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Quando a ausência às urnas vence, a democracia perde

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O sistema eleitoral brasileiro adota o princípio da maioria dos votos válidos. Logo, a abstenção legitima representantes que, em muitas casos, não representam a vontade da maioria do povo, enfraquecendo a democracia, favorecendo os currais eleitorais.

Democracia significa “governo do povo”. A palavra tem sua origem no grego, da conjugação de duas expressões “demos”, que significa “povo”, mais “kratos”, que representa o governo/autoridade/poder. Em síntese, é a expressão da vontade dos cidadãos, com direito à participação política direcionando os rumos do Estado.

Numa democracia, as ações políticas devem coincidir com o que o povo quer, seja direta ou indiretamente, neste último caso por meio de representantes eleitos pelo próprio povo. É o modelo de regime de governo que temos no Brasil, conforme previsão expressa no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

O voto é uma das expressões da democracia de maior valor, pois é a partir dele que se colhe a vontade do povo, seja para tomada de decisões que impliquem em mudanças imediatas na sociedade, a exemplo do plebiscito ou referendo, ou elegendo os representantes que serão responsáveis pela criação e execução de políticas públicas.

No Brasil, o voto tem sua obrigatoriedade (maiores de 18 e menores de 70 anos) determinada na CF/88 (§1º do art. 14).

Como forma de “forçar” o cidadão a comparecer nas urnas para votar, nosso legislador prevê no art. 11 do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/1965) o pagamento de multa para o eleitor faltoso.

E você sabe qual é o valor dessa multa? Pasmem, o valor por cada não comparecimento do eleitor às urnas é de R$ 3,51. Explico!

Enquanto não é editada uma lei/decreto dispondo sobre o valor dessa multa, o art. 85 da Resolução do TSE n. 21.538/2003 determina que a base de cálculo da multa prevista no Código Eleitoral é o último valor da UFIR federal (Unidade Fiscal de Referência), que consiste num fator de correção dos impostos, multiplicado por 33,02. Ocorre que a última atualização da UFIR federal foi em 2000 (https://www.camara.leg.br/noticias/98210-unidade-fiscal-de-referencia-ufir/), ou seja, há mais de duas décadas que o valor de referência está congelado!

Na prática, referida multa não se mostra apta a cumprir sua finalidade, pois o valor “ínfimo” não impõe “medo” ao eleitor pelo não comparecimento para votar. E mais, os seguidos escândalos de corrupção na Administração Pública nos últimos tempos, envolvendo os representantes do povo, também são elementos que se somam para desestimular o eleitor a sair da sua casa no domingo para depositar seu voto num determinado candidato ou grupo/corrente política.

Em resumo, é mais cômodo e, para muitos, mais barato, depois da eleição, diretamente do conforto do seu lar, entrar no site da Justiça Eleitoral, emitir a guia de multa, pagá-la por meio do aplicativo do celular e, ato contínuo, gerar sua certidão de quitação com a Justiça Eleitoral.

Entretanto, esse desalento ao comparecimento às urnas, para fazer valer o poder do povo, coloca em risco a verdadeira vontade prevalecente numa Nação, dando espaço para a eleição de representantes que, na prática, nem sempre espelham a vontade da maioria.

Isso é assim porque nosso sistema eleitoral adota o princípio da maioria dos votos válidos (exclui os brancos e nulos). Explico através de um exemplo simples: Num município que tem 1000 eleitores, com apenas dois candidatos ao cargo de prefeito, se comparecerem às urnas para votar apenas 10 eleitores, sendo que 1 eleitor vota no candidato X e 9 eleitores votam no candidato Y, este último está legitimado para governar para todos os 1000 eleitores, pois conseguiu a maioria dos votos válidos!

A mesma lógica é adotada para os cargos do legislativo, para os quais é aplicado o sistema proporcional. No exemplo acima, as vagas no parlamento serão distribuídas aos partidos que alcançarem o maior número dos 10 votos válidos e ponto final!

Vejamos o caso prático do 2º turno das Eleições Municipais de 2020 no Município de Porto Velho-RO. O total de eleitores aptos a votar foi de 333.031 (100%). Já os eleitores que compareceram nas urnas foram 219.205 (65,82%). O candidato eleito para prefeito conseguiu 109.992 votos (33,03%). Em suma, a maioria (223.039) dos eleitores (66,97%) será governado por quem não elegeu. E aí exsurge o questionamento: onde está a democracia, governo da maioria? Fonte: https://www.tre-ro.jus.br/eleicoes/eleicoes-2020/resultado-das-eleicoes-2020-2o-turno.

Registro que essa matemática não é exclusividade do Município de Porto Velho, mas é um fenômeno crescente e recorrente em todo o Brasil, que obteve uma abstenção recorde no segundo turno em 2020 no percentual médio de 29,53% (11.392.279). Fonte: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais.

Por muito tempo se utilizou da expressão “currais eleitorais” (advinda da República Velha) para identificar aquele conjunto de eleitores que são fidelizados a determinado grupo político e que comparecem às urnas por algum compromisso individual com o candidato. Considerando que o nosso sistema tem como referência, única e exclusivamente, aqueles que vão às urnas votar (votos válidos), essa atual engrenagem política com destaque para a abstenção, ao que me parece, favorece os políticos que se valem de “currais eleitorais”. Importante destacar que referida estratégia é legítima, faz parte do jogo político.

Daí a afirmação de que a democracia perde quando os principais atores (eleitores) se mantêm inertes. Será que o princípio democrático adotado no Brasil está ancorado aos mecanismos capazes de lhe garantir a existência? Cabe a reflexão acerca da obrigatoriedade do voto!

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A propósito, afirmo que essas linhas transcritas acima visam fomentar a reflexão, desvinculada de qualquer corrente político partidária, acerca do nosso modelo político de governabilidade no Brasil, sobretudo no atual cenário, no qual está em discussão um novo código eleitoral.

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Sobre o autor
Edirlei Barboza Pereira de Souza

Rondoniense, Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e Pós-Graduado em Comunicação Pública, Professor e Servidor Público Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Edirlei Barboza Pereira. Quando a ausência às urnas vence, a democracia perde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6618, 14 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91844. Acesso em: 21 nov. 2024.

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