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Anotações preliminares à Lei nº 11.340/06 e suas repercussões em face dos Juizados Especiais Criminais

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13/09/2006 às 00:00
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2. Aspectos processuais da Lei 11.340/06.

No seu art. 14, a Lei Maria da Penha, estabelece que poderão ser criados Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, com competência cível e criminal, aos quais se possibilitará funcionar no horário noturno, como meio de facilitar o acesso à Justiça. A polícia judiciária já havia adotado a práxis de criar delegacias especializadas que, como se sabe, podem alcançar bons resultados. Entretanto, a criação de Juizados da Violência Doméstica e Familiar somente será viável em comarcas cuja demanda a justifique, nas demais, a matéria deverá ficar na alçada dos juizados comuns, visto que, em pequenas e médias comarcas, nem mesmo os Juizados Especiais Criminais ainda foram estabelecidos. O problema é que há aspectos da lei relacionados a decisões cíveis, trabalhistas e criminais, sendo lícito questionar como ficará a determinação da competência para os atos processuais decorrentes da nova lei?

O art. 33 da Lei 11.340/06 que trata das disposições transitórias parece resolver a questão, quando estabelece que "enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual vigente".

Assim, na esteira de uma tendência inaugurada pela própria Lei 9.099/95, o legislador, novamente, conectou a Justiça Civil e a Criminal, agora sob clara determinação de prevalência desta última. Quais seriam, porém, as medidas cíveis determinadas na nova lei? São medidas cautelares, destinadas à preservação da integridade física, da liberdade de ir e vir, da guarda dos filhos e do patrimônio da mulher ofendida. Assim, o legislador distinguiu as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (art. 22 [17]) das medidas protetivas de urgência à ofendida (arts. 23 e 24 [18]).

Estas medidas podem ser determinadas pelo juízo criminal, atendendo aos mesmos pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas inaudita altera pars ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do fumus boni juris e periculum in mora.

Cumpre mencionar ainda as garantias do art. 9º, § 2º, I e II da Lei Maria da Penha [19] que asseguram prioridade de remoção quando se tratar de mulher funcionária pública ou manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses, sempre que tais providências se fizerem necessárias para preservar a integridade física e moral de mulher, vítima de violência doméstica ou familiar. Quanto à garantia da transferência de empregada pública é fácil concluir que tal garantia deverá ser, desde logo, aplicada pela administração pública, podendo ser determinada em juízo, especialmente, em sede de mandado de segurança, nada impedindo que o próprio juízo criminal o ordene, com fulcro no art 33 da Lei 11.340/06, mas, obviamente, quando se tratar de funcionária municipal ou estadual, a transferência somente será possível no âmbito territorial da correlata unidade federativa.

Mais problemática será a questão alusiva à manutenção do vínculo empregatício que, por certo, dará azo a infindáveis discussões. Acredita-se, entretanto, somente competir ao juízo criminal reconhecer que uma trabalhadora se enquadra na situação descrita na referida Lei, visto tratar-se de um litígio totalmente estranho à relação de emprego: a identificação do caso de violência doméstica. Portanto, evidenciada essa situação, caberia ao juiz criminal comunicar o empregador de sua decisão, garantindo o vínculo empregatício. Caso o empresário não cumpra, e promova a rescisão do contrato de trabalho, aí sim surgiria a lide trabalhista, pois, a empregada, após ter um direito reconhecido, sofreu sua violação pelo empregador. Nesse caso, a solução para o restabelecimento do vínculo passa por uma reclamatória trabalhista, onde a trabalhadora exporá a violação de seu direito ao juiz do trabalho. Nessa reclamatória, por sua vez, não se poderá admitir discussão sobre o mérito da decisão do juiz criminal. Quando muito a empresa poderá alegar fatos do tipo: justa causa, extinção do estabelecimento na região, ou algum motivo de força maior. Em resumo, portanto, cabe ao juiz criminal reconhecer o enquadramento na hipótese de violência doméstica, comunicando a empresa. Não cumprida tal determinação, o empregador estará sujeito a uma reclamatória trabalhista com pedido de reintegração e restabelecimento do vínculo rompido.

Outra questão a ser levantada será se durante o período de afastamento do local de trabalho, à garantia de manutenção do vínculo empregatício corresponde a permanência da percepção de salários. Para resolver este dilema, deve-se investigar a natureza jurídica da paralisação. No Direito do Trabalho existem duas formas de paralisação da prestação de serviços: a suspensão e a interrupção do contrato de trabalho. A primeira provoca a suspensão de praticamente todas as execuções das obrigações contratuais (pelos menos as principais, que são a prestação dos serviços e o pagamento dos salários). São exemplos de suspensão, os afastamentos por doença depois do 15º dia (quando o INSS assume a partir do 16º dia), as suspensões disciplinares, etc. Já a interrupção existencializa-se nos casos em que somente a prestação dos serviços é paralisada. O empregador continua com a obrigação de pagar os salários. Exemplos de interrupção são as férias, os descansos semanais remunerados, os 15 primeiros dias do afastamento pela doença, etc. Dentro desses dois institutos, a hipótese da Lei 11.340/06 deve ser enquadrada, já que menciona o "afastamento do local de trabalho", deixando claro que não haveria a prestação dos serviços. Por outro lado, em momento algum a lei obriga o empregador a pagar salários nesse período, o que seria imprescindível, já que ninguém está obrigado a fazer algo senão em virtude de lei. A omissão dessa obrigação, portanto, implica na hipótese de suspensão do contrato de trabalho, razão pela qual não haverá contagem do tempo de serviço, pagamento de salários, FGTS e nem recolhimento de contribuições para o INSS. Crê-se que intenção do legislador, nesse caso, foi possibilitar que a mulher se retire da localidade por um tempo, indo morar com os pais em outra localidade, etc, garantido a fonte de subsistência, quando retornar [20]. De qualquer modo, é preciso convir que, em se onerando exclusivamente o empregador com mais esta garantia de vínculo, se estará criando, por vias transversas, outra causa de discriminação contra a mulher no trabalho, a exemplo do que já ocorre com a licença-maternidade.

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Medida cautelar de caráter criminal estabelecida no âmbito da nova lei a merecer encômios é a possibilidade de prisão preventiva do agressor, prevista no art. 20 da Lei Maria da Penha [21]. A regra permite a prisão preventiva em crime de lesões corporais leves, punidos com pena de detenção, abrindo exceção à norma do art. 313, I e II do CPP que dificulta a possibilidade de prisão preventiva em crimes punidos com detenção. Trata-se de aplicação do princípio de que a lei especial prevalece sobre a geral. Todavia, uma vez que o legislador autoriza apenas a prisão preventiva do agressor resulta lícito concluir que tal não tenha cabimento em crimes de ameaça ou contra a honra, pois o conceito de agressor deve ser restritivamente interpretado. De qualquer sorte, a prisão preventiva somente poderá ser decretada nas hipóteses do art. 312 do CPP, visto tratar-se de instituto excepcional.

Vale salientar, por fim, que a regra do art. 16 da Lei 11.340/06 deverá determinar a realização de audiências preliminares no Juizado comum, a exemplo do que já vem ocorrendo em relação aos crimes dos arts. 306 e 308 da Lei 9.503/97, com os únicos objetivos de ratificação da representação já ofertada no registro policial e eventual conciliação, visto que a transação estará sempre afastada em qualquer crime praticado em situação de violência contra a mulher. A contravenção das vias de fato em situação idêntica permanecerá a cargo do Juizado Especial Criminal com plena incidência da Lei 9.099/95, posto que o art. 41 da Lei Maria da Penha refere-se apenas a crimes e não a contravenções.


Conclusões.

O afastamento dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 constitui opção duvidosa do legislador, pois a conciliação, a transação e a suspensão condicional do processo não são, necessariamente, causas de impunidade. Ao contrário, a celeridade, decorrente da desburocratização que tais institutos propiciam, é mesmo um elemento que facilita o acesso à justiça e, portanto, a repressão mais eficaz da criminalidade de pequeno potencial ofensivo. O retorno às formas clássicas de persecutio criminis (o inquérito policial e o processo comum) permitem entrever a dificuldade de acesso dos delitos de menor gravidade ao sistema de justiça, os quais irão incrementar a cifra oculta da criminalidade.

Apenas a mulher será sujeito passivo da violência doméstica, mas o sujeito ativo não é próprio, podendo ser qualquer pessoa, inclusive outra mulher. Interessa à nova lei as diversas formas de violência contra a mulher – física, psíquica, sexual, patrimonial e moral – praticadas no âmbito doméstico ou das relações familiares e afetivas. Particularizadas por tais características especializantes, a ação penal decorrente de lesões corporais leves continuará a depender de representação, porém seu autor não fará jus a qualquer outro benefício da Lei 9.099/95. Sustenta-se aqui persistir a condição de procedibilidade do art. 88 da Lei 9.099/95, em razão de uma interpretação sistemática da Lei 11.340/06 permitir tal conclusão. Em relação ao crime de ameaça (art. 147 do Código Penal) persiste a representação e, por isso mesmo, há sempre possibilidade de conciliação, mas estão afastados os benefícios da transação penal e suspensão condicional do processo. Já no tocante às vias de fato, por se tratar de contravenção, não está afastada a Lei 9.099/95.

As medidas cautelares de caráter protetivo dos arts. 22 a 24 da Lei 11.340/06, inclusive as garantias do art. 9º, § 2º, da referida lei, devem ser aplicadas pelo Juiz Criminal até que instalados os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme art. 33 da referida Lei.

De todo o exposto, pode-se concluir que a Lei 11.340/06 tem mais efeito simbólico do que resultados concretos a curto e médio prazo, posto que, atentando-se para os possíveis impactos de suas disposições sobre o sistema de justiça, é possível vaticinar que as medidas mais importantes para implementação dos seus objetivos – a consecução de políticas sociais, a cargo do poder público e de instituições privadas – em realidade serão relegadas a segundo plano, prevalecendo as ações de ordem jurídico-penal, as últimas que deveriam vir recrutadas para darem seu contributo em sede de um Estado Democrático de Direito.


NOTAS

  1. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais – Considerações acerca da Legitimidade Política e Processual do Ministério Público e do Sistema de Justiça para sua Tutela. Porto Alegre – Ed. Livraria do Advogado, ano 2006, p. 74.
  2. Com efeito, "à medida que os direitos fundamentais vão evoluindo de uma concepção formal e individual para outra democrática e substancial; na proporção em que o Direito começa a inter-relacionar-se com outras ciências sociais, como a Sociologia, a Ciência Política e a Economia, admitindo a existência de desigualdades que se fazem sentir no plano econômico, social, cultural e técnico; conforme o Estado foi abandonando aquele viés liberal abstencionista, evoluindo para um Estado gerador de políticas públicas niveladoras das desigualdades econômicas, geradoras de homogeneidade social, sem dúvida, a possibilidade de acesso efetivo à justiça firmou-se como direito fundamental do cidadão na perspectiva individual ou coletiva, que o Estado Democrático de Direito deve garantir, como decorrência inarredável do contrato social" (PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Op. Cit., p. 189).
  3. Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
    § 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
    § 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
  4. Claus Roxin aduz eloqüente crítica contra o que denomina "direito penal simbólico", ou seja, dispositivos penais "que não geram, primariamente, efeitos protetivos concretos, mas que devem servir à manifestação de grupos políticos ou ideológicos através da declaração de determinados valores ou o repúdio a atitudes consideradas lesivas. Comumente, não se almeja mais do que acalmar os eleitores, dando-se, através de leis previsivelmente ineficazes, a impressão de que se está fazendo algo para combater ações e situações indesejadas". Para o proeminente jurista alemão, todas as leis têm algum efeito simbólico e, nisto não se lhes acoima nenhum demérito, pois pretendem reforçar a consciência coletiva de respeito a determinados bens jurídicos. Ilegítimas se mostram leis de efeitos simbólicos quando inspiradas em inconfessáveis objetivos demagógicos, o que se desvela quando o dispositivo, ainda que operante sobre a consciência comum, mostra-se desnecessário para a convivência pacífica no meio social (ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradutor Luís Greco. Rio: Renovar, 2006, p. 47-8). Não se chega a afirmar-se tanto em relação à Lei 11.340/06, mas é certo que ela vem bafejada pela pretensão eleitoral de atrair a simpatia do voto feminino e, por isso, publicada com grande azáfama e ostentação. Ademais, a Lei Maria da Penha contraria as tendências minimalistas, desburacratizantes e consensualistas do Direito Penal moderno, de modo que, será necessário um esforço interpretativo lúcido e sereno para evitar danos indeléveis ao sistema, que sofrera verdadeira revolução copernicana com a Lei 9.099/95, agora fortemente ameaçado pela Lei 11.340/06.
  5. Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
    I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
    II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
    III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
    Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
  6. Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
    I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
    II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
    III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
    IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
    V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
  7. Curioso e certamente polêmico o que consta do art. 5º, parágrafo único, da Lei 11340/06, quando estabelece que "as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual". Tal dispositivo está, indiretamente, legitimando as relações homoafetivas no ordenamento jurídico brasileiro. Parece sem sombra de dúvidas que, em casais homoafetivos compostos de duas mulheres, uma delas sofrendo violência doméstica por parte da outra, estaria protegida pela norma, pois deveria prevalecer o caráter biológico "independentemente da orientação sexual", ou seja, mesmo que esta mulher tivesse assumido um papel masculino no funcionamento do casal. Problema maior será entre casais de homens, cuja solução se apresenta difícil de solver, ou seja, prevalecerá a masculinidade biológica ou a feminilidade psicológica?
  8. Afirma-se isto porque, sem dúvida, o acréscimo de uma agravante genérica em inovação do art. 61, II, letra "f", do Código Penal e uma majorante específica para lesões praticadas com violência doméstica contra pessoa portadora de deficiência não se constituem propriamente em tipos novos, mas inovações circunstanciais dos tipos penais previamente insculpidos na legislação. Ademais, como já se salientou, é verdade que a nova lei opera transformações complementares e especializantes sobre tipos preexistentes, quando estabelece que nos crimes, quaisquer que sejam eles, praticados com violência doméstica contra a mulher, não se aplica a Lei 9.099/95.
  9. Frise-se que uma interpretação que ignorasse os aspectos teleológicos da novidade introduzida pela Lei 10.886/04 poderia levar a crer que a pena de 06 meses a 01 ano do art. 129, § 9º, do Código Penal, poderia ser aplicada tanto às hipóteses de lesões leves quanto graves, visto que o legislador não fez menção expressa a que o novo parágrafo se referia tão-somente a lesões leves, referindo-se apenas a lesões. Assim, atento ao apotegma de que "onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir" poder-se-ia imaginar que a caracterização especial das lesões em ambiente doméstico fosse referente a qualquer tipo de lesão leve ou grave e, inclusive, culposa. Contudo, uma tal conclusão é ilógica, pois ofende aos objetivos da norma penal de punir mais severamente os casos de lesões praticados em situação de violência doméstica. Ademais, os parágrafos devem referir-se, como regra, ao caput do artigo, excepcionando-o ou explicitando-o, donde resulta a conclusão de que a espécie delitiva do § 9º do art. 129 do Código Penal somente se refere à alternativa típica das lesões dolosas e leves previstas no frontispício do art. 129 do Estatuto repressivo. Idêntico raciocínio deve prevalecer agora com a nova alteração dos parâmetros punitivos, introduzida pela Lei 11.340/06, ou seja, a pena de 03 meses a 03 anos, cominada à qualificadora do art. 129. § 9º, do CP, não é aplicável nos casos dos arts. 129, §§ 1º e 2º, do CP, em tais casos, concorrerá apenas a nova agravante introduzida pelo art. 43 da Lei 11.340/06.
  10. Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
  11. Nesse rumo, asseveram Ada Grinover e outros afirmam que "a transformação da ação penal pública incondicionada em ação penal pública condicionada significa despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato, isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é possível: a) transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação pública incondiciona em ação condicionada. Sob a inspiração da mínima intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a segunda) foi acolhida pelo art. 88 da Lei 9.099/95" (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais - Comentários à Lei 9.099/95. 5ª Ed., São Paulo: RT, 2005, p. 226). Em igual sentido, considerando a exigência de representação uma medida despenalizadora, vide GERBER, Daniel et DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre, Ed. Livraria do Advogado, 2006, p. 38.
  12. Referindo-se à exigência de representação em crimes de lesões corporais leves, Nereu Giacomolli obtempera que "a doutrina tem tal mudança como medida despenalizadora, ao talante da conveniência da vítima ou de seu representante legal. Por outro lado, não se pode olvidar que as lesões ocorridas no âmbito doméstico restarão acobertadas pelo empecilho criado pelo legislador, ou seja, da exigência da manifestação inequívoca da vítima em ver seu agressor acusado" (Juizados Especiais Criminais. 2ª Ed., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2002, p. 175).
  13. Poder-se-á argumentar ainda em favor da permanência da representação mesmo nos crimes do art. 129, § 9º, do CP, que a regra que impôs a exigência de representação nos crimes de lesões corporais leves está contida no art. 88 da Lei 9.099/95, mais precisamente nas disposições finais da referida lei e, por tal posição geográfica, se poderia entender não compartilhar ela da natureza estrita da Lei dos Juizados Especiais, podendo-se caracterizá-la como norma acidental e não essencial da referida lei. Sob tal enfoque se poderia argumentar que persiste a exigibilidade de representação mesmo nos crimes de lesões leves praticadas em situação de violência doméstica contra a mulher, pois o legislador pretendeu afastar apenas o benefício de natureza estrita da Lei 9.099/95, no caso, a transação penal. Em relação à suspensão condicional do processo, a matéria também poderá gerar polêmica, pois também este instituto, previsto igualmente nas disposições finais da Lei 9.099/95, não se insere na matéria típica da Lei 9.099/95 já que não é aplicável exclusivamente no âmbito do JEC, ao contrário, o sursis processual aplica-se às infrações de médio potencial ofensivo, assim entendidas como aquelas cuja pena mínima não seja superior a um ano.
  14. A análise a seguir baseia-se no magistério de Antonio García-Pablos de Molina na obra Criminologia. 3ª. Ed., Tradutor: Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, p. 72 e seguintes.
  15. Criminologia. 3ª Ed. São Paulo: RT, ano 2000, p. 479.
  16. Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 2005, 5ª Ed., p. 151. Referidos autores citam ainda decisão do STJ no RHC 8.480-SP, 5ª Turma, Rel. Felix Fischer, na qual registrada a tendência daquele Tribunal superior em aceitar a transação e a suspensão condicional do processo em delitos de ação penal privada.
  17. Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
    I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
    II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
    III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
    a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
    b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
    c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
    IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
    V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
  18. Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
    I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
    II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
    III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
    IV - determinar a separação de corpos.
    Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
    I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
    II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
    III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
    IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
  19. - Art. 9º (...)
    § 2º - O Juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
    I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
    II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
  20. As conclusões esboçadas aqui foram sugeridas pelo Juiz do Trabalho, Dr. Rogério Donizete Fernandes da Vara do Trabalho de Lajeado, a quem agradeço a colaboração. Sem dúvida que a matéria é polêmica e está longe de ser pacificada, podendo surgir especialmente a tese de que, atento aos objetivos sociais da lei, a exemplo do que ocorre nos afastamentos acidentários e por doença, o empregador pague os primeiros dias de afastamento e os demais fiquem a cargo da Previdência Social medida que se nos antolha profundamente justa.
  21. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
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Sobre o autor
Pedro Rui da Fontoura Porto

promotor de Justiça em Lajeado (RS), mestre em Direito - Unisinos, professor de Direito Penal - Univates, autor de obras jurídicas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Pedro Rui Fontoura. Anotações preliminares à Lei nº 11.340/06 e suas repercussões em face dos Juizados Especiais Criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1169, 13 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8917. Acesso em: 21 nov. 2024.

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