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Reflexão acerca do alcance do art. 723 do Código de Processo Civil

08/11/2021 às 11:50
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O critério puramente etário para definição da incapacidade civil e empresarial já não condiz com a realidade de adolescentes empreendedores.

O Direito é uma ciência social aplicada, voltado para várias questões sociais da realidade humana. A sociedade está em constante desenvolvimento e, consequentemente, a legislação tende a acompanhar tal evolução.

Nesse contexto, seria possível que o menor de idade tivesse capacidade empresarial? A legislação brasileira, em regra, não permite essa possibilidade, a não ser que se trate de menor emancipado. Ao mesmo tempo em que o Código Civil, em seu artigo 966 caput, permite o exercício da atividade econômica sem restrição, no artigo 972 é levantado a questão de que para exercer tal atividade é necessário ter capacidade civil, in verbis:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.

Porém, na sociedade atual, a tendência é que cada vez mais jovens, incluindo menores de idade, conquistem espaço no mundo corporativo, mas a legislação tem impedido esse feito, haja vista o engessamento da lei e a impossibilidade da interpretação analógica ou interpretação extensiva do juízo. No Código Civil de 1916 a maioridade civil era considerada a partir dos 21 anos, contudo, a tal norma civil sofreu alterações. Com o novo Código Civil de 2002, a maioridade civil passou a ser a partir dos 18 anos. Para tal alteração, foi levado em consideração alguns estudos, os quais apontaram que um indivíduo de 18 anos teria uma capacidade de discernimento muito maior do que aquele, com a mesma idade, a 50 anos atrás.

Desde a última alteração do Código Civil, a sociedade já se desenvolveu e sofre constantes transformações e, ora, a maioridade e capacidade civil, deve ser reavaliada sob o ponto de vista do qual é verificado se há discernimento e compreensão sobre os atos que estão sendo praticados, se é possível conferir a maturidade a um indivíduo menor como também as justificativas de não considerar esse menor apto a desempenhar os atos empresariais.

Felizmente, noutra análise, há no ordenamento jurídico, a possibilidade de adaptação da regra a um caso específico, tendo por base o princípio da equidade, presente no artigo 723, parágrafo único do Novo Código de Processo Civil de 2015, na figura da jurisdição voluntária. A doutrina de Marcus Vinícius Rios Gonçalves retrata de modo atento a intenção desse procedimento no processo civil:

Na jurisdição voluntária não se busca propriamente resolver uma situação litigiosa, mas leva-se a questão ao Poder Judiciário para que este tome as medidas necessárias para a proteção dos interessados no negócio jurídico.

Diferente da jurisdição contenciosa, na jurisdição voluntária não se almeja a solução de uma lide-resistida, mas o pronunciamento jurisdicional de administração do interesse privado a fim de consolidar situações jurídicas novas, de repercussão na esfera de direito dos interessados. Neste tipo de jurisdição não ocorre a substituição da vontade dos interessados pelo Estado-juiz, pelo contrário, administra-se os negócios jurídicos firmados pelas partes, diante da vontade delas. Ademais, as sentenças definitivas não se revestem da autoridade da coisa julgada material, de modo que circunstâncias supervenientes são hábeis a alterar a sentença anteriormente proferida.

Tratando-se, contudo, de jurisdição voluntária, não é aplicado o critério da legalidade estrita, podendo o magistrado adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna. Dessa forma, a decisão embasada na equidade permite que, segundo seu prudente arbítrio, o juiz possa decidir de forma contrária ao texto legal, adaptando a regra quando vislumbrar que a aplicação do texto legal não observa os critérios da justiça e não condiz com a realidade apresentada.

Diante disso, ao examinarmos a situação da capacidade empresarial do menor, observa-se que a análise fria da lei condicionada, exclusivamente, a um critério etário, objetivo e fechado, não atende a realidade social. Cabe aqui a prova regional do desenvolvimento dos jovens de 14 a 17 anos de idade, que atualmente, cada vez mais, têm se destacado nos cursos tecnólogos de aprendizagem bem como Processos Administrativos, Técnico em Administração, dentre outros, que são oferecidos pelo SENAI, por exemplo, os quais preparam, educam e intentam o ingresso no comando empresarial. No que tange à capacidade empresarial do menor, resta evidente que o nível de maturidade e desenvolvimento não é obtido apenas com base no critério etário, mas principalmente por um exame multidisciplinar.

Em situações como estas, resta evidente que a emancipação cultural pode ocorrer antes da emancipação civil, e, por isso, faz-se necessário um exame amplo, de maneira que critérios generalistas já não condizem com o nível de desenvolvimento da sociedade.

O excesso de legalismo adotado por muitos magistrados vai de encontro aos pilares do estado democrático de direito e com a interpretação sistêmica do ordenamento jurídico. Ao determinar que a capacidade de um menor em gerir e conduzir uma atividade empresária está associada a um critério unicamente etário, apenas evidencia uma vida ultrapassada e engessada em perquirir desenvolvimento e maturidade, contradizendo, mesmo que indiretamente, o princípio da livre iniciativa, previsto no parágrafo único, do artigo 170 da Constituição Federal.

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Embora a restrição busque tutelar o menor de qualquer tipo de exploração a fim de gozar livremente de sua infância, tal proteção não pode afastar a garantia de que ele possa empreender, tomar decisões, crescer profissionalmente, adquirir experiências, ter noção ampla de gestão.

Assim, com o artigo 723, parágrafo único do CPC, embasado nos elementos probatórios produzidos por equipe psicológica e pedagógica, com fundamento na interpretação constitucionalizada e, tão oportunamente, com a menção à Constituição norte-americana, a qual, tão somente com sete artigos, conseguiu adequar-se ao desenvolvimento humanístico ao longo dos séculos, o operador do direito conseguirá evidenciar que o critério etário já não condiz com o nível de discernimento e desenvolvimento dos jovens e adolescentes contemporâneos, declarando assim, a conveniência de se reconhecer a capacidade empresarial do menor.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. edição, São Paulo: Saraiva, 2017.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil Procedimentos Especiais Codificados (de Jurisdição Contenciosa e de Jurisdição Voluntária) e de Legislação Extravagante vol. II. 53. Ed. Rev. Atual. e Ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019;

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10. edição, Bahia: Editora Jus Podivm, 2018.

CÓDIGO de Processo Civil. [S. l.], 16 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 26 de set de 2020;

CONSTITUIÇÃO Federal. [S. l.], 06 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 26 de set de 2020;

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Larissa Rodrigues. Reflexão acerca do alcance do art. 723 do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6704, 8 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94458. Acesso em: 22 dez. 2024.

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