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Crise e falências decretadas

26/11/2021 às 15:06
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O texto trata da morosidade do processo falimentar, especialmente quanto à venda judicial de ativos arrecadados.

Os números são realmente preocupantes e pessimistas: só no Estado de São Paulo, seis em cada dez entidades jurídicas perderam o faturamento durante a crise sanitária[1]; a Serasa Experian atesta que quase um terço de todas as micro e pequenas empresas abriram falência em 2020 (502 mil) e nos quatro primeiros meses de 2021 foram retiradas do mercado 139 mil entidades, ou seja, prejuízos variados. Quanto às médias entidades, nos quatro primeiros meses de 2021, 34 mil fecharam as portas. No que se refere às grandes corporações, até o mês de abril/2021, saíram do mercado 13 mil. No total, 325 mil entidades sucumbiram, estão falidas, entre janeiro e abril de 2021[2].

Sem embargo do que foi até aqui escrito, a FecomercioSP salienta que as medias tomadas pelo Poder Público ajudaram a, por assim dizer, mitigar os efeitos deletérios da crise. Dentre as medidas tomadas, quiçá tardiamente, bastando rememorar detalhes da crise a contar de março/2020, estão a postergação do parcelamento de débitos tributários e o auxílio conferido às micro e pequenas entidades, sem dúvida, as que mais foram prejudicadas.

Não é de hoje que apresentamos críticas ao texto da Lei 11.101/05, alterada em alguns aspectos recentemente, mas nada de substancial quanto a falência[3]. No que diz com o processo falimentar propriamente dito, nota-se, sem grande esforço que, pouco ou quase nada foi alterado e tudo continua exatamente como antes, imperando a morosidade e desvalorização dos ativos arrecadados, levando em conta a demora na alienação judicial.

Para se não tornar enfadonho, afastando o leitor, porquanto de há muito se vem batendo exatamente na mesma tecla, alguns exemplos podem ser colocados ao alcance da mão, a fim de demonstrar que tudo continua igual: nada, absolutamente nada foi alterado quanto aos critérios de nomeação e responsabilização [inclusive por prejuízos causados à massa falida, por má-gestão] de administrador judicial, este importante órgão falimentar. O art. 21 da Lei 11.101/05 é de vagueza impressionante; o critério para nomeação é extremamente raso, nem de longe observa, por exemplo, o sistema francês; as situações em que cabível o afastamento do órgão, contidas no art. 24, §3º poderiam ser mais aprofundadas, mas nada adveio a contar de 2005.

De fato, não adianta gastar pena, tinta e papel para discorrer sobre algo que consta da lei e que dificilmente será alterado, ao menos a médio prazo[4].

Seguindo, se é certo que o falido, desde a abertura da falência, perde o direito de administrar e dispor do patrimônio [que continua sendo seu - a propriedade é sua -, mas que fará parte da massa falida objetiva], conforme art. 103, e se logo após a assinatura do termo de compromisso o administrador judicial deveria arrecadar os ativos e sobre eles tomar posse direta (a lei menciona “ato contínuo” no art. 108), iniciando a realização do ativo (cf. art. 139), em tese, tudo também deveria ocorrer de forma célere, rápida e eficaz.

Entretanto, nem sempre isso ocorre na prática, por motivos variados e aqui não há espaço para discorrer[5].

Estabelece a lei que os ativos hão de ser vendidos em 180 (cento e oitenta) dias a contar do auto de arrecadação [art. 142, §2º-A, inc. IV], sem descuidar que os bens perecíveis, deterioráveis e sujeitos à desvalorização, ou que seja arriscada ou dispendiosa a conservação, hão de ser vendidos imediatamente, mas a lei não impõe qualquer prazo. 

Ora, se é importantíssima a imediata extração do valor dos bens, consoante palavras de Pontes de Miranda[6], mediante realização do ativo, ou seja, procedimento para venda judicial de todos os bens arrecadados, no mínimo, caberia ao administrador judicial apresentar, em até 60 (sessenta) dias[7], plano detalhado acerca de como dar-se-ia a tal realização do ativo, tal como consta do art. 99, §3º da Lei[8].

O que se extrai da leitura dos textos legais, via interpretação sistemática, é que: (i) administrador tem até 30 (trinta) dias para proceder a avaliação dos bens[9], prazo contado da juntada arrecadação no processo; (ii) tem até 60 (sessenta) dias para apresentar plano acerca da realização dos ativos, contados da data em que assinar o termo de nomeação e  (iii) a lei estabelece o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da juntada auto de arrecadação[10],  para que os bens sejam vendidos judicialmente.

Nesse passo, a lei se olvida por completo do princípio da celeridade (art. 75,§1º) e também, principalmente, da ideia de maximização do valor dos ativos[11]. A preservação e liquidação imediata de tudo que for arrecadado (art. 75) parece destoar dos prazos estabelecidos pela lei.

Ora, a partir da abertura judicial da falência de uma entidade certamente poderá ocorrer o sucateamento e deterioração de ativos, furtos, extravios, perdas e, principalmente, desvalorização, indo de encontro aos princípios e diretrizes contidos na própria lei. Assim, salvo melhor juízo, não se nos parece crível que se aguarde 30 (trinta) dias para avaliação e bens e muito menos que seja concedido extenso prazo para que o administrador judicial apresente plano quanto a venda judiciais dos bens [60 dias].

Por fim, a alienação dos ativos deve ser a mais rápida, célere e eficiente, para fins de que sejam aportados recursos financeiros na massa falida, pagando, quanto possível, quem de direito e mitigando os efeitos deletérios da retirada do devedor do mercado. Nesse passo, o bom administrador judicial, o profissional que atua de forma rápida, poderá contribuir para o rápido encerramento do processo.

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Da forma como está disposta a lei - não se olvidando dos números antes apresentados, extremamente pessimistas -, certamente que, com a abertura da falência do devedor, mais prejuízos virão aos credores e ao próprio falido. Mas, a lei de insolência é a que consta no sistema jurídico nacional, infelizmente não alterada, quanto a insolvência, no final do ano de 2020.


[1] Pesquisa realizada pela FecomercioSP, cf. https://www.fecomercio.com.br/noticia/seis-em-cada-dez-empresas-perderam-faturamento-durante-a-pandemia-no-estado-de-sao-paulo. Acesso: 06/07/2021.

[2] https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/. Acesso: 06/07/2021. Em maio de 2021 foram abertas falências de 39 micro e pequenas empresas; 12 de médias entidades e 4 de grandes empresas, num total de 55. Em abril o total foi de 43, com 33 micro e pequenas empresas falidas. Os números se não distanciam muito de maio/2020, com 51 falências decretadas [34 pequenas e micro; 12 médias e 5 grandes]; em maio 2019 foram 86 [64 micro, 13 médias e 9 grandes]. Não se descuide, é bem de ver, que o volume de falências abertas num passado não muito distante, foi mais impressionante, como no mês de setembro/2005, com 236 entidades afastadas do mercado. Não se olvide que a atual Lei 11.101/05 entrou em vigor no dia 09/06/2005.

[3] Por exemplo: “Insolvência e Lei 14.112/20”.

www.migalhas.uol.com.br/depeso,https://.migalhas.uol.com.br, 14 jan. 2021.

[4] Aliás, sábias e atuais lições de Nelson Abrão: geralmente escolhidos entre advogados que militam nos procedimentos falimentares, subordinam-se apenas à autoridade do juiz que, tendo-os nomeado dentro do círculo de seu conhecimento pessoal, se vê constrangido quando for o caso de aplicar-lhes qualquer medida corretiva ou punitiva. O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, pp. 170-171.

[5] Os bens poderão ser avaliados em 30 (trinta) dias, a contar da arrecadação [art. 110, §1º].

[6] Tratado de direito privado. Parte Especial, Tomo XXIX. 3ª edição, 2ª reimpressão, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984.

[7] A contar da assinatura do termo de nomeação e não da juntada do auto de arrecadação.

[8] Aliás, a Lei 11.101/05 [e alguns doutos] ainda está nos tempos do Código Comercial de 1850, porquanto se utiliza, incorretamente, do arcaico vocábulo “quebra”. A propósito: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 1º Volume. 17ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p. 4.

[9] Caso não possa fazer no ato arrecadatório, carecendo, por exemplo, de um perito.

[10]  0s 180 dias para venda judicial dos bens são contados, pelo art. 99, §3º, a partir da juntada do auto de arrecadação, enquanto que no art. 142, §2º-A, inc. IV, é a partir da data da lavratura.

[11] CLARO, Carlos R. Revocatória falimentar. 5ª edição. Curitiba: Juruá 2015, p. 398.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Crise e falências decretadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6722, 26 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91749. Acesso em: 22 dez. 2024.

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