Artigo Destaque dos editores

Violência no futebol: A responsabilidade civil das entidades esportivas e das torcidas organizadas

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

5 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS TORCIDAS ORGANIZADAS

Conforme explicado anteriormente, as torcidas organizadas são pessoas jurídicas próprias, no âmbito do direito privado, possuindo assim o seu próprio CNPJ, estatuto regente, composição de diretoria, entre outras situações. Também, mediante exigência do artigo 2º-A do Estatuto de Defesa do Torcedor, todas as torcidas organizadas devem manter um cadastro atualizado de seus associados ou membros, juntamente com informações documentais destes.

O direito à associação a estas organizações é, inclusive, previsto mediante a Carta Magna brasileira, pois em seu artigo 5º, inciso XVII, descreve-se que é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. É claro que de uma torcida organizada incialmente se espera apenas uma forma de diversos torcedores se reunirem para apoiares uma agremiação de desporto a qual tenham afinidade em comum.

Assim, mesmo diante da criação das torcidas organizadas num primeiro momento tenham sido formadas para fins de atividades lícitas e pacíficas, muitas vezes seus integrantes tomam atitudes que desvirtuam o caráter originário ao qual foram criadas, tendo em vista os inúmeros incidentes ilícitos aos quais seus nomes estão ligados.

Desta forma, o conceito formado pela opinião pública de maneira geral com relação às torcidas organizadas é costumeiramente relacionado à violência, vandalismo e infrações diversas. É comum encontrá-los antes das partidas entoando canções repletas de palavras de baixo calão ou de provocações aos torcedores de equipes rivais, sendo alguns destes até considerados espécies de ameaças.

O grande movimento realizado pelos órgãos de segurança pública para estádios, regiões próximas e possíveis trajetos para que haja ao menos tentativa de conter eventuais conflitos violentos já são praxes nas cidades em que ocorrem partidas de grande magnitude, o que corrobora com a percepção antipática quanto aos torcedores uniformizados.

Em termos legais, mediante as situações descritas, existe no Estatuto de Defesa do Torcedor previsões para responsabilização das TOs nas situações em que estas acabarem causando danos e depredação nas situações concernentes aos eventos desportivos frequentados, sendo a principal descrita pelos artigos 39-A, 39-B e 39-C, cujos dizeres seguem:

Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 5 (cinco) anos.

Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.

Art. 39-C. Aplica-se o disposto nos arts. 39-A e 39-B à torcida organizada e a seus associados ou membros envolvidos, mesmo que em local ou data distintos dos relativos à competição esportiva, nos casos de:

I - invasão de local de treinamento;

II - confronto, ou induzimento ou auxílio a confronto, entre torcedores;

III - ilícitos praticados contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos e jornalistas voltados principal ou exclusivamente à cobertura de competições esportivas, mesmo que, no momento, não estejam atuando na competição ou diretamente envolvidos com o evento.

As suspensões do artigo 39-A, são costumeiramente aplicadas no âmbito do futebol brasileiro, de modo que diversas torcidas organizadas estavam proibidas de adentrar os estádios mesmo antes da pandemia da COVID-19, a qual impõe partidas com portões fechados devido a questões sanitárias e de saúde pública.

Mas o que vale maior destaque é o que está preconizado no artigo 39-B. Por meio dele, fica estabelecido que a responsabilidade das torcidas organizadas em reparar os danos causados por seus associados será solidária, implicando ainda na responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa dos agentes causadores.

Muitas vezes, os órgãos julgadores entendem que de fato há um distanciamento da finalidade das torcidas, pois, ao invés de torcer, o que se observa é a associação dos seus membros para a prática de delitos e vandalismo, de modo que acabam facilitando para que os entendimentos de tribunais sejam favoráveis ao afastamento dos torcedores uniformizados dos estádios.

No estado de Goiás, em ação civil pública movido pelo MP da respectiva unidade da federação, foi determinada a suspensão de três importantes agremiações de torcidas da capital Goiânia, quais sejam: Força Jovem Goiás, do Esporte Clube Goiás; Torcida Esquadrão Vilanovense, do Vila Nova Futebol Clube; e Torcida Dragões Atleticanos, do Atlético Clube Goianiense.

Conforme depreendido do relatório proferido no recurso de apelação cível sob nº 0050039-65.2013.8.09.0051, a decisão de primeiro grau foi pela suspensão das três supramencionadas organizadas, de maneira que todas se mostraram inconformadas e apelaram ao TJ-GO. O inconformismo se deus principalmente nas questões relativas à violação do direito de associação e de reunião para fins lícitos, bem como da liberdade de expressão relacionadas à criação das torcidas organizadas, bem como caráter lícito de suas atividades, em observância à liberdade de associação.

No acórdão, ficou definido que não há que se falar em ofensa aos princípios fundamentais alegados pelas apelantes, bem como foi relatado que membros das três torcidas organizadas costumeiramente participavam de condutas ilícitas, configurando desvio de finalidade e abuso do direito constitucional de associação. Por fim, ainda destacou a previsão de responsabilidade e penalidade a estas associações, conforme se depreende da ementa demonstrada:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TORCIDAS ORGANIZADAS. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. CONDUTAS ILÍCITAS DE SEUS MEMBROS. COMPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES. INTERVENÇÃO JUDICIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DAS ASSOCIAÇÕES. ESTATUTO DO TORCEDOR. 1 - Consoante o disposto no artigo 5º, XVII, da Constituição Federal, é plena a liberdade de associação para fins lícitos. 2 - In casu, restou comprovado nos autos que as requeridas/apelantes, ao contrário do objetivo para as quais foram criadas, têm se enveredado pelo caminho da ilicitude, através das condutas ilegais de seus membros, configurando desvio de finalidade e abuso do direito constitucional de associação. 3 - A suspensão das atividades das torcidas organizadas não configura qualquer ofensa a princípio fundamental, eis que prevista constitucionalmente, sendo inadmissível na hipótese, a prevalência do direito à associação em detrimento do direito à vida e à segurança. 4 - O Estatuto do Torcedor prevê a aplicação de penalidade na prática de condutas ilícitas, bem como a responsabilidade da associação pelos danos que seus associados executam em seu nome. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.

(TJ-GO - AC: 500396520138090051, Relator: DES. ALAN S. DE SENA CONCEICAO, Data de Julgamento: 15/12/2016, 5A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2194 de 23/01/2017)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Como a lei é clara no tocante a esta responsabilidade civil objetiva e solidária aplicada às torcidas uniformizadas, é totalmente plausível que seja ajuizada ação indenizatória contra àquela torcida que tenha causado o dano, de maneira que esta ficará obrigada a ressarcimento na extensão daquilo que danificou e prejudicou o sujeito que propõe o cotejo judicial.

Situações assim já ocorreram inclusive com a própria entidade desportiva requerendo ressarcimento de uma de suas organizadas. Um destes exemplos ocorreu no estado do Paraná, envolvendo o Club Athlético Paranaense (à época denominado por Club Atlético Paranaense) e uma de suas principais organizadas.

Na data de 27 de julho de 2017, por ocasião da partida disputada entre Athlético Paranaense e Grêmio, alguns membros da torcida organizada Os Fanáticos teriam invadido instalações o estádio Joaquim Américo Guimarães, localizado na cidade de Curitiba (PR), popularmente conhecido como Arena da Baixada, e então depredado vários utensílios de segurança ali instalados, como catracas e placas de sinalização. Essa situação fez com que o clube registrasse boletim de ocorrência por incitação ao tumulto e dano ao patrimônio junto à Delegacia de Polícia Móvel de Atendimento ao Futebol.

A agremiação alegou, ainda, que precisou realizar a locação de novas catracas para a realização de eventos previstos nas instalações do estádio, bem como a partida de futebol que seria ali realizada contra o Avaí Futebol Clube uma semana depois dos incidentes.

Não obstante, alegou que teria firmado pacto com a réu e outra de suas torcidas uniformizadas, a Ultra, mediante termo de compromisso para que ambas se comprometeram a evitar desordem e violência nos jogos da agremiação, bem como ajudassem a promover medidas de segurança durante as partidas realizadas sob mando do Athlético Paranaense, sob pena de responderem administrativa, civil e penalmente pelos danos materiais, morais e à imagem do clube.

Condenada em primeiro grau para a reparação da soma de R$83.000,00 (oitenta e três mil reais), a Torcida Organizada Os Fanáticos interpôs recurso de apelação para questionar a existência de demonstração dos danos alegados contra ela e do nexo de causalidade entre eles e a conduta dos torcedores, bem como nulidade da sentença por falta de apreciação de todos os argumentos, e cerceamento de defesa por ausência de realização de prova testemunhal.

O entendimento da 10ª Câmara Cível foi pelo conhecimento do recurso, mas parcial provimento apenas em razão da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, de maneira que a condenação da apelante para ressarcimento dos valores apresentados na exordial, conforme depreende-se da ementa do acórdão proferido no caso:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INVASÃO DE MEMBROS DE TORCIDA ORGANIZADA NAS DEPENDÊNCIAS DO ESTÁDIO DE FUTEBOL DO CLUBE AUTOR. DANOS ÀS CATRACAS DE SEGURANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. RESPONSABILIDADE DA ASSOCIAÇÃO REQUERIDA PELOS DANOS OCASIONADOS AO ESTÁDIO DO CLUBE AUTOR.

RECONHECIDAMENTE PERTENCENTES À TORCIDA OS FANÁTICOS INVADIRAM O LOCAL, DEPREDANDO CATRACAS DE SEGURANÇA. CLUBE DEMANDANTE QUE DEMONSTROU OS DANOS MATERIAIS ALEGADOS. JUNTADA DE COMPROVANTES DE PAGAMENTO DE CONSERTO E DE LOCAÇÃO DE NOVAS CATRACAS. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJPR - 10ª C.Cível - 0020385-52.2017.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira - J. 24.10.2019)

(TJ-PR - APL: 00203855220178160001 PR 0020385-52.2017.8.16.0001 (Acórdão), Relator: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira, Data de Julgamento: 24/10/2019, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2019)

Desta maneira, fica comprovado em casos concretos cobre como as chamadas torcidas organizadas, relacionadas às mais variadas entidades desportivas, acabam sendo responsabilizadas e condenadas pelos danos que causam em seus atos de vandalismo e arruaça.

Não só o Estado, por intermédio do MP, consegue agir para conseguir o ressarcimento ou reparação desejados, mas qualquer lesado por elas pode requerer judicialmente quando forem prejudicados, mesmo que ele seja a própria entidade desportiva ao qual a torcida organizada demonstra seu apoio e sua torcida nas partidas e eventos.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Cainã Pereira Mariano

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Bruno ; MARIANO, Cainã Pereira. Violência no futebol: A responsabilidade civil das entidades esportivas e das torcidas organizadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6749, 23 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95554. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos