DA COGNIÇÃO VERTICAL E HORIZONTAL DO DELEGADO DE POLÍCIA EM SEDE DE COGNIÇÃO MODERADA OU EXAURIENTE EM SUA DIAGNOSE DURANTE A TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO POLICIAL E EXERCIDO NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL
Sem dúvidas, o delegado de polícia emprega durante a tramitação do procedimento policial e exerce no relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial a cognição moderada (aquela que não exaure todas as nuances) ou exauriente (aquela que se esgota todas as linhas de investigações possíveis) em sua diagnose.
O delegado de polícia HENRIQUE HOFFMANN MONTEIRO DE CASTRO no ensina sobre o “juízo de prognose” e “juízo de diagnose” que estariam em nosso sentir no campo da cognição:
Para tanto, a autoridade de polícia judiciária faz ao longo da apuração criminal dois juízos, a saber, prognóstico e diagnóstico, o primeiro no início e durante a investigação policial, e o segundo ao final do inquérito policial, sendo ambos exclusivos.
No início e no curso do procedimento policial, com a existência de poucos ou inexistentes vestígios, ao decidir por uma ou outra diligência, o delegado de polícia formula um juízo de prognose. Com base nos parcos dados até então disponíveis, opta pelas medidas investigativas mais aptas a descortinar o evento delitivo, tanto em sua materialidade quanto autoria. Um leque de diligências se abre à autoridade policial, que pode adotar uma ou outra conforme sua percepção quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da medida[7], o que evidencia seu protagonismo na gênese dos elementos de convicção. Trata-se de um olhar para frente, em busca de um objetivo, qual seja, a procura pela verdade possível ou probabilidade qualificada[8].
Sendo a presidência do inquérito exclusiva da autoridade de polícia judiciária, que age com isenção e imparcialidade[9] e sem hierarquia em relação aos demais atores jurídicos[10], não fica sujeita a interferências externas na escolha do iter investigativo a ser percorrido. A condução do inquérito policial pelo delegado de polícia:
pressupõe a direção, o exercício de toda a atividade investigatória desenvolvida no decurso do inquérito policial, o que implica a inadmissibilidade de interferências internas, dentro do próprio órgão da polícia judiciária, ou externas, provenientes de demais participantes da persecução penal, impedindo-os de se imiscuir na esfera decisória do delegado de polícia. (...) No curso do inquérito policial, compreendido entre a portaria de instauração e a confecção do relatório final, cabe unicamente ao delegado de polícia decidir sobre a diligência investigatória empregada, momento adequado para execução, técnicas de inteligência necessárias e teses jurídicas que se mostrarão úteis para a apuração dos fatos[11].
Nem mesmo o Ministério Público pode interferir no juízo de prognose. Na fase anterior à instauração da investigação criminal e durante o seu curso, o parquet desempenha sua função fiscalizatória, exercendo estritamente um controle de legalidade em todo o desenrolar da fase inquisitorial. Trata-se de atividade de caráter vinculado, sendo-lhe vedada a invasão na discricionariedade de escolha do caminho apuratório conferida à autoridade policial, sob pena de indireta assunção da presidência do inquérito policial.
Portanto, até o encerramento da investigação policial, notam-se atuações bem definidas do Ministério Público (caráter fiscalizador e vinculado) e da polícia judiciária (caráter investigador e discricionário)[12]. A fase posterior ao encerramento do inquérito policial, entre a confecção do relatório e a propositura da denúncia, é o momento adequado para o Ministério Público requisitar diligências investigatórias, desde que imprescindíveis para a denúncia (artigo 16 do CPP). Essa interpretação sistemática da legislação, sob a lente constitucional, resguarda a função preservadora do inquérito policial, impedindo uma visão monocular que hipertrofie a acusação e desprestigie a defesa.
Portanto, o juízo de prognose na escolha da marcha procedimental e o juízo de diagnose na decisão de indiciamento formam o núcleo cognitivo por meio do qual o delegado de polícia busca ultrapassar a barreira epistemológica que oculta a verdade para além da dúvida razoável[20] (CASTRO, 2016, p. 1) [destaques nossos].
Em outras palavras o delegado de polícia HENRIQUE HOFFMANN MONTEIRO DE CASTRO no explica sobre o “juízo de prognose” e “juízo de diagnose” que:
[...] Já o segundo diagnóstico (diagnose) é implementado ao final do inquérito policial quando da análise de todos elementos informativos colhidos na investigação, sendo ambos exclusivos da atividade persecutória. Diga-se de passagem, que o juízo de diagnose se dá na deliberação pelo indiciamento - formando o núcleo cognitivo por meio do qual o delegado de polícia busca ultrapassar a barreira epistemológica que oculta a verdade para além da dúvida razoável[20]. (KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39; STF, AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, DJ 17/12/2012). Assim, ao final do procedimento policial, “tendo em mãos os elementos informativos e probatórios amealhados como resultado das investigações desenvolvidas, a autoridade de polícia judiciária faz um juízo de diagnose. Cuida-se de um lançar de olhos para trás, a fim de se decidir pela existência ou não de informações e provas acerca da materialidade e autoria delitivas” (CASTRO, 2016, p. 1) [destaques nossos].
DA COGNIÇÃO DE PROGNOSE (SUMÁRIA/EFÊMERA/SUPERFICIAL) E COGNIÇÃO MODERADA/COGNIÇÃO EXAURIENTE (DIAGNOSE) EXERCIDO NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL NAS FACETAS DA COGNIÇÃO VERTICAL E HORIZONTAL
Já tivemos oportunidade de abordar a cognição vertical e horizontal no campo das deliberações pelo Delegado de Polícia em sede de prisão flagrancial.
Não podemos olvidar que a cognição de prognose (sumária/efêmera/superficial) também é exercida no nascimento do Inquérito Policial, através de Portaria ou Auto de Prisão em Flagrante Delito, que dão início ao Inquérito Policial quando o delegado de polícia analisando o acervo diminuto – na maioria das vezes e sem profundidade fática pela própria forma de estar iniciando ali – encampa dentro da cognição vertical (elementos probatórios e informativos fáticos) e horizontal (matérias de direito) avaliar os indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa para instaurar o procedimento policial na fase inicial, o que, em momento posterior, pode se demonstrar o contrário (não se ter nada daquilo que “ab initio” se visualizava: indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa) ou de maneira diversa com variações (a autoria recai em outra pessoas ou várias pessoas; o crime foi outro; etc). Em outras palavras, há naturais mutações de teses e hipóteses que emergem durante o correr investigatório.
De outro lado, a cognição moderada como regra, no procedimento policial que não é uma cognição superficial ou cognição exauriente (diagnose) [a cognição a ser idealizada no mundo ideal] se dá após a devida investigação policial, exercida no relatório policial de finalização investigativa da autoridade policial nas facetas da cognição vertical e horizontal, na qual o delegado de polícia encampa dentro da cognição vertical (elementos probatórios e informativos fáticos) e horizontal (matérias de direito) o exame também a existência e manutenção dos indícios de autoria, materialidade delitiva, circunstâncias e justa causa para apontar o desfecho do procedimento policial na fase final, o que lá na frente pode se demonstrar o contrário. Aqui surge para o delegado de polícia várias situações como: indiciamento, não indiciamento, sugestão de arquivamento por inúmeros argumentos etc.
O DELEGADO DE POLÍCIA DEVE FAZER JUÍZO DE VALOR NO RELATÓRIO POLICIAL DE FINALIZAÇÃO INVESTIGATIVA DA AUTORIDADE POLICIAL, À VISTA DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, MORMENTE EM RELAÇÃO A VIGÊNCIA DA LEI FEDERAL Nº 12.830/2013
A propósito das discussões, confiram-se as disposições insertas no art. 2º,§§ 1º e 6º, todos da Lei nº 12.830/2013:
“Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
[...]
§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Por isso, o Delegado de Polícia deve fazer juízo de valor no relatório policial de finalização investigativa, frente ao ordenamento jurídico pátrio, mormente em relação a vigência da Lei Federal nº 12.830/2013 que impõe esta tarefa por ato fundamentado da análise técnico-jurídico do fato, já que inevitavelmente a Autoridade Policial deverá enfrentar dentro do acervo probatório e informativo, se estão presentes os indícios de autoria, materialidade delitiva e circunstâncias para fins de indiciamento ou não.
Aliás, não existem palavras inúteis no texto de lei, e quando o legislador ordinário federal estampou essa previsão do Delegado de Polícia por “ato fundamentado da análise técnico-jurídico do fato” (art. 2º, § 6º) levou a obrigatoriedade do enfrentamento motivadamente dos fatos postos obtidos no curso da investigação, reclamando a análise e apontamentos da Autoridade Policial se estariam presentes os indícios de autoria, materialidade delitiva e circunstâncias para fins de indiciamento ou não, dentro do acervo probatório e informativo.
DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA E CIRCUNSTÂNCIAS QUE DEVEM SER DEMONSTRADOS (OU NÃO SE FOR O CASO DE NÃO INDICIAMENTO OU IMPUTAÇÃO) NO RELATÓRIO POLICIAL CONCLUSIVO DE INVESTIGAÇÃO
Com a nova Lei 12.830/2013, que veio disciplinar sobre as investigações presididas pelo Delegado de Polícia, conferiu expressamente a possibilidade deste em tecer comentários sobre a autoria e materialidade delitiva e sobre o indiciamento, fatos estes que já eram possíveis diante da finalidade do inquérito policial (art. 4º, do CPP) ou do auto apuratório de ato infracional.
A propósito das discussões, confiram-se as disposições insertas no art. 2º,§§ 1º e 6º, todos da Lei nº 12.830/2013:
“Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
[...]
§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Assim, eis as considerações pertinentes doravante em relação à autoria, materialidade delitiva e suas circunstâncias.
Os indícios de autoria e materialidade delitiva estão presentes nas circunstâncias investigadas. Neste sentido, consoante o Código de Processo Penal, indícios são:
“CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - TÍTULO VII
CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
CPP, CAPÍTULO X - DOS INDÍCIOS
Art. 239 - Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".
Sobre o indício, importante a preleção de HÉLIO TORNAGHI:
"Enquanto que, relativamente à existência do crime, o Código exige prova (querendo significar prova cabal), no que se refere à autoria, ele se contenta com indícios, isto é, meros sinais. Se houver maiores provas, tanto melhor; mas a lei não as exige" (Curso de Processo Penal, 2/85, Saraiva, 1983).
VINCENZO MANZINI, ainda sobre indício, em seu "Tratado de Derecho Procesal Penal", afirma que o:
“Indício é um fato ou circunstância certa, da qual se pode tirar, por indução lógica, uma conclusão acerca da subsistência ou insubsistência de um fato a provar. Este conceito foi determinado na obra citada onde Código de Processo Penal a adotou, simplificando o conceito, como fato ou circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias ou fatos.”
JULIO FABBRINI MIRABETE, sobre indícios, em seu comentário ao Código de Processo Penal, simplifica ainda mais dizendo que “indícios são a representação do fato a ser provado através da construção lógica, a qual revela um outro fato ou circunstância.” (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª ed, Atlas, 2003, p. 803).
Por sua vez, sobre a materialidade delitiva, o grande professor VICENTE GRECO FILHO pondera que:
“Prova do fato significa convicção da existência da materialidade da infração. Em princípio, em se tratando de infração que deixou vestígios, a presença do exame de corpo de delito. [...] outros elementos probatórios dão a certeza da ocorrência do fato”. (Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012 pag. 287).
A junção dos indícios de autoria e materialidade delitiva permitem o ato de indiciamento. Sobre o indiciamento o professor, RENATO BRASILEIRO DE LIMA, conceitua o apontado instituto como:
“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo do Delegado de Polícia que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria. Portanto, se a atribuição para efetuar o indiciamento é privativa da autoridade policial (Lei n° 12.830/13, art. 2°, § 6°), não se afigura possível que o juiz, o Ministério Público ou uma Comissão Parlamentar de Inquérito requisitem ao delegado de polícia o indiciamento de determinada pessoa[6]” (BRASILEIRO, 2015, p. 146).
Portanto, inegavelmente num relatório policial conclusivo de investigação, os indícios de autoria e materialidade delitiva e circunstâncias deverão ser demonstrados (ou não se for o caso de não indiciamento ou imputação) e havendo, por exemplo provas citadas com exposições ou elementos informativos no corpo do relatório, inegavelmente este relatório trará em si uma carga probatória ou informativa, a depender da circunstância.