13. Os rios são bens dos Municípios? Município pode legislar sobre os rios?
Não. A Constituição Federal divide entre a União e os Estados o domínio da água, da seguinte forma: 1 são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (CF art. 20, inciso III); 2 são bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, na forma da lei, as decorrentes de obras da União (CF, art. 26, inciso I).
Assim, deve-se considerar que uma eventual legislação municipal sobre APP ciliar pode impactar em um bem (rio) de domínio da União ou dos Estados. Há grande possibilidade de determinada legislação federal sobre um curso hídrico conflitar com a legislação municipal. É certo que a mata ripária compõe o próprio rio (curso d'água), pois são elementos naturais indissociáveis. A bacia hidrográfica é uma unidade territorial que atrai tratamento homogêneo pelo Direito Ambiental.
Muito embora a jurisprudência permita que os Municípios legislem no sentido de ampliação de APP ciliar para a proteção ao Meio Ambiente (Tema 145 do STF), a competência material sobre as águas é atribuída a União e aos Estados.
Ainda que assim não fosse, o artigo 4° da Lei 9.433/1997 estabelece: A União articular-se-á com os Estados tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum.
Também, nos termos do art. 8º, da Lei nº 6.938, de 1981, compete ao Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Cabe registrar que a matéria envolve gerenciamento de recursos hídricos e compete a ANA (Agência Nacional de Águas) implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, inclusive com apoio aos Estados e Municípios, a teor do art. 4° da Lei 9.984/2000.
Conclui-se que o Município não pode legislar sobre rios, considerando que estes são bens da União e dos Estados conforme estabelece a CF.
14. Poderia o legislador municipal, em tese, extinguir a APP ciliar? Ou reduzir a distância para menos de 30 metros?
Não. Mesmo que houvesse competência legislativa do Município, a CF proíbe a vedação ao retrocesso ambiental. O sistema jurídico não permite a regressão de direitos sociais. Nesse sentido o STF já se pronunciou no julgamento da ADI 4717/DF. Vejamos:
As alterações promovidas pela Lei 12678/2012 importam diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental , pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225. da Constituição da Republica.
(STF. Plenário. ADI 4717/DF. Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/04/2018).
Destarte, conforme o entendimento do STF, não pode o legislador municipal reduzir a área delimitada mínima de APP fixada no Código Florestal.
15. Os Municípios possuem capacidade técnica para legislar e fiscalizar APP?
Dos 5.770 Municípios existentes no Brasil, apenas 14,5% possuem o Plano Diretor. Esta estatística revela a precariedade urbanística brasileira. Há nítido desaparelhamento dos Municípios no que tange a falta de quadros técnicos com engenheiros, urbanistas e geólogos para cuidar de expansão urbana. Ainda, os próprios parlamentares locais não possuem assessoria legislativa sobre questões urbanísticas complexas.
Também sabemos da infinita criatividade dos nossos legisladores. É conhecido o caso da Lei 45/2011 do Município de Ápura (Bahia), que objetivou, auspiciosamente, revogar o art. 29. da Constituição Federal. O erro legislativo foi tão grosseiro que ensejou a instauração de um inquérito civil sobre improbidade administrativa.
As legislações municipais sequer se harmonizam com as constituições estaduais. Conforme edição do Anuário da Justiça de São Paulo 2020/2021, o TJSP, através do Órgão Especial, julgou 728 leis municipais, sendo que 87% delas foram julgadas inconstitucionais. Trata-se de índice elevado que revela a gravíssima falta de técnica legislativa, sem contar o desperdício de dinheiro público.
Verifica-se que os Municípios não possem capacidade para legislar sobre APP ciliar ante a complexidade do tema.
16. O Poder Judiciário possui condições de declarar a inconstitucionalidade da Lei Nova?
A experiência recente em análise de constitucionalidade de matéria ambiental revela grave ineficiência jurisdicional. O Novo Código Florestal foi promulgado em 25/05/2012. Dos 80 artigos da referida lei, 54 tiveram a sua constitucionalidade contestada no STF (ADC 42 e ADIs 4901,4902,4903 e 4937). O julgamento das ADI's ocorreu apenas em 12/08/2019, ou seja, após 7 anos de vigência da lei. Durante 7 anos a sociedade brasileira não tinha certeza da validade do Novo Código Florestal. Verifica-se que o decurso de tempo implica em grave insegurança jurídica e pode trazer danos ambientais irreversíveis.
O exemplo supracitado indica que o STF não possui capacidade de examinar, de forma colegiada, matérias urgentes. Sabemos que as tutelas provisórias em ADIN são examinadas superficialmente e monocraticamente, com possibilidade de serem revertidas pelo Pleno, perpetuando ainda mais a insegurança jurídica.
No âmbito do controle difuso impera o caos. O exame de constitucionalidade exercido pelos juízes de primeiro grau permite uma pluralidade de decisões que não dão isonomia na aplicação da lei. Juízes da mesma Comarca (Município), a depender do entendimento, podem proferir decisões distintas para casos idênticos envolvendo o mesmo Município.
Assim, a prática revela que o Poder judiciário não possui condições de analisar a constitucionalidade de matérias urgentes.
17. Conclusão
Conclui-se que a Lei 14.285/21 é flagrantemente inconstitucional ante a incompetência material dos Municípios. Ainda, no campo prático, verifica-se que as Prefeituras, em sua maioria, não possuem estrutura técnica que permita legislar sobre APP ciliar e urbanização.
Por sua vez, o Poder Judiciário não conseguirá, de forma célere, declarar a inconstitucionalidade da Lei 14.285/21. Neste contexto desfavorável, cabe a sociedade brasileira exercer a fiscalização sobre os projetos de leis em cada município. É necessário que haja engajamento das pessoas no sentido de não permitir o retrocesso legislativo, considerando que já estamos em um avançado estágio de degradação ambiental.
Merece registro o alerta realizado pelo Cientista da USP, Dr. PhD, Antônio Donato Nobre, membro do INPE, em audiência pública sobre a constitucionalidade do Código Florestal realizada pelo STF, em 19/04/2016, nos seguintes termos:
...Cortamos 2.000 mil árvores por minuto nós últimos 40 anos... então já há um julgamento em curso pois o desmatamento acumulado está encontrando no clima um juiz que sabe contar árvores e que não esquece e nem perdoa...
(Sítio Youtube; visualizado em 31/12/2021. https://www.youtube.com/watch?v=nKHnuvDxfyk).