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A não incidência da contribuição previdenciária ao INSS sobre as verbas de natureza indenizatória:

aspectos do julgamento da ADI 1659 pelo Supremo Tribunal Federal

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17/06/2021 às 12:30
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4.O JULGAMENTO DA ADIN 1659

Sucedeu que a Confederação Nacional da Industria ajuizou ADIN 1.659-6/DF, que pretendia que fossem declarados inconstitucionais os art(s) 22, §2º, e 28, §9º alineas “d” e “e”, ambos da Lei nº 8.212/91, na redação que lhes deu a Medida Provisória nº 1523-11 de 25.08.97 que foi convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97.

A argumentação era de que as mudanças trazidas pela Medida Provisória deram ao §2º do art. 22 e às alíneas “d” e “e” do art. 28, na prática, vieram trazer para a base de cálculo da contribuição previdenciária, devida pelos empregadores, os valores pagos à época, aos trabalhos sob as seguintes rubricas:

  1. os abonos de férias – tanto o abono pecuniário de férias (CLT, art. 143), como o abono constitucional de férias (CF, art. 7º, inciso XVII);
  2. o aviso prévio indenizado;
  3. a indenização por tempo de serviço (CLT, art. 477 c/c arts. 478 e 499, §§2º e 3º);
  4. a indenização devida por força de demissão nos trinta dias anteriores à correção salarial (Lei nº 7.238, art. 9º); e
  5. outros abonos ou indenizações que não estivessem entre aqueles listados no art. 28, §9º, da Lei 8212 (com a redação vigente na época) – vale dizer, todo e qualquer abono ou indenização, que nem mesmo o legislador quis indicar quis seriam, preferindo uma anômala tributação mediante a exclusão de parcelas que não ficam sujeitas à incidência da contribuição previdenciária patronal (as parcelas excluídas da tributação sobre a folha de salários são: salário-família; ajuda de custo e adicional do aeronauta; auxílio-alimentação; férias indenizadas; indenização extra do FGTS; vale-transporte; ajuda de custo resultante da mudança de local de trabalho; diárias de viagem que não excedam 50% da remuneração mensal; bolsa de complementação educacional do estagiário; e participação nos lucros ou resultados da empresa, paga com base em lei específica).

O que se defendia era que a expressão salário não traduz um conceito aberto, sob o qual se possam amoldar pagamentos de variadas origens e, principalmente, de distintas justificativas. Sob o ângulo da doutrina do melhor direito, salário é apenas a contraprestação paga, pelo empregador, aos serviços prestados pelo trabalhador por ele contratado (CLT, art. 3º, caput).

Enquanto que indenização, está no sentido totalmente oposto, pois destina-se a reparar um direito malferido. Nas palavras de LEANDRO PAUSEN:

A expressão “folha de salários” pressupõe “salário”, ou seja, remuneração paga a empregado, como contraprestação pelo trabalho que desenvolve em caráter não eventual e sob a dependência do empregador.[8] A remuneração deve ser entendida com a dimensão de “ganhos habituais do empregado, a qualquer título”, pois o § 11 do art. 201 da CF (redação da EC 20/98) é inequívoco de que tais ganhos “serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

Podem ser tributados, também, os “demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”. Assim, também as remunerações a sócios-diretores (pró-labore), autônomos, avulsos e, inclusive, a remuneração prestada aos agentes políticos (e.g., prefeitos e vereadores) podem ser tributadas como contribuição ordinária ou nominada de custeio da seguridade social, ou seja, como contribuição já prevista no art. 195, I, a, da CF, capaz de instituição mediante simples lei ordinária.

Cabe ter em conta, de outro lado, o que não pode ser tributado a tal título. A referência, na norma de competência, a “rendimentos do trabalho” afasta a possibilidade de o legislador fazer incidir a contribuição sobre verbas indenizatórias. Assim, os valores pagos a título de auxílio-creche, de auxílio-transporte e as ajudas de custo em geral, desde que compensem despesa real, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. Ademais, a base econômica consubstancia-se na remuneração “paga ou creditada”. Pagamento é o valor prestado ao trabalhador seja em espécie, seja mediante depósito em conta corrente, ou mesmo in natura, como utilidades. Creditamento é o lançamento contábil a crédito do trabalhador. Não se pode confundir a remuneração paga ou creditada com a que eventualmente seja devida mas que não foi sequer formalizada em favor do trabalhador[9].

(grifos não constantes no texto original)

Em igual sentido, o Ministro Marco Aurélio, Relator do RE 166.772-2 RS, nas folhas de n° 722 e ss. nos autos assim se posicionou quanto a natureza jurídico-constitucional do salário:

“Descabe dar uma mesma expressão – salário – utilizada pela carta relativamente a matérias diversas, sentidos diferentes conforme os interesses em questão. Salário, tal como mencionado no inciso I do artigo 195, não se pode configurar em algo que discrepe do conceito que se lhe atribui quando cogita, por exemplo, da irredutibilidade salarial – inciso VI do artigo 7° da Carta, considera-se que, na verdade, a lei ordinária mesclou institutos diversos ao prever a contribuição. Após alusão, no caput do artigo 3°, a expressão utilizada na própria carta federal – folha de salário – ao versar sobre o que pago aos administradores avulsos e autônomos, refere a remuneração, talvez mesmo pelo fato de o preceito a que se atribui a pecha de constitucional englobar, também, os segurados empregados. Desconheceu-se que salário e remuneração não são expressões sinônimas: Uma coisa é a remuneração, gênero da qual salário, soldo, subsídios, pró-labore e honorários são espécies. Seria fácil dar-se à previsão constitucional em questão alcance dado pelo Instituto, no que se fugiria até mesmo da necessidade de balizar-se, de maneira precisa e clara, as bases de incidências das contribuições sociais. Suficiente seria, ao invés de utilizar-se a expressão “folha de salários”, a expressão “empregador”, aludir-se ao tomador de serviços e a remuneração satisfeita. Com acerto, enquadraram à matéria constitucionalistas e tributaristas, dentre os quais destaco Ives Gandra, Geraldo Ataliba, Ruy Barbosa Nogueira e a também professora Misabel Abreu Machado Dersi. Esta última emitiu parecer sobre a contribuição social incidente sobre a remuneração e o pró-labore pagos a autônomos e administradores. De forma proficiente, apontou as diferenças entre o vocábulo “empresa” e o vocábulo “empregador”, afirmando que o uso das expressões “empregador” e “folha de salários”, contidas na Carta de 1988, exclui as relações de trabalho não subordinado, como as que envolvem autônomos em geral e administradores. Aduziu ainda que as constituições brasileiras sempre usaram os termos empregador e salário no sentido próprio e técnico em que encontrados no direito do trabalho, o que, aliás, está consagrado jurisprudencialmente. Já disse linhas atrás, que está em tela uma ciência. Assim enquadrado o direito, o meio justifica o fim, mas não este aquele. Compreendo as grandes dificuldades de caixa que decorrem do sistema de seguridade social pátrio. Contudo, estas não podem ser potencializadas, a ponto de colocar-se em segundo plano a segurança, que é o objetivo maior de uma Lei Básica, especialmente no embate cidadão/Estado, quando as forças em jogo exsurgem em descompasso”.

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Dessa forma, à primeira vista nos parece razoável concluir que, nem todas as verbas pagas aos empregados ou às demais categorias de pessoas a serviço do empregador, da empresa ou da entidade a ele equiparada são consideradas remuneração para efeito de serem incluídas na base de cálculo da contribuição sobre a folha de salários.

Voltando a falar do julgamento da ADIN 1.659-6/DF, vale destacar ainda o decisum do pedido liminar, nos termos do voto do Relator, MIN. MOREIRA ALVES, ao pronunciar-se quanto à arguição de inconstitucionalidade do §2º do artigo 22, da Lei 8.212/91 na redação mantida pela Medida Provisória 1.596-14, que assim proferiu:

“(...) Quanto a esse parágrafo, que diz respeito a parcelas que integram a base de cálculo da contribuição a cargo das empresas destinadas à seguridade social, o exame de sua inconstitucionalidade para o efeito de concessão, ou não, de liminar, deve fazer-se à luz da orientação majoritária desta Corte, a partir do julgamento do RE 166.772, no sentido de que, na expressão “folha de salário” utilizada no art. 195, I da Constituição, salário não é qualquer pagamento, mas o que, como tal, o é sentido técnico, distinguindo-se da remuneração geral, por ser esta gênero de que aquele é espécie.

Partindo-se pois, dessa premissa que foi um dos fundamentos da declaração de inconstitucionalidade das expressões “avulsos, autônomos e administradores” contidas no inciso I do art. 3º da Lei 7.787/89, tem-se que é relevante a fundamentação jurídica da presente arguição de inconstitucionalidade quanto à primeira parte da norma sob exame (a relativa aos abonos), porquanto, embora a maioria dos abonos seja considerada pela doutrina como adiantamentos de salários, e, portanto, salários, há alguns – assim a título de exemplo, os abonos de férias não excedentes aos limites da legislação trabalhista – que não se enquadram no conceito de salário, não tendo se quer o caráter de ganhos habituais a que alude o §4º do artigo 201 da Constituição ao dispor que “os ganhos habituais do empregado , a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequentemente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei, ainda que se pretenda que na expressão “folha de salários”, para efeito de contribuição social das empresas, se enquadrem também esses ganhos pela sua incorporação constitucional ao salário.

Ademais, é de notar-se que a generalidade das expressões da parte inicial do dispositivo sob exame (“integram a remuneração os abonos de qualquer espécie de natureza”) é de tal forma ampla que impede se possa dar a ela interpretação conforme à constituição, pois as restrições que, porventura, se façam iriam contra a extensão pretendida pela norma, e essa Corte se transformaria, em verdade, em legislador positivo, o que não lhe é permitido em controle de constitucionalidade.

Por outro lado, no tocante à segunda parte do parágrafo em causa (”bem como as parcelas denominadas indenizatórias pagas ou creditadas a qualquer título, inclusive em razão da rescisão do contrato de trabalho, ressalvado o disposto no §9º do art. 28), é também relevante, com maior razão de ser – e isso porque as verdadeiras indenizações, por sua natureza, não integram o salário em sentido técnico nem a incorporação a ele determinada pelo §4º do art. 201 da Constituição, e as falsas (com que as informações justificam a constitucionalidade do preceito) não serão indenizações -, a fundamentação jurídica da arguição de sua inconstitucionalidade, não cabendo igualmente aqui interpretação conforme à Constituição, pois é manifesto que o dispositivo quer alcançar todas as indenizações (“pagas ou creditadas a qualquer título”), exceto as que expressamente vêm excluídas da enumeração do §9º do artigo 28 da Lei 8.212 na sua redação original ou alterada.

3. Por fim dada a relevância da arguição de inconstitucionalidade do dispositivo ora sob apreciação, e tendo em vista a circunstância do inumerável número de ações de restituição do tributo indevido que poderão ser propostas no caso da procedência da presente ação direta, tenho por preenchido o requisito da conveniência de suspender, liminarmente, a eficácia do dispositivo sob exame.

Em face do exposto, e resumindo, suspendo, nos limites deste voto, o processo desta ação direta de constitucionalidade quanto às alíneas “d” e “e” do §9º do artigo 28 da Lei 8.212/91 na redação mantida pela Medida Provisória 1.523-13 de 23.10.97 e, no tocante ao §2º do artigo 22 da mesma Lei na redação dada pela Medida Provisória 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, defiro a liminar, para suspender, “ex nunc”, a eficácia desse dispositivo até o julgamento desta ação. (...)

(grifos não constantes no texto original)

Ressalta-se, mais uma vez, que, em 05/02/07, com a publicação da EC 20/1998, a competência constitucional para instituição de contribuições destinadas ao custeio da seguridade social passou a permitir a tributação dos demais rendimentos do trabalho (art. 195, I, “a”), além da própria folha de salários. Ademais, o art. 22, I, §2º da Lei 8.2312/91objeto da ADIN 1.659-6/DF, foi vetado por ocasião da conversão da medida provisória em questão na Lei 9.528/1997, enquanto que a redação dada ao art. 28, § 9º “d” e “e” também foi modificada, tendo como consequência a perda do objeto da ADIN em questão, sendo que na data de 05/02/2007, a mesma teve o seu julgamento prejudicado, por decisão monocrática do Relator.

Como consequência do advento da EC 20/1998, o Supremo voltou a enfrentar o tema no julgamento do Recurso extraordinário 565160 em que se discutiu, à luz dos artigos 146; 149; 154, I; e 195, I e § 4º, da Constituição Federal, o alcance da expressão “folha de salários”, contida no art. 195, I, da Constituição Federal, e, por conseguinte, a constitucionalidade, ou não, do art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99, que instituiu contribuição social sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título aos empregados, e fixou o tema 20 com repercussão geral – “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”. Não obstante, os aspectos relacionados ao julgamento desse Recurso (RE 565160), não serão abordados no presente estudo, limitando-se o presente trabalho tão somente acerca do objeto do julgamento da ADIN 1.659-6/DF.

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Sobre o autor
Hudson da Costa Pereira

O Autor é Advogado e Professor do Curso de Direito Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas. Bacharel em Direito pela ILES/ULBRA Universidade Luterana do Brasil - Ji-Paraná/RO (2013), Pós-Graduado em Metodologia e Didática do Ensino Superior na UNICENTRO - União Centro Rondoniense de Ensino Superior - Jaru/RO (2014). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, FDDJ, Sao Paulo/SP (2015). Pós-Graduando em MBA em Direito Tributário pela FGV/RJ (2018). Pós-Graduando em Direito Bancário pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci (UNIASSELVI), sede em Indaial/SC (2016). Foi Procurador do Município de Jaru (RO), Foi Diretor do Departamento de Direito Tributário e da Dívida Ativa e Representante do Município na Comissão para o Desenvolvimento dos Trabalhos de Modernização e Atualização da Legislação Tributária do Programa do Tribunal de Contas do Estado - TCE de Modernização e Governança das Fazendas Municipais do Estado de Rondônia e do Desenvolvimento Econômico Sustentável dos Municípios - PROFAZ. É Professor Titular da Disciplina de Direito Internacional Público na FAAR- Faculdades Associadas de Ariquemes, Professor convidado na Pós-Graduação de Direito Previdenciário e Trabalhista UNIJIPA - na Faculdade Panamericana de Ji-Parana. É Membro Titular do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Ji-Paraná, e Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/RO Subseção de Ji-Paraná. É Advogado e Sócio Fundador da Avelino & Costa Advogados Associados. É Sócio da Exito Assessoria Empresarial e Tributária, uma empresa que tem como foco o desenvolvimento de Soluções Tributárias de âmbito administrativo, prestando serviços de consultoria, assessoria, auditoria, perícias contábeis e financeiras, contabilidade empresarial, recuperação de créditos tributários federais, estaduais e municipais, revisão de passivos e planejamento tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Hudson Costa. A não incidência da contribuição previdenciária ao INSS sobre as verbas de natureza indenizatória:: aspectos do julgamento da ADI 1659 pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6560, 17 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91218. Acesso em: 25 abr. 2024.

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