoje imunizada, o que não significa dizer que “furou fila” ou burlou o sistema. Isso porque as doses a que me submeti em nada se conectam com as vacinas relacionadas ao plano de vacinação que, por sua vez, é quem dá as diretrizes que devem ser seguidas e a ordem de vacinação que deve ser respeitada.

Espalhar notícias de que a vacina transformará pessoas em jacaré, ou que o imunizante é capaz de modificar o DNA dos seres humanos, ou que a pandemia foi inventada para dominar o mundo, ou mesmo que existem pessoas furando fila, ou que medicamentos sem eficácia comprovada, como a hidroxi-cloroquina, são melhores combatentes que os imunizantes que vêm sendo aplicados, faz com que cresça o número de pessoas contra a vacina e, consequentemente, tendem a reproduzir essas notícias falsas, em clara ameaça à saúde pública.

Os boatos sobre as vacinas contra o Covid-19 se intensificaram nos últimos meses, especialmente em meio à guerra política em torno da Coronavac. Segundo a Revista Piauí, nos meses de junho a outubro do ano de 2020, o Projeto Comprova, que reúne 28 veículos de comunicação para verificação de Fake News, conferiu 21 conteúdos falsos ou enganosos envolvendo as vacinas em produção ao redor do mundo, e juntos alcançaram cerca de 750 mil interações nas redes sociais e pelo menos 500 mil visualizações [7].

Nesse mesmo sentido, a Organização Mundial da Saúde alerta que teorias da conspiração, rumores e mentiras divulgadas em torno da pandemia vêm se espalhando tão rapidamente quanto o próprio coronavírus e que essa “infodemia” tem contribuído para aumentar o número de casos e mortes por Covid-19 em todo o mundo, segundo dados do BBC News [8].

 Em verdade, é necessário utilizar-se do senso de vida em comunidade, das condutas de colaboração e solidariedade para com o outro, cuja informação tem o condão de não prejudicar a saúde e nem colocar em risco a segurança dos demais, uma vez que quanto mais se prolonga a pandemia, maior é a chance de uma pessoa entrar em contato com fake news que, por sua vez, são capazes de levá-la à recusa da vacina, impactando, consequentemente, de forma direta na saúde pública.


REFERÊNCIAS:

[1] Disponível em: https://www.pfizer.com.br/sua-saude/vacinacao/covid-19-principais-perguntas-respostas-sobre-vacina-pfizer-e-biontech. Acesso em 26/01/2021.

[2] Disponível em: https://www.pfizer.com/news/press-release/press-release-detail/pfizer-and-biontech-announce-vaccine-candidate-against. Acesso em 26/01/2021.

[3] Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2034577. Acesso em 26/01/2021.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13411.htm. Acesso em 26/01/2021.

[5] Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/noticia/2021/01/18/e-fake-que-enfermeira-1a-a-ser-vacinada-no-brasil-ja-tinha-tomado-doses-da-coronavac-e-que-imunizacao-foi-encenada.ghtml. Acesso em 26/01/2021.

[6] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/01/20/pfizer-oferecera-vacina-a-voluntarios-que-receberam-placebo-em-estudos-no-brasil. Acesso em 26/01/2021.

[7] Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/vacinas-na-mira-dos-boatos/. Acesso em 26/01/2021.

[8] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53795050. Acesso em 26/01/2021.

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Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Adrielle Oliveira Barbosa. A experiência de uma voluntária nos testes do covid-19 e a relação com as fake news. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6448, 25 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88728. Acesso em: 21 nov. 2024.

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