Resumo: Com a crescente atuação do Ministério Público junto ao Poder Judiciário na busca de investigar e combater a corrupção que se instalou dentro da Administração Pública nas suas relações com outras entidades, os programas de Compliance acabaram ganhando destaque nacional. Os seus mecanismos passaram a ser debatidos com mais afinco a partir da Lei Anticorrupção, como forma de delinear uma conformidade de atuação nas relações das mais variadas entidades com a Administração Pública. Assim, se faz necessário averiguar quais de seus institutos podem ser aptos a evitar, investigar e solucionar qualquer desvio, risco ou discordância, minimizando potenciais atitudes ilícitas que possam afetar a contratação entre a Administração Pública com entidades da esfera privada ou pública. Dessa forma, a delimitação do tema esbarra nos esclarecimentos que se pretende aqui fazer acerca do Compliance, e quais de seus institutos podem corroborar para a melhor da integridade no momento em que ocorre a contratação de entidades pela Administração Pública.
Palavras-chave: Aplicação do Compliance. Administração Pública. Contratações e Concessões.
1 INTRODUÇÃO
Cotidianamente se tem debatido sobre os problemas de gestão que regem a Administração Pública, crescendo a atenção sobre um assunto que até então era privativo das grandes corporações empresariais, o Compliance. Objetivando esclarecer sobre este instituto, cada vez mais presente nas relações institucionais, o presente artigo explana, primeiro, apontamentos acerca do que é a Administração Pública para, então, se debruçar sobre a história do Compliance e sua viabilidade de implementação dentro da Administração Pública, especialmente quando esta realiza contratações de empresas.
Na tentativa de prevenir a prática de atos ilícitos que ganharam notoriedade mundial, as boas práticas de governança corporativa e, consequentemente, a adoção do instituto denominado compliance, tomaram força no cenário nacional, inflamando ainda mais a curiosidade e a discussão acerca desta nova realidade que carrega em seu seio íntimas ligações com a conformidade jurídica.
Em razão das reiteradas práticas ilícitas entre a Administração Pública e entidades privadas é que adveio a Lei nº 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, na tentativa de acalmar os ânimos do mercado econômico e dos cidadãos. Desta maneira, se buscará esclarecer as raízes históricas e o significado dos programas de compliance, até desembocar no atual cenário nacional onde o instituto passou a constar da (na) referida Lei pátria.
Assim, se abordará o desenvolvimento dos programas de compliance e a sua raiz no cenário mundial, tendo como seus principais precursores a FCPA (Foreing Corrupt Practices Act), nos Estados Unidos e a UKBA (United Kingdom Bribery Act), no Reino Unido, as quais buscam a aplicação de sanções penais, cíveis e administrativas às empresas que praticam ou tentam praticar suborno de autoridades públicas nacionais ou estrangeiras. Foi esse o cenário que fez surgir o esforço em implementar regras de integridade interna norteadoras das atividades empresárias dentro e fora dos territórios onde as leis foram promulgadas.
Como se observará, o ordenamento jurídico brasileiro, de há muito, incentiva as empresas a adotarem procedimentos internos de conformidade, porém, o Compliance se materializou a partir da entrada em vigor da Lei Anticorrupção. Assim, haja vista as previsões de controle já existentes no Brasil, a previsão expressa pela adoção de programas de compliance é um avanço a ser considerado. Contudo, ainda há mudanças necessárias a serem feitas, principalmente no que tange às contratações públicas, o que será elucidado neste trabalho.
À vista dessa nova realidade é que se investiga os programas de compliance que podem contribuir para um ambiente mais ético dentro da relação jurídica entabulada entre empresa e Administração Pública, principalmente quando ocorre a concessão ou contratação de obras e serviços públicos, utilizando-se para este estudo do método indutivo e de abordagem qualitativa.
2 DO CONCEITO DE COMPLIANCE.
A partir do exposto, é possível verificar que o instituto do compliance nasce de uma realidade onde o mercado e o próprio governo buscavam meios de estabelecer um ambiente de negócios mais estruturado dentro das normas legais, bem como as empresas pudessem propulsionar suas atividades de maneira mais eficiente, adotando técnicas avançadas de gestão e relações humanas afim de evitar sanções, perdas monetárias ou baixo renome no mercado.
Nesse sentido, levando em consideração o significado da própria palavra, Bertocelli ensina:
o termo compliance tem origem no verbo inglês to comply, que significa agir de acordo com a lei, uma instrução interna, um comando ou uma conduta ética, ou seja, estar em compliance é estar em conformidade com as regras internas da empresa, de acordo com procedimentos éticos e as normas jurídicas vigentes.
Acrescenta ao conceito, Vanessa Alessi Manzi (2008, p.15), que:
significa cumprir, executar, satisfazer, realizar algo imposto. Compliance é o ato de cumprir, de estar em conformidade e executar regulamentos internos e externos, impostos às atividades da instituição, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal.
De pronto, percebe-se que a definição deste instituto deve ir muito além do seu significado, pois a sua razão de existir está muito distante de ser apenas um singelo cumprimento de regras e leis. Se assim fosse, não haveria a necessidade de tantos embates sobre o assunto, sendo bastante a observância das normas legais.
É nesse compasso que Eduardo Saad e Renato de Mello Silveira (2015, p. 255) asseveram:
Orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a diminuição dos riscos da atividade. Sua estrutura é pensada para incrementar a capacidade comunicativa da pena nas relações econômicas ao combinar estratégia de defesa da concorrência leal e justa com as estratégias de prevenção de perigos futuros.
A partir dos parâmetros supramencionados, o compliance integra procedimentos de controle de riscos e preservação de valores intangíveis que deve ser coerente com a estrutura societária, o compromisso efetivo da sua liderança e a estratégia da empresa(Bertocelli, 2018), almejando o desenvolvimento da confiança, segurança jurídica e um ambiente negocial mais justo, não se limitando a ser apenas uma norma de conduta.
Segundo Volkov (2015), os programas de compliance têm duas funções principais: 1) promover uma cultura positiva, ética, na empresa, construindo a marca, aumentando os lucros e o orgulho dos em pregados em fazer parte dela. Isso tem reflexos externos também, porque constrói a confiança nos consumidores, fornecedores, na mídia, projetando uma boa imagem no mercado, aumentando sua atratividade para investimentos (especialmente se a empresa tiver ações em bolsa); 2) proteger a empresa de riscos que vão além das investigações e ações penais, e trazem abalo à imagem e ao valor das ações da empresa no mercado, afetando ainda a cultura da empresa como um ativo que promove o comportamento ético dos altos executivos, dos gerentes e dos empregados.
Com isso, cumpre alertar que os programas de Compliance devem refletir uma realidade, e não um mero subterfúgio para burlar e iludir autoridades, o ambiente negocial, e a sociedade como um todo, valendo observar o artigo 167, do Código Civil, o qual dispõe sobre a nulidade de ato jurídico simulado.
Por fim, o Compliance não pode ser confundido com o que se chama de Governança Corporativa, sendo o segundo uma forma de dirimir e solucionar problemas internos da própria gestão do negócio. Enquanto o primeiro instituto cuida das normas a serem obedecidas pela empresa e seus agentes, sendo um verdadeiro pilar da Governança, este, basicamente, é o sistema pelo qual as companhias são dirigidas e controladas (VERÍSSIMO, 2017, p. 100).
Justen Filho (2016) cita conceito pontual de Paulo Osternack acerca de Governança Corporativo:
Governança corporativa consiste no conjunto de políticas e práticas orientadas a conferir maior transparência, estabelecer mecanismos de controle, estimular e garantir a atuação ética dos envolvidos, minimizar potenciais conflitos, agir em conformidade com as regras (internas e externas), enfim, aumentar a confiabilidade da companhia no mercado, mediante a valorização da empresa e a proteção das partes interessadas (stakeholders), dos investidores, dos empregados, do mercado e dos credores.
Vê-se que a governança está para à instrumentalização da gestão, imprescindível para o bom funcionamento da entidade, instituto essencial para que a administração desenvolva suas ações sem se desviar das finalidades que lhes foram dadas. O Compliance e a Auditoria Interna são também institutos diferentes, os quais vale a pena diferenciar para se entender melhor o tema, onde, segundo Simonsen (2016, p. 71)
O compliance é uma área de controle, com ações rotineiras e permanentes. Já a auditoria interna é uma área de verificação, com ações temporais, de acordo com uma matriz de risco operacional. Enquanto a auditoria interna atua como uma consultoria que agrega valor, verifica e sugere melhoria nos processos, o compliance desenvolve, implementa e executa os processos de controle.
Desse modo, a Auditoria Interna é uma atividade que avalia e consulta os valores internos e as operações da entidade, de forma independente, para verificar se a consecução dos objetivos está alcançando os resultados esperados, podendo avaliar a eficácia da gestão de risco e dos processos internos de Governança Corporativa afim de melhorá-los (Associação Brasileira de Bancos Internacionais, 2003).
Resumindo, o compliance irá verificar se tanto o ordenamento jurídico quanto às normas internas estão sendo seguidas, estudando meios de implementar novos modelos e torná-los efetivos, enquanto a auditoria irá analisar e avaliar se os processos internos adotados de fato funcionam e, a partir disso, quais riscos que ainda rondam a instituição e podem ser combatidos.
3 PROGRAMAS DE COMPLIANCE APLICÁVEIS ÀS CONTRATAÇÕES E CONCESSÕES COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Com o crescimento do setor empresarial pela inegável demanda que se impôs com o mundo voltado para o consumo, a fiscalização do mercado se fez cada vez mais difícil e complexa, sendo preocupação do próprio Estado o seu controle, o que o levou a editar as mais diversas normas para controlar minimamente o setor econômico.
O compliance sob o lume do tema das licitações e contratações com a Administração Pública precisa ser encarado muito além de se esquivar de responsabilidade legais, e sim uma obrigação não só do contratado, como também da Administração-Contratante em desenvolver os mecanismos que possam diminuir e erradicar a ocorrência global de ilícitos quando do procedimento licitatório e da contratação de terceiros.
A crescente atuação das entidades privadas apoiando o Estado na consecução do interesse público, somada com a alavancagem da criação de instituições (exemplo é o Tribunal de Constas da União) que promovem o controle e fiscalização das ações de suas autoridades internas (accountability), exigem dessas entidades a solidificação de terreno mais estável no âmbito profissional, com padrões éticos bem definidos.
À vista dessa nova realidade é que se investiga os programas de compliance que podem contribuir para um ambiente mais ético no momento da concessão ou contratação de empresas pela Administração Pública. Apesar de a Lei Anticorrupção trazer inovações quanto ao tema do compliance, estabelecendo uma atenuação na pena culminada, por outro lado deixou de se aprofundar no tema da própria responsabilização jurídica das empresas, sendo que o assunto ali tratado já consta majoritariamente em leis que a precederam como, por exemplo, a lei de improbidade.
E por haver limitações técnicas e de custo em a Administração promover a fiscalização completa das empresas, passou a incentivar a autorregulação e a valorizar, quando da fiscalização pública, a existência de sistemas próprios de autorregulação privada. (Sundfeld, 2016, p. 93). Por isso muitas empresas buscam desenvolver um controle que seja complementar ao realizado pelo Estado, seja por um controle interno próprio, seja com empresas autônomas para esse fim.
Impende destacar que a efetividade dos programas de compliance, seja na empresa ou dentro do Estado, passa pela implementação efetiva de um programa de integridade, conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção, como destaca o Manual para implementação de programas de integridade (Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, 2017, p.06).
Mas não é apenas isso; para que se contemple a concepção de efetividade na Administração Pública, deve-se também exigir que os programas de integridade concretizem políticas e diretrizes buscando sempre a melhor aplicação possível dos recursos disponíveis (e quando se fala em recursos, está-se a incluir os mais variados aspectos da estrutura organizacional, tais como: formas de trabalho, matéria-prima e observância das normas jurídicas, éticas e morais). (Losinskas; Ferro, 2018, p. 644)
Afinal, busca-se a efetividade justamente porque o ordenamento jurídico conta com diversos mecanismos que buscam prevenir e punir a corrupção dentro da esfera da Administração Pública que, no entanto, carecem de formas concretas, haja vista, não raras vezes, se noticiarem mais e mais casos desta prática inescrupulosa.
Grande exemplo da necessidade de se repensar no compliance no setor público se dá em razão da Operação Lava Jato, onde a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário destaparam a gravidade da corrupção que levou dos cofres públicos bilhões de reais envolvendo a Administração Pública e empresas estatais e privadas. Cumpre lembrar que:
O setor público brasileiro desenvolveu bastante, especialmente no decorrer das quatro últimas décadas, a experiência de controles públicos, externos e internos, sobre a administração pública. No controle externo, temos os Tribunais de Contas, que são autoridades independentes de auditoria, os MPs, autoridades independentes de investigação e de provocação da Justiça, e o próprio Poder Judiciário, que aplica sanções cíveis e penais por falhas cometidas por agentes públicos. No controle interno, temos corregedorias e controladorias administrativas, que investigam e aplicam sanções administrativas. Temos a CGU, no âmbito federal, e os órgãos de advocacia pública, que atuam na prevenção, como a Advocacia-Geral da União (AGU), na esfera federal, e as Procuradorias Gerais, na esfera estadual. (Sundfeld, 2016, p. 98).
O compliance teve a sua origem dentro do mundo corporativo de entidades privadas e, por isso, há de se ter cautela sobre o debate de aplicação deste instituto dentro da seara pública, haja vista ser necessário observar as suas peculiaridades, buscando sempre ampará-la nos princípios que a regem, podendo implementar os programas de integridade que se apontará a seguir.
Não é demais lembrar que o compliance, quando relacionado à área privada, busca diminuir os riscos de conflitos com o ordenamento jurídico, se prevenindo de eventuais demandas judiciais, bem como estudar maneira mais eficientes e menos burocráticas de exercer a sua atividade, como, por exemplo, através de estudos tributários que mostrem vantagens e desvantagens da venda de determinado produto.
Como bem lembrado por Fichtner (2016, p. 113), algumas atividades podem apresentar maiores riscos em cair em ilicitudes, como a participação em licitações, autorizações e permissões, obtenção de licenças e concessões de serviços públicos, e é visando impedir essas ilicitudes que os códigos de conduta ganham relevância, pois por meio deles se reafirmará os padrões de comportamentos dos integrantes da empresa.
Dessa forma, a implementação do compliance dentro da Administração Pública seria uma verdadeira quebra de paradigmas, uma vez que o modelo Estatal brasileiro é burocrático. Ainda, o cerne do instituto seria em estimular a previsibilidade dos atos da Administração e trazer à entidade a possibilidade de uma atitude mais positiva do que reativa afim de atender as novas necessidades sociais. (Giamundo Neto; Afonso Dourado; Hadlich Miguel, 2018, p. 623)
Os mesmos autores acima citados entendem, uma vez que a Administração passa a agir, o primeiro passo fundamental para a efetivação de uma política de compliance dentro da Administração Pública é a verdadeira consolidação dos códigos de conduta, a qual será responsável pela introdução da cultura de cumprimento de regras, valendo para todos os agentes, sem distinção. Na mesma esteira, pela adoção dos Códigos de Conduta, foi elaborada disposições pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, entrando em vigor no ordenamento pátrio por meio do Decreto nº 5.687/2006, estabelecendo em seu artigo 8º, item 2, acerca da importância desses para o melhor cumprimento das funções públicas, afirmando no art. 5º, item 3, a obrigação do Estado em avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas administrativas pertinentes a fim de determinar se são adequadas para combater a corrupção.
Códigos dessa natureza existem ainda de forma muito tímida, a exemplo do Código de Conduta da Alta Administração Federal estabelecido pelo Poder Executivo Federal, sendo concebido, nos termos de seu art. 2º, incisos I, II e III, para os Ministros e Secretários de Estado, titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível seis e presidentes e diretores de agências nacionais, autarquias, inclusive as especiais, fundações mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista.
O diretor técnico da FGV-projetos e doutor em economia pela FGV, Ricardo Simonsen (2016, p. 66), segue o mesmo sentido de que as normas de condutas internas devem ser incorporadas pela alta administração, como exemplo a ser seguido, devendo estas, e os canais de denúncia estarem em fácil acesso para todos, além de contar com tecnologia compatível e aberto a funcionários e a terceiros. Deve ter mecanismos de funcionamento precisos, amplamente divulgados e que assegurem a proteção aos denunciantes.
Quanto ao apoio e incorporação dos códigos de conduta pela Alta Direção, Simonsen (2016, p. 68) destaca outras formas de suporte pela Alta Direção ao programa, quais sejam:
(i) incorporação do assunto nos discursos e declaração explícita, interna e externa, da importância do compliance; (ii) destinação de recursos para a área; (iii) acompanhamento do programa de compliance; (iv) apoio às ações de investigação e punição; (v) adesão ao programa e participação em programas de comunicação.
Ainda, como aponta Fichtner, o código deve deixar claro quais são os valores corporativos adotados e indicar os canais pelos quais qualquer pessoa, seja integrante ou não da empresa, pode realizar qualquer denúncia, de forma anônima, com a possibilidade de acompanhamento da ocorrência e dos seus resultados (Fichtner, 2016, p. 113).
Assim, possibilita-se que as relações entre a empresa e a Administração Pública caiam na desconformidade, sendo possível penalidades em razão de violação das normas de conduta estabelecidas, uma vez que a postura proba e constante da Alta Administração é capaz de gerar confiança entre os agente internos e externos, o que acarreta um bom funcionamento do setor encarregado pelo programa de integridade e a segurança de terceiros em cooperar com estes.
Importante lembrar que os Códigos de Ética e Conduta são partes dos processos internos de integridade, os quais são capazes de atenuar as sanções provenientes da Lei Anticorrupção, consoante art. 7º, inciso VIII. Mesmo assim, apesar da tentativa de se implementar o referido instituto, que é apenas uma ponta de todo o aparato basilar do compliance, a efetividade destes ainda deixam a desejar, sendo cristalina a sua falência em minorar a corrupção e efetivar comportamentos éticos.
Como anotado, existem leis que estatuem os procedimentos mínimos de ética por parte dos agentes públicos, o que pode ajudar a incorporar um pensamento de valores dentro da entidade, assim, para existir efetividade é preciso que os Códigos de Conduta não só existam, mas sejam implementados no cotidiano da empresa e da Administração Pública. Essa atitude, como apontado pelos estudiosos apontados, pode se fortalecer por meio dos canais de denúncias que possam viabilizar a apuração de desvios não só da conduta estabelecida como ideal, como de demais infrações.
Quanto ao problema dos atos ilegais praticados entre administração pública a demais entidades, Giamundo Neto, Afonso Dourado e Hadlich Miguel (2018, p. 626) sugerem que para a efetivação desses programas de integridade os quais estão apoiados sobretudo nos códigos de conduta é preciso que existam canais de denúncias anônimos, para que se evite perseguições dentro da estrutura interna da Administração (pública ou privada), combinada com a previsão de um órgão independente apurar as violações ao Código, preponderando, assim, a imparcialidade das investigações.
Se, na inciativa privada, tem-se a figura do compliance officer, como o encarregado de assegurar a escorreita instituição e supervisão dos programas de compliance, na Administração Pública, igualmente, é impositiva a definição prévia de órgãos encarregados da apuração de violações.
Para esclarecer o que seria esse órgão independente capaz investigar possíveis violações, é pontual o ensinamento de Priscila Akemi Beltrame e Juliana Correia de Araújo (2018, p. 685):
Em relação a esse aspecto, relacionado a estruturas internas voltadas para a aplicação de políticas de prevenção à corrupção, também se identificam órgãos distintos encarregados de escopos específicos de um programa de compliance: de um lado, unidades de ética, responsáveis por atividades relativas à prevenção de corrupção, tais como conflitos de interesse, sistemas de declarações financeiras e proteção de medidas de retaliação, enquanto outros órgãos assumem funções investigativas e de supervisão, responsáveis pela detecção, investigação e por reportar alegações de atos de corrupção. A fragmentação de instâncias internas, que funcionam, muitas vezes, sem coordenação dos esforços, com dificuldades de aderências às conclusões e recomendações, representa um elemento de enfraquecimento do aspecto orgânico de um programa de compliance.
Logo, para assegurar a independência do setor responsável pelo compliance, este deve ser independente de qualquer outro setor da empresa, e deve responder diretamente ao seu órgão hierárquico mais elevado, a quem compete também controlá-lo, para que sejam evitados eventuais abusos de autoridade. (Fichtner, 2016, p. 113)
Com base nas ideias expostas, a implementação dos códigos de conduta para todos os agentes públicos indiscriminadamente pode se tornar ainda mais forte com a criação de canais de denúncias ligados à órgãos independentes para a averiguação de eventuais violações, sempre com a possibilidade de se garantir o anonimato e, assim, evitando perseguições internas, enquanto outro órgão interno fica incumbido de estudar e aprimorar os sistemas internos.
A título de exemplo, é possível citar o canal de denúncias criados pela Controladoria-Geral da União para que qualquer cidadão possa enviar informações relativas à prestação coronavírus (COVID-19) por meio do site Fala.BR, podendo relatar A falta de insumos hospitalares e de equipamento de proteção individual (EPI), bem como a desobediência às medidas de prevenção, são exemplos do que pode ser relatado.
Assim, nos mesmos parâmetros descritos acima, é possível criar site ou sítios eletrônicos que viabilizem denúncias, seja como forma de fortalecimento da própria instituição pública ou privada, seja para trazer maior efetividade para os Códigos de Conduta. Mais a Mais, outra característica dos programas de Compliance que podem encontrar remanso na Administração Pública é a implementação da transparência, afinal, como já estudado aqui, a história evolutiva da formação do Estado sempre foi quiçá ainda é avesso à dar ampla publicidade de suas práticas, sendo o accountability um fosso entre todas as esferas do Estado e o Cidadão.
A superação de tal distanciamento entre a Administração Pública e os cidadãos está relacionada à crise da democracia representativa nos mais diversos países ocidentais e, consequentemente, à conclusão da sua insuficiência para satisfação dos interesses dos atores sociais na formulação de políticas públicas. Nesse contexto é que Peter Häberle formulou o status activus processualis, que consiste no direito de participar no procedimento da decisão da competência dos poderes públicos (Giamundo Neto; Afonso Dourado; Hadlich Miguel, 2018, p. 628)
A obscuridade das informações na área administrativa é tão grave que foi preciso a edição da Lei nº 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação) na tentativa de superar este estigma, dando voz ao art. 5º, inciso XXXIII, art. 37, inciso II do §3º e art. 216, §2º, todos da Constituição da República, sendo regulamentada pelo Decreto nº 7.724/12.
No que tange à Lei nº 12.527/11, esta trouxe interessante diferença entre transparência passiva dever de promover acesso à informação e à transparência ativa um dever de dar transparência:
nesta, tem-se a divulgação proativa de informações por iniciativa do próprio setor público, isto é, quando são tornadas públicas informações, independentemente de requerimento; aquela é a hipótese em que há a disponibilização de informações públicas em atendimento a demandas específicas formuladas por uma pessoa física ou jurídica. (Giamundo Neto; Afonso Dourado; Hadlich Miguel, 2018, p. 630)
Assim, a nova perspectiva criada pela lei é a de tirar das mãos da própria Administração os critérios criados por ela mesma sobre o que lhe convém informar, de acordo com a sua pertinência, o que viola todo o sistema histórico e jurídico construído a duros passos na história mundial. Logo, à toda informação deve ser dada publicidade, colocando a salvo as exceções previstas em Lei, como, por exemplo, a de restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado (art. 4, inciso III, da Lei de Acesso à Informação).
Apesar do avanço, segundo balanço feito pelo Governo Federal, até a data desta pesquisa, se nota que os pedidos de informação são provenientes massivamente de pessoas com ao menos o ensino superior, correspondendo a um total de 60,79% de todos os requerimento, enquanto pessoas sem instrução encontra um percentual de apenas 0,73%.
Ademais, o artigo Os 5 anos da Lei de Acesso à Informação uma análise de casos de transparência, publicado pela Organização Não Governamental Article 19 (2017), trouxe balanço sobre a Lei de Acesso à Informação, levando em consideração os materiais contidos nos relatórios e pedidos de informação realizados pela ONG desde 2012, quando a Lei entrou em vigor. In casu, a Article 19, em síntese, expôs que entre os avanços está o volume de informações que passaram a ser acessíveis à população, novos mecanismos para a elaboração dos requerimentos de informações e o aumento no número de entes federativos que regulamentaram a Lei de Acesso à Informação.
Quanto aos desafios ainda existentes, a ONG aponta a pouca aderência dos órgãos públicos estaduais e municipais em contribuir com o acesso à informação, recorrentes exigências para a apresentação de dados pessoais fora dos ditames da Lei e as altas taxas de respostas de baixa qualidade. Para Joara Marchezini, coordenadora de Acesso à Informação da Article 19, o erro crucial que a Administração Pública comete é em não ter um órgão nacional independente e especializado no monitoramento da lei, e afirma:
A criação de um órgão que atue com independência em relação ao Executivo e que tenha a incumbência de exercer as funções de controle, acompanhamento e promoção da Lei de Acesso à Informação nas esferas federal, estadual e municipal certamente traria grandes benefícios para a prática da transparência entre os órgãos públicos brasileiros. Acreditamos que a aplicação insuficiente da lei que temos observado em alguns casos deriva justamente da ausência de órgão.
Embora não existente órgão nacional independente, outros foram criados para desempenhar a tarefa, ainda que não seja com a abrangência ideal de divulgação de dados. O artigo citado alhures lembra a existência de controladorias e ouvidorias que vêm desempenhando importante papel no início da aplicação da Lei de Acesso à Informação, como é o caso da Controladoria-Geral da União, a qual vem se esforçando em promover a transparência na gestão por meio do controle interno, auditorias, ouvidorias e outros mecanismos existentes. Contudo, Joara lembra que o referido órgão vem sofrendo rebaixamento no status político.
Para as empresas a necessidade de transparência e de confiança surge tanto para serem contratadas, como para manterem-se exitosas no mercado. Responsabilidade no desempenho do serviço contratado e diligência na prestação de contas tornam-se preceitos de legitimidade de ação das empresas junto à Administração Pública, onde o compliance passa a galgar altos patamares para sustentar todas essas ações.
Salta aos olhos como é desafiador a aplicação dos preceitos do Compliance dentro da Administração Pública, pois, muitas vezes, esbarra em um modelo Estatal totalmente burocrático, onde os muitos agentes públicos detentores do Poder agem como verdadeiros donos da coisa pública. A implementação das ideias do compliance na Administração Pública necessariamente passa pela possibilidade de o cidadão controlar e fiscalizar tanto a Estrutura, quanto os agentes do Estado. Por isso, a Lei de acesso à Informação é uma ideia bem-vinda ao sistema, mas que, como todas as áreas, precisa de maiores divulgações para, de fato, se efetivar a transparência e publicidade dentro da Administração, principalmente para parcela da sociedade que ainda se encontra no limbo da desinformação.
No que tange a avaliação de risco, esta é considerada peça fundamental à efetividade dos programas de compliance, consoante art. 42, V, do Decreto nº 8.420/15 que regulamentou a Lei Anticorrupção. Com ela é possível identificar e mitigar as ameaças que afetam ou podem afetar a entidade, vestindo traje essencial para o combate de atitudes ilícitas. É também a partir da avaliação de risco que se pode customizar o programa de compliance à realidade de cada entidade (OLIVEIRA; ALVIM, 2018, p. 671).
A questão da autorregulação facilita que a própria entidade, na análise de risco de suas atividades, crie programas de compliance mais compatíveis com a sua realidade, tornando-a mais plausível e acessível à aderência. Ainda, enquanto controle interno, é salutar lembrar do papel desempenhado pela advocacia pública, a qual ganhou concretude com a criação da Advocacia Geral da União em 1988, uma vez que
Parte da atribuição dos advogados públicos consiste na representação judicial do Estado, com esse profissional propondo e defendendo ações que envolvam o Estado no Judiciário. Porém, outra parte importante da missão desses advogados é o controle interno, por meio da consultoria jurídica prestada à administração pública. Os advogados públicos examinam as decisões administrativas antes de estas serem tomadas, a fim de verificar sua conformidade. Compete a eles, portanto, avaliar se é possível celebrar determinados contratos, nomear servidores, deferir licenças ambientais, entre uma série de outras apreciações, funcionando a advocacia pública, na prática, como um sistema de compliance. (Sundfeld, 2016, p. 99-100).
No entanto, apesar do avanço, em municípios menores a advocacia pública ainda é pouco institucionalizada em alguns casos, sequer tem um quadro de funcionários permanentes (Sundfeld, 2016, p. 100). Ademais, a Administração pública direta criou órgãos para fortalecer o controle interno, sendo em 2001 estabelecida a Corregedoria-Geral da União incorporada em 2003 à CGU , com o propósito de combater a fraude e a corrupção no âmbito do Poder Executivo Federal, promovendo a defesa do patrimônio público (Sundfeld, 2016, p. 100).
Apesar da criação dos órgãos de controle interno citado alhures, os problemas com atos ilícitos envolvendo empresas e a Administração Pública ainda não foram solucionados, surgindo a Lei das Estatais com a finalidade de, novamente, fortalecer os mecanismos de integridade implementados pelo compliance para melhorar o controle interno.
Como é possível perceber, a administração pública brasileira possui hoje estruturas fortes de controle, como o Ministério Público, a Advocacia Pública, o Tribunal de Contas, entre outros. Porém, existem alguns pontos sensíveis que devem ser observados. Um dos principais entraves é a incoerência desses controles, que estão divididos em diversos sistemas e órgãos, os quais não necessariamente trabalham de modo integrado. Acrescente-se a isso uma visão, por vezes, demasiadamente burocrática que, em vez de focar no funcionamento geral, acaba se voltando para detalhes formais. Como resultado, é menor a eficácia do sistema de controle e são maiores os seus gastos, o que afeta também as instituições obrigadas a se submeter a tais controles. (Sundfeld, 2016, p. 104)
Outro pronto destacado pelo diretor técnico da FGV projetos e doutor em economia pela FGV, Simonsen (2016), é o mapeamento de riscos, com o intuito de entender quais áreas correm maior risco de praticar ilícitos, sendo indispensável que conste no setor de compliance representantes de cada área de negócio da empresa, pois esse mapeamento de riscos servirá para nortear os programas de compliance, citando como exemplo a:
due diligence (diligência prévia), feita pela área de compliance de uma organização junto a outras empresas para estabelecer parcerias, cadastrar fornecedores ou realizar pagamentos. Esse pente fino pode eliminar diversos parceiros com os quais a organização fazia negócio ou mudar as práticas que vinham sendo adotadas até então. O controle também vem na forma de mudança de processos, como, por exemplo, nos procedimentos que tratam do relacionamento com agentes públicos ou na exigência de atas de reuniões.
Uma das formas de incentivar essa atitude é citada por Oliveira e Alvim (2018, p. 675), ao tratar do compliance em entidades do Terceiro Setor, podendo ser adequadas ao caso concreto quando da contratação pela a Administração Pública:
Iniciativa pioneira de autorregulamentação ocorreu com a implementação do programa Glass Pockets, projeto iniciado nos Estados Unidos que reúne uma série de ferramentas de governança e transparência, com a finalidade de fornecer recursos, dados e tutoriais para que entidades sem fins lucrativos possam ampliar sua capacidade de atender seus propósitos sociais. É possível que as entidades meçam sua transparência e comparem com as demais organizações listadas, bem como oportuniza-se a criação de fóruns para compartilhamento de informações e experiências. Dentre os diversos aspectos organizacionais avaliados pelas ferramentas do Glass Pockets, relacionam-se diretamente com o compliance os seguintes indicadores: regulamento interno, código de conduta, política de conflito de interesses, política de denunciantes (whistleblower procedures) e auditoria.
Nessa vereda, fundar fóruns para a divulgação de métodos de sucesso no compliance pode ser um avanço a ser considerado, o que facilitaria e traria avanços rápidos tanto aos programas quanto às empresas, as quais passariam a investir apenas naquilo que é mais eficiente. No entanto, para isso, é necessário que os programas de integridade sejam considerados como peça fundamental para a contratação das empresas pela Administração Pública, perfazendo-se em postura que irá dissuadir e incentivar a sua implementação.
No que diz respeito ao controle das entidades privadas, com a vinda da Lei Anticorrupção lançando luz sobre o instituto do compliance, as empresas aos poucos entendem os benefícios de adotá-la. No entanto, mais que isso, a própria administração pública, por controlar as suas contratações, precisam incentivar e trazer benefícios aos que adotam efetivamente o compliance.
Dessa maneira a autorregulação tem a capacidade de ampliar o controle interno e externo pela exposição de dados, tudo amparado nos pilares da transparência, prestação de contas e cumprimento das regras éticas, tanto por parte dos cidadãos e agentes públicos, quanto da própria empresa e seus integrantes. Como forma de incentivar a implementação dos programas de integridade, a Administração Pública poderia encarar o compliance como um programa que legitima as empresas privadas a estabelecerem relações negociais com ela, como no caso de concessões e contratações.
O chefe da Divisão Anticorrupção da OCDE, Patrick Moulette (216, p. 50), conforme a Recommendation on Public Procurement de 2015, da OCDE, faz recomendações para as contratações públicas, onde as empresas que participarem de licitação de contratos do governo adotem medidas anticorrupção de compliance, e que os contratos contenham garantias de inexistência de corrupção. No mesmo sentido é o pensamento de Simonsen (2016, p. 73) ao reafirmar a exigência de as empresas que travam negócios com a Administração pública adotarem programas de compliance que as diferenciem na hora da contratação.
Acerca da iniciativa por parte do governo, Oliveira e Alvim (2018, p. 676) lembram do selo denominado Pro-Ética, criado pela Controladoria-Geral da União e do Instituto Ethos, que avaliam anualmente programas de integridade de entidades que se inscrevam. O projeto pretende instigar o emprego de mecanismos de compliance pelo reconhecimento público das entidades que submetem seus programas de compliance para avaliação por estas organizações.
Apesar de paulatinamente a Administração Pública estar almejando o prestígio das empresas que realizam contratações públicas e adotam sistemas voltados ao compliance, como o selo Pró-Ética, ainda há resistência por parte da própria Administração em exigir entre as empresas concorrentes aquelas que desenvolvam os programas de compliance e tenham como ponto principal a luta contra atos ilícitos envolvendo a Administração. Assim, Sundfeld faz algumas considerações sobre essa dificuldade:
Por um lado, se o controle per se já é uma etapa complexa do processo de licitação, a inserção da análise de diferentes programas de compliance das empresas poderia tornar mais conflituoso e demorado o processo de licitação. Por outro lado, uma possível melhoria poderia ocorrer, por meio da reforma da legislação de contratações públicas, se fosse permitido o uso de notas de rating das empresas para definir a contratação. Agências seriam responsáveis por gerar essa avaliação, de modo que a pontuação de potenciais fornecedores do Estado fosse feita a partir de dados como capacidade econômica e financeira, qualidade técnica, conformidade em relação a regras fiscais e trabalhistas e, por que não, programas de compliance contra a corrupção e as práticas anticoncorrenciais (2016, p. 97).
Falta o reconhecimento por parte do próprio ente público dos próprios incentivos que promove, como é o caso do selo Pró-Ética, pois, além da promoção de incentivos como esse, deve fazer valer para as próprias contratações que realiza, utilizando-o, nos termos pontuados por Sundfeld, como uma nota de rating na hora da contratação. Ainda, Oliveira e Alvim (2018, p. 677) destacam o papel da Australian Charities and Non-for-profits Comission (ACNC), onde foi desenvolvido uma pirâmide regulatória de suporte ao compliance para o Terceiro Setor, mas que pode perfeitamente ser usado como base para um programa de avaliação por parte da Administração Pública, consistindo na seguinte forma:
Na base desta pirâmide, constam ações de educação e suporte, tais como o fornecimento de guias, serviços de aconselhamento, educação e capacitação e, ainda, suporte a iniciativas do próprio setor, tais como a realização de fóruns e premiações. Observa-se, assim, que a base regulatória preocupa-se em fornecer diretrizes para que as entidades atuem de forma preventiva, ao mesmo tempo em que objetiva preservar a autorregulação do setor.
Em um segundo patamar, são promovidas medidas de assistência em compliance, tais como envio de cartas e realização de telefonemas para discussão de questões de compliance, aconselhamentos regulatórios e concertação para assegurar a conformidade dessas entidades.
Já no terceiro patamar da pirâmide regulatória, observam-se medidas de compliance proativo, tais como a condução de investigações, monitoramento, envio de advertências e análise da pontualidade no envio de informação perante o registro oficial das entidades do Terceiro Setor.
No penúltimo patamar previsto, constam a previsão de sanções proporcionais e graduadas conforme a gravidade dos ilícitos, tais como: assunção de compromissos ou ajustamento de condutas, suspensão ou remoção de colaboradores e diretores da entidade, aplicações de penalidades pecuniárias, dentre outros.
O topo da pirâmide prevê a possibilidade de revogação de registro ou descredenciamento, medida mais gravosa a ser aplicada em entidades que não se conformam aos padrões legais e de governança estabelecidos e que resulta na perda de benefícios fiscais. Nesse caso, estimula-se o comportamento desejado pela eminente sanção.
Ante o exposto, os incentivos ao compliance por parte do Estado podem ser fortalecidos por meio da estrutura adotada, por exemplo, pela a Australian Charities and Non-for-profits Comission, o que pode robustecer os programas de integridade, usando o selo já existente (Pro-Ética) como uma forma de diferenciação da contratação das empresas, fazendo-as adotar e implementar o instituo debatido. Pode ser ressaltado que o programa de compliance sob a perspectiva aqui em debate deve ser um plus para a decisão da contratação, pois, como visto, há imenso repertório legal pronto para atuar contra atos que atentem contra a Administração, faltando apenas a efetividade de tais medidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Postas as explanações, verifica-se que o compliance aos poucos tem se infiltrado no cenário mundial e nacional, sendo uma alternativa para se evitar as mais diversas práticas ilícitas, como também para implementar novas práticas internas, possibilitando a alavancagem da integridade no relacionamento entre instituições públicas e privadas, internacionais ou nacionais.
Como se nota, a transparência e as atitudes probas devem ser refletidas tanto por parte da empresa, como por parte da Administração Pública, pois um ambiente íntegro é dever de ambas as instituições, haja vista que a detecção e combate às práticas ilícitas são mais efetivas quando feitas em conjunto. Nesse passo, o compliance se caracteriza por ser um sistema organizado de controle de riscos e manutenção da cultura de integridade interna, devendo seus valores refletirem diretamente toda a estrutura daquela entidade, sempre com o engajamento da alta administração em disseminar e reafirmar os programas do compliance, em especial os códigos de conduta que irão transmitir os valores a serem seguidos, cuja a implementação resulta em um ambiente de segurança jurídica e de confiança dentro e fora desta.
Para tanto, é necessário que haja constantes treinamentos éticos dos programas de compliance dentro e fora da Administração, adotando sistema de pontuação para dar prioridade às empresas que buscam a efetiva implementação dos programas de integridade que são fomentados pelo Estado vide selo Pró-Ética. Portanto, não basta criarem métodos de avaliação da efetividade dos programas de compliance implementados pelas empresas se estes não forem levados em consideração pela própria administração pública na hora da contratação.
Na adoção de boas práticas, não se pode ignorar os riscos da criação de programas de compliance que sejam meramente formais, não refletindo o seu verdadeiro intuito norteador e corretivo das práticas realizadas. Ainda, a implementação do instituto do compliance deve ocorrer dentro da Administração Pública, pois reforça a barreira criada contra atos ilícitos.
Por esses motivos, o reforço desses pilares presentes no compliance podem ajudar a aprimorar a atuação da Administração Pública e a driblar a pessoalidade e os favoritismos no trato com a coisa pública. O compliance sob o lume do tema das contratações com a Administração Pública precisa ser encarado não como uma forma de se esquivar de responsabilidade legais, mas sim como uma prática da Administração-Contratante e da empresa contratada em efetivar os princípios que orientam os procedimentos licitatórios e a Administração Pública como um todo.
A partir do momento em que as entidades públicas e privadas tiverem os programas de compliance como verdadeiro fundamento na contratação de empresas por parte da administração pública, haverá a redução dos ilícitos e, consequentemente, o dinheiro público deixará de ser desviado e obterá a devida destinação, podendo o Estado alcançar a sua precípua finalidade que é o interesse público.
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