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O dolo eventual de matar alguém

Resumo:


  • O dolo de matar pode ser direto ou eventual, sendo este último uma forma mais tênue de dolo.

  • No dolo direto, o homicida atua com consciência e vontade de causar a morte da vítima.

  • No dolo eventual, há vontade apenas na conduta, com a previsão efetiva do resultado letal, mesmo que não desejado diretamente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Só é possível falar de dolo eventual diante de efetiva antevisão do resultado que pressupõe uma situação real de exposição do bem da vida a risco de dano?

Segundo a lei penal, o dolo de matar, elemento subjetivo do crime de homicídio, pode ser direto ou eventual, numa equiparação entre a conduta de quem conscientemente assume o risco de matar (eventual) e a conduta intencionalmente dirigida à produção do resultado morte (direto).

Se diferença entre estas classes de dolo pode ser feita, é no campo da dosimetria da pena. Sendo o dolo eventual a forma mais tênue de dolo, a reprimenda penal a quem atua com dolo eventual de matar não deve ser mais gravosa do que a reprimenda aplicada a quem mata com dolo direto.[1] Incomparável, apesar das mesmas centenas de mortes, o dolo eventual de matar ao dolo genocida ou terrorista, por exemplo.

Diz-se dolo direito, quando o homicida atua com consciência e vontade em fazer da sua conduta a causa eficiente da morte da vítima. Saca a arma e efetua tantos tiros quanto necessários forem para causar a morte do desafeto.

Significa o querer matar, a conduta intencionalmente dirigida à destruição da vida alheia. No dolo direito há consciência e vontade na conduta, consciência e vontade na morte, consciência e vontade em fazer da conduta a causa eficiente da morte da vítima.

Já no dolo eventual, há vontade apenas na conduta. Na morte e no nexo de causa e efeito, há somente consciência, porquanto, se vontade também houvesse, o dolo seria direto e não eventual.

Configura-se quando, diante de uma situação real e não meramente hipotética, prevê a eventual produção da morte de alguém como efeito concomitante da sua conduta (pela natureza e forma de utilização dos meios de execução) e mesmo assim dela não desiste por prevalência de uma vontade incondicional em realizá-la.

Pode até rezar ou torcer para que o resultado letal não se produza, mas nem por isso deixa de apontar o revólver para a cabeça da vítima, girar o tambor que possui um único projétil e acionar o gatilho que dispara o tiro mortal, como ocorre na roleta russa.[2]

Porém, considerando que a partir daí perde inteiramente o controle do nexo, sem mais condições para pessoalmente interferir na relação de causa e efeito,[3] a ordem jurídica reconhece tenha o homicida consentido com o que viesse a ocorrer, tomado para si o resultado morte eventualmente produzido, porque é uma forma de querê-lo indiretamente e o querer indireto é querer tanto quanto o querer direto.

Portanto, dolo eventual de matar não decorre de uma mera e teórica possibilidade de produção da morte de alguém por causa de uma conduta de risco. Não é previsibilidade desta causalidade, como algo possível de ser antevisto, mas previsão, efetiva antevisão do resultado que pressupõe uma situação real de exposição do bem da vida a efetivo risco de dano, da qual o point of no return é a evidência máxima, uma vez que o resultado ocorrerá sem que sejam viáveis ulteriores intervenções do autor.

Exemplificativamente, sem a previsão concreta do risco de incêndio, que somente surge a partir da realidade fática vivenciada pelo agente diante da cena em que alguém aciona artifício pirotécnico em prédio cujo teto é forrado por espuma, os resultados lesivos decorrentes são autênticas obras da negligência, pois os descuidos com as normas de segurança e combate a incêndio até então não haviam protagonizado riscos mortais no plano concreto da realidade fática, e o dolo, inclusive eventual, deve ser um querer direto ou indireto contemporâneo e não antecedente à conduta que se queira qualificá-la como tal.

Enfim, a configuração do dolo eventual exige perigo atual e concreto de matar criado pela conduta, diante do qual o agente, por insensibilidade, indiferença e egoísmo, desdenha da vida humana ao preferir pelo risco em detrimento da prudência.

Nessas circunstâncias, aos olhos da lei penal, consente com a eventual conversão do risco em dano, da vida em morte, e esses dois aspectos, intelectivo e volitivo, formam a base do dolo eventual de matar. 


[1] STJ: Não é razoável punir mais severamente o agente que atua com dolo eventual se comparado àquele que age com dolo direto HC 115.691-PR, Sexta Turma, relator Ministro Og Fernandes, julgado em 17/12/2009 e acórdão publicado no DJE de 22/02/2010.  

[2] Roleta russa é um jogo de azar, retratado nos filmes The Deer Hunter e One Eight Seven.  Há a chance de 1 em 6 (ou 17%) de o revólver disparar a bala, quando possui seis câmaras e um só projétil. A forma do jogo pode ser tão variada quanto o número de participantes e os motivos de participarem. Mas, objetivamente, envolve a colocação de um cartucho numa das câmaras de um revólver, cujo tambor depois é girado e fechado, sem que a localização do projétil seja desconhecida, e o participante leva a arma contra sua cabeça e aciona o gatilho, correndo o risco de morrer.

[3] Qual a confiança que ele, racionalmente, poderia ter quanto à não-ocorrência do resultado morte, sabendo-se que a simples esperança é completamente inócua quando não socorrem possibilidades objetivas e suficientes? De natureza estatística, probabilidade ou boa sorte da vítima?

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Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Carlos Otaviano Brenner. O dolo eventual de matar alguém. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6747, 21 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95524. Acesso em: 22 dez. 2024.

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