Capa da publicação Zolgensma e judicialização do fornecimento de medicamentos
Capa: Marcos Santos/USP
Artigo Destaque dos editores

Judicialização do fornecimento de medicamentos.

Tema 500 do STF e a STP 803 (Zolgensma)

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19/11/2021 às 17:35

Resumo:


  • O artigo aborda a judicialização do fornecimento de medicamentos, destacando a importância da decisão do STF no Tema 500 sobre medicamentos sem registro na ANVISA.

  • Destaca-se o caso da Suspensão de Tutela Provisória 803, envolvendo o medicamento Zolgensma para tratamento de AME, e a decisão do STF em conceder o fornecimento com base nos critérios estabelecidos no Tema 500.

  • O texto ressalta a importância de estabelecer critérios claros para a judicialização da saúde, visando garantir o acesso a tratamentos adequados, respeitando as normas de registro e segurança dos medicamentos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Julgamento da Suspensão de Tutela Provisória 803 (medicamento Zolgensma)

Em julho de 2021, mais um julgamento envolvendo a judicialização do fornecimento de medicamentos ganhou especial repercussão midiática. Tratou-se da apreciação pelo STF da Suspensão de Tutela Provisória 803 (STP 803) em relação a pedido de fornecimento, pela União, do medicamento Zolgensma a menor portadora de Amiotrofia Muscular Espinhal Tipo 2 (AME).

A AME é uma doença genética rara, degenerativa, que altera a capacidade do organismo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, levando o paciente a perda do controle e forças musculares, incapacidade/dificuldade de realizar movimentos, locomoção, deglutição e até mesmo respiração. Esses sintomas graves levam o paciente a intenso sofrimento e a evolução para uma morte precoce. A enfermidade apresenta uma incidência estimada de 1 caso a cada 10.000 nascidos vivos.11

O medicamento em questão, Zolgensma, foi lançado em 2019 pelo laboratório Novartis, embora tenha sido desenvolvido pelo laboratório AveXis, obtendo naquele ano o registro junto à agência reguladora estadunidense, a Food and Drug Administration (FDA), e registro na ANVISA em 2020. O fármaco é aplicado em dose única, apesentando potencial de cura da AME. A Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED) definiu o valor de R$ 2,878 milhões para a venda do produto no Brasil, 76% menor que o praticado no Estados Unidos da América, onde custa cerca de R$ 12 milhões, preço que o fez ganhar a alcunha de medicamento mais caro do mundo.

A portadora em questão, então com 2 anos e 9 meses de idade, ingressou contra a União e teve seu pedido indeferido pelo juízo de 1ª instância. Fundamentou-se que além do custo elevado do medicamento o mesmo não seria indicado para a faixa etária da solicitante, uma vez que a bula do medicamento aprovada no Brasil indica o uso em pacientes abaixo dos 2 anos de idade.

Houve recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3). O desembargador relator concedeu tutela provisória recursal, determinando o fornecimento do fármaco conforme prescrição médica correlata. Esta feita, a União solicitou a respectiva suspensão da tutela provisória, diante da inadequação da prescrição do medicamento para a faixa etária da portadora em tela, haja vista a bula aprovada pela ANVISA, bem como reafirmou o que restou assentado diante do Tema 500 de repercussão Geral, argumentado nesse caso que se trataria de medicamento experimental para a faixa etária acima de 2 anos de idade, sendo, portanto, vedado o fornecimento pelo Estado.

A análise do pedido de suspensão coube ao presidente do STF, ministro Luiz Fux. Manifestado o cabimento do pedido, o ministro passou a análise do caso concreto, logo recobrando o exposto na tese do Tema 500 em sede de repercussão geral. Argumentou o ministro que o fato da menor autora do pedido original contar com mais de 2 anos de idade é fato determinante para restar caracterizada a ministração experimental do medicamento. Portanto, vislumbrou ser indevida a concessão de liminar pelo TRF 3 e decidiu, diante do exposto, suspendê-la cautelarmente.

Apenas dois dias após a manifestação inicial pelo deferimento da suspensão, os representantes da menor ingressaram com petição arguindo a reconsideração e consequente manutenção do dever do Estado em fornecer o respectivo fármaco, diante de novos dados apresentados. A argumentação empregada foi no sentido de evocar a própria tese do Tema 500, de forma a enquadrar o caso concreto na possibilidade de excepcionalidade de fornecimento de medicamento sem registro.

Primeiramente, sustentou-se que não poderia se olvidar que a AME é doença rara e o Zolgensma é medicamento órfão. Nesse escopo, a ANVISA define na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 205, de 28 de dezembro de 2017, doença rara como sendo aquela que afeta até sessenta e cinco pessoas em cada cem mil indivíduos, conforme definido pela Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, com base em dados oficiais nacionais ou, quando inexistentes, em dados publicados em documentação técnico-científica12, critério que engloba a AME. Além disso, embora ampla, a conceituação de medicamentos órfãos faz referência aqueles voltados para doenças raras, existindo relutância no seu desenvolvimento devido ao pequeno mercado que podem atingir. Houve, portanto, preenchimento de um dos requisitos para o fornecimento excepcional do medicamento sem registro: medicamento órfão para doença rara.

Nesse escopo, foi também apontado que a bula europeia do Zolgensma possibilita a dispensação para crianças até 5 anos de idade com até 21 quilos. Outrossim, atingiu-se o segundo requisito para a concessão excepcional, a existência de registro em agência reguladora no exterior. Ademais, a própria ANVISA já havia confirmado a inexistência de alternativa terapêutica, em momento anterior, restando, por conseguinte, preenchido o terceiro e último requisito elencado para concessão judicial de medicamentos sem registro nacional, segundo o Tema 500 da sistemática de repercussão geral.

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Diante do exposto, o ministro Fux veio a reconsiderar sua decisão, logo restaurando os efeitos da decisão do TRF 3 e determinando o fornecimento do medicamento conforme prescrição médica, bem como o pagamento dos dispêndios com hospital, médicos e transporte em 10 dias, sob pena de multa diária R$ 10.000 em favor da criança.


Considerações Finais

Nota-se que o estabelecimento da tese relativa ao Tema 500 pelo STF foi um grande avanço na racionalização da apreciação de demandas judiciais relativas ao fornecimento de medicamentos pelo Estado. Foram descritas bases sólidas tanto no que tange à impossibilidade de fornecimento de tratamentos experimentais, quanto na definição de condições excepcionais para aquisição de medicamentos sem registro na ANVISA.

Nesse sentido, as manifestações no âmbito da STP 803 podem, superficialmente e a olhos desatentos, aparentar um enfraquecimento da tese presente no Tema 500, quando em verdade agregam robustez à citada tese. Perante o caso concreto, detentor de grande reverberação midiática devido ao altíssimo custo unitário da medicação solicitada, o pretório excelso decidiu observando a documentação apresentada pela autora, que condizia com os requisitos de excepcionalidade contidos na tese vinculante.

Dessa forma, ao julgar e deferir situação de excepcionalidade prevista em tese vinculante sobre o assunto, houve a reiteração e fortalecimento da interpretação concernente ao fornecimento de medicamentos sem registro pátrio. In casu, aplicou-se o adágio: a exceção testa a regra.


Notas

  1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

  2. A história de misericórdia das Santas Casas. Disponível em: https://www.cmb.org.br/cmb/index.php/institucional/quem-somos/historico. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  3. BRASIL. Ministério da Saúde. O Sistema Público de Saúde Brasileiro. Brasília DF. 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sistema_saude.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  4. SEGRE, Marco e FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública [online]. 1997, v. 31, n. 5. [Acessado 8 Novembro 2021] , pp. 538-542. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89101997000600016. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  5. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Judicialização e Sociedade: Ações para Acesso à Saúde Pública de Qualidade Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/07/Relatorio_Judicializacao-e-Sociedade-16072021.pdf. Acesso em: 11 de novembro de 2021.

  6. ________.Tribunal de Contas da União. Aumentam os gastos públicos com judicialização da saúde. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-judicializacao-da-saude.htm. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  7. FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil. Revista Direito GV [online]. 2019, v. 15, n. 3. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6172201934. Acesso em 11 de novembro de 2021

  8. Idem.

  9. ________.Tribunal de Contas da União. Aumentam os gastos públicos com judicialização da saúde. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-judicializacao-da-saude.htm.Acesso em 11 de novembro de 2021.

  10. ________. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais Rename. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/r/relacao-nacional-de-medicamentos-essenciais-rename. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  11. O que é a AME? Disponível em: https://iname.org.br/a-atrofia-muscular-espinhal/. Acesso em 11 de novembro de 2021.

  12. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n° 205, de 28 de dezembro de 2017. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1486126/do1-2017-12-29-resolucao-rdc-n-205-de-28-de-dezembro-de-2017-1486122. Acesso em 11 de novembro de 2021.

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Sobre o autor
Luis Paulo Mendes Dias

Bacharel em Direito pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS). Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Especialista em Direito Internacional pelo Centro Universitário Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Especialista em Direito Público Aplicado pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Servidor público federal da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais - Analista Técnico de Políticas Sociais. Atuante nas áreas de Direito Público, Direitos Sociais, Direito Internacional e Direitos Humanos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luis Paulo Mendes. Judicialização do fornecimento de medicamentos.: Tema 500 do STF e a STP 803 (Zolgensma). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6715, 19 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94725. Acesso em: 5 dez. 2025.

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