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Da prisão e da prisão preventiva: o papel do julgador

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24/10/2021 às 14:15
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2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À EXECUÇÃO DA REPRIMENDA PENAL

O processo de execução penal implica, necessariamente, na sujeição aos princípios e garantias constitucionais incidentes. “Etimologicamente, princípio tem vários significados, entre os quais o de momento em que algo tem origem; causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação.” (NUCCI, 2009, p.78).

Assim, devem ser ressaltados alguns princípios previstos em lei e outros que estão implícitos no sistema normativo, a saber: Dignidade da Pessoa Humana, Personalidade ou Responsabilidade Pessoal, Proporcionalidade, Legalidade, Individualização da Pena e outros.

2.1. Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana é um princípio constitucional com previsão legal no artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal. É utilizado como um dos fundamentos do Princípio da Humanização, previsto na Lei de Execução Penal.

Entendendo-se, assim, que o condenado é sujeito de direitos e deveres, e que estes devem ser respeitados. “Tanto isso é exato que veda integralmente penas cruéis, de caráter perpétuo, de banimento e de trabalhos forçados, só admitindo a pena de morte nos casos previstos em lei e em situação de guerra declarada (art.5º, XLVII).” Távora e Alencar (2012, p. 131).

Assim, a Lei de Execução Penal, no Capítulo IV, seções I e II, estabelece os direitos e deveres do condenado, garantindo, assim, o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios, uma vez que o direito penal deve garantir o bem-estar de todos, incluindo-se os condenados.

2.2. Da Personalidade ou Responsabilidade Pessoal

No Princípio da Personalidade ou da Responsabilidade Pessoal entende-se que a pena ou medida de segurança não poderá ultrapassar a figura do autor do fato, salvo as exceções da obrigação de reparar o dano e da decretação do perdimento de bens, uma vez que são estendidas aos sucessores e contra eles podem ser executadas até o limite do patrimônio transferido, conforme art. 5º, XLV, da Constituição Federal.

Nesse sentido, NUCCI (2009, p.79) comenta: “Trata-se de outra conquista do direito penal moderno, impedindo que terceiros inocentes e totalmente alheios ao crime possam pagar pelo que não fizeram, nem contribuíram para que fosse realizado”.

2.3. Da Legalidade

O Princípio da Legalidade é norteado pelo inciso II, do art.5º, da Constituição Federal e dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Significa que os tipos penais incriminadores só poderão ser criados por lei em sentido estrito.

Assim, como a execução penal atinge uma das garantias fundamentais que é a liberdade, ela deve ser devidamente regulada pelo legislador, de modo que não fuja dos meios que estão presentes no referido diploma legal. “Em outras palavras, não é permitida liberdade dos meios de execução, mas que a execução penal se dê na forma legalmente estabelecida”. (Távora e Alencar, 2012, p.1309).

2.4. Da Proporcionalidade

O Princípio da Proporcionalidade é um princípio constitucional implícito. Exige que a cominação da pena seja proporcional ao delito praticado, para que não haja um desequilíbrio acentuado e exageros. Nesse sentido, Greco (2009, p.78) comenta:

Assim, por exemplo, se depois de analisar, isoladamente, as circunstâncias judiciais, o juiz concluir que todas são favoráveis ao agente, jamais poderá determinar a pena-base na quantidade máxima cominada ao delito por ele cometido, o que levaria, ao final de todas as três fases, a aplicar uma pena desproporcional ao fato praticado.

Acerca do princípio em tela, diz Guilherme de Souza Nucci:

A Constituição, ao estabelecer as modalidades de penas que a lei ordinária deve adotar, consagra implicitamente a proporcionalidade, corolário natural da aplicação da justiça, que é dar a cada um o que é seu, por merecimento. Fixa o art. 5º, XLVI, as seguintes penas: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. (NUCCI, 2009, p. 84).

Assim, entende-se que o referido princípio relaciona-se com o Princípio da Individualização da Pena, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema trifásico para fixação da pena, fornecendo ao julgador, meios para fixação de uma pena proporcional ao fato cometido.

2.5. Individualização da Pena

Encontra-se previsto no art.5º, XLVI, da Constituição Federal e significa que ainda que o fato seja o mesmo, a pena imposta aos autores não será. A pena não poderá ser padronizada e cada um responderá até a prática dos seus atos. NUCCI (2009, p. 80) assim sintetiza tal princípio: “Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.”

Há de se observar que circunstâncias existem que tornam a pena ainda mais individualizada. Ter praticado o mesmo ato não significa tê-lo praticado da mesma forma, daí que tais circunstâncias são relevantes na aplicação da reprimenda penal.

2.6. Presunção da Inocência

O Princípio da Presunção se ajusta perfeitamente ao uso do monitoramento eletrônico. Tal princípio está consagrado no art. 5°, inciso LVII da CRFB/88. Justifica-se na medida em que no inquérito ou na instrução processual ainda não há a convicção do cometimento do crime pelo suspeito e com isso podem-se cometer grandes injustiças. Nesse sentido o uso da monitoração como medida cautelar além assegurar o princípio da inocência também representaria um avanço no princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, CRFB /88).


3. MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO

Inicialmente afirme-se que a prisão pena, oriunda de uma sentença condenatória, diferencia-se da prisão cautelar. Neste sentido, a afirmação de Guilherme de Souza Nucci:

A prisão pena se diferencia da prisão provisória ou cautelar, pelo fato de já ter existido a acusação formal do órgão ministerial, através da denúncia, com o julgamento através do Poder Judiciário, onde foram produzidas as provas pelas partes com o pronunciamento final do magistrado, através de sua sentença, que entendeu estarem presentes a autoria e materialidade delitiva, condenando-o o réu ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime inicial fechado e sendo o réu agora submetido às regras e direitos constantes na Lei 7.210/84, a Lei de Execuções Penais. Neste caso, se percebe que a prisão pena, em que pese não ser eterna, não é considerada cautelar ou provisória, pois, nasceu de uma sentença penal condenatória. Ademais o réu deverá cumprir a prisão pena nas instituições penais adequadas que são as penitenciárias, entidades existentes para o cumprimento de uma pena, diferenciando-se das cadeias e presídios, pois, nestes os presos são provisórios ou cautelares, não tendo sido ainda condenados na ação penal que respondem. (NUCCI, 2011, p. 287).

Pois bem. No âmbito da prisão cautelar ou provisória é que se inserem as medidas alternativas. As chamadas medidas cautelares alternativas a prisão se encontram inseridas no art. 319. do Código de Processo Penal e certamente foram a maior inovação trazida pela lei 12.403/11 que reformou a matéria de prisão no Brasil.

Atualmente, o artigo 319 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26. do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

...............................

§ 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.

Estas, pois, as medidas cautelares consideradas como alternativas à prisão. De acordo com Prudente (2012, p.152) essas medidas visam justamente impedir o encarceramento do indiciado ou acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, podendo ser aplicado antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e também da ação penal, afirmando que assim “a lei em comento inova ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados”.

Segundo o autor, um dos fundamentos que corroboram com a aplicação do monitoramento eletrônico é a própria dignidade da pessoa humana que na definição de Lenza (2008, p.593), “é o fundamento da República Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1.º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito”.

Conforme observado, a Lei 12.403/11 alterou o art. 319, do CPP no sentido exatamente de diminuir a antecipação da pena e do exagero nas medidas até então tomadas, eis que prevê a aplicação de medidas de natureza cautelar, diversas da prisão, para serem aplicadas em estrita observância do binômio adequação-proporcionalidade, para que não se utilize de medida extrema, mas para que também não se deixe de acautelar situações que merecem algum tipo de restrição cautelar com o único fim de proteger o próprio processo.

Segundo ensina Renato Brasileiro:

O art. 319, do Código de Processo Penal, trouxe uma novidade legislativa que buscou atender a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, bem como atender, em primeiro lugar, o sentido constitucional do princípio da presunção de não culpabilidade, eis que não se pode “antecipar” a pena eventualmente aplicada aos acusados em geral sem que se tenha o trânsito em julgado ou, antes dele, que haja fundado receio de que, em liberdade, possa o acusado prejudicar o processo. Vale observar que o artigo 319, do CPP, esta posicionado no título IX, do CPP, onde se encontram previstas as medidas de natureza estritamente cautelar que visam o bom andamento do processo e a proteção do direito de punir do Estado, até mesmo para que não haja uma movimentação desnecessária de toda máquina estatal sem que, ao final, se possa de fato cumprir as previsões legais atinentes à punição daquele que comete um delito. (BRASILEIRO, 2012, p. 86).

Corroborando com tal afirmativa, ilustra o eminente Rogério Cruz:

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A nova legislação deixa bastante claro que qualquer medida cautelar pessoal somente pode ser decretada se demonstrada, concretamente, a sua real e efetiva necessidade, para tutela de algum bem jurídico do processo ou da sociedade. Os fundamentos que antes se aplicavam apenas para a prisão preventiva (art. 312. do CPP), agora são ampliados para toda e qualquer medida cautelar pessoal. Assim sendo, não há qualquer distinção de finalidade entre a prisão preventiva e as demais medidas cautelares: todas buscam proteger a tríplice finalidade indicada (para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais). Somente se presentes tais fins – que representam a própria cautelaridade de qualquer medida é que se poderá decretar uma medida cautelar. Em outras palavras, todas as medidas cautelares buscam a mesma finalidade de proteção aos interesses do processo ou da própria sociedade. (CRUZ, 2011, p. 31).

As medidas alternativas à prisão certamente que estão a par com a Constituição Federal. Esta reputa como excepcional a prisão. Daí ser possível concluir que quando se está diante de uma situação criminosa que demande o acautelamento do jus puniendi do Estado, primeiro se deve analisar uma a uma as espécies de medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP, para que, ao final, caso não se entenda pela adequação de uma dessas medidas se possa então chegar à decretação da prisão.

Por fim, afirme-se que para fins de decretação da medida cautelar alternativa à prisão, há alguns pressupostos a serem respeitados, por exemplo, o juiz pode deferi‐la de ofício ou a requerimento das partes, durante o processo; o juiz pode decretá‐la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, na fase de investigação criminal, em obediência ao sistema acusatório, que prima pelo respeito à imparcialidade do juiz.


4. DA PRISÃO PREVENTIVA – CRÍTICAS À SUA APLICABILIDADE

De acordo com os preceitos constitucionais, uma pessoa deve ser considerada inocente até a sua condenação, ou seja, até o trânsito em julgado da sua sentença penal. Assim, quando não mais é possível recorrer da decisão.

Em regra, uma pessoa não poderia ser presa antes deste momento. Contudo, conforme já mencionado ao longo do presente estudo, prisões podem acontecer antes do trânsito em julgado da condenação, der forma excepcional: a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva.

A prisão preventiva está dentro do contexto da prisão processual, provisória ou cautelar, sendo aquela que ocorre antes do trânsito em julgado, sempre que houver necessidade e adequação na sua decretação, que nada tem a ver com o juízo de culpa do investigado ou réu.

Em sentido amplo, a prisão preventiva é aquela decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e possui significado idêntico à prisão processual, cautelar, provisória ou prisão sem pena. Tal modalidade prisional, no seu sentido estrito, recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção, ainda que sem sentença definitiva. A lei, como se nota, autoriza a prisão preventiva durante toda a persecução penal, até mesmo na fase da investigação, desde que imprescindível.

Assim, pode ser decretada pelo juiz de ofício no curso da ação penal, ou a requerimento ou representação a qualquer tempo, nos termos do artigo 311 do Código de Processo Penal: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Pode ser decretada, segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal, nos caso de: crimes inafiançáveis – aqueles para os quais não há possibilidade de pagamento de fiança ou de liberdade provisória, ou seja, o acusado deve ficar preso até o seu julgamento. São considerados crimes inafiançáveis no Brasil (Constituição, art. 5º, incisos XLIII e XLIV): racismo, prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, crimes hediondos – tipos de crime considerados mais repugnantes para o Estado, nos quais há clara crueldade, como homicídio, estupro, latrocínio, entre outros; nos crimes afiançáveis – quando as provas contra o réu são suficientes para tal ou quando há dúvidas sobre a sua identidade e não há elementos suficientes para esclarecê-la; nos crimes dolosos. Embora sejam crimes afiançáveis, a prisão preventiva pode ser aplicada quando o réu tiver sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença transitada em julgado – ou seja, da qual não cabem mais recursos; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A prisão preventiva pode ser revogada da mesma forma que é requerida, sempre que o juiz entender que ela não é mais necessária, ou pode ser decretada mais de uma vez, se houver razões para tal. As condições para que se peça a prisão preventiva devem ser: Garantir a ordem pública e a ordem econômica (para impedir que o réu, solto, continue a praticar crimes contra essas ordens, causando danos irreversíveis à sociedade); por conveniência da instrução penal (para evitar que o réu aja de forma a atrapalhar o processo ou a investigação, como ameaçar possíveis testemunhas, destruir provas, etc.); ou para assegurar a aplicação da lei penal (para prevenir que o réu não fuja ou de que a Justiça seja impossibilitada, de alguma maneira, de aplicar a sentença que lhe foi dada).

Muitas são as críticas que surgem no entorno da decretação da preventiva. Ora, a decretação parte do julgador e, como qualquer ser humano, o magistrado também pode cometer equívocos. Na verdade, existem casos em que, por conta de clamores sociais ou por pressões, o juiz acaba decidindo de modo errado. Mesmo inexistindo as provas ou indícios suficientes para a decretação, a juiz decide pela medida. Em certas situações, tais decretações se antecipam à própria lei e até desrespeitam princípios constitucionais, como o da presunção da inocência.

Sua decretação pela justificativa de garantia da ordem pública também é muito questionada. Com efeito, não há como negar que a decretação da prisão preventiva alicerçada na garantia da ordem pública baseia-se, especialmente, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; e a segunda, de que em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime, ou ainda, empenhará esforços para consumar o delito tentado.

Infelizmente, o que se vê na prática forense é que aludidas expressões prontas, tais como reiteração criminosa, gravidade do delito, clamor público, periculosidade do agente, etc., são utilizadas reiteradamente sem uma maior preocupação do que esse exercício poderá ocasionar ao Estado Democrático de Direito, tão arduamente conquistado.

Nessa linha de raciocínio, tratando sobre os abusos judiciais cometidos em nome da necessidade da decretação da preventiva, afirma Hélio Tornaghi (1989):

De tanto mandar prender, há juízes que terminam esquecendo os inconvenientes da prisão. (...) O juiz que cai no hábito é o religioso que já não atenta para o sentido das próprias orações e as vai repetindo mecanicamente. (...) A possibilidade de soltar e tornar a prender a soltar de novo e mais uma vez prender, tudo ao talante do juiz, facilita a inconsideração, presta-se à imprudência, e o bom juiz deve acautelar-se contra essa facilidade; - o perigo do exagero, que conduz o juiz a ver fantasma, a temer danos dos imaginários, a transformar suspeitas vagas em indícios veementes, a supor que é zelo o que na verdade é exacerbação do escrúpulo (TORNAGHI, 1989, p. 10).

Não obstante tais constatações, a problemática maior se instaura quando a prisão preventiva, que deveria ser utilizada em casos excepcionais, passa a ser banalizada, sob o pretexto das mais variadas interpretações atribuídas, pela jurisprudência e doutrina pátria, à ordem pública como fundamento da segregação cautelar.

Tem-se, de todo modo, que a prisão preventiva não foi concebida para desempenhar função de pena antecipada (operando como prevenção), levando em conta que ainda não se determinou quem seja o responsável pela infração. Igualmente, não é mecanismo hábil para suprir clamores sociais por justiçamento, utilizada de forma desenfreada, e contra todos os acusados de práticas delitivas.

Na verdade, quando se justifica a decretação da prisão preventiva como forma de demonstração que a justiça está atenta no combate à criminalidade, introduzem-se elementos estranhos à sua natureza cautelar e processual. E revelam que a prisão preventiva acaba por cumprir funções de pena definitiva.

4.1. Peculiaridades da Prisão Preventiva

A partir do advento da nova lei das prisões (12.403/2011), a prisão preventiva sofreu algumas reformulações. Suas espécies são: a) a autônoma, prevista no art. 311, b) a decorrente da conversão da prisão em flagrante em preventiva, na conformidade do que dispõe o art. 310, II, c) pelo não cumprimento de medidas cautelares, segundo dispõe o art. 282, § 4º, d) pela dúvida quanto à identificação civil, conforme o art. 313, parágrafo único.

Esta modalidade de prisão somente se aplica à infração que for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Tal regra é no sentido de evitar que o acusado fique preso durante o curso do processo e ao final a pena cominada seja, por exemplo, de restritiva de direitos.

Na conformidade do que dispõe o art. 300. do CPP, os presos provisórios devem ficar separados daqueles com condenação definitiva. Tal previsão, já existente na Lei de Execução Penal, jamais foi considerada em sua inteireza. Como sempre acontece no sistema prisional, há continuidade na desobediência das leis protetivas e um desrespeito absoluto aos presos de modo geral, e igualmente aos encarcerados provisoriamente. Neste sentido é que ganha feição de verdade a assertiva segundo a qual a prisão preventiva é uma antecipação da condenação, pois o preso provisório sofrerá as mesmas consequências do definitivamente condenado.

Nos termos do art. 311, a decretação da prisão preventiva autônoma é de competência privativa da autoridade judiciária, mas não poderá ser decretada de ofício por este (por força Decreto-Lei 3.689/41 m- Pacote Anticrime), mediante representação do Ministério Público, mediante requerimento do querelante, do assistente de acusação ou da autoridade policial.

O parágrafo único do art. 312. do CPP foi acrescido para dispor sobre a aplicação da preventiva no caso de descumprimento de alguma das medidas cautelares anteriormente decretadas. Já o inciso I do art. 313. diz que a prisão preventiva somente é cabível quando o crime praticado for doloso.

Necessário repisar que a decretação da prisão preventiva deve ser sempre e exaustivamente motivada, conforme dispõe o art. 315. do CPP. Neste aspecto, contudo, surge um grave problema que continua sem solução, vez que as decisões para decretação da preventiva dificilmente atendem aos requisitos da lei.

Necessário afirmar que um grave problema existente nas decisões judiciais, até mesmo nas sentenças, diz respeito aos fundamentos exarados apenas como cópias de cisões de outros julgados, como se cada caso não fosse um caso, com suas especificidades, e todos os casos com a mesma fundamentação. Tal precariedade de fundamentação nem sempre é considerada pelo judiciário, como se fosse normal que a decretação de uma prisão preventiva fosse objeto apenas de um copia e cola.

A motivação é sempre existente, mas sempre a mesma motivação de outros processos, de outros julgados, modificando-se apenas os nomes dos acusados. Tais aspectos continuam fazendo da parte da rotina do judiciário, como se a prisão antecipada do acusado tivesse a mesma banalização de um copia e cola.

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Sobre o autor
Cícero Dantas de Oliveira

Advogado. Mestrando em Direito. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Eleitoral. Professor Universitário de Direito Penal e Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Cícero Dantas. Da prisão e da prisão preventiva: o papel do julgador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6689, 24 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93039. Acesso em: 21 nov. 2024.

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