A estatística é o ramo da matemática que trata da coleta, da análise, da interpretação e da apresentação de massas de dados numéricos, portanto, é uma ciência exata.
E a estatística é método auxiliar de outra ciência, quando vê, coleta e analisa o fenômeno criminal, valendo-se de dados para a projeção de leis voltadas à segurança da população, por meio de política governamental destinada ao policiamento ostensivo e ao policiamento investigativo.
A estatística serve para fundamentar a política e a doutrina de segurança pública quanto à prevenção e à repressão criminais. Porém, é preciso ter cuidado ao analisar a estatística oficial, na medida em que há uma quantia significativa de crimes não comunicados ao Estado, quer por inércia ou desinteresse das vítimas, quer por outras causas, entre as quais os erros de coleta e a manipulação de dados por agentes despreparados.
Nesse sentir, convém diferenciar a criminalidade real da criminalidade revelada e a cifra negra (subnotificação): a primeira é a quantidade efetiva de crimes praticados pelos criminosos; a segunda, é o percentual que chega ao conhecimento do Estado; a terceira, o percentual não comunicado ou elucidado.
O Núcleo de Estudos de Violência da USP estima que quase 70% dos crimes contra o patrimônio não são registrados pelas vítimas na Polícia. A correta delimitação da quantia de crimes cometidos em dado Estado é fator preponderante para a elaboração das normas penais com acerto.
Lamentavelmente, mesmo em países com cultura de estatísticas, dúvidas são levantadas sobre a confiabilidade dos dados divulgados.
Isso decorre do fato de que apenas uma parcela dos crimes reais é registrada oficialmente pelo Estado. Ressalte-se que os dados apenas se oficializam, em termos criminais, segundo uma lógica de atos tríplices: detecção do crime + notificação + registro em boletim de ocorrência.
Antes de observar os crimes misteriosos ou, ainda, o comportamento omissivo das vítimas, que não denunciam os crimes sofridos, é preciso olhar a forma como são coletadas as estatísticas criminais.
A ação de segurança pública no Brasil foi delegada aos Estados (art. 144 da CF), salvo os órgãos federais. Cada Estado organiza suas polícias (civil e militar). É importante frisar que, por força do art. 23 do CPP, o delegado de polícia, ao relatar o inquérito e encaminhá-lo a juízo, deverá oficiar ao Instituto de Estatística para informar os dados do crime e do criminoso.
Assim, cada Estado tem um órgão central de coleta das estatísticas oficiais de crime, para receber os dados vindos da polícia, que os compila de duas maneiras: ou por ação direta ou pelo relato de vítimas e/ou testemunhas. Assim, a estatística oficial pode estar contaminada por alguns erros.
É sabido que indivíduos inescrupulosos determinam a manipulação das estatísticas de criminalidade, com propósitos inconfessáveis. Trata-se de uma maneira sórdida de mascarar os verdadeiros índices de criminalidade para demonstrar a falsa ideia de que a política de governo está sendo bem conduzida na área da segurança. Sabe-se que o aumento contínuo da criminalidade provoca clamor público e, o que é pior, a insatisfação perante os órgãos de justiça e polícia, levando a uma situação de fracasso governamental em face da opinião pública.
Como no Brasil os órgãos que cuidam das estatísticas são públicos (vinculados a Ministérios ou Secretarias), suas compilações estarão sempre sujeitas a pressões políticas e, portanto, postas sob a pecha de suspeição.
De outro lado, há que se citar que muitos crimes são registrados erroneamente, por falha da polícia, além da manipulação às avessas, isto é, reduz-se o índice de criminalidade por meio do aumento de casos esclarecidos e da diminuição de casos registrados oficialmente.
Não é aceitável que se anote como caso esclarecido o registro em boletim de ocorrência do “encontro de um automóvel furtado, abandonado pelos ladrões”. E os ladrões foram identificados? Foram presos? Não. Então, que esclarecimento farsesco é esse?
Por final, há uma série enorme de crimes não comunicados pelas vítimas às autoridades. Várias são as razões que as levam a isso: 1) a vítima omite o ato criminoso por vergonha ou medo (crimes sexuais); 2) a vítima entende que é inútil procurar a polícia, pois o bem violado é mínimo (pequenos furtos); 3) a vítima é coagida pelo criminoso (vizinho ou conhecido) etc.
Como bem lembrou o meu amigo, Dr. Alberto Angerami, que foi Diretor de Polícia da Capital (Governo Covas),
se um distrito policial teve durante o mês 109 crimes de autoria conhecida registrados, serão instaurados 109 inquéritos policiais de autoria já conhecida; se o número de crimes de autoria desconhecida ou incerta for 53, serão instaurados mais 53 inquéritos e somente esses 53 podem ser computados como crimes esclarecidos, se efetivamente forem. A essa produção não devem ser somados os 109 casos de autoria conhecida. Ou pior: suponha que uma guarnição da PM apresente um ladrão contumaz, surpreendido praticando roubo, ao delegado de plantão. Não é crível que a Polícia Civil insira esse crime no rol de casos esclarecidos. Isso é fraude. Estatística nos mostra o que está acontecendo, para adotarmos medidas saneadoras no futuro. Estatísticas falsas, manipuladas, implicam na adoção de medidas improducentes.
É imperioso lembrar que a estatística criminal revela os focos criminógenos, a incidência de crimes por região, por rua, comparando aumento ou diminuição da criminalidade com o aumento ou não da população da área, podendo, ainda, atrelar fatores como miséria, varejo de drogas, favelização, desemprego, falta de saneamento etc.
Enfim, o tema é polêmico e preocupante, devendo haver extremo rigor na coleta, compilação e produtividade das unidades policiais e suas estatísticas correlatas.
Não se escondem crimes com gráficos. Tampouco se esconde a produtividade policial com tabelas de excel. Daí a necessidade, de lege ferenda, de uma agência reguladora independente para controle de tais atos em prol do bem estar da população.
Afinal de contas, quem tem medo da verdade?