Essa Emenda nº 109/2021 veio à luz para viabilizar a superação dos limites de despesas previstas na Lei Orçamentária Anual, a fim de possibilitar a reinstituição do auxílio emergencial à população vulnerável até o limite de 44 bilhões de reais. Entretanto, sob a simpática bandeira de inclusão social, inúmeras maldades foram perpetradas.
É de se lembrar que tradicionalmente normas orçamentárias de natureza constitucional ou infraconstitucional não vinham sendo observadas ao longo das décadas. É muito curioso que essa Emenda, que autoriza extrapolar os limites das despesas previstas na Lei Orçamentária Anual de 2021 que, na data de sua promulgação, sequer havia sido aprovada pelo Congresso Nacional.
A Emenda sob análise instituiu inúmeras regras voltadas aparentemente para o proteção da saúde financeira do Estado, porém, todas elas no nível utópico, não passível de execução. A cada descumprimento de preceito constitucional referente às finanças públicas, gerando impactos negativos, segue-se a promulgação de Emendas para sua correção. Contudo, nem o Legislativo, muito menos, o Executivo têm vontade política para cumprir a Lei e a Constituição.
Por isso, a sucessão de Emendas não terá fim. O remédio para curar os males do orçamento não reside na falta de normas legais ou constitucionais, mas no seu descumprimento sistemático. A solução dos impactos negativos não reside na elaboração de novos instrumentos legislativos, mas, na obediência à ordem jurídica como um todo. Emendas como a de nº 109/2021 mais confunde do que resolve. Se não se cumpre as normas em vigor, por que elaborar outras?
Não satisfeito com a nova remexida no art. 167 da CF, que cuida das vedações na área orçamentária, o legislador constituinte estatuiu os arts. 167-A a 167-G criando normas com inusitado sabor burocrático, a inviabilizar sua aplicação. Ao decuplicar o número de normas, com remexida geral nos preceitos constitucionais voltados para a área de finanças públicas, é previsível o congestionamento do STF, o que parece ter sido exatamente a intenção do legislador constituinte derivado. São 121 novas normas inócuas, entre artigos, incisos, letras e parágrafos introduzidas por essa Emenda.
A título ilustrativo cita-se o inciso XIV acrescido ao art. 167 da CF para vedar a criação de fundo público na hipótese aí descrita. Pergunta-se, por que o legislador ordinário não regulamentou, até hoje, o disposto na parte final do inciso II, do § 9º, do art. 165 da CF que comete à lei complementar a tarefa de estabelecer as condições para a instituição e funcionamento de fundos? A resposta é óbvia: com o advento dessa lei complementar, aplicável em nível nacional, ficaria proibida criação de “n” fundos a todo instante, além de prejudicar os fundos hoje existentes, como o fundo partidário e o fundo eleitoral. Partiu-se, então, para a política de deixar o campo aberto para instituição de fundos de quaisquer espécies, procedendo-se às proibições casuísticas do tipo retroapontado que em nada contribui para a correta aplicação de recursos financeiros públicos.
Após constitucionalizar regras óbvias de manutenção do equilíbrio das contas públicas, a EC nº 109/2021 introduziu o art. 101 ao ADCT para dilatar o prazo de pagamento de precatórios para até o dia 31-12-2029, um dos objetivos resultante da ação oportunista de governadores que invocaram o estado de calamidade pública, como se sem ela, os precatórios fossem pagos tempestivamente. Esta é a 5ª moratória de precatórios e nada indica que um dia Emendas da espécie irão cessar.
Por tudo isso, na visão de Roberto Campos a Constituição é “uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero; é, ao mesmo tempo, um hino à preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social; é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela.” [1]
[1] A Constituição de 1988 na visão de Roberto Campos. Texto de Ney Prado disponível no site www.haradaadvogados.com.br. Acesso em 30-3-2021.