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Da prisão e da prisão preventiva: o papel do julgador

24/10/2021 às 14:15
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Fundamentos impulsionados pela satisfação do sentimento de justiça ou, até mesmo, na intimidação coletiva não são idôneos para a decretação do cárcere cautelar, pois operam à aplicação de uma justiça sumária lastreada em argumentos autoritários.

RESUMO: As prisões provisórias, ou seja, aquelas decretadas antes da efetiva condenação ou do trânsito em julgado da sentença condenatória, sempre foram alvos de críticas perante sua aplicabilidade. Mas de todas, inegavelmente que a prisão preventiva é a mais debatida no ordenamento jurídico pátrio, e também a mais criticada pela forma de sua utilização. Muitas são as decisões anulatórias nos tribunais superiores pelas decretações indevidas da preventiva, principalmente pela falta de fundamentação hábil ou justificativa plausível para o seu cabimento. Neste aspecto, de relevância o papel do julgador em sua decretação. Sua decretação quase sempre deixa de observar princípios constitucionais, a exemplo da presunção da inocência, para enveredar em verdadeiro ativismo judicial ou mero decisionismo em nome do clamor popular. Ou mesmo por decisão pessoal do magistrado decretante, que muitas vezes manda encarcerar como mero exercício da banalidade da prisão. O presente estudo, pois, ao englobar tais aspectos, também analisa os diversos tipos de prisão previstos no ordenamento brasileiro, bem como o arcabouço legal para suas decretações. Pretende-se, com isto, não só contextualizar a prisão e o seu caráter de provisoriedade, mas principalmente lançar um olhar sobre o papel e os objetivos do julgador, que muitas vezes age com exacerbação no seu afã de justiçamento, ainda que esteja dando feição de condenação definitiva ao que deveria ser apenas por necessidade de andamento normal do processo.

Palavras-Chave: Prisão. Prisão Provisória. Prisão Preventiva.


INTRODUÇÃO

A lei processual penal muitas vezes afronta a lei constitucional a partir da conduta do julgador. Decisões são tomadas sem considerar as garantias e os direitos inerentes aos cidadãos. Significa dizer que, sobrepondo-se aos ditames constitucionais, o julgador deixa de cumprir um papel mediador para invocar para si uma feição meramente condenatória, onde a noção de culpa antecede à própria presunção de inocência.

Na denominada prisão preventiva se verifica mais de perto o desacerto entre o princípio constitucional da presunção da inocência e a antecipação da culpabilidade. O seu uso indistinto vem desnaturando sua função de preservação do processo e das partes para se transformar em mera antecipação da pena.

Daí que, mesmo o preceito constitucional procurando resguardar o direito à liberdade como princípio fundamental ao ser humano, a lei penal passa a interferir para - quase num arroubo autoritário – impor limitações e buscar na segregação uma satisfação ainda não confirmada pelo processo.

Não se pode, por outro lado, asseverar-se sobre a inconstitucionalidade da prisão preventiva, principalmente por ter que obedecer a dois requisitos fundamentais: o fumus boni iuris (fumus comissi delicti) e o periculum in mora (periculum libertatis). Mas se pode, isto sim, asseverar sobre sua ilegalidade.

Por ser uma prisão de cautela (como forma de assegurar a aplicação da lei), a preventiva jamais poderia ser decretada em casos onde não haja efetivo perigo do acusado. Ora, mesmo sendo acusado, o indivíduo deve ser presumido como inocente, nos termos constitucionalmente previstos.

Neste aspecto, o que se verifica é um exacerbado poder dos juízes ao se afastarem da constitucionalidade para vislumbrar tão somente os ditames penais. Não visam a garantia nem o direito fundamental do indivíduo, não visualizam uma probabilidade de inocência, mas apenas a situação supostamente delitiva que está em análise.

Urge que os magistrados não tenham a Constituição Federal apenas no seu papel norteador das condutas sociais, mas principalmente que sintam no seu bojo a existência de garantias fundamentais que precisam ser respeitadas. De nenhuma valia terão os direitos do cidadão se o julgador norteia-se apenas pela codificação criminal.

No caso específico da prisão preventiva, o afã da antecipação condenatória não apenas nega o direito à liberdade e à presunção da inocência constitucionalmente previstos como faz sobrepor a legislação criminal à Constituição Federal. E isto se tem como grande equívoco num Estado Democrático de Direito.

Antes, contudo, do detalhamento dos meandros da prisão preventiva, sua aplicabilidade e seu entorno crítico, necessário se faz uma contextualização dos tipos de prisão e os seus regramentos no direito brasileiro.

1 DA PRISÃO PROCESSUAL E SUAS ALTERNATIVAS

Existem basicamente dois gêneros de prisão no Brasil: as prisões processuais (decretadas para garantir os efeitos do processo) e a prisão para cumprimento de pena, devido à condenação criminal.

A prisão processual, em suas diferentes espécies, ocorre quando o indivíduo ainda não foi condenado definitivamente. A Constituição e as leis autorizam-na diante da existência de indícios do fato, com a finalidade de preservar a ordem pública, de garantir a futura aplicação das leis criminais ou por necessidade decorrente do processo.

Tem-se ainda que a prisão processual é uma prisão provisória, realizada em caráter excepcional, tanto que sua natureza é de prisão acautelatória e instrumental, ou seja, decorre da necessidade de preservar a efetividade do processo penal e o fim por este buscado, qual seja condenar o culpado e garantir a segurança da sociedade ameaçada pelo mal da infração.

Tendo em vista a provisoriedade da prisão cautelar, deve ser sempre entendida como um fenômeno excepcional, significando não ser da rotina judicante, mas sim em casos específicos e por segurança e conveniência da instrução processual. Por isso sua aplicação somente será admitida ante requisitos rigorosamente comprovados. Dessa forma a prisão processual deverá ser decretada pela autoridade judiciária competente em decisão devidamente fundamentada, nos seguintes casos:

a) Prisão em flagrante (artigos 301 a 310 do CPP)

Trata-se de forma de cerceamento momentâneo da liberdade de quem é encontrado praticando um crime. O seu objetivo, dentre outros, é evitar a consumação ou o exaurimento do crime, a fuga do possível culpado, garantir a colheita de elementos informativos e assegurar a integridade física do autor do crime e da vítima. Além da imobilização e encaminhamento à delegacia do suposto criminoso, uma série de outros atos devem ser praticados, compondo verdadeiro procedimento.

Conforme descrita entre os artigos 301 e 310 do CPP, este tipo de prisão pode ser realizada por qualquer pessoa quando alguém for encontrado em flagrante delito. Observe-se que o dispositivo legal deixa claro no sentido de que “qualquer do povo poderá” enquanto “as autoridades policiais e seus agentes deverão”, expressando a faculdade do cidadão o que seria dever da polícia.

Na lição de Guilherme de Souza Nucci, (2014), a prisão em flagrante possui natureza administrativa e é realizada no instante em que se desenvolve ou se encerra uma infração penal, a qual pode ser crime ou contravenção penal.

Entretanto, é o art. 302 do CPP que define o que seria o estado de flagrante delito:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

 I – está cometendo a infração penal;

 II – acaba de cometê-la;

 III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

 IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Não obstante tais previsões existem formas diferentes de se reconhecer uma situação de flagrância delituosa.

Assim, o flagrante pode ser próprio, impróprio ou presumido. É próprio o flagrante quando o agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal ou quando ele acabou de concluir a prática delitiva (incisos I e II do art. 302 CPP). O flagrante impróprio, por outro lado, ocorre quando o agente consegue fugir e, portanto, não é preso no local do delito, mas há elementos que em faça presumir ser o autor da infração (inciso III do art. 302 CPP). Por fim, o flagrante presumido se caracteriza na situação do agente que, logo depois da prática do crime, embora não tenha sido perseguido, é encontrado portando instrumentos, armas, objetos ou papéis que demonstrem, por presunção, ser ele o autor da infração penal (inciso IV do art. 302 do CPP). (NUCCI, 2014, p. 267).

Ensina ainda Nucci que:

Outra diferenciação importante a ser feita é entre o flagrante preparado, o flagrante forjado e o flagrante esperado. O primeiro ocorre quando um agente provoca o suspeito a praticar um delito para que possa prendê-lo. Nesse caso, é preciso destacar que tratar-se-ia de um crime impossível, visto que seria inviável a sua consumação, já que o agente provocador iria agir no sentido de evitar a consumação do crime. O flagrante forjado, por outro lado, seria um flagrante totalmente artificial, onde um terceiro iria organizar a situação para incriminar o agente, contudo a pessoa presa jamais pensou ou agiu para compor qualquer parte da infração penal. O flagrante esperado, por outro lado, é plenamente viável para autorizar a prisão em flagrante. Ela ocorre quando é avisado à autoridade policial que irá ocorrer um crime em determinado local. A polícia se desloca para o endereço informado e aguarda a ocorrência do delito para que possa tentar evitar o cometimento do crime e efetuar a prisão do agente. (NUCCI, 2014, p. 268).

Eis, assim, a síntese do que seja a prisão em flagrante. E de acordo com o disposto no art. 310 do CPP, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz competente deverá, de forma fundamentada: a) relaxar a prisão, caso ela seja ilegal; b) converter a prisão em preventiva, caso existam os requisitos para tal e se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas; c) conceder liberdade provisória com ou sem fiança.

b) Prisão preventiva (artigos 311 a 316 do CPP)

Segundo a doutrina penalista, a prisão preventiva deve ser utilizada como um instrumento do juiz em um inquérito policial ou já na ação penal, ou seja, ela é um instrumento processual. Pode ser usada antes da condenação do réu em ação penal ou criminal e até mesmo ser decretada pelo juiz. Em ambos os casos, a prisão deve seguir os requisitos legais para ser aplicada, regulamentados pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.

Na conformidade do disposto no art. 312 do CPP:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

E na conformidade do art. 313 do CPP, a prisão preventiva pode ser ainda decretada nas seguintes situações:

a) crimes inafiançáveis – aqueles para os quais não há possibilidade de pagamento de fiança ou de liberdade provisória, ou seja, o acusado deve ficar preso até o seu julgamento. São considerados crimes inafiançáveis no Brasil (Constituição, art. 5º, incisos XLIII e XLIV): racismo, prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, crimes hediondos – tipos de crime considerados mais repugnantes para o Estado, nos quais há clara crueldade, como homicídio, estupro, latrocínio, entre outros;

b) nos crimes afiançáveis – quando as provas contra o réu são suficientes para tal ou quando há dúvidas sobre a sua identidade e não há elementos suficientes para esclarecê-la;

c) nos crimes dolosos. Embora sejam crimes afiançáveis, a prisão preventiva pode ser aplicada quando o réu tiver sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença transitada em julgado – ou seja, da qual não cabem mais recursos;

d) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Comumente se tinha que enquanto não houvesse sentença condenatória transitada em julgado, ninguém poderia ser preso, afinal, todos sob a égide de uma Constituição que veda a prisão de inocentes. Tal entendimento, contudo, vem sendo modificado pelas instâncias superiores, principalmente o STF, ao se posicionar pela permissão da prisão antes mesmo do seu trânsito em julgado, desde que já decidido em grau de recurso pelo segundo grau.

Antecipa-se, assim, a prisão, com caráter preventivo.  Em situações excepcionais, em prol de um bem maior, é essencial restringir a liberdade de locomoção do acusado de um delito.

Tal privação pode ocorrer de duas formas: a) pela decretação da prisão temporária, nas hipóteses previstas na Lei 7.960/89; b) pela decretação da prisão preventiva, quando necessária à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. A preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, podendo ser decretada, de ofício (durante a fase processual), pelo juiz, ou a requerimento do MP, do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial, desde que presentes as hipóteses do art. 312 do CPP.

De acordo com o citado Nucci:

O decreto prisional, como qualquer outra decisão judicial, necessitar ser fundamentada. Nesse caso, existem alguns requisitos essenciais para a decretação: fumus commissi delicti e o periculum libertatis. O primeiro seria a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, enquanto o segundo seria o iminente perigo gerado por o agente permanecer em sociedade. Com relação ao periculum libertatis, a decisão deve ser motivada para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. A garantia da ordem pública é a fundamentação de interpretação mais ampla e flexível, uma vez que cabe ao juiz mensurar o abalo que o crime e suas consequências causam na sociedade, bem como se o delito pode provocar a prática de outras ações danosas. (NUCCI, 2014, p. 269).

De qualquer modo, o que se tem é que, muitas vezes, toda a pena do acusado é cumprida em estágio de prisão preventiva. As demoras da justiça prolongam-se de tal forma que uma situação excepcional logo se transforma, a um só tempo, em condenação e cumprimento integral da pena.

c) Prisão temporária (Lei nº. 7.960/89)

Surgida com a Lei nº 7960/89, a prisão temporária pode ser definida como uma espécie de prisão cautelar decretada em casos específicos, e somente pela autoridade judiciária, com a duração máxima de cinco dias, ou de trinta dias, quando se tratar de crime hediondo, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

A prisão temporária, pois, foi prevista e regulamentada pela Lei 7.960/89. Com prazo de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco, ela ocorre durante a fase de investigação do inquérito policial. É utilizada para que a polícia ou o Ministério Público colete provas para, depois, pedir a prisão preventiva do suspeito em questão. Em geral, é decretada para assegurar o sucesso de uma determinada diligência.

Pela Lei 7.960/89, a prisão temporária é cabível: quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes de homicídio, sequestro, roubo, estupro, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro, entre outros.

Serve como instrumento para a investigação criminal. Ela deve ser necessária à investigação e não cabe para qualquer crime. A investigação deve ser de algum dos delitos relacionados na Lei 7.960, como o homicídio doloso, o sequestro, o roubo, alguns crimes sexuais, o crime de associação criminosa (antes denominado de quadrilha ou bando) e os crimes financeiros, entre outros. Em geral, a prisão temporária dura apenas cinco dias (art. 2.º da Lei 7.960), prazo que pode ser prorrogado uma vez, em caso de extrema necessidade. No caso de investigação relativa a crime hediondo, a prisão temporária pode valer por até 30 dias, também prorrogáveis uma vez (art. 2.º, § 4.º, da Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072, de 25 de julho de 1990).

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Contudo, ultrapassado o prazo estabelecido, com suas prorrogações ou não, o preso deverá ser libertado de forma imediata, sem a necessidade de alvará de soltura, que inclusive a jurisprudência tem se manifestado neste sentido. Também, poderá configurar no crime de abuso de autoridade se houver a prolongação da execução de prisão temporária ao deixar de expedir em momento oportuno ou mesmo cumprir a ordem de liberdade, nos termos da Lei. 4.898/65, artigo 4º, alínea “i”.

d) Prisões processuais e prisões cautelares

Portanto, em face das modificações realizadas pelas Leis n.º 11.690/08 e n.º 11.719/08, as espécies de prisão processual limitam-se a prisão em flagrante delito, à prisão preventiva e à prisão temporária.

Contudo, em face do grave e gritante problema da superlotação carcerária, o legislador buscou alternativas para que o condenado - e até o acusado - cumpra sua pena em lugar diverso do sistema prisional. São as denominadas medidas cautelares que podem ser adotadas ao longo do procedimento penal e igualmente no processo de execução penal.

O próprio Código de Processo Penal passou a constar, a partir da Lei nº 12.403/11, medidas cautelares diversas da prisão. Neste sentido, ensinam Araújo Neto e Medeiros:

Deste modo, o artigo 319 passou a fixar como medidas cautelares diversas da prisão: a) o comparecimento em juízo, no prazo e condições estabelecidas em Juízo; b) a proibição de frequentar determinados lugares, com o fim de evitar o risco de novas infrações penais; c) a proibição de manter contato com pessoas com quem deva permanecer distante; d) a proibição de se ausentar da Comarca; e) o recolhimento domiciliar; f) a suspensão de função pública ou atividade de cunho econômico ou financeiro; g) a internação provisória; h) a fiança; i) e a monitoração eletrônica. Ora, conforme destacado, o monitoramento eletrônico está expressamente inserido como uma medida de natureza cautelar processual, podendo ser aplicada antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e, também, da ação penal, quando verificados os pressupostos legais. Até antes da edição da Lei n° 12.403/2011, o monitoramento eletrônico era concebido como uma medida de vigilância indireta, aplicável ao condenado. Tanto é que, até então, a única possibilidade de aplicar tal instrumento eletrônico, de acordo com a Lei nº 12.258/2010, era em casos de saída temporária ou prisão domiciliar, nos termos da reforma introduzida na Lei de Execução Penal. Entretanto, com a edição da Lei n° 12.403/2011, a monitoração eletrônica foi instituída como uma medida cautelar substitutiva à prisão preventiva, apresentando-se, pois, como uma relevante alternativa ao cárcere. No caso em apreço, a Lei n° 12.403/2011 consagrou o monitoramento eletrônico como uma importante alternativa à prisão preventiva. (ARAÚJO NETO e MEDEIROS, 2017, p. 1).

Monitoramento como alternativa ao cárcere e com plena razão de ser. A ação estatal, através do judiciário, há de reconhecer o problema gerado pela própria justiça ao deliberadamente condenar sem se ater às consequências do ato. Prender por prender não irá resolver o problema da criminalidade nem tornar a justiça criminal mais efetiva. E assim por que há sempre o problema do cumprimento da pena. Não adiante colocar nas imundícies dos cárceres aqueles que bem poderiam ser alcançados por penas alternativas. A falência do sistema prisional já não permite a condenação pela condenação. Comprovado está que o sistema penitenciário brasileiro ao invés de ressocializar aumenta a propensão criminosa do indivíduo.

A busca de meios alternativos exsurge, assim, como uma necessidade de ajustamento da lei processual penal e de execução penal aos novos tempos, bem como de humanização da pena. Não retira do agente a imputação que lhe é feita, mas não o lança como fera no submundo prisional.

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À EXECUÇÃO DA REPRIMENDA PENAL

O processo de execução penal implica, necessariamente, na sujeição aos princípios e garantias constitucionais incidentes. “Etimologicamente, princípio tem vários significados, entre os quais o de momento em que algo tem origem; causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação.” (NUCCI, 2009, p.78).

Assim, devem ser ressaltados alguns princípios previstos em lei e outros que estão implícitos no sistema normativo, a saber: Dignidade da Pessoa Humana, Personalidade ou Responsabilidade Pessoal, Proporcionalidade, Legalidade, Individualização da Pena e outros.

2.1 Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana é um princípio constitucional com previsão legal no artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal. É utilizado como um dos fundamentos do Princípio da Humanização, previsto na Lei de Execução Penal.

Entendendo-se, assim, que o condenado é sujeito de direitos e deveres, e que estes devem ser respeitados. “Tanto isso é exato que veda integralmente penas cruéis, de caráter perpétuo, de banimento e de trabalhos forçados, só admitindo a pena de morte nos casos previstos em lei e em situação de guerra declarada (art.5º, XLVII).” Távora e Alencar (2012, p. 131).

Assim, a Lei de Execução Penal, no Capítulo IV, seções I e II, estabelece os direitos e deveres do condenado, garantindo, assim, o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios, uma vez que o direito penal deve garantir o bem-estar de todos, incluindo-se os condenados.

2.2 Da Personalidade ou Responsabilidade Pessoal

No Princípio da Personalidade ou da Responsabilidade Pessoal entende-se que a pena ou medida de segurança não poderá ultrapassar a figura do autor do fato, salvo as exceções da obrigação de reparar o dano e da decretação do perdimento de bens, uma vez que são estendidas aos sucessores e contra eles podem ser executadas até o limite do patrimônio transferido, conforme art. 5º, XLV, da Constituição Federal.

Nesse sentido, NUCCI (2009, p.79) comenta: “Trata-se de outra conquista do direito penal moderno, impedindo que terceiros inocentes e totalmente alheios ao crime possam pagar pelo que não fizeram, nem contribuíram para que fosse realizado”.

2.3 Da Legalidade

O Princípio da Legalidade é norteado pelo inciso II, do art.5º, da Constituição Federal e dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Significa que os tipos penais incriminadores só poderão ser criados por lei em sentido estrito.

Assim, como a execução penal atinge uma das garantias fundamentais que é a liberdade, ela deve ser devidamente regulada pelo legislador, de modo que não fuja dos meios que estão presentes no referido diploma legal. “Em outras palavras, não é permitida liberdade dos meios de execução, mas que a execução penal se dê na forma legalmente estabelecida”. (Távora e Alencar, 2012, p.1309).

2.4 Da Proporcionalidade

O Princípio da Proporcionalidade é um princípio constitucional implícito. Exige que a cominação da pena seja proporcional ao delito praticado, para que não haja um desequilíbrio acentuado e exageros. Nesse sentido, Greco (2009, p.78) comenta:

Assim, por exemplo, se depois de analisar, isoladamente, as circunstâncias judiciais, o juiz concluir que todas são favoráveis ao agente, jamais poderá determinar a pena-base na quantidade máxima cominada ao delito por ele cometido, o que levaria, ao final de todas as três fases, a aplicar uma pena desproporcional ao fato praticado.

Acerca do princípio em tela, diz Guilherme de Souza Nucci:

A Constituição, ao estabelecer as modalidades de penas que a lei ordinária deve adotar, consagra implicitamente a proporcionalidade, corolário natural da aplicação da justiça, que é dar a cada um o que é seu, por merecimento. Fixa o art. 5º, XLVI, as seguintes penas: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. (NUCCI, 2009, p. 84).

Assim, entende-se que o referido princípio relaciona-se com o Princípio da Individualização da Pena, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema trifásico para fixação da pena, fornecendo ao julgador, meios para fixação de uma pena proporcional ao fato cometido.

2.5 Individualização da Pena

Encontra-se previsto no art.5º, XLVI, da Constituição Federal e significa que ainda que o fato seja o mesmo, a pena imposta aos autores não será. A pena não poderá ser padronizada e cada um responderá até a prática dos seus atos. NUCCI (2009, p. 80) assim sintetiza tal princípio: “Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.”

Há de se observar que circunstâncias existem que tornam a pena ainda mais individualizada. Ter praticado o mesmo ato não significa tê-lo praticado da mesma forma, daí que tais circunstâncias são relevantes na aplicação da reprimenda penal.

2.6 Presunção da Inocência

O Princípio da Presunção se ajusta perfeitamente ao uso do monitoramento eletrônico. Tal princípio está consagrado no art. 5°, inciso LVII da CRFB/88. Justifica-se na medida em que no inquérito ou na instrução processual ainda não há a convicção do cometimento do crime pelo suspeito e com isso podem-se cometer grandes injustiças. Nesse sentido o uso da monitoração como medida cautelar além assegurar o princípio da inocência também representaria um avanço no princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, CRFB /88).

3 MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO

Inicialmente afirme-se que a prisão pena, oriunda de uma sentença condenatória, diferencia-se da prisão cautelar. Neste sentido, a afirmação de Guilherme de Souza Nucci:

A prisão pena se diferencia da prisão provisória ou cautelar, pelo fato de já ter existido a acusação formal do órgão ministerial, através da denúncia, com o julgamento através do Poder Judiciário, onde foram produzidas as provas pelas partes com o pronunciamento final do magistrado, através de sua sentença, que entendeu estarem presentes a autoria e materialidade delitiva, condenando-o o réu ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime inicial fechado e sendo o réu agora submetido às regras e direitos constantes na Lei 7.210/84, a Lei de Execuções Penais. Neste caso, se percebe que a prisão pena, em que pese não ser eterna, não é considerada cautelar ou provisória, pois, nasceu de uma sentença penal condenatória. Ademais o réu deverá cumprir a prisão pena nas instituições penais adequadas que são as penitenciárias, entidades existentes para o cumprimento de uma pena, diferenciando-se das cadeias e presídios, pois, nestes os presos são provisórios ou cautelares, não tendo sido ainda condenados na ação penal que respondem. (NUCCI, 2011, p. 287).

Pois bem. No âmbito da prisão cautelar ou provisória é que se inserem as medidas alternativas. As chamadas medidas cautelares alternativas a prisão se encontram inseridas no art. 319 do Código de Processo Penal e certamente foram a maior inovação trazida pela lei 12.403/11 que reformou a matéria de prisão no Brasil.

Atualmente, o artigo 319 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:         

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;        

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;       

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;        

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;          

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;        

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;         

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;        

IX - monitoração eletrônica.          

...............................

§ 4o  A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.         

Estas, pois, as medidas cautelares consideradas como alternativas à prisão. De acordo com Prudente (2012, p.152) essas medidas visam justamente impedir o encarceramento do indiciado ou acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, podendo ser aplicado antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e também da ação penal, afirmando que assim “a lei em comento inova ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados”.

Segundo o autor, um dos fundamentos que corroboram com a aplicação do monitoramento eletrônico é a própria dignidade da pessoa humana que na definição de Lenza (2008, p.593), “é o fundamento da República Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1.º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito”.

Conforme observado, a Lei 12.403/11 alterou o art. 319, do CPP no sentido exatamente de diminuir a antecipação da pena e do exagero nas medidas até então tomadas, eis que prevê a aplicação de medidas de natureza cautelar, diversas da prisão, para serem aplicadas em estrita observância do binômio adequação-proporcionalidade, para que não se utilize de medida extrema, mas para que também não se deixe de acautelar situações que merecem algum tipo de restrição cautelar com o único fim de proteger o próprio processo.

Segundo ensina Renato Brasileiro:

O art. 319, do Código de Processo Penal, trouxe uma novidade legislativa que buscou atender a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, bem como atender, em primeiro lugar, o sentido constitucional do princípio da presunção de não culpabilidade, eis que não se pode “antecipar” a pena eventualmente aplicada aos acusados em geral sem que se tenha o trânsito em julgado ou, antes dele, que haja fundado receio de que, em liberdade, possa o acusado prejudicar o processo. Vale observar que o artigo 319, do CPP, esta posicionado no título IX, do CPP, onde se encontram previstas as medidas de natureza estritamente cautelar que visam o bom andamento do processo e a proteção do direito de punir do Estado, até mesmo para que não haja uma movimentação desnecessária de toda máquina estatal sem que, ao final, se possa de fato cumprir as previsões legais atinentes à punição daquele que comete um delito. (BRASILEIRO, 2012, p. 86).

Corroborando com tal afirmativa, ilustra o eminente Rogério Cruz:

A nova legislação deixa bastante claro que qualquer medida cautelar pessoal somente pode ser decretada se demonstrada, concretamente, a sua real e efetiva necessidade, para tutela de algum bem jurídico do processo ou da sociedade. Os fundamentos que antes se aplicavam apenas para a prisão preventiva (art. 312 do CPP), agora são ampliados para toda e qualquer medida cautelar pessoal. Assim sendo, não há qualquer distinção de finalidade entre a prisão preventiva e as demais medidas cautelares: todas buscam proteger a tríplice finalidade indicada (para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais). Somente se presentes tais fins – que representam a própria cautelaridade de qualquer medida é que se poderá decretar uma medida cautelar. Em outras palavras, todas as medidas cautelares buscam a mesma finalidade de proteção aos interesses do processo ou da própria sociedade. (CRUZ, 2011, p. 31).

As medidas alternativas à prisão certamente que estão a par com a Constituição Federal. Esta reputa como excepcional a prisão. Daí ser possível concluir que quando se está diante de uma situação criminosa que demande o acautelamento do jus puniendi do Estado, primeiro se deve analisar uma a uma as espécies de medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP, para que, ao final, caso não se entenda pela adequação de uma dessas medidas se possa então chegar à decretação da prisão.

Por fim, afirme-se que para fins de decretação da medida cautelar alternativa à prisão, há alguns pressupostos a serem respeitados, por exemplo, o juiz pode deferi‐la de ofício ou a requerimento das partes, durante o processo; o juiz pode decretá‐la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, na fase de investigação criminal, em obediência ao sistema acusatório, que prima pelo respeito à imparcialidade do juiz.

4 DA PRISÃO PREVENTIVA – CRÍTICAS À SUA APLICABILIDADE

De acordo com os preceitos constitucionais, uma pessoa deve ser considerada inocente até a sua condenação, ou seja, até o trânsito em julgado da sua sentença penal. Assim, quando não mais é possível recorrer da decisão.

Em regra, uma pessoa não poderia ser presa antes deste momento. Contudo, conforme já mencionado ao longo do presente estudo, prisões podem acontecer antes do trânsito em julgado da condenação, der forma excepcional: a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva.

A prisão preventiva está dentro do contexto da prisão processual, provisória ou cautelar, sendo aquela que ocorre antes do trânsito em julgado, sempre que houver necessidade e adequação na sua decretação, que nada tem a ver com o juízo de culpa do investigado ou réu.

Em sentido amplo, a prisão preventiva é aquela decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e possui significado idêntico à prisão processual, cautelar, provisória ou prisão sem pena. Tal modalidade prisional, no seu sentido estrito, recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção, ainda que sem sentença definitiva. A lei, como se nota, autoriza a prisão preventiva durante toda a persecução penal, até mesmo na fase da investigação, desde que imprescindível.

Assim, pode ser decretada pelo juiz de ofício no curso da ação penal, ou a requerimento ou representação a qualquer tempo, nos termos do artigo 311 do Código de Processo Penal: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Pode ser decretada, segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal, nos caso de: crimes inafiançáveis – aqueles para os quais não há possibilidade de pagamento de fiança ou de liberdade provisória, ou seja, o acusado deve ficar preso até o seu julgamento. São considerados crimes inafiançáveis no Brasil (Constituição, art. 5º, incisos XLIII e XLIV): racismo, prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, crimes hediondos – tipos de crime considerados mais repugnantes para o Estado, nos quais há clara crueldade, como homicídio, estupro, latrocínio, entre outros; nos crimes afiançáveis – quando as provas contra o réu são suficientes para tal ou quando há dúvidas sobre a sua identidade e não há elementos suficientes para esclarecê-la; nos crimes dolosos. Embora sejam crimes afiançáveis, a prisão preventiva pode ser aplicada quando o réu tiver sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença transitada em julgado – ou seja, da qual não cabem mais recursos; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A prisão preventiva pode ser revogada da mesma forma que é requerida, sempre que o juiz entender que ela não é mais necessária, ou pode ser decretada mais de uma vez, se houver razões para tal. As condições para que se peça a prisão preventiva devem ser: Garantir a ordem pública e a ordem econômica (para impedir que o réu, solto, continue a praticar crimes contra essas ordens, causando danos irreversíveis à sociedade); por conveniência da instrução penal (para evitar que o réu aja de forma a atrapalhar o processo ou a investigação, como ameaçar possíveis testemunhas, destruir provas, etc.); ou para assegurar a aplicação da lei penal (para prevenir que o réu não fuja ou de que a Justiça seja impossibilitada, de alguma maneira, de aplicar a sentença que lhe foi dada).

Muitas são as críticas que surgem no entorno da decretação da preventiva. Ora, a decretação parte do julgador e, como qualquer ser humano, o magistrado também pode cometer equívocos. Na verdade, existem casos em que, por conta de clamores sociais ou por pressões, o juiz acaba decidindo de modo errado. Mesmo inexistindo as provas ou indícios suficientes para a decretação, a juiz decide pela medida. Em certas situações, tais decretações se antecipam à própria lei e até desrespeitam princípios constitucionais, como o da presunção da inocência.

Sua decretação pela justificativa de garantia da ordem pública também é muito questionada. Com efeito, não há como negar que a decretação da prisão preventiva alicerçada na garantia da ordem pública baseia-se, especialmente, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; e a segunda, de que em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime, ou ainda, empenhará esforços para consumar o delito tentado.

Infelizmente, o que se vê na prática forense é que aludidas expressões prontas, tais como reiteração criminosa, gravidade do delito, clamor público, periculosidade do agente, etc., são utilizadas reiteradamente sem uma maior preocupação do que esse exercício poderá ocasionar ao Estado Democrático de Direito, tão arduamente conquistado.

Nessa linha de raciocínio, tratando sobre os abusos judiciais cometidos em nome da necessidade da decretação da preventiva, afirma Hélio Tornaghi (1989):

De tanto mandar prender, há juízes que terminam esquecendo os inconvenientes da prisão. (...) O juiz que cai no hábito é o religioso que já não atenta para o sentido das próprias orações e as vai repetindo mecanicamente. (...) A possibilidade de soltar e tornar a prender a soltar de novo e mais uma vez prender, tudo ao talante do juiz, facilita a inconsideração, presta-se à imprudência, e o bom juiz deve acautelar-se contra essa facilidade; - o perigo do exagero, que conduz o juiz a ver fantasma, a temer danos dos imaginários, a transformar suspeitas vagas em indícios veementes, a supor que é zelo o que na verdade é exacerbação do escrúpulo (TORNAGHI, 1989, p. 10).

Não obstante tais constatações, a problemática maior se instaura quando a prisão preventiva, que deveria ser utilizada em casos excepcionais, passa a ser banalizada, sob o pretexto das mais variadas interpretações atribuídas, pela jurisprudência e doutrina pátria, à ordem pública como fundamento da segregação cautelar.

Tem-se, de todo modo, que a prisão preventiva não foi concebida para desempenhar função de pena antecipada (operando como prevenção), levando em conta que ainda não se determinou quem seja o responsável pela infração. Igualmente, não é mecanismo hábil para suprir clamores sociais por justiçamento, utilizada de forma desenfreada, e contra todos os acusados de práticas delitivas.

Na verdade, quando se justifica a decretação da prisão preventiva como forma de demonstração que a justiça está atenta no combate à criminalidade, introduzem-se elementos estranhos à sua natureza cautelar e processual. E revelam que a prisão preventiva acaba por cumprir funções de pena definitiva.

4.1 Peculiaridades da Prisão Preventiva

A partir do advento da nova lei das prisões (12.403/2011), a prisão preventiva sofreu algumas reformulações. Suas espécies são: a) a autônoma, prevista no art. 311, b) a decorrente da conversão da prisão em flagrante em preventiva, na conformidade do que dispõe o art. 310, II, c) pelo não cumprimento de medidas cautelares, segundo dispõe o art. 282, § 4º, d) pela dúvida quanto à identificação civil, conforme o art. 313, parágrafo único.

Esta modalidade de prisão somente se aplica à infração que for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Tal regra é no sentido de evitar que o acusado fique preso durante o curso do processo e ao final a pena cominada seja, por exemplo, de restritiva de direitos.

Na conformidade do que dispõe o art. 300 do CPP, os presos provisórios devem ficar separados daqueles com condenação definitiva. Tal previsão, já existente na Lei de Execução Penal, jamais foi considerada em sua inteireza. Como sempre acontece no sistema prisional, há continuidade na desobediência das leis protetivas e um desrespeito absoluto aos presos de modo geral, e igualmente aos encarcerados provisoriamente. Neste sentido é que ganha feição de verdade a assertiva segundo a qual a prisão preventiva é uma antecipação da condenação, pois o preso provisório sofrerá as mesmas consequências do definitivamente condenado.

Nos termos do art. 311, a decretação da prisão preventiva autônoma é de competência privativa da autoridade judiciária, mas não poderá ser decretada de ofício por este (por força Decreto-Lei 3.689/41 m- Pacote Anticrime), mediante representação do Ministério Público, mediante requerimento do querelante, do assistente de acusação ou da autoridade policial.

O parágrafo único do art. 312 do CPP foi acrescido para dispor sobre a aplicação da preventiva no caso de descumprimento de alguma das medidas cautelares anteriormente decretadas. Já o inciso I do art. 313 diz que a prisão preventiva somente é cabível quando o crime praticado for doloso.

Necessário repisar que a decretação da prisão preventiva deve ser sempre e exaustivamente motivada, conforme dispõe o art. 315 do CPP. Neste aspecto, contudo, surge um grave problema que continua sem solução, vez que as decisões para decretação da preventiva dificilmente atendem aos requisitos da lei.

Necessário afirmar que um grave problema existente nas decisões judiciais, até mesmo nas sentenças, diz respeito aos fundamentos exarados apenas como cópias de cisões de outros julgados, como se cada caso não fosse um caso, com suas especificidades, e todos os casos com a mesma fundamentação. Tal precariedade de fundamentação nem sempre é considerada pelo judiciário, como se fosse normal que a decretação de uma prisão preventiva fosse objeto apenas de um copia e cola.

A motivação é sempre existente, mas sempre a mesma motivação de outros processos, de outros julgados, modificando-se apenas os nomes dos acusados. Tais aspectos continuam fazendo da parte da rotina do judiciário, como se a prisão antecipada do acusado tivesse a mesma banalização de um copia e cola.

5 A ATUAÇÃO DO JULGADOR NA DECRETAÇÃO DA PREVENTIVA

O juiz assume uma nova posição no processo no Estado Democrático de Direito, e sua legitimidade de atuação não é política, mas, sim, constitucional, sempre baseada na função protetora dos direitos fundamentais de todos e de cada indivíduo, mesmo que isso possa parecer estranho aos que comungam pelo ativismo ou pelo decisionismo judicial.

Dessa forma, o magistrado deve tutelar a pessoa e reparar as injustiças. Portanto, tem o dever constitucional de absolver quando não houver provas plenas e legais. Do mesmo modo, tem o dever de não antecipar decisões sem provas nem mandar encarcerar por conveniências pessoais. A liberdade do julgador deve ser a liberdade nos limites do respeito à lei, sem espaços para às decisões discricionárias ou arbitrárias. Neste sentido, diz Tourinho Filho (2015):

Assim, a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública inviabiliza o controle do instituto por parte do seu destinatário e permanece ao sabor da discricionariedade de seu interprete. No bem da verdade, da forma que o instituo está colocado na legislação brasileira, revela-se como um campo fértil para o cometimento de arbitrariedades, tornando-se uma verdadeira “carta coringa” utilizada pelos por juízes ou Tribunais para justificar prisões arbitrárias, que, infelizmente, buscam por meio do decreto prisional finalidades não contempladas na Lei e nem pela Constituição Federal. (TOURINHO FILHO, 2015, p. 367).

Ou ainda conforme ensinou o Ministro do STF Celso de Mello:

O magistrado, no Brasil, não pode utilizar a prisão preventiva como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, haja vista que o sistema jurídico brasileiro, lastreado nas bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade individual, o qual é incompatível com punição sem processo e inconciliável com condenação sem defesa. Com efeito, a prisão preventiva não ambiciona infringir punição àquele que sofre a sua decretação, mas sim destina-se a atuar em prol da atividade estatal desenvolvida no processo, isto é, dispõe tão só de função cautelar. (MELLO, HC nº 79.857, rel. CELSO DE MELLO, DJ de 04. 05. 2001).

Pode-se concluir, portanto, que a prisão preventiva não pode ser instrumento da ação judicial para servir a essa pobreza cultural que exige a cadeia imediatamente para todo e qualquer acusado. Assim, fundamentos impulsionados pela satisfação do sentimento de justiça ou, até mesmo, na intimidação coletiva não são coerentes e nem idôneos para a decretação do cárcere cautelar, pois operam à aplicação de uma justiça sumária lastreada em argumentos autoritários e repressivos.

No caso específico da decretação da prisão preventiva, o magistrado terá que demonstrar, de acordo com elementos concretos, que cada uma das medidas alternativas menos gravosas que a prisão não se mostra suficiente para eliminar a hipótese de necessidade que exige a imposição de uma medida cautelar. Ao deliberar sobre a necessidade de medida cautelar mais gravosa, no caso da prisão preventiva, o juiz deverá justificar a razão pela qual nenhuma das nove medidas diversas à prisão seria inaplicável ao caso concreto.

Há de ser, contudo, que nem sempre o magistrado quer se dá ao trabalho de demonstrar em profundidade sua opção pela prisão cautelar mais gravosa. Conforme já alertado, as decisões sobre as decretações de prisões geralmente são copiadas e sem a análise aprofundada do cada caso, de modo específico.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os argumentos contrários e favoráveis à decretação da prisão preventiva se voltam mais para o conteúdo das decisões do que mesmo pela sua aplicabilidade.

Indubitavelmente, as previsões contidas em lei, acaso colocadas sob a vigilância da necessidade de utilização, não são passíveis de grandes críticas quanto à forma de sua decretação.

Efetivamente, a prisão preventiva é uma medida de caráter cautelar e visa a proteção da eficácia processual. Sua natureza é excepcional, devendo ser implantada apenas em último caso, quando nenhuma medida menos gravosa lhe convier, por ser uma punição antecipada.

Na verdade, para além de uma punição antecipada, afeiçoa-se mais a uma condenação antecipada. E condenação que possuirá as mesmas consequências prisionais da condenação definitiva, pois os presos preventivos nem sempre são separados dos demais, conforme preconiza a lei.

E uma condenação antecipada sem, na maioria das vezes, motivação suficiente para sua decretação. Ora, nada diz uma decretação por conveniência da instrução criminal ou para garantia da ordem pública. Ademais quando as decisões pela decretação são eivadas de argumentos vazios e fora do contexto do suposto crime praticado.

O que se tem, em verdade, é a banalização da prisão, como se o magistrado fosse além da lei para se voltar apenas para uma justificação intimista ou para atender aos clamores sociais. Tudo como a dizer que decretando a prisão preventiva, ao menos não será passível de críticas.

Tal banalização da prisão deixa de considerar o que é mais importante ao ser humano: sua liberdade. A lei diz que a decretação da preventiva não pode se embasar em suposições abstratas, e sim verter-se a fatos concretos.

Sim, é isto que a lei diz. Mas não é este o entendimento da maioria dos magistrados, que apenas confirmam a antecipação da condenação sem ao menos – e minimamente – aprofundar-se no caso concreto.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Senado Federal/Brasília, 2016.

BRASILEIRO, Renato de Lima. Nova Prisão Cautelar - doutrina, jurisprudência e prática. Niterói, RJ, 2012.

CRUZ, Rogério Schietti Machado da. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Editora Método, 2011.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema das penas. São Paulo: RT, 2010.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal, volume 1 - parte geral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

MELLO, Celso de. HC nº 79.857, rel. CELSO DE MELLO, DJ de 04. 05. 2001

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SENNA, Virdal. Sistema Penitenciário Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2008.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7. ed. Bahia: JusPodivm, 2012.

TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 1989.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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Sobre o autor
Cícero Dantas de Oliveira

Advogado. Mestrando em Direito. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Eleitoral. Professor Universitário de Direito Penal e Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Cícero Dantas. Da prisão e da prisão preventiva: o papel do julgador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6689, 24 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93039. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Disciplina do programa de Mestrado em Direitos Humanos na UNIT/SE

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