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Aposentados e pensionistas do INSS.

Empréstimos consignados e proteção ao idoso. Ação civil pública

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19/10/2006 às 00:00
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O presente trabalho pretende traçar um caminho de atuação para questionamento, via ação civil pública, da publicidade e da redação confusa dos contratos referentes aos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS.

Um homem mau maltratava o seu velho pai, obrigando-o a morar em uma cabana miserável, longe da casa, vestindo-o com farrapos e dando-lhe sobras para comer. Um dia viu que seu filho estava colocando trapos sujos, que tinha tirado da lixeira, no lugar onde se guardava a roupa fina da casa e se enfureceu com ele. O seu filho respondeu assim: Papai, não brigue comigo. É para você que estou guardando estes trapos, para que você possa vestir quando for velho como o vovô. (Literatura oral iemenita).


O presente trabalho, sem ter a pretensão de esgotar o tema, pretende traçar um caminho de atuação para questionamento, via ação civil pública, da publicidade e da redação confusa dos contratos referentes aos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS. O conteúdo do trabalho foi extraído de ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Distrito Federal contra o Banco Bradesco [01] e do conteúdo de ação em elaboração contra o Banco PanAmericano [02]. Parte do texto foi extraído do parecer confeccionado pelo ilustre Promotor de Justiça Paulo Roberto Binicheski, titular da 1º Promotoria de Defesa do Consumidor do DF, na ação proposta contra o Banco Bradesco s.a [03]..

O Governo Federal entregou ao mercado financeiro uma fonte de lucros impressionante. Estamos falando da oferta de crédito consignado aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS. Nesta modalidade de empréstimo, o aposentado toma o empréstimo junto à Instituição Financeira, sendo que os pagamentos são repassados pelo próprio INSS, mediante desconto em folha de benefícios, o denominado empréstimo consignado. O público alvo é o idoso.

O portal do Jornal International Press [04] na Internet, um dos mais respeitados veículos de comunicação econômica no Brasil, asseverou que "o grande número de empréstimos consignados é composto pela população de baixa renda. Grande parte dessa população não tem acesso nem a talões de cheques. Em razão disso o tomador potencial não tem condições sequer de saber quanto paga de juros, muito menos procurar saber qual instituição cobra um juro mais baixo. O tomador fica sabendo apenas que o comprometimento da prestação é de 30% da renda mensal".

O volume de negócios é impressionante. São 19 milhões de aposentados e pensionistas e mais de 6 milhões de operações já foram realizadas, sendo que mais de 50% dos negócios foram realizados por pessoas que recebem benefícios de até 01 salário mínimo mensal. Entre janeiro de 2005 e janeiro de 2006 o número de operações cresceu 664,12% [05].

Para sustentar o crescimento vertiginoso do mercado de empréstimo consignado, valem-se as empresas de fortes estratégias de marketing, exibidas, de forma especial, em programas populares de televisão. Para tanto, diversas personalidades aparecem, diariamente, oferecendo facilidades para obtenção de empréstimo, são artistas, esportistas, cantores, apresentadores de programas de auditórios etc.

A publicidade das empresas é contundente ao afirmar que disponibilizam dinheiro rápido e fácil, sem burocracia, para você fazer o que quiser; que para sua vida ser mais completa basta que se utilizem do crédito; que você sonha e o Banco, mediante a concessão de empréstimo realiza o seu sonho e outras do gênero.

A mensagem publicitária é acompanhada de imagens que deixam transparecer felicidade, contentamento, enfim, sentimentos que a situação financeira do País impede que o cidadão comum possa sentir com a intensidade demonstrada na publicidade. Todas as dificuldades do homem comum podem ser suplantadas mediante a obtenção de crédito.

A propaganda, eficiente na oferta de crédito, todavia, é ineficiente para alertar a população consumidora dos riscos do negócio, em especial do fenômeno do superendividamento. A omissão, por óbvio, não é acidental, mas uma estratégia deliberada com o fim de lesar os consumidores.

A propaganda e os meios de captação da clientela constituem aquilo que se convencionou chamar de estímulos subliminares, afetando a real compreensão dos idosos dos riscos de comprometimento de parte substancial de sua renda. A persuasão subliminar seria a capacidade que uma mensagem teria de influenciar o receptor. Segundo a hipótese, toda mensagem subliminar tem um determinado grau de persuasão, e pode vir a influenciar tanto as vontades de uma forma imediata (fazendo por exemplo, uma pessoa a contrair um empréstimo), como até mesmo a personalidade ou gostos pessoais de alguém a longo prazo. Esse grau de persuasão deveria variar de acordo com o tempo de exposição à mensagem, e a personalidade do receptor.

É o tipo de propaganda com inequívoca irresponsabilidade social. A fórmula encontrada pelas Instituições Financeiras, na sedução dos aposentados para contrair empréstimos, mediante propagandas levadas a efeito por "celebridades", sem sombra de dúvida, interfere substancialmente na tomada de decisão, máxime quando é de conhecimento mediano o baixo grau de instrução da imensa maioria dos nossos aposentados, além de outros problemas de saúde, tais como depressão, solidão etc.

Evidente que na prática do marketing devem ser utilizados meios para atingir o público alvo, mas esses meios não podem ser moralmente reprováveis ou capazes de afetar o normal discernimento do consumidor, como acontece com a publicidade levada a efeito pelas empresas que exploram o mercado de empréstimos consignados aos aposentados e pensionistas do INSS.

Perceptível na publicidade utilizada a intenção de chamar atenção para os sonhos que podem ser realizados com a tomada do empréstimo, desviando a atenção do perigo decorrente da contratação de juros. Ou seja, na propaganda, a idéia passada de maneira subliminar, é vender o crédito consignado fazendo o incauto consumidor acreditar que assim agindo, estaria com sua família feliz, que estariam livres para fazer o que bem quisessem. A publicidade esconde, todavia, o fato de que a aquisição de bens mediante financiamento recheados de encargos e juros, na prática, conduz à situação de redução do rendimento mensal, prejudicando, a curto e médio prazo toda a família.

Geraldo de Farias Martins da Costa [06] adverte sobre o efeito da publicidade ao asseverar que "Iludido pela publicidade matreira, o consumidor é psicologicamente condicionado pela idéia ‘por que não eu?’ Ou pelos refrãos ‘você pode comprar’, ‘compre tudo, imediatamente tudo". Enfim, no mundo influenciado pela publicidade moderna, pagar parcelado tornou-se um hábito, ou até uma boa forma de viver. [...] Sim, o crédito permite ascender a um nível de vida superior. Permite adquirir sem esperar. A geladeira, o fogão, o rádio, a televisão, o computador, o automóvel, a casa própria. O sonho de consumo, induzido pela publicidade, pode se tornar realidade.

Todavia, conforme mais uma vez nos adverte Luc Bihl, ‘o crédito não aumenta as rendas, ao contrário, as diminui, tornando-se mais uma impressão, ou até mesmo uma ilusão de aumento do nível de vida, que uma realidade’ [...] O crédito, apresentado como uma possibilidade para todos os consumidores de ter acesso a produtos oferecidos pela sociedade da abundância, se transforma em um mecanismo de exclusão social. Em um flagelo que provoca a pobreza e a miséria" [07].

Ensina Cláudia Lima Marques [08], que o princípio da identificação obrigatória da mensagem como publicitária, "serve de um lado para proibir a chamada publicidade subliminar, que no sistema do CDC seria considerada pratica de ato ilícito, civil e mesmo penal." Por isso, o Código de Auto-regulamentação publicitária, reconhecendo a forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população (art. 7.º) estimula que a propaganda deve ser "preparada com o devido senso de responsabilidade social" (art. 2.º), ausente à espécie.

É fato notório e objeto de constantes debates no seio social, a fragilidade à qual estão expostos os consumidores que tomam os empréstimos consignados, afetando a saúde financeira dos aposentados e fomentando um problema social de enormes proporções, com o beneplácito do atual governo [09]. Diga-se de passagem, o Governo Federal, quiçá tardiamente percebeu o mal causado aos aposentados, prometendo uma ampla campanha de orientação [10]. Campanha ainda não iniciada, pois o que se vê, ao revés, é o atual governo jactar-se com o fato de ter criado o chamado empréstimo consignado, sem, no entanto, ter criado regras claras de proteção aos consumidores.

O Presidente da República [11], durante a campanha pela re-eleição em 2006, ao participar de debates com outros candidatos, orgulhosamente, afirmou ser o criador do empréstimo consignado e que tal modalidade de empréstimo constitui-se em verdadeiro avanço na qualidade de vida dos aposentados. Ledo engano.

As Instituições Financeiras, sem nenhum senso social, aproveitando da brecha inserida pela legislação, atraiu de forma beirando às raias da criminalidade, considerável parte dos aposentados/consumidores, incutindo-lhes o desejo de contrair financiamento a longo prazo, comprometendo parte substancial da renda e, ainda, lhes fazendo crer que o empréstimo fosse uma bondade para os aposentados, quando em verdade constitui em verdadeira armadilha.

A publicidade levada a efeito pelas Instituições Financeiras e a forma da cooptação dos aposentados, em momento algum alerta para os riscos do superendividamento, constituindo tal prática em omissão, violando a regra da veracidade, na dicção do art. 37 do CDC, ou seja, enganosa àquela publicidade "inteira ou parcialmente falsa, mesmo que por omissão." [12]

Na feitura do artigo 37 do CDC, o legislador brasileiro buscou orientar o intérprete sobre a proibição da publicidade enganosa e abusiva, conceitos estes ainda em construção no sistema jurídico nacional. A publicidade não está proibida, e nem poderia fazê-lo o legislador, mas como leciona Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, "o legislador demonstrou colossal antipatia pela publicidade enganosa" [13] e continua "Provoca, está provado, uma distorção no processo decisório do consumidor, levando-o a adquirir produtos e serviços que, estivesse melhor informado, possivelmente não o faria". [14]

É direito de ordem pública do consumidor, de não ser enganado, direito este agora adotado pelo Direito brasileiro conforme anotou Antônio Herman. [15]A vulnerabilidade psíquica, econômica e social do aposentado (idoso) elege como dever do agente financeiro, em bem esclarecer na publicidade de todos os riscos na assunção do produto, in casu o empréstimo consignado, em especial do superendividamento e do comprometimento efetivo e substancial da renda.

Para atrair os incautos, as Instituições Financeiras utilizam-se da prática mais nefasta, silenciando sobre os riscos do endividamento. Como esclarece Antonio Herman, o standard de enganosidade não é fixo, variando de categoria a categoria de consumidores, exemplificando, parece que até prevendo a danosidade do empréstimo consignado aos aposentados, às crianças, idosos, doentes, etc. [16]

O assunto da enganosidade no silêncio dos riscos do endividamento (ou superendividamento) não passou desapercebido pelas entidades de defesa dos aposentados. Veja que ainda no ano passado, o vice-presidente da Federação de Aposentados e Pensionistas de Pernambuco, José Gilberto, alertava que devido ao parcelamento dos pagamentos por um longo período, no futuro haverá dor-de-cabeça para toda a família. [17]

Inobstante a clarividência da necessidade de alertar os consumidores/aposentados, com rendas escassas, dos riscos na contratação de um empréstimo, a publicidade envidada pelas Instituições Financeiras deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo, induz em erro, ao deixar de dizer o que deveria ter dito [18], fazendo, assim, que se possa aventar a nulidade da estipulação de juros nos contratos já firmados, com a conseqüente devolução das quantias indevidamente já cobradas.

Continuando com a prática abusiva, as Instituições infringem diversas normas do CDC, em especial a prática da publicidade abusiva ou enganosa, na dicção do art. 31 do CDC, em detrimento do consumidor hipossuficiente, Assim, violam os direitos básicos de adequada informação clara e precisa da contratação, em especial afetando a saúde financeira do consumidor. Nesse diapasão, a cada momento teremos mais um aposentado contraindo dívidas quiçá impagáveis, afetando não somente a saúde financeira, mas à própria saúde física e mental.

A fiscalização, incumbência do Poder Executivo Federal (em especial do Banco Central do Brasil) é completa e dolosamente inexistente. A omissão estatal é gritante e lastimável. A publicidade criminosa efetivada pelas Instituições Financeiras é bastante eficiente. Nesse diapasão, a cada momento teremos mais um aposentado contraindo dívidas quiçá impagáveis, afetando não somente a saúde financeira, mas à própria saúde física e mental. Certamente, neste exato momento, algum aposentado ou pensionista do INSS está firmando contrato (mediante a aposição de assinatura em algum termo de adesão) com alguma inescrupulosa Instituição Financeira.

Após a "fase de namoro", em que o consumidor foi seduzido a tomar o empréstimo, deve preencher um documento chamado termo de adesão, composto de diversos campos a serem preenchidos com dados do consumidor, tais como CPF; Nome completo, Valor solicitado, número de parcelas e valor da parcela, dentre outros.

Todas as informações são de cunho técnico e, propositadamente, mal redigidas, com cláusulas ambíguas e letras pequenas, dificultando a leitura e, por conseqüência, a compreensão do sentido e alcance do contrato que está sendo firmado.

Em todos os contratos analisados pelo Defensor Público que subscreve este artigo foi verificado que as cláusulas são redigidas em fontes bem pequenas e mediante a utilização de redação indireta, pois para compreensão das cláusulas é preciso que se analise o conteúdo de outros documentos, as vezes depositados em cartórios de outras cidades.

A linguagem utilizada pelas Instituições Financeiras em seus diversos modelos de contrato não é acessível ao público alvo, pessoas carentes, com baixo grau de instrução e, via de regra, aposentados e pensionistas do INSS, o que faz com que seu público alvo tenha avançada faixa etária. Além disso, o tamanho da fonte utilizada (letras muito pequenas, com espaçamento mínimo entre frases) dificulta a leitura dos mais idosos, via de regra, repito, com baixo grau de escolaridade.

Vale consignar que uma das formas de vulneração dos consumidores é a redação complexa, o tecnicismo e o uso de remissões a outras cláusulas do instrumento, exatamente como fazem as Instituições Financeiras brasileiras. Sobre o tema vale a pena consultar o excelente artigo jurídico O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e conseqüências nas regras regulamentadoras dos contratos de publicidade [19].

O contrato mal redigido não passa de um mero meio de documentação da avença, mas que não se presta como instrumento de esclarecimento ao consumidor dos riscos que o negócio pode lhe propiciar, especialmente com relação ao superendividamento e diminuição da renda mensal.

A principal função protetiva do contrato (informar o consumidor) não é observada na grande maioria dos contratos de massa celebrados no Brasil, o que exige pronta atuação dos legitimados para defesa coletiva dos consumidores. O instrumento jurídico para tal defesa é, sem dúvida, o manejo de ações civis públicas contra as empresas que abusam da publicidade e que redigem contratos confusos.

A determinação judicial de que o texto seja redigido em fontes gráficas mais nítidas e maiores e, se possível, com a utilização de instrumentos que facilitem o entendimento do contrato, especialmente das taxas de juros cobradas, do valor final do empréstimo se faz, sem sombra de dúvidas, imprescindível para ao menos minorar a gravidade de tal quadro. Não é de se descartar a hipótese de inserção de desenhos, de legendas, da aposição, em letras garrafais, dos riscos do superendividamento. Enfim, é preciso que o crédito seja tomado de forma consciente.

Vale mencionar que o endividamento é um fato inerente à vida em sociedade, especialmente na sociedade de consumo. A economia de mercado é, por natureza, uma economia de endividamento. Consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda. Geraldo de Faria Martins da Costa [20] leciona que "na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como ‘meio de financiar a atividade econômica’. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo".

Mas não é possível que se admita, a pretexto de fomentar a economia, que se oportunize, sem as devidas advertências, que o consumidor caia na esparrela do superendividamento, que no Brasil é tão grave que pode ser comparado a questões de saúde pública, tais como o tabagismo e o alcoolismo. Vale relembrar que nas caixas de cigarros, por exemplo, foram apostas imagens de fetos abortados, de pessoas com câncer, de órgão vitais carcomidos pelos danos causados pelo fumo, tudo com a intenção de alertar os fumantes dos riscos que se assume ao acender um cigarro. É passada da hora de se tomar, em prol dos consumidores, medida similar na concessão de crédito, especialmente para pessoas idosas e de baixo grau de instrução. Não é demais lembrar que mais de 50% dos empréstimos são concedidos para pessoas com renda de até 01 salário mínimo, presumivelmente, muitas delas semi-analfabetas e quase todas com baixíssimo grau de instrução.

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A exigência de que informações claras e precisas constem do contrato, que deve ser redigido de forma compreensível ao consumidor, não é uma exigência descabida. A previsão consta do Artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, verbis: os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores (...), ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu alcance".

A Carta Cidadã, em seu artigo 230, caput, diz que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo a sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito a vida". As Instituições Financeiras brasileiras ao formalizarem contratos de adesão de difícil compreensão fulminam a pretensão do legislador constituinte e pior, o fazem impunemente. É um absurdo inquestionável que há tanto tempo firam a honra e a dignidade da população, especialmente da população idosa e carente deste País.

Ao se analisar os contratos utilizados pelas Instituições Financeiras fácil é perceber que o aposentado padrão do INSS, com baixa renda e baixo grau de instrução não tem condições de entender o caráter oneroso da obrigação que está assumindo. A língua inglesa utiliza o termo "loanshark" para designar o agiota, o usurário. Em tradução livre pode-se dizer "tubarão dos juros", ou, que os aposentados estão caindo direto na boca do tubarão.

Claudia Lima Marques [21], inegavelmente uma das maiores autoridades em proteção consumerista, aduz em comentário ao artigo 46 que "a finalidade da norma é assegurar informação ao consumidor, ou, como estamos querendo frisar, a transparência necessária nas relações de consumo. Tenta, dessa maneira, evitar que o fornecedor utilize a sua superioridade econômica e mesmo técnica [22]para confundir o consumidor e impor a ele obrigações que, se tivesse compreendido o sentido do texto, não teria assumido".

É fato notório, basta que se assista qualquer programa popular de Televisão [23], para que se perceba que existe uma oferta descomunal de crédito, sem qualquer campanha explicativa a respeito dos riscos. A tomada de crédito, conforme evidenciam as inúmeras pessoas que buscam a Defensoria Pública todos os dias, está produzindo uma massa de assalariados empobrecidos, que, embora empregados, margeiam a miséria por força do pagamento das prestações de empréstimos, tomados sem a devida compreensão do conteúdo do que estava sendo contratado.

Claudia Lima Marques [24] diz que "o importante na interpretação da norma é identificar como será apreciada a questão referente a ‘ dificuldade de compreensão ’ do instrumento contratual. É notório que a terminologia jurídica apresenta dificuldades específicas para os não profissionais do ramo; de outro lado, a utilização de termos atécnicos pode trazer ambigüidades e incertezas ao contrato. Nestes 15 anos de CDC, os tribunais brasileiros vêm interpretando a norma em função do nível de conhecimento jurídico do consumidor médio, isto é, do homem atento, mas sem formação jurídica específica".

O importante é que o consumidor, especialmente o idoso economicamente carente, possa entender o teor das obrigações que está assumindo. Não pode ser olvidado que com o avanço da idade algumas funções, como a acuidade óptica e a atenção, perdem o vigor e que, neste contexto, a letra e a disposição gráfica do contrato (tamanho, fonte, espaçamento) utilizado pelos bancos e financeiras dificultam o entendimento do conteúdo da avença especialmente pelos mais idosos. Isso tudo sem esquecer das dificuldades decorrentes do baixo grau de instrução.

Não é sem razão que Claudia Lima Marques [25] conclui que "o artigo 46, in fine, do CDC indica, através de utilização das expressões ‘sentido e alcance’ do contrato, o ponto mais sensível da futura análise da transparência do instrumento contratual, isto é, a compreensão pelo consumidor das obrigações que está assumindo, especialmente quanto ao valor do pagamento, ao número de prestações, à espécie de correção e acréscimo possível da dívida, ao tempo de duração do vínculo contratual e ao envolvimento de futuras contratações. Uma interpretação sistemática da norma também chegaria a idêntica conclusão, utilizando as normas do art. 51 e 52 para verificar que pontos do contrato foram considerados relevantes na proteção do consumidor".

Assim, na forma em que redigido os contratos de adesão pelas Instituições Financeiras, suprime-se do consumidor, especialmente o idoso e economicamente hipossuficiente destinatário do denominado empréstimo consignado, a oportunidade de entendimento do conteúdo da avença. Após a realização do ruinoso contrato e a drástica redução da renda os problemas já existentes se agravam. O dinheiro do remédio, da alimentação passa a ser do banco.

Os legitimados para o exercício da Ação Civil Pública devem postular junto ao Poder Judiciário, inclusive por meio de pedido de antecipação de tutela [26] que as Instituições Financeiras modifiquem a estrutura dos contratos de adesão. Sugere-se, aqui, que doravante seja utilizado a seguinte diagramação prevista no manual de redação da Presidência da República [27], qual seja:

a) deve ser utilizada fontedo tipo Times New Roman de corpo 12 [28] no texto em geral, 11 nas citações, e 10 nas notas de rodapé;

b) para símbolos não existentes na fonte Times New Roman poder-se-á utilizar as fontes Symbol e Wingdings;

c) é obrigatório constar a partir da segunda página o número da página;

d) os ofícios, memorandos e anexos destes poderão ser impressos em ambas as faces do papel. Neste caso, as margens esquerda e direta terão as distâncias invertidas nas páginas pares ("margem espelho");

e) o início de cada parágrafo do texto deve ter 2,5 cm de distância da margem esquerda;

f) o campo destinado à margem lateral esquerda terá, no mínimo, 3,0 cm de largura;

g) o campo destinado à margem lateral direita terá 1,5 cm;

h)deve ser utilizado espaçamento duplo [29] entre as linhas e de 6 pontos após cada parágrafo, ou, se o editor de texto utilizado não comportar tal recurso, de uma linha em branco;

l) todos os tipos de documentos do Padrão Ofício devem ser impressos em papel de tamanho A-4, ou seja, 29,7 x 21,0 cm;

A diagramação sugerida já constituiria um grande avanço na qualidade da informação repassada ao consumidor. As cláusulas gravosas aos interesses dos consumidores devem ser grafadas de forma destacada, em fonte maior do que a utilizada no contrato e, se possível, em destaque colorido.

Inequívoco que com a publicidade abusiva e com os defeitos na formação do contrato as empresas componentes do Sistema Financeiro Nacional causaram e causam sérios danos a uma enorme massa de consumidores, especialmente aos mais carentes e idosos. O Poder Judiciário, atuando de forma conjunta com os demais órgãos de proteção ao consumidor, deve coibir a continuação da lesão, o que será feito com a alteração da diagramação contratual, que pode ser determinada em sede de antecipação de tutela.

Mas tal providência não é suficiente, pois urge que se repare o mal já produzido, especialmente no que tange a disseminação da cultura do endividamento. A publicidade das Instituições Financeiras, de forma marcante e eficiente incentivaram e incenivam a disseminação da cultura do empréstimo, de que o financiamento é a única forma de se adquirir bens de consumo.

A única forma de se remediar o mal produzido é por meio de determinação do Poder Judiciário no sentido de que as empresas produzam e veiculem campanhas de esclarecimento à população sobre os riscos do superendividamento, espantando, assim, a cultura maléfica disseminada de forma abusiva pela publicidade com mensagens subliminares levada a efeito pelas Instituições Financeiras.

Verifica-se no foro e em notícias veiculadas pela mídia, televisiva e escrita, que vários são os casos de superendividamento decorrentes da utilização descontrolada do crédito, que é ostensivamente oferecida em programas de televisão, rádio e outros meios de comunicação social. Vivemos, hoje, em uma "bolha" de consumo, inflada pelo crédito fácil mediante cobrança de taxas abusivas de juros.

A maioria das grandes lojas de departamento, as redes de hipermercados, revendas de automóveis e praticamente todos os segmentos comerciais de nossa sociedade têm deixado de lado suas atividades para se dedicar à exploração do lucrativo ramo de financiamento, mediante cobrança de taxas de juros extorsivas. De acordo com o Jornal International Press "de acordo com os relatórios de maio, o empréstimo consignado já superou duas modalidades tradicionais de crédito: o cartão de crédito e o cheque especial. As Instituições Financeiras que fazem esse tipo de operação estão ganhando dinheiro a rodo".

O consumidor, especialmente o menos esclarecido e, portanto, mais vulnerável, é diariamente bombardeado com propagandas incentivadoras do consumo desenfreado e supérfluo. O consumismo é a nova onda. Pode-se comprar de tudo com parcelas pequenas e com prazos de pagamento a perder de vista. Hoje é possível adquirir um veículo 0km sem entrada e mediante o pagamento de até 72 prestações.

Os meios de comunicação alcançam localidades inimagináveis, fomentam o desejo de ter e quando se tem, fomentam o desejo de se ter mais e mais. A única forma de conseguir aplacar os desejos incutidos pelo marketing é buscando crédito, com taxas de juros reduzidas (mas mesmo assim as maiores do mundo). O desejo e a cobiça pelos bens de consumo idealizados por campanhas publicitárias milionárias conseguem, pelo menos por algum tempo, esconder a catástrofe dos juros, que só serão sentidos no final do mês subseqüente ao empréstimo, na hora de adquirir a medicação, de realizar as compras de supermercado...

O consumidor precisa de proteção, precisa ser alertado, admoestado, tal qual é feito para com os fumantes. O Poder Judiciário, ante a omissão proposital dos demais Poderes da República precisa agir, mas agir logo, mas precisa ser provocado por todos os legitimados à propositura da ação civil pública.

O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, fundamentos dos pedidos de antecipação de tutela que devem ser formulados,é evidente e constitui-se na grande massa de endividados, que, desesperadamente procuram socorro junto ao Judiciário, que, infelizmente, pouco pode fazer diante dos casos concretos. Resta apenas tentar prevenir, ainda que simbolicamente. De cada 10 pessoas que procuram os serviços da Defensoria na área cível, seguramente, 07 são vítimas do superendividamento. Alguns por culpa própria, mas a maioria induzida ao superendividamento, em razão da falta de informação sobre o serviço de crédito que contrataram. Se tivessem sido alertados para os riscos de tais serviços talvez muitos não estivessem na situação em que se encontram.

Toda a história do abuso dos juros e da concessão de crédito no Brasil se reduz a um único fato: a sociedade brasileira está criando escravos. Para quem? Para a miséria, para a fome, para o frio, para uma velhice solitária, para o abandono. A miséria está pedindo para se instalar, e estamos aceitando. Pior, seja por meio de políticas governamentais equivocadas e danosas ao interesse público, seja pela mais banal omissão, estamos incentivando a instalação da miséria. A história dos juros está se tornando um doloroso comércio, cuja perversidade tende a aumentar, caso não se comece a tomar uma providência. Eis o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

A verossimilhançadas alegações também se faz presente. A legislação acima citada, que deve ser conjugada com a dignidade da pessoa humana, deixa claro que o Requerido deve zelar pelo dever de clareza, deve ser auxiliar no combate ao superendividamento, deve auxiliar os consumidores. As Instituições Financeiras têm obrigações sociais e não podemos permitir que dolosamente não as exerçam. O lucro, especialmente a custa da miséria e do sofrimento da população, não pode ser o único móvel do nosso Sistema Financeiro, que, segundo o Artigo 192 da Constituição Federal deve ser "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (...)".

Assim, mais do que verossimilhança é possível vislumbrar a exatidão e correção das seguinte assertiva: As Instituições Financeiras, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são obrigadas a observar os postulados da boa-fé objetiva, integrante indissociável do moderno sinalagma contratual. Presente, portanto, de forma veemente a verossimilhança das alegações possíveis em sede de ação civil pública.

Ora, o reconhecimento do abuso publicitário e da má formação contratual deve conduzir a anulação das cláusulas insertas nos contratos já firmados, especialmente no que tange a cobrança de juros e comissões. Vale consignar que aqui não se sustenta a ilegalidade da livre cobrança de juros, pois tal possibilidade, infelizmente, já foi chancelada pela Instância máxima do Poder Judiciário (STF). A discussão aqui encetada é de outra ordem, funda-se na má redação dos contratos e em suas letras minúsculas e ilegíveis, que não permitem a exata compreensão do alcance e sentido da avença firmada com a Instituição Financeira aliadas à campanhas publicitárias milionárias e criminosas, com manifesto conteúdo subliminar.

O raciocínio é simples, se o contrato, por vício formal, é nulo, o acessório, ou seja, a contratação de juros deve seguir o mesmo destino. Assim, possível, dentre outras coisas, que seja buscado (tanto em sede de ações individuais como em sede de ações coletivas) provimento declaratório de nulidade dos contratos firmados em desacordo com as disposições consumeristas, determinando-se aos Bancos e Financeiras postos no vértice passivo das relações processuais que procedam, em prazo a ser estipulado pelo juízo, todo o valor cobrado a título de juros de seus consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor estipula em seu art. 46, que nos contratos que regulam as relações de consumo, quando os instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance não obrigará aos consumidores. Assim, exigível que as cláusulas sejam redigidas em linguagem direta, cuja lógica facilita sobremodo sua compreensão [30], e como salienta Cláudia Marques, as expressões "sentido" e "alcance" do contrato, permitindo a análise da transparência do instrumento contratual, quanto ao valor do pagamento, ao número de prestações, à espécie de correção e acréscimo possível da dívida, ao tempo de duração do vínculo contratual e o envolvimento em futuras prestações. [31]

Além dos caracteres em tamanho reduzido, a linguagem utilizada pelas Instituições Financeiras é confusa, em que cada cláusula remete a outros itens, e somente um expert poderia conseguir entender o exato sentido daquele emaranhado de palavras em linguagem indireta. A tônica do instrumento padrão de adesão foi à remessa a outro item, dificultando a compreensão do "sentido" e "alcance" do contrato.

Veja que os Bancos trabalham com complexos cálculos, conhecendo o perfil do consumidor, especialmente a grande massa dos aposentados. Desse modo, uma vez contratando o primeiro empréstimo, não tardam em oferecer renegociação alongando a dívida, na ciranda financeira. De forma proposital, diria até criminosa, o contrato é redigido de forma confusa.

Em sendo abusiva a cláusula, tendo em vista que não foi redigida de forma clara e compreensível, conforme já mencionado, não obriga aos consumidores. É o caso dos aposentados, público alvo do contrato de adesão, lembrando a lição de Nelson Nery Júnior, recomendando "palavras difíceis, termos técnicos e palavras estrangeiras não deverão, por cautela, ser utilizados no formulário". [32]

Logo, devem os aposentados ser desonerados das obrigações contratadas, devendo as Instituições Financeiras, após a declaração de nulidade dos contratos, proceder a devolução dos encargos e juros cobrados. Como a redação não permitia a exata compreensão do seu sentido e alcance, o Estado-Juiz deve recompor o equilíbrio, mandando aplicar a taxa legal dos juros previstos no Código Civil, ou outro fator de remuneração do capital, de modo mais favorável ao consumidor.

Diante do quadro aqui pintado, s.m.j., não há como se deixar de realizar nas ações civis públicas a serem intentadas pelos legitimados ativos o pedido de reparação de danos morais. A possibilidade de reparação de dano moral de natureza coletiva não é novidade no direito pátrio, encontrando-se explicitamente consagrada no art. 6º, inciso VI, da Lei nº 8.078/90, quando afirma que são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

O caput do Art. 4º do Código de Defesa do Consumidor exige, além da transparência, a manutenção da harmonia das relações do consumo, o que somente será possível caso observada a boa-fé por parte de todos os envolvidos no mercado de consumo. Não é descabido dizer que no estágio da teoria contratual em que vivemos a boa-fé é elemento essencial de existência e validade de todo e qualquer contrato. A boa-fé exige confiança, princípio imanente a todo o direito.

Claudia Lima Marques [33] aduz que "como novo paradigma para as relações contratuais de consumo de nossa sociedade massificada, despersonalizada e cada vez mais complexa, propõe a ciência do direito o renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito há muito conhecido e sempre presente desde o movimento do direito natural: o princípio geral da boa-fé".

O princípio em comento, obtempera a autora, tem uma função criadora ao trazer ao contrato deveres anexos como lealdade ao informar, dever de cooperação, também tem função limitadora, na medida em que não mais permite a busca de vantagem excessiva em detrimento da parte hipossuficiente. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na feliz expressão de Waldirio Bulgarelli [34] "salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial".

Ao descurar-se do dever de observar a boa-fé objetiva, o que fazem todas as Instituições Financeiras [35] de forma despudorada, ferem as regras estabelecidas pela Constituição da República. Atingem, assim, os sentimentos de dignidade de toda a nação, de todo o povo, ferem, por assim dizer, a dignidade dos idosos, em claro desrespeito ao preceito inscrito no Artigo 230 da Constituição Federal.

Importante que se tenha em conta que a condenação por danos morais coletivos, máxime quando considerados os valores envolvidos nos empréstimos consignados, devem ser efetivos e significativos. As condenações devem girar na casa da centena de milhões, pois, do contrário, o efeito inibidor de novos ataques ao bem jurídico tutelado (dignidade dos idosos e dos consumidores em geral) não será postos a salvo de novos ataques.

Importante, para finalizar, rememorar que a destinação do valor arbitrado a título de danos morais coletivos deve seguir a destinação prevista no artigo 13 da Lei 7347, de 24 de julho de 1985, a seguir transcrito: havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. O valor arbitrado poderá ser utilizado pelos gestores do fundo para realização de contrapropaganda e para realização de campanhas educativas a respeito do uso imoderado do crédito e dos riscos de superendividamento.

Importante considerar também a previsão do Artigo 5º, § 6º da Lei 7542/86 que preceitua que "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".

Outro instrumento importante na efetivação e salvaguarda dos direitos tutelados é a previsão constante do Artigo 11 da Lei 7542/86, qual seja, a fixação de multa com a finalidade de influir no espírito do ofensor dos direitos coletivos a prestigiar o comando judicial nos casos em que se pleitear o cumprimento de obrigações de fazer. No mesmo diapasão é a previsão do Artigo 84 da Lei 8078/90, especialmente em seu § 4º.

O valor eventualmente apurado pela cobrança da multa deverá ter a destinação prevista no Art. 13 da Lei de Ação Civil Pública, na mesma forma em que os danos morais pleiteados.

Outro ponto de relevo é a abrangência territorial das decisões que venham a ser proferidas nas ações civis públicas intentadas em favor dos consumidores. Malgrado a modificação do Artigo 16 da Lei 7542/86 pela Lei 9494, de 10 de setembro de 1997, ao determinar que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator (...)", a alteração não modificou a estrutura das ações coletivas reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. Vale relembrar que a aplicação da lei da Ação Civil Pública, segundo o Artigo 90 do CDC, é apenas subsidiária. Vale, portanto, a regra especial do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, o Artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor diz que "nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81".

Desta forma, o provimento a ser emanado nas ações civis públicas intentadas pelos legitimados ativos terá efeito erga omnes, alcançando inclusive as demais unidades da federação.

No campo instrutório, especialmente na divisão do ônus da prova, considerando-se o fato da relação jurídica encontrar-se sob o manto protetivo do CDC e ao fato de o consumidor está em nítida desvantagem, há de ser requerida a inversão do ônus probatório, com apoio no art. 6.º, inciso VIII, do CDC.

Ao longo do arrazoado, restou demonstrado que o réu subverteu o sistema legal, inserindo em sua publicidade material de conteúdo subliminar, cuja negativa caberá ao demando demonstrar, via elementos que possui em seu poder.

Não se pode descurar, ademais, que o CDC obriga às empresas, via art. 36 e seu § único, que conservem em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Assim, para cabal demonstração do alegado, é mister que venham aos autos tais materiais, quando veiculam as mensagens publicitárias, incluídos os comerciais inseridos na mídia (Televisão, Rádio, Imprensa escrita e Internet) voltadas ao público alvo na captação (ou cooptação) dos aposentados. Nesse sentido, não poderá faltar, os métodos utilizados no próprio interior das agências bancárias e pontos de oferta do crédito e contratação de agentes para assediar o público alvo.

Por fim, cumpre informar que a Defensoria Pública do Distrito Federal, recentemente, ajuizou ação civil pública contra o Banco Bradesco S.A., tendo, pelo eminente Juiz de Direito, titular da 2º Vara Cível de Taguatinga, Clóvis de Moura Sousa, sido deferida a medida antecipatória de tutela. Abaixo segue transcrição da decisão:

Cuida-se de Ação Civil Pública, com pedido de medida antecipatória inaudita altera pars, proposta pela Procuradoria de Assistência Judiciária do Distrito Federal - Defensoria Pública, integrando, em litisconsórcio ativo, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em face do Banco Bradesco S/A. Narram, os autores, que o Banco réu, objetivando exclusivamente o lucro, em detrimento ao consumidor hipossuficiente e em transgressão às normas da Lei Consumerista, vem adotando modernas estratégias de marketing, para subjugar os aposentados e pensionistas beneficiários do INSS, a fim de realizarem empréstimos consignados mediante comprometimento de 30% de suas renda mensal, medidas esta que vêm causando o superendividamento dos mesmos. Verberam a redação do Contrato de Empréstimo Pessoal Consignado, por apresentar letras pequenas, linguagem indireta com remissão a outras cláusulas e termos técnicos incompreensíveis à maioria dos consumidores, fatores esses que aliados ao perfil dos tomadores de empréstimo consignado - em sua maioria, população de baixa renda, que percebe até um salário mínimo mensal, e de baixo grau escolaridade -, inviabiliza o discernimento do caráter oneroso, decorrente do comprometimento de 30% da renda mensal, da obrigação que está sendo assumida. Em razão da inobservância ao dever da boa-fé objetiva e da afronta à Constituição Federal, atingindo os sentimentos de dignidade dos aposentados, pedem, amparados, também, nos arts. 4º e 6º, inciso VI da Lei 8.078/90, reparação por danos morais coletivos de, no mínimo, R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) ou em valor equivalente a 10% (dez por cento) da receita líquida auferida com os aposentados. Pugnam pela tutela jurisdicional de urgência, inaudita altera pars, no sentido de determinar ao Banco réu, sejam os contratos de Empréstimos Pessoal em consignação e/ou retenção dos benefícios auferidos pelo INSS, redigidos de acordo com as normas ditadas pelo Manual de Redação da Presidência da República, adotando-se a linguagem direta e clara, destacando-se o percentual de juros ao mês/ano e demais encargos decorrentes, os valores em moeda cobrados a título de juros e comissões, o número de parcelas e valor tomado de empréstimo, além do risco de superendividamento, com fixação de multa no patamar de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada contrato firmado em descumprimento da diagramação indicada ou por dia de desatendimento à medida judicial. Postulam, ainda, em provimento antecipatório, seja promovido pelo Banco réu, campanha publicitária educativa a respeito do superendividamento, em igual proporção àquelas veiculadas para oferecimento do crédito, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais). Para fins de deferimento do provimento de urgência, sustentam periculum in mora nos problemas sociais decorrentes do aumento em massa dos endividados e na dificuldade de reparação dos danos em razão da dispersão e quantidade de lesados, exemplificando com a situação fática de que a cada dez pessoas que procuram os serviços assistenciais da Defensoria Pública no DF, sete são vítimas do superendividamento. Ressaltando a possibilidade de reversibilidade da medida a qualquer tempo. Explanam que o fumus boni iuris se caracteriza pelo desvirtuamento do princípio da publicidade, e se funda na Constituição Federal, no princípio da dignidade da pessoa humana e nos arts. 36, 37 e 46 do Código Consumerista. Pedem, também, seja determinado ao INSS não aceitar "averbação de consignações provenientes do Banco Bradesco S.A. até que o Banco tenha cumprido as determinações emanadas deste processo". Ainda, a inversão do ônus probatório, em razão da situação de hipossuficiência dos consumidores aposentados. No mérito requerem a confirmação ou deferimento das medidas postuladas a título de tutela antecipatória e condenação do Banco réu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor mínimo de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), a ser revertido ao Fundo criado pela Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), bem como ao pagamento dos consectários da sucumbência, estes revertidos ao PROJUR. Sustentam o efeito erga omnes do provimento jurisdicional, inclusive extensivo às demais unidades da federação. (...). É a síntese do necessário.Decido. 1) Da antecipação de tutela. Como se sabe, a Constituição delineou os fundamentos da República Federativa do Brasil em fundamentos que buscam, incessantemente, conceder um caráter eminentemente social e protetivo, de forma a promover aos seus cidadãos o mínimo de condições necessárias para que se tenha uma vida digna (art. 1º, III, da CR), e, nessa linha, elegeu como princípio constitucional da ordem econômica a "defesa do consumidor (art. 170, V, da CR), para tanto, veio a lume por ordem constitucional, o Código de Defesa do Consumidor, o qual veda a prática comercial abusiva, é dizer, onde se explore a fragilidade do consumidor para fins de lhe impor o fornecimento de produtos/serviços que não atendam aos seus reais interesses. Na espécie, ressaltando-se os estreitos limites de cognição sumária e não exaustiva da lide ora em Juízo, tenho como cabível o deferimento parcial da antecipação de tutela, uma vez que se mostram presentes os requisitos enunciados pelo art. 273 do CPC. É que, como cediço, o principal destinatário do crédito consignado é o consumidor idoso, in casu, os aposentados e pensionistas do INSS, os quais, por notório, dada à, no mais das vezes, sua fragilidade na estrutura social aliada à sua idade, mostram-se mais suscetíveis de serem vulneráveis a procedimentos agressivos de marketing combinado a facilitação de acesso ao crédito, daí porque a causa de pedir deduzida na inicial e aditamentos, aliada à documentação juntada, demonstram, prima facie, a necessidade de interferência do Judiciário para fins de adequação de circunstâncias que se apresentam como de caráter urgente, é dizer, do atual status quo àquele regrado pelo ordenamento Jurídico, é dizer, a CR e às leis que lhe vieram dar regramento específico no tocante as relações de consumo. In casu, os documentos juntados mostram-se juridicamente hígidos e hábeis a demonstrar o tecnicismo dos contratos de adesão do indigitado "empréstimo consignado" a que são submetidos os aposentados e pensionistas, ao tempo em que, da mesma forma, e para o público alvo, são redigidos com tipos e espaços pequenos, apertados, fatos esses incontornavelmente prejudiciais ao seu publico alvo, na medida em que, reitero, ditas prejudicialidades dirigem-se a pessoas com idade avançada, por mais das vezes de instrução precária e com pouca e/ou nenhuma habilidade para compreensão acerca de juros e ônus decorrentes de contratos bancários. Tal fato potencializa-se com as freqüentes e, repito - para o público alvo -, injustificadas remissões a outras cláusulas. Lado outro, como de conhecimento público, deve-se levar em conta o marketing agressivo utilizado pela parte ré em cotejo à renda precária que, em regra, auferem os aposentados e pensionistas do INSS, fato esse que, incontornavelmente, torna mais intenso os efeitos prejudiciais ao tomador do negócio mal realizado, como dito, em função do marketing utilizado, do excessivo tecnicismo dos ajustes, da impressão que dificulta ou, no mais das vezes - em relação ao público alvo das campanhas publicitárias -, torna mesmo inacessível ao tomador a ciência e conhecimento preciso - como deveria e deve ser -, das obrigações e repercussões em seu patrimônio do "negócio" a que está aderindo. Deixo registrado que, ao sentir desse Juízo, não se nega que o indigitado "empréstimo consignado", tenha vindo em benefício de seu público alvo. Entendimento contrário, seria, desconhecer o fato social pretérito de refração das instituições financeiras na concessão de crédito aos aposentados e pensionistas de parca renda. Ocorre que, o procedimento do réu na captação de clientes e, a forma com que são redigidas as cláusulas contratuais, mostram-se em descompasso aos interesses e necessidades específicas dos seus destinatários, como retro indicado. No que tange à determinação à parte ré para que veicule propaganda a respeito do superendividamento, na mesma proporção e pelos mesmos meios em que a veicule para fins de oferta de crédito, tenho-a, no presente estágio processual, como temerária, eis que a natureza da medida, é dizer, difusa e indeterminada no tempo e no espaço, atingindo potencialmente toda a sociedade em seus mais diversos segmentos, afigura-se como de possível irreversibilidade os eventuais prejuízos reflexos que dela poderiam advir, mostrando-se mais consentâneo e alinhado à lógica do razoável, reitero, no presente estágio processual, que as informações adequadas sejam dadas à cada interessado, postergando-se, portanto, a apreciação do indigitado pedido de antecipação de tutela, bem como àqueloutros referentes à recomposição do equilíbrio contratual, máxime a adequação dos juros ao percentual previsto em Lei ou outro fator mais favorável ao consumidor, para fase posterior à angularização da relação processual, ocasião em que, o feito estará melhor instruído, inclusive com a parte ré, exercendo o direito ao contraditório e manejando suas razões contrárias, se o caso, mesmo porque,registre-se, no tocante a contrapropaganda, como asseverado pelo órgão Ministerial à fl. 21 item 3.4.1 "(...) as instituições brasileiras via PROCON e Ministério Público (e tardiamente o INSS) estão interferindo na seara, buscando amenizar os malefícios do crédito consignado, via publicidade informativa, dos riscos do superendividamento". Postos nestes termos os fatos e fundamentos, e, entendendo estarem presentes os requisitos previstos no art. 273 do Código de Ritos Civil, defiro em parte a liminar pleiteada para fins de determinar, como de fato determino à parte ré que: a)adote nos contratos de empréstimos para aposentados e pensionistas do INSS, os tipos de caracteres indicados pelo Manual de Redação da Presidência da República, utilizando-se, para tanto, dos caracteres da fonte "times new roman", tamanho 12, espaçamento duplo entre as linhas, destacando-se o percentual de juros ao mês/ano, valores em moeda corrente cobrados a título de juros e comissões, número de parcelas e valor tomado de empréstimo, tudo em linguagem clara e direta. Fixo a pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada contrato entabulado em desacordo com as determinações retro; b) seja inserido nos contratos de empréstimo para aposentados e pensionistas do INSS, em destaque - fonte 14, em negrito-, informações adequadas sob os riscos do negócio - rectius: empréstimo consignado-, para fins de dar conhecimento ao interessado de que, a contratação de empréstimos consignados, mediante pagamento de juros e na forma em que feita, é dizer, comprometimento de parte da renda por desconto direto na fonte -INSS-, pode conduzir ao "superendividamento". Fixo a pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada contrato entabulado que não cumpra as determinações retro; c)Para o cumprimento das determinações contidas nos itens a) e b) supra, fixo o prazo de 10 (dez) dias, a contar da data em que a parte ré seja devidamente intimada desta decisão.

A decisão acima transcrita, ainda que tenha deferido a antecipação de tutela apenas parcialmente, já indica o caminho seguro que a matéria deve seguir, sinalizando, ademais, para todos os legitimados à propositura da ação civil pública que ingressem de forma urgente com as ações cabíveis, objetivando, assim, minorar o sofrimento da população idosa e carente que está sendo espoliada pela ganância das Instituições Financeiras.

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Sobre o autor
André de Moura Soares

procurador da Assistência Judiciária do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, André Moura. Aposentados e pensionistas do INSS.: Empréstimos consignados e proteção ao idoso. Ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1205, 19 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9055. Acesso em: 29 mar. 2024.

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