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A proteção do consumidor em razão do fato e do vício do produto ou serviço

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21/10/2006 às 00:00
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4. A GARANTIA LEGAL DE ADEQUAÇÃO DOS PRODUTOS E SERVIÇOS

A garantia introduzida pelo sistema do CDC, e em especial o art. 24, como corolário da boa-fé, impede a estipulação de cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou mesmo atenuam as obrigações pelos vícios regulados pelos arts. 18 a 23. Essa garantia de adequação do produto e do serviço "é um verdadeiro ônus natural para toda a cadeia de produtores" e é "mais do que a garantia dos vícios redibitórios, é garantia implícita do produto, (...) de sua funcionabilidade, de sua adequação", abrangendo também os "vícios ocultos e aparentes não só em produtos como também no fornecimento de serviços e vício da informação". [85]

Os contratos submetidos ao regime do CDC possuem um regime especial e imperativo de garantia legal de adequação contra vícios aparentes e ocultos para todos os tipos de contratos – não só os comutativos, como limita o CC, art. 441 – envolvendo o fornecimento de todos os serviços e produtos para os consumidores. [86] Aqui, a garantia legal "independe de termo expresso"; é dever de adequação imputado a todos os fornecedores de produtos e serviços, enquanto a garantia contratual é facultativa, e oriunda de manifestação de vontade expressa do fornecedor, e devendo estar disposta em termo escrito (CDC, art. 50).

Essa disposição legal garante ao consumidor um período em que nenhum vício pode surgir.

Essa garantia estende-se também às hipóteses em que a relação de consumo envolve a comercialização de produtos usados, pois a lei em momento algum faz distinção, não sendo lícito ao intérprete fazê-lo. [87] Neste casos, a garantia legal será "segundo as reais especificidades do produto que estiver sendo comprado, bem como com as condições de oferta do fornecedor que o estiver vendendo". [88]

4.1 Prazos para reclamar

O art. 26 estipula os prazos de garantia legal por vícios do produto ou do serviço. Em outras palavras, uma vez constatado o vício no produto ou serviço, o consumidor tem o direito legal de exigir do fornecedor o saneamento do vício, nos termos dos arts. 18-20, do CDC.

Não é demais ressaltar que as situações em que ocorra dano em decorrência de fato do produto ou serviço não se sujeitam a esse prazo, mas somente àquele previsto no art. 27.

Para ter esse amparo legal, porém, o consumidor deve exercer esse direito de agir dentro do prazo estipulado pela lei: 90 dias para bens e serviços duráveis, e 30 dias para os não-duráveis. Thereza Alvim [89] aponta que eles não são suscetíveis de alteração pela vontade das partes.

Esses prazos têm natureza eminentemente decadencial, uma vez que se tratam de prazos para o exercício de direito potestativo. Esse dispositivo, no entanto, não é de fácil interpretação.

4.1.1. Contagem do prazo

Esse prazo tem início quando o produto, ou o serviço, é entregue ao consumidor (CDC, art. 26, §1º). Porém, quando se trata de vício oculto, o prazo para se reclamar somente tem início com a sua constatação (§3º).

Havendo garantia contratual, o termo inicial do prazo legal para reclamar somente se inicia quando aquele houver expirado. [90]

O vício oculto, para os fins do CDC, é aquele que não pode ser verificado no mero exame do produto ou serviço, ou que não estiver provocando a impropriedade ou inadequação ou diminuição do valor do produto ou serviço. Assim, "o vício é oculto se não estiver acessível e, ao mesmo tempo, não estiver impedindo o uso e consumo". [91]

Com o decurso do prazo de 30 dias que o fornecedor tem na hipótese do CDC, art. 18, §1º, e com a falta de atendimento imediato pelo fornecedor da opção eleita pelo consumidor nas hipóteses dos arts. 18, §3º, 19 e 20, poder-se-ia mesmo falar em recusa tácita, de forma a fazer cessar a causa "obstativa" do curso do prazo; ocorre que a lei é cuidadosa neste ponto, e exige que a "resposta negativa" seja "transmitida de forma inequívoca", não bastando a simples inação do fornecedor.

4.1.2. Prazo para o quê?

A doutrina consumerista está longe de estar de acordo sobre a interpretação a ser dada ao art. 26, do CDC.

Cláudia Lima Marques, p.ex., entende que os prazos do caput são para o consumidor "reclamar judicialmente" [92]; já Mirella Caldeira defende que se trata de prazo para o consumidor "constituir o seu direito de reclamar por um vício existente no produto ou serviço, sob pena de perdê-lo" [93] – essas são as posições que nos parecem mais satisfatórias. Quanto aos demais, em geral misturam ambas as posições, ou, quando não fingem enfrentar o problema, simplesmente o ignoram.

Fernando Noronha entende que "o direito do credor à indenização só surge" quando ele previamente "declarar que a prestação realizada está em desconformidade com a que era devida". [94]

A terminologia utilizada no Código – usando termos novos para evitar debates antigos – não facilita a chegada a um consenso.

A primeira questão que se põe é qual é o direito potestativo a ser exercido pelo consumidor dentro do prazo decadencial?

4.1.2.1. As soluções da doutrina

Os autores consumeristas em geral defendem e frisam que o prazo estipulado pelo CDC, art. 26 não é para ajuizar ação, mas sim para apresentar reclamação. Nas palavras de Antônio Benjamin: "O prazo é de trinta dias para reclamar e não para ajuizar a ação. Isto é, não se exige que o consumidor, impreterivelmente, proponha a ação cabível em trinta dias ‘a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços’. Faculta-se-lhe observar esse prazo, direta (reclamação junto ao fornecedor) ou indiretamente (inquérito civil instaurado pelo Ministério Público)." [95]

Dizem que tomar esses prazos como limite para o ajuizamento de ação judicial seria caminhar contra os princípios do CDC; entendem que o prazo é para reclamar, só que não explicam satisfatoriamente por que a reclamação suspende o curso do prazo se o prazo é para reclamar – Mirella Caldeira se propõe a solucionar a questão dizendo que "a palavra ‘obstar’ foi adotada pela lei consumerista no sentido de que o ‘direito será exercido’ – constituído, portanto – com a reclamação fundamentada ou com a instauração do inquérito. Após isso, não há que se falar em sobra ou reinicio de prazo, porque começa outro prazo [CDC, art. 18], totalmente diverso do direito potestativo de reclamar" [96], o que nos parece uma interpretação forçada do texto legal, ainda que em consonância com o sistema de proteção do consumidor.

Rizzatto [97] entende que as hipóteses do §2º não são de suspensão; entende que "a reclamação formulada no prazo tem efeito constitutivo do direito conseqüente do consumidor". Para ele, baseando-se no já citado estudo de Mirella Caldeira, o exercício da reclamação é condição sine qua non para o posterior exercício das prerrogativas que lhe são atribuídas pelo CDC, art. 18, §1º – "a reclamação do consumidor constitui o seu direito de pleitear aquilo que a lei subseqüentemente lhe garante (no caso expressamente previsto no §1º do art. 18) e aperfeiçoa-se com a resposta negativa do fornecedor".

Não obstante, Rizzatto concorda que a situação prevista no §2º, III é hipótese de suspensão do curso do prazo decadencial. Entende, outrossim, que havendo sido apurado o vício em Inquérito Civil, o consumidor estaria dispensado de apresentar ele mesmo a reclamação para ter constituído o seu direito – o prazo se suspende para quê, então?

4.1.2.2. Nossa posição

Não concordamos com essas posições, e, com algumas observações, adotamos a posição de Cláudia Lima Marques, já mencionada acima. Vejamos.

O tratamento dado pelo CDC ao vício do serviço ou produto encontra paralelo nos vícios redibitórios do CC, e nisso todos concordam.

Já à época do CC/16, onde os prazos referentes ao vício redibitório se encontravam regulados pelo art. 178, §§2º e 5º, IV, se entendia que o prazo era para o ajuizamento da ação. É de ressaltar que se entendia que a garantia contratual era uma causa convencional de suspensão do prazo decadencial, [98] o que encontrou eco na disposição do atual art. 446: aqui, porém, o legislador estipulou que na vigência da garantia contratual o adquirente tem 30 dias para "denunciar" o defeito, contados do seu "descobrimento" [99].

É certo que os prazos do art. 178, §§2º e 5º, IV, do CC/16, bem como do art. 445, do CC/02, são decadenciais, prazos para a propositura da ação [100], i.e., em linguagem ponteana: a ação de direito material deverá ser exercida judicialmente, por meio da ação de direito processual, dentro do prazo determinado pela lei.

Analisando o art. 26 em seu conjunto, fica claro que o termo "reclamar" (no caput) foi utilizado num sentido, e "reclamação" (no §2º, I) noutro. O primeiro foi utilizado no sentido de "promover ação judicial" [101], e o outro no sentido mais vulgar do termo, de denunciar ao fornecedor a existência do vício e fazer uso de uma das faculdades do CDC 18-20.

A análise do texto vetado do CDC, art. 27, §ú, só faz reforçar essa interpretação: ele previa que, apesar da referência equivocada, o prazo da prescrição da pretensão condenatória pelo fato do produto ou serviço seria interrompido nas mesmas hipóteses em que a decadência regulada pelo art. 26 é "obstada".

Entender que ambos os termos foram utilizados no mesmo sentido leva a conclusões esdrúxulas. Ora, se o prazo dado pela lei é para que o consumidor apresente sua reclamação ao fornecedor, mas ao mesmo tempo, apontar como causa "obstativa" à decadência a apresentação de reclamação pelo consumidor seria dizer o óbvio: se o prazo é para reclamar, e o consumidor reclamou dentro do prazo, não há que se falar em consumação da decadência. A interpretação da lei deve ser feita de modo a buscar dar maior efetividade ao dispositivo legal, e não transformá-lo em redundância inútil.

São prazos curtos, é certo (30 dias para produtos e serviços não duráveis, e 90 dias para duráveis). Também é certo que são prazos razoáveis se comparados com aqueles previstos no revogado CC/16 (15 dias para móveis, e 6 meses para imóveis), que também importavam no perecimento da possibilidade de se exercer o direito potestativo.

O fato de o CC/02 estabelecer prazos mais longos (30 dias para móveis, e um ano para imóveis) em nada deve afetar o tratamento dispensado pelo CDC, art. 26; já antes havia prazos mais longos na legislação civil ordinária do que na legislação do consumidor, e nem por isso os prazos do CDC foram postos de lado – foi opção consciente do legislador, que não quis fugir muito do tratamento dado aos vícios redibitórios.

4.1.3. Interrupção do prazo

Via de regra (CC, art. 207), os prazos decadenciais não se interrompem nem se suspendem, salvo disposição legal em contrário. No CDC temos uma disposição legal em contrário: o art. 26, §2º enumera duas situações em que o curso do prazo decadencial será interrompido ("obstado").

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Dentre aqueles que defendem que as causas enumeradas no §2º representam causas que influem na contagem do prazo, e não a consumação do direito formativo, é quase unívoco que se trata de causa suspensiva do curso do prazo. [102] Parece-nos, porém, mais adequada à mens legislatoris a posição de que são causas interruptivas do curso do prazo, conforme o disposto no já mencionado parágrafo vetado, do art. 27, que lhe fazia referência.

A primeira hipótese diz que a apresentação de reclamação pelo consumidor obsta o curso do prazo. O prazo não volta a correr enquanto não vier a resposta negativa inequívoca do fornecedor.

A segunda se refere à instauração de inquérito civil, não correndo o prazo enquanto durar o inquérito. É de se ressaltar que o arquivamento do inquérito civil não o encerra enquanto não confirmado pelo Conselho Superior do Ministério Público (Lei 7347/85, art. 9º, §4º).

Antônio Benjamin esclarece ainda que "naqueles casos de solidariedade, o consumidor, para estancar a decadência, pode encaminhar sua insatisfação para qualquer um dos coobrigados. E o seu efeito aplica-se contra todos." [103]

É interessante ainda apontar que aqui o legislador lançou mão do verbo "obstar", ao invés dos já consagrados "impedir" e "suspender" ou "interromper", como meio de driblar o debate doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade ou não de incidirem fatos que suspendam ou interrompam o curso do prazo decadencial, ante a falta de previsão expressa no CC/16. O tratamento dado ao instituto no CC/02 sanou o problema, ao ressalvar a incidência de disposições legais específicas prevendo a suspensão ou interrupção dos prazos decadenciais.

4.2 Prescrição

A prescrição da pretensão de reparação por danos sofridos pelo consumidor em razão de fato do produto (CDC, arts. 12-17) se dá em cinco anos da ciência da ocorrência do fato e de sua autoria – este prazo é sim de natureza prescricional, sendo injustificável o equívoco cometido por Denari [104]. Se o dano for continuado, a contagem somente poderá ser iniciada quando cessar a sua produção. [105]

Entendemos que identificado qualquer um dos responsáveis solidários, inicia-se a contagem do prazo; Antônio Benjamin [106] entende que a prescrição somente corre contra o fornecedor identificado, e não contra os demais. De forma contrária parece ser o entendimento de Rizzatto [107], ao dar exemplo em que o consumidor busca identificar o produtor para não acionar o "pequeno prestador de serviços", não se iniciando o curso do prazo.

Não obstante a disposição expressa, há jurisprudência admitindo a aplicação de outro prazo de prescrição que seja mais favorável ao consumidor, se houver, desde que provada a culpa do fornecedor [108] – na vigência do CC/16 aplicava-se o prazo do art. 177, de 20 anos (hoje se aplicaria a regra geral de 10 anos – CC/02, art. 205).

Ante a falte de previsão expressa no CDC, à pretensão de reparação de vício do produto ou serviço, aqui sim, aplica-se o prazo do CC, art. 205: 10 anos. Assim, p.ex., o consumidor que constatar vício oculto após dez anos da aquisição do produto ou serviço, não estará coberto pelas garantias legais do CDC, arts. 18-20.

Entendemos que não há que se falar em analogia ao prazo do CDC, art. 27, como defende a doutrina consumerista de forma geral. [109] A analogia, para ser aplicada, pressupõe a existência de "lacuna absoluta: isto é, aquele determinado caso não deve ter sido considerado pelo legislador nem explícita nem implicitamente em outra disposição que por si mesma e de acordo com a sua mentalidade possa compreendê-lo", e mais, "que a lacuna a ser preenchida não tenha sido expressamente desejada pelo legislador. Nesse caso não se poderá dizer que o legislador não previu o caso" [110]; aqui não há lacuna legal a ser preenchida.

O veto ao parágrafo único que existia no projeto aprovado pelo Congresso, previa que, apesar da referência equivocada, o prazo da prescrição da pretensão condenatória pelo fato do produto ou serviço seria interrompido nas mesmas hipóteses em que a decadência regulada pelo art. 26 era "obstada".

Assim, não havendo referência na legislação especial, socorremo-nos à regra da lei geral, suprindo a aparente lacuna através da interpretação sistemática do ordenamento jurídico – o argumento de que se aplicaria o prazo qüinqüenal previsto no CDC é fruto de interpretação hermética, prática condenável pela hermenêutica jurídica.

Não obstante, aplicam-se de forma subsidiária as regras de interrupção e suspensão previstas no CC/02, arts. 197-204. [111]

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. A proteção do consumidor em razão do fato e do vício do produto ou serviço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1207, 21 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9069. Acesso em: 23 dez. 2024.

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