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Calendário processual: comentários ao art. 191 do novo CPC

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Resumo:


  • O calendário processual é um negócio jurídico processual que permite às partes e ao juiz agendar prazos para a prática dos atos processuais, conforme o art. 191 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), visando a previsibilidade e a eficiência do procedimento.

  • Apesar de haver divergências doutrinárias, é consenso que o calendário processual vincula tanto as partes quanto o juiz, e os prazos nele estabelecidos só podem ser alterados em casos excepcionais e devidamente justificados.

  • A calendarização processual não gera sanções processuais ao juiz caso este pratique o ato após o prazo agendado, mas pode acarretar sanções administrativas se houver demora irrazoável e injustificada; além disso, não há conflito entre o calendário processual e a ordem cronológica de julgamento das sentenças, podendo ser compatibilizados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Qual o momento em que o calendário pode ser celebrado? Quais atos podem ser objeto do negócio processual? O juiz é parte dessa convenção? O descumprimento de prazo agendado gera alguma sanção? Há conflito entre a com a cronológica para proferir sentenças?

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discorrer acerca do calendário processual, com comentários gerais sobre o referido negócio jurídico processual previsto no art. 191 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). Este estudo analisa também sobre o objeto, as partes, o momento em que pode ser celebrada tal convenção, se há sanção processual para o juiz em caso de descumprimento de prazo agendado no calendário e se há conflito normativo entre os artigos 12 e 191 do CPC/2015.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil. Negócios processuais. Calendário processual.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema referente aos negócios processuais ganhou relevância nos debates acadêmicos com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), especialmente pelo teor do artigo 190 do referido diploma normativo. Porém, não se trata de novidade no Direito Processual Civil, pois havia no revogado Código de Processo Civil de 1973 vários negócios processuais típicos, ou seja, que estavam regulados em texto de lei, como por exemplo o acordo de eleição de foro (art. 111) e a convenção para suspensão do processo (arts. 265, II, e 792).

O CPC/2015, além de ter possibilitado a criação de negócios processuais atípicos (art. 190), criou novos negócios processuais típicos, a exemplo do calendário processual (art. 191) e da possibilidade de redução de prazos peremptórios (art. 222, § 1º). 

O presente estudo objetiva analisar sobre o calendário processual, com considerações gerais sobre o referido negócio jurídico processual tipificado no art. 191 do CPC/2015. Analisa também sobre o momento em que o calendário pode ser celebrado; quais atos podem ser objeto do referido negócio processual; se o juiz é parte ou não dessa convenção; se o descumprimento de prazo agendado no calendário pelo juiz gera alguma sanção processual a ele e se há conflito entre a ordem cronológica para proferir sentenças (art. 12 do CPC/2015) e a fixação de data para a sentença no calendário processual.

2. CALENDÁRIO PROCESSUAL

2.1. Considerações gerais

O calendário processual é uma novidade trazida pelo Novo Código de Processo Civil. Trata-se de um negócio processual típico, disciplinado no artigo 191, que dispõe, in verbis:

Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

O calendário referido no art. 191 do CPC/2015 é instrumento processual inspirado nas legislações francesa e italiana [1]. Ricardo Villas Bôas Cuevas anota que a adoção da referida convenção processual pelo juiz e pelas partes “(...) tende a aumentar a previsibilidade do procedimento, em reforço da segurança jurídica e da efetividade da prestação jurisdicional.” [2] No mesmo sentido, Fredie Didier Jr comenta:

Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário (art. 191, § 2º, CPC) – essa é a sua principal utilidade: a economia processual que ele gera, além de eliminação de “tempos mortos”, que costumam aparecer entre a determinação de uma intimação pelo juiz e a sua concretização. [3]

Sobre o conceito de calendário processual, João Paulo Bocalon [4] registra que se trata de “(...) um método que consiste na elaboração de um cronograma pelo qual o juiz e as partes, de comum acordo, fixam os prazos para a realização dos atos processuais.”

Em outras palavras, o calendário processual (art. 191 do CPC/2015) é o agendamento dos atos processuais que serão praticados, com a escolha das datas de comum acordo entre as partes e o juiz.

Em resumo, com a celebração do negócio jurídico processual referido no art. 191 do CPC/2015 dispensa-se a intimação das partes, em razão justamente do agendamento dos atos processuais; se as partes já sabem quando será praticado determinado ato processual, desnecessária sua intimação. Com isso, a doutrina tem apontado como vantagens do acordo de calendarização a previsibilidade da prática dos atos processuais, o que aumenta a segurança jurídica principalmente das partes, e a maior efetividade e eficiência da prestação jurisdicional, como resultado da eliminação de alguns trabalhos burocráticos que seriam necessários ao regular andamento do processo (publicação de decisões e despachos, elaboração de certidões de publicação de intimações e confirmatórias de decurso de prazo, etc.).

2.2. Partes

A fixação de calendário para a prática de atos processuais deve ser feita de comum acordo entre as partes e o juiz, conforme dispõe o art. 191 do CPC/2015.

O termo partes referido no art. 191 do CPC/2015 deve ser interpretado, conforme ensina Daniel Amorim Assumpção Neves, como parte no processo, e, desse modo, é imprescindível a concordância de qualquer sujeito do processo participante da relação jurídica processual diretamente afetada pela calendarização processual. Nesse sentido, havendo a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica ou de terceiros intervenientes, estes também deverão concordar com o calendário acordado,  sob pena de inviabilizá-lo, salvo se a convenção processual não lhes gerar prejuízo, hipótese em que a anuência será dispensada; no caso de assistência simples, porém, não há necessidade de o assistente concordar com os termos do negócio processual. [5]

Em sede doutrinária há divergência sobre se o juiz seria parte na calendarização processual ou se a função dele nesse acordo seria apenas de fazer o controle de validade, homologando-o ou não.

Para Flávio Luiz Yarchell, o juiz não pode ser considerado parte na convenção processual relativa ao calendário processual. Ele ensina que:

(...) o calendário não é mais do que um capítulo particular da convenção das partes em matéria processual. A participação do juízo não vai substancialmente além do que já ocorre em relação ao controle do negócio processual; e nem poderia. Ainda que ele esteja autorizado a incentivar as partes e até sugerir a composição do calendário, rigorosamente ele não é parte do negócio; do contrário, a presença do juiz como parte impediria que fizesse o já mencionado controle do negócio processual. (...) [6]

No mesmo sentido, Eduardo José da Fonseca Costa leciona que o calendário processual é um negócio bilateral, da qual o juiz não participa como declarante, pois se limita a homologá-lo [7].

Por outro lado, Ricardo Villas Bôas Cuevas entende que a vontade do juiz é essencial para a realização do negócio jurídico, e, sendo assim, trata-se de um negócio processual plurilateral. Segundo ele:

[O calendário processual]. É negócio processual típico, celebrado entre o juiz e as partes e, se for o caso, intervenientes. A vontade do juiz, expressa no exercício da discricionariedade que lhe confere o dispositivo, é essencial para que se aperfeiçoe o negócio jurídico. Do contrário, como vincular o juiz ao calendário? Sem tal vinculação, o calendário deixaria de ter efeito prático, já que a grande vantagem desse negócio processual reside em sua relativa rigidez (§ 1º) e na dispensa de intimação para os atos nele previstos (§ 2º). [8]

Defendendo também que a calendarização se trata de negócio processual plurilateral, Leonardo Carneiro da Cunha enfatiza que há na referida convenção processual a necessidade de manifestação de, pelo menos, três vontades concordantes: do autor, do réu e do juiz [9].

Portanto, há quem defenda que a declaração de vontade do juiz é essencial para a concretização do acordo de calendarização processual, e nesse caso o negócio processual é plurilateral; há também quem defenda que cabe ao juiz apenas realizar o controle de validade da convenção processual, homologando-a ou não; para esses, trata-se a calendarização de negócio processual bilateral. Sem embargo dessa divergência, o fato é que não pode o juiz impor o calendário às partes, e vice-versa; conforme a própria redação do art. 191, caput, do CPC/2015, é necessário que a fixação do calendário seja feita de “comum acordo” entre as partes e o juiz.

2.3. Objeto

O art. 191 do CPC/2015 estabelece que o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, sem especificar, porém, quais atos podem ser abarcados nesse negócio processual.

Segundo Fredie Didier Jr, qualquer ato processual, a princípio, pode ser objeto do calendário processual, e a referida convenção processual pode ser usada para a prática de um ou mais atos processuais. [10] Por sua vez, Leonardo Carneiro da Cunha ensina que o calendário processual geralmente se relaciona com a prática de atos instrutórios, a exemplo da realização de perícia, mas, segundo ele, é possível calendarizar também a prática de atos postulatórios, a exemplo das razões finais, assim como de atos decisórios ou até mesmo executivos [11].

As partes em conjunto com o juiz podem, de comum acordo, fixar as datas da prática dos atos processuais cujo procedimento esteja previsto em lei. É possível, porém, que, com base na cláusula geral do art. 190 do CPC/2015, as partes acordem sobre o procedimento que será adotado no processo (definindo quais atos serão praticados, bem como a forma e a sequência desses atos) [12] e, no bojo dessa convenção processual, insiram calendário para a prática dos atos processuais; conforme ensina Eduardo José da Fonseca Costa [13] “(...) após as partes inventarem um procedimento, podem elas submetê-lo a um cronograma e vincular a realização de cada ato a uma data-limite preestabelecida.”

Portanto, sendo o procedimento o estabelecido em lei ou o convencionado pelas partes com base no art. 190 do CPC/2015, elas podem, em conjunto com o juiz, agendar a prática dos atos processuais, que podem dizer respeito a atos postulatórios, instrutórios, decisórios ou até mesmo executivos.

2.4. Momento

O calendário pode ser convencionado em qualquer processo, [14] inclusive naqueles em trâmite no âmbito dos tribunais, seja em grau recursal ou nos processos de competência originária. [15] Não há um momento específico para que as partes e o juiz fixem calendário para a prática dos atos processuais, ou seja, é possível estabelecê-lo em qualquer etapa do procedimento. Leonardo Carneiro da Cunha [16] lembra, porém, que é mais provável que o calendário processual seja celebrado na fase de organização e saneamento do processo, a fim de se agendarem os atos instrutórios. Por sua vez, Trícia Navarro Xavier Cabral ensina:

(...), para que a técnica tenha a eficiência esperada, o momento propício para a fixação dos prazos para a prática dos atos processuais é logo no início do processo, ou então ter como termo final para a fixação do calendário o momento da decisão de saneamento e de organização do processo prevista no artigo 357, do NCPC [17].

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Em geral costuma-se estudar a calendarização como uma tabela temporal para o desenvolvimento da atividade cognitiva do processo, em especial das fases instrutória e decisória [18]. Contudo, Eduardo José da Fonseca Costa defende que:

(...) é plenamente possível a instituição de uma tabela temporal para a etapa de implantação prática de uma sentença condenatória de obrigação de fazer (obviamente, nos casos em que o condenado concorda em cumpri-la). Ou seja, a técnica de calendarização é aplicável tanto a fases pré-sentenciais quanto a fases pós-sentenciais [19].

O citado doutrinador informa, porém, que a calendarização na execução só é possível em execução de obrigação de fazer, seja ela provisória ou definitiva, pois nesse caso é possível negociar um cronograma de cumprimento de fases [20].

Assim, nota-se que, apesar de não haver momento específico para se estipular um calendário para a prática dos atos processuais na atividade cognitiva do processo, quer seja nos juízos de primeira instância ou nos tribunais, ou até mesmo na execução cível  de obrigação de fazer, a doutrina costuma alertar que o momento em que a celebração desse negócio processual ocorre (início do processo ou na fase da organização e saneamento do processo, a depender do doutrinador) pode ser determinante para que se obtenha ou não a eficiência esperada na prestação jurisdicional pela utilização do instrumento referido no art. 191 do CPC/2015.

Iniciado o processo, há a possibilidade de o Juiz designar audiência com a finalidade exclusiva de fixar o calendário processual em conjunto com as partes, conforme entendimento sedimentado no Enunciado nº 299 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

Enunciado 299. (arts. 357, §3º, e 191) O juiz pode designar audiência também (ou só) com objetivo de ajustar com as partes a fixação de calendário para fase de instrução e decisão. (Grupo: Petição inicial, resposta do réu e saneamento).

Na audiência de saneamento e organização do processo (art. 357, § 3º do CPC/2015) também pode ser celebrado o calendário processual [21].

É possível ainda que as partes definam sobre o calendário processual na audiência de conciliação ou mediação, conduzida por conciliador ou mediador, mas nesse caso o acordo ficará pendente da anuência do juiz. [22] No mesmo sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral ensina que é possível a designação de audiência de conciliação (art. 334 do CPC/2015) para que os termos do calendário sejam esclarecidos e as partes e o juiz possam contribuir efetivamente para a formação do referido acordo. [23]

Há até mesmo quem defenda a possibilidade de a calendarização ser um negócio pré-processual. Nesse sentido, Eduardo José da Fonseca Costa ensina que: 

É interessante registrar que as partes podem levar ab initio à homologação do juiz um acordo de calendarização celebrado pré-processualmente (autônomo ou adjeto a um acordo de procedimento); porém, não podem obrigar o juiz a acatar o deadline estipulado por elas próprias para a prolação da sentença. [24]

Em conclusão, pelo fato de as partes não poderem impor o calendário ao Juiz, caso o acordo tenha sido celebrado antes do início do processo, ou até mesmo em audiência de conciliação ou mediação da qual o Magistrado não estava presente, referida convenção processual dependerá da concordância posterior do Juiz para ser concluída.

2.5. Efeitos

Extrai-se do art. 191, §§ 1º e 2º, do CPC/2015 que são efeitos da calendarização processual [25]: a) a dispensa de intimação para a prática de ato processual ou a realização de audiências agendadas no calendário; e b) a vinculação dos sujeitos processuais aderentes ao negócio jurídico.

2.6. Descumprimento de prazo pelo juiz

No processo civil os prazos podem ser legais (fixados pela lei), judiciais (fixados pelo juiz) ou convencionais (fixados em convenção processual celebrada entre as partes, conforme o art. 190 do CPC/2015). [26]

Em relação às consequências processuais, os prazos podem ser próprios ou impróprios. São próprios os prazos destinados à pratica de atos processuais pelas partes; a inobservância de prazo próprio enseja a perda da faculdade de praticar o ato, em razão da preclusão temporal. Por sua vez, são impróprios os prazos relacionados aos atos praticados pelo juiz e auxiliares da justiça; os prazos impróprios, se desrespeitados, não geram qualquer consequência no processo. [27]

Conforme se nota, os prazos relacionados aos atos praticados pelo juiz por força de lei são impróprios. Assim, considerando que há o agendamento prévio dos atos processuais no calendário processual, nesse caso os prazos para o juiz se tornariam próprios? Haveria alguma sanção processual para o juiz caso pratique o ato depois do prazo agendado?

A doutrina ensina que a fixação do calendário processual não torna o prazo judicial próprio, e o ato praticado pelo juiz depois da data agendada continuará válido [28]. Nesse sentido, Eduardo José da Fonseca Costa [29] argumenta que “se os prazos estabelecidos ex vi legis para o magistrado decidir são impróprios, com maior razão para ele são impróprios os prazos fixados ex vi voluntatis.” Fonseca Costa argumenta ainda que se o magistrado não sentenciar até a data estabelecida no calendário, em tese ele não sofrerá qualquer sanção processual civil, mas poderá sofrer sanções de natureza correcional se a demora for irrazoável. [30]

Assim, não há sanção processual para o juiz caso pratique o ato processual em data posterior à fixada no calendário processual, pois os prazos nele fixados continuam sendo impróprios. Contudo, se a demora em praticar o ato for desarrazoada e injustificada, poderá o juiz sofrer sanção de natureza administrativa, conforme é possível até mesmo nos processos em que não for adotada a calendarização processual.

2.7. Revisão e alteração

De acordo com o art. 191, § 1º, do CPC/2015, “O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.”

Os prazos dos atos processuais agendados no calendário processual devem ser cumpridos pelo juiz e pelas partes, pois todos ficam vinculados a esse negócio processual. Porém, em casos excepcionais, devidamente justificados, os prazos previstos no calendário poderão ser alterados, nos termos do art. 191, § 1º, do CPC/2015. Daniel Amorim Assumpção Neves leciona que a justificativa apresentada pelo juiz para o descumprimento do prazo agendado no calendário não pode ser genérica. Segundo ele:

“(...) Eventual modificação dos prazos fixados no calendário é excepcional, devendo ser justificada pelo juiz. E com as novas exigências de fundamentação de decisão judicial trazidas pelo art. 489, § 1º, do Novo CPC, c.c. art. 93, IX, da CF, não bastará ao juiz uma decisão-padrão, cabendo a explicação pontual e específica de não cumprimento do calendário no caso concreto. [31]

Para Leonardo Carneiro da Cunha [32], “A mudança dos prazos estabelecidos no calendário processual somente deve ocorrer se justificada antes do escoamento dos prazos fixados.” Ele argumenta que seria aplicado nesse caso o parágrafo único do art. 139 do CPC/2015, que possui a seguinte redação: “A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.” [33]

Nota-se, portanto, que a revisão/alteração dos prazos agendados no calendário processual está autorizada em casos excepcionais, que deve ser devidamente justificada de forma concreta/específica, não sendo admitida fundamentação genérica, e, conforme ensina Leonardo Carneiro da Cunha, a mudança somente pode ocorrer se justificada antes do escoamento desses prazos.

2.8. A Ordem Cronológica e o Calendário Processual

O art. 12 do CPC/2015 estabelece uma ordem cronológica para o julgamento de sentenças e acórdãos pelo órgão jurisdicional competente. A redação original do caput do art. 12 do Novo Código de Processo Civil dispunha que “Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.” Antes mesmo de o CPC/2015 entrar em vigor, a Lei nº 13.256/2016 alterou a redação do caput do art. 12, que ficou assim redigido: “Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”.

A regra do art. 12 do CPC/2015 visa concretizar o princípio da igualdade, pois tem o objetivo de evitar que alguém seja privilegiado por ter seu processo julgado antes dos demais. [34] Visa concretizar também o princípio da duração razoável do processo, pois, conforme ensina Fredie Didier Jr, “(...) disciplina o tempo da decisão, evitando que processos conclusos há muito tempo tenham seu deslinde prolongado indefinidamente.” [35] Didier Jr ensina ainda que a mencionada regra somente se refere às decisões finais (sentenças ou acórdãos finais) e, assim, estariam excluídas da ordem cronológica as decisões e os acórdãos interlocutórios. [36]

Tanto o estabelecimento de ordem cronológica de julgamento quanto o calendário processual são novidades trazidas pelo CPC/2015. Discute-se na doutrina se há conflito entre essas novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, pois se os juízes devem obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentenças, o agendamento da data da sentença no calendário processual não desrespeitaria a regra do art. 12 do CPC/2015?

Fredie Didier Jr ensina que assim como no Direito Constitucional se ensina que a Constituição deve ser interpretada como um todo normativo (postulado da unidade da Constituição), para que se evite antinomias entre as normas da própria Constituição,  o Código de Processo Civil também deve ser interpretado como um conjunto de normas orgânico e coerente, surgindo daí o postulado interpretativo da unidade do Código. [37]

Assim, para compatibilizar o calendário processual (art. 191 do CPC/2015) com o respeito à ordem cronológica de conclusão (art. 12 do CPC/2015), Didier Jr propõe a resolução dessa aparente antinomia da seguinte forma:

Como uma convenção processual não pode lesar terceiros, há duas alternativas: a) ou no calendário se marca uma audiência para a prolação da sentença, de modo a que se subsuma à regra exceptuadora do inciso I do § 2º do art. 12; b) ou a prolação da sentença não é ato que possa ser inserido no calendário. [38]

Solução no mesmo sentido é proposta por Leonardo Carneiro da Cunha. [39] Ainda sobre o assunto, Ricardo Villas Bôas Cueva anota:

É bem verdade que o projeto do Novo CPC também contém regra de julgamento em ordem cronológica, a qual, em princípio, parece colidir com o calendário processual. A propósito, pelo menos duas soluções já foram imaginadas.  A primeira seria atribuir ao calendário caráter excepcional que excluísse a aplicação da ordem cronológica. A segunda consistiria em excluir do calendário o prazo para a sentença, com o que seria possível julgar o processo em ordem cronológica. [40]

Em suma, em conformidade com os doutrinadores mencionados acima, há três caminhos interpretativos para compatibilizar o calendário processual com o dever de obediência à ordem cronológica para o órgão jurisdicional proferir sentença: 1) marcar uma audiência no calendário para que seja prolatada a sentença, pois o art. 12, § 2º, inc. I, do CPC/2015 exclui as sentenças proferidas em audiência  da regra que determina a observância da ordem cronológica; 2) não estipular data para a sentença no calendário processual, de modo que todos os demais atos processuais poderiam ser agendados por meio da referida convenção processual, exceto a sentença, que seguiria a ordem cronológica; e/ou 3)  não aplicar a ordem cronológica aos casos em que se tiver optado pelo calendário processual, sendo esta mais uma das exceções à regra do art. 12, caput, do CPC/2015.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve por objetivo discorrer acerca do negócio jurídico processual referido no artigo 191 do CPC/2015. Este estudo abordou sobre o momento em que o calendário processual pode ser celebrado, quais atos processuais podem ser objeto desse negócio jurídico, se o juiz é parte dessa convenção, se há consequência processual para o juiz caso haja o descumprimento de prazo agendado no calendário e se há conflito entre a fixação de data para a sentença no calendário processual e a ordem cronológica para proferir sentenças (art. 12 do CPC/2015).

O calendário processual é um negócio jurídico processual em que os prazos dos atos processuais futuros são agendados, sendo as datas escolhidas de comum acordo entre o juiz e as partes. São efeitos da referida convenção processual: a) a dispensa de intimação das partes para a prática dos atos processuais ou a realização de audiência cujas datas tiverem designadas no calendário; e b) a vinculação do juiz e das partes às datas fixadas no calendário, que somente podem ser modificados em casos excepcionais devidamente justificados.

Não há um momento específico para que as partes e o juiz fixem calendário processual, que pode ser celebrado em qualquer processo, estejam eles tramitando em primeira instância ou nos tribunais. Pode ser adotado para a atividade cognitiva do processo e também em execução de obrigação de fazer, seja ela provisória ou definitiva.

A calendarização pode ser usada para a prática de um ou mais atos processuais. Fredie Didier Jr menciona que, a princípio, qualquer ato processual pode ser objeto do negócio processual referido no art. 191 do CPC/2015. Assim, podem ser agendados no calendário atos postulatórios, instrutórios, decisórios e até mesmo executivos.

Na doutrina há divergência sobre se o juiz seria parte na calendarização processual. Existe na doutrina quem defenda que a vontade do juiz é essencial para a concretização do acordo de calendarização, pois este deve ser celebrado de comum acordo entre o juiz e as partes, conforme dispõe o art. 191 do CPC/2015, e, para quem defende essa tese, o calendário processual é negócio processual plurilateral. Por outro lado, há quem defenda que o juiz não pode ser parte no acordo de calendarização, ainda que possa sugerir e incentivar a adoção da referida convenção; nesse caso, o papel do juiz seria o de apenas realizar o controle de validade do negócio processual, homologando-o ou não; para esses, o calendário é negócio processual bilateral.

Os prazos relacionados aos atos praticados pelo juiz e pelos auxiliares da justiça são impróprios, e continuam sendo mesmo que estejam fixados em acordo de calendarização processual. Por essa razão, caso o juiz pratique o ato processual em data posterior à fixada no calendário, não haverá qualquer sanção processual, e, em consequência, o ato será válido. Eventual demora irrazoável poderá acarretar apenas sanções de natureza administrativa.

Por fim, com relação ao aparente conflito entre a ordem cronológica para proferir sentenças (art. 12 do CPC/2015) e a possibilidade de agendamento da sentença no calendário processual, a doutrina aponta três caminhos interpretativos para compatibilizar as duas novidades do Novo CPC: 1) agendar uma audiência no calendário para que seja proferida a sentença, hipótese que se subsumiria ao art. 12, § 2º, inc. I, do CPC/2015; 2) entender que a sentença não é ato processual que possa ser inserido no calendário; ou 3) não aplicar o art. 12 do CPC/2015 nos processos em que se tiver adotado o acordo de calendarização, sendo que esta seria mais uma das exceções à regra que estabelece o dever de obediência à ordem cronológica para proferir sentenças.

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Sobre o autor
Thiago Borges Mesquita de Lima

Bacharel em Direito pelo Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC), Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Dom Alberto, Pós-Graduado em Direito Civil Constitucionalizado e o Novo Processo Civil pela Universidade de Cuiabá (UNIC), Advogado em Cuiabá/MT e Juiz Leigo credenciado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9511639822037013

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thiago Borges Mesquita. Calendário processual: comentários ao art. 191 do novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6510, 28 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89975. Acesso em: 22 dez. 2024.

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