1. Introdução:
A Lei nº 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) foi criada em virtude de amplo apelo popular contra certas vicissitudes que assolavam (ou assolam?) o serviço público, tendo em vista a ineficácia do diploma então vigente (Decreto-Lei Federal nº 3240/41), destacando-se por sua função teleológica e por possibilitar, na seara cível, a punição de agentes públicos improbos.
Decorreu, pois, aquele diploma legal, da necessidade de acabar com os atos atentatórios à moralidade administrativa e causadores de prejuízo ao erário público ou ensejadores de enriquecimento ilícito, infelizmente tão comuns em nosso país, como é de conhecimento popular.
Com o advento da Lei nº 8.429/92, os agentes públicos passaram a ser responsabilizados na esfera civil pelos atos de improbidade administrativa descritos nos arts. 9, 10 e 11 daquele diploma, ficando sujeitos, conforme se analisará mais adiante, às penas do art. 12 daquela lei.
Anote-se, por oportuno, que a existência de esferas distintas de responsabilidade (civil, penal e administrativa) impede falar-se em bis in idem, já que, ontologicamente, não se trata de punições idênticas, embora baseadas no mesmo fato, mas de responsabilização em esferas distintas do Direito.
Ocorre que, em contramão ao amplo entendimento da doutrina e da jurisprudência pátrias, o Colendo Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 456649/MG, Rel. Min. Luiz Fux), em meados de setembro do corrente ano, proferiu decisão no sentido de que os agentes políticos não estão sujeitos ao regime previsto na Lei nº 8.429/92, em virtude da natureza especial do cargo por eles ocupados.
O presente artigo tem por escopo, outrossim, discutir a responsabilização dos agentes políticos à luz do regime da Lei nº 8429/92, em especial em virtude da mudança de posicionamento do STJ acerca do tema, sem, todavia, a pretensão de esgotar o estudo do mesmo.
2. Do conceito de agentes político:
Pedimos vênia para trazer à colação, desde logo, o conceito de agentes políticos magistralmente lecionado por Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:
"Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores.
O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público…
A Relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis. Donde, são por elas modificáveis, sem que caiba procedente oposição às alterações supervenientes, sub color de que vigoravam condições diversas ao tempo das respectivas investiduras." [1]
Tomando-se por base o conceito anterior, pode-se afirmar que o que caracteriza os agentes políticos é o cargo que ocupam, de elevada hierarquia na organização da Administração Pública, bem como a natureza especial das atribuições por eles exercidas, não se levando em consideração o sujeito que ocupa o cargo, mas o cargo que é ocupado (de natureza especial, em regra determinada pela própria célula mater do ordenamento jurídico).
Seguindo-se essa linha de raciocínio, é de concluir-se que é legítimo o deferimento de vantagens e benefícios aos agentes políticos, tais como imunidade material e formal e foro por prerrogativa de função, desde que o mesmo se dê em função do cargo exercido (devidamente justificado por sua natureza especial) e não em função da pessoa que o ocupa, sob pena de solapar-se o Princípio da Isonomia.
Todavia, o deferimento de vantagens e benefícios aos agentes políticos há de ser feito por lei (em determinas matérias exige-se que se trata de manifestação do Poder Constituinte e não só do legislador ordinário) e não praeter ou contra legis, como parece ter acontecido com a mudança de paradigma jurisprudencial ocasionada pelar. decisão do STJ no RESP nº 456649/MG.
3. Do alcance da Lei nº 8429/92. "Agentes públicos" abrangidos pelo regime estatuído na Lei de Improbidade Administrativa.
Logo em seu artigo 1º, a Lei nº 8429/92 procurou esclarecer quais os sujeitos estariam sujeitos à sua esfera de responsabilidade, utilizando-se de expressão mais ampla possível a alcançar a generalidade das pessoas que, de qualquer forma, exercem múnus público, senão vejamos o que dispõe o dispositivo em comento:
contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei." (Grifei)"Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não,
Embora a interpretação literal nem sempre seja a mais indicada, por não adentrar na investigação da mens legis, no caso vertente é patente que a interpretação literal do dispositivo em questão é consentânea com a evidente finalidade teleológica da norma, qual seja, incluir na sua esfera de responsabilidade todos os agentes públicos, servidores ou não, que incorram em ato de improbidade administrativa.
Note-se que a Lei de Improbidade Administrativa não exige que o agente seja servidor público, muito pelo contrário, prevê expressamente que não se exigirá tal condição para aplicação das penas nela previstas.
Nesse diapasão, os agentes políticos, conforme posição doutrinária e jurisprudencial quase unânime, estariam incluídos no regime da Lei nº. 8429/92 e muitos chegaram até a ser punidos com as penas do art. 12, daquela lei.
Tratou-se, assim, de grande avanço no combate à corrupção e malversação das verbas públicas, o que sofreu sério revés com o posicionamento do STJ no RESP nº 456649/MG, do qual se tratará mais adiante, que pretende institucionalizar "imunidade" dos agentes políticos na seara civil, embora inexista previsão constitucional/legal a respeito.
4. Da moralidade e da Probidade Administrativa. Conceito de Atos de Improbidade Administrativa:
Como dito, a Lei nº 8429/92 mostrou-se bastante pertinente no combate à improbidade, já que possibilitou a punição dos agentes públicos na esfera cível, atendendo à sua dupla finalidade preventiva/repressiva e consagrando a proteção, em especial, aos Princípios da Moralidade e da Probidade.
Por oportuno, trago ao lume o escólio de Maria Sylvia Zanella di Pietro para quem, enquanto princípios, moralidade e probidade têm praticamente o mesmo alcance, mas quando se fala em improbidade como ato ilícito, "deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só os atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente os atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6-92), a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei" [2].
Ante o exposto, pode-se chegar à definição de atos de improbidade administrativa, os quais, conforme previsão dos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8429/92, englobam as condutas que venham solapar os Princípios da Administração Publica, que causem prejuízo ao erário, ou que ocasionem enriquecimento ilícito.
Corroborando a definição suso-referida, trago ao lume o sempre pertinente magistério de Alexandre de Moraes, in verbis:
"Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público.
Na definição de Ives Gandra:
´é irresponsável aquele que macula, tisna, fere, atinge, agride a moralidade pública, sendo ímprobo administrador, favorecendo terceiros, praticando a concussão ou sendo instrumento de corrupção´" [3]
Prescinde-se, pois, para responsabilização dos agentes públicos sob o regime da Lei nº 8429/92, de investigação acerca da moralidade do ato, bastando que se trate de conduta que venha a ferir a probidade administrativa (atentando-se para a tipicidade dos arts. 9,10 e 11, da Lei nº 8429/92), ainda que aparentemente não se lhe possa atribuir a pecha de violadora do Princípio da Moralidade.
Não se quer dizer, com isso, que a Lei nº 8.429/92 tenha deixado ao segundo plano a proteção ao Princípio da Moralidade, muito pelo contrário, tal diploma legal foi um avanço legislativo na condução do tema, resguardando a observância à Probidade, de alcance mais amplo, como dito, de forma que a Moralidade Administrativa também resta devidamente protegida, ainda que de forma indireta.
5. Da decisão do STJ no RESP nº 456649/MG. Independência entre as distintas esferas de responsabilidade:
Feitas as colocações preliminares acerca do tema ora proposto, é hora de adentrarmos no discussão específica sobre a r. decisão do Superior Tribunal de Justiça que excluiu do campo de incidência da Lei nº 8429/92 os agentes políticos.
Para tanto, mostra-se imprescindível citar a Ementa da decisão em sua inteireza, in verbis:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. CONDUTA OMISSIVA. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA. DECRETO-LEI N.º 201/67. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N.º 8.429/92. COEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR.
1. Hipótese em que a controvérsia a ser dirimida nos presentes autos cinge-se em definir se a conduta do ex-prefeito, consistente na negativa do fornecimento de informações solicitadas pela Câmara Municipal, pode ser enquadrada, simultaneamente, no Decreto-lei n.º 201/67 que disciplina as sanções por infrações político-administrativas, e na Lei n.º 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa.
2. Os ilícitos previstos na Lei n.º 8.429/92 encerram delitos de responsabilidade quando perpetrados por agentes políticos diferenciando-se daqueles praticados por servidores em geral.
3. Determinadas autoridades públicas não são assemelhados aos servidores em geral, por força do cargo por elas exercido, e, conseqüentemente, não se inserem na redução conceitual do art. 2º da Lei n.º 8.429/92 ("Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior"), posto encartados na lei que prevê os crimes de responsabilidade.
4. O agente político exerce parcela de soberania do Estado e pour cause atuam com a independência inextensível aos servidores em geral, que estão sujeitos às limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade.
5. A responsabilidade do agente político obedece a padrões diversos e é perquirida por outros meios. A imputação de improbidade a esses agentes implica em categorizar a conduta como "crime de responsabilidade", de natureza especial.
6. A Lei de Improbidade Administrativa admite no seu organismo atos de improbidade subsumíveis a regime jurídico diverso, como se colhe do art. 14, § 3º da lei 8.429/92 ("§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares."), por isso que se infere excluída da abrangência da lei os crimes de responsabilidade imputáveis aos agentes políticos.
7. O Decreto-lei n.º 201/67, disciplina os crimes de responsabilidade dos a dos agentes políticos (prefeitos e vereadores), punindo-a com rigor maior do que o da lei de improbidade. Na concepção axiológica, os crimes de responsabilidade abarcam os crimes e as infrações político-administrativas com sanções penais, deixando, apenas, ao desabrigo de sua regulação, os ilícitos civis, cuja transgressão implicam sanção pecuniária.
8. Conclusivamente, os fatos tipificadores dos atos de improbidade administrativa não podem ser imputados aos agentes políticos, salvo através da propositura da correspectiva ação por crime de responsabilidade.
9. O realce político-institucional do thema iudicandum sobressai das conseqüências das sanções inerentes aos atos ditos ímprobos, tais como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.
10. As sanções da ação por improbidadepodem ser mais graves que as sanções criminais tout court , mercê do gravame para o equilíbrio jurídico-institucional, o que lhe empresta notável colorido de infração penal que distingue os atos ilícitos civis dos atos ilícitos criminais.
11. Resta inegável que, no atinente aos agentes políticos, os delitos de improbidadeencerram crimes de responsabilidade e, em assim sendo, revela importância prática a indicação da autoridade potencialmente apenável e da autoridade aplicadora da pena.
12. A ausência de uma correta exegese das regras de apuração da improbidade pode conduzir a situações ilógicas, como aquela retratada na Reclamação 2138, de relatoria do Ministro Nelson Jobim, que por seu turno, calcou-se na Reclamação 591, assim sintetizada: "A ação de improbidadetende a impor sanções gravíssimas: perda do cargo e inabilitação, para o exercício de unção pública, por prazo que pode chegar a dez anos. Ora, se um magistrado houver de responder pela prática da mais insignificante das contravenções, a que não seja cominada pena maior que multa, assegura-se-lhe foro próprio, por prerrogativa de função. Será julgado pelo Tribunal de
Justiça, por este Tribunal Supremo. Entretanto a admitir a tese que que ora rejeito, um juiz de primeiro grau poderá destituir do cargo um Ministro do STF e impor-lhe pena de inabilitação para outra função por até dez anos. Vê-se que se está diante de solução que é incompatível como o sistema."
13. A eficácia jurídica da solução da demanda de improbidadefaz sobrepor-se a essência sobre o rótulo, e contribui para emergir a questão de fundo sobre a questão da forma. Consoante assentou o Ministro Humberto Gomes de Barros na Rcl 591: "a ação tem como origem atos de improbidadeque geram responsabilidade de natureza civil, qual seja aquela de ressarcir o erário, relativo à indisponibilidade de bens. No entanto, a sanção traduzida na suspensão dos direitos políticos tem natureza, evidentemente, punitiva. É uma sanção, como aquela da perda de função pública, que transcende a seara do direito civil A circunstância de a lei denominá-la civil em nada impressiona. Em verdade, no nosso ordenamento jurídico jurídico, não existe qualquer separação estanque entre as leis civis e as leis penais."
14. A doutrina, à luz do sistema, conduz à inexorável conclusão de que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da lei de improbidade. O fundamento é a prerrogativa pro populo e não privilégio no dizer de Hely Lopes Meirelles, verbis: "Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparrável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (...) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os funcionários profissionalizados (cit. p. 77)" (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., p. 76).
15. Aplicar-se a Lei de Improbidade, cegamente, pode conduzir à situações insustentáveis enunciadas pelo voto preliminar do Ministro Jobim, assim descritos:
a) o afastamento cautelar do Presidente da República (art. 20, par. único. da Lei 8.429/92) mediante iniciativa de membro do Ministério
Público, a despeito das normas constitucionais que fazem o próprio processo penal a ser movido perante esta Corte depender da autorização por dois terços da Câmara dos Deputados (CF, art. 102, I, b, c;c o art. 86, caput); ou ainda o seu afastamento definitivo, se transitar em julgado a sentença de primeiro grau na ação de improbidadeque venha a determinar a cassação de seus direitos políticos e a perda do cargo:
b) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do Congresso Nacional e do presidente da Câmara dos Deputados nas mesma condições do item anterior, a despeito de o texto constitucional
assegurar-lhes ampla imunidade material, foro por prerrogativa de função em matéria criminal perante o STF (CF, art. 102, I, b) e regime próprio de responsabilidade parlamentar (CF, art. 55, II);
c) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do STF, de qualquer de seus membros ou de membros de qualquer Corte Superior, em razão de decisão de juiz de primeiro grau;
d) o afastamento cautelar ou definitivo de Ministro de Estado, dos Comandantes das Forças Armadas, de Governador de Estado, nas mesmas condições dos itens anteriores;
e) o afastamento cautelar ou definitivo do procurador-geral em razão de ação de improbidademovida por membro do Ministério Público e recebida pelo juiz de primeiro grau nas condições dos itens anteriores"
16. Politicamente, a Constituição Federal inadmite o concurso de regimes de responsabilidade dos agentes políticos pela Lei de Improbidadee pela norma definidora dos Crimes de Responsabilidade, posto inaceitável bis in idem.
17. A submissão dos agentes políticos ao regime jurídico dos crimes de responsabilidade, até mesmo por suas severas punições, torna inequívoca a total ausência de uma suposta "impunidade" deletéria ao Estado Democrático de Direito.
18. Voto para divergir do e. Relator e negar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, mantendo o acórdão recorrido por seus fundamentos." (STJ, REsp 456649/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ Data 5/9/2006, grifos nossos)"
Insta acentuar, de pronto, que o precedente supra mencionado não retrata posição pacífica do STJ acerca da matéria, aliás, o próprio julgamento foi dado por maioria, vencido o Relator Ministro Francisco Falcão.
Ademais, data vênia, entende-se que a tese do STJ parte de equívoco genético, já que não realizou a devida distinção entre a responsabilidade civil (prevista na Lei nº 8.429/92) e a responsabilidade penal disciplinada pelo Decreto-Lei nº 201/67.
Com efeito, inexistindo dependência entre as diferentes esferas de responsabilidade (administrativa, civil e penal) não se pode afirmar, ao nosso sentir, que o regime previsto no Decreto-Lei nº 201/67 impeça a aplicação das penas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, sob pena de bis in idem.
De fato, embora se pretenda punir o mesmo fato, trata-se de punições em esferas distintas do direito. A condenação do Réu improbo no Processo Penal, por exemplo, não lhe assegura o direito de não responder, pelo mesmo fato, nas esferas civil e administrativa.
O posicionamento do STJ, data vênia, acarreta a institucionalização da impunibilidade de agentes políticos improbos, ao menos na esfera civil e representa um retrocesso em matéria de fiscalização das contas públicas e de zelo aos Princípios da Moralidade, da Probidade e da Legalidade.
Nada impede que o agente político seja duplamente punido, civil e penalmente, já que se trata, como esclarecido, de esferas de competência distintas.
Nesse diapasão, leciona Alexandre de Moraes, in verbis:
"A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula "sem prejuízo da ação penal cabível"
Portanto, o agente público que, utilizando-se de seu cargo, apropria-se ilicitamente de dinheiro público responderá, nos termos do art. 9º da Lei nº 8429/92, por ato de improbidade, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime contra a administração, prevista no Código Penal ou na legislação penal especial" (MORAES, Alexandre de. "Improbidade Administrativa". São Paulo: Ed. Altas, 2002, p. 322)
Não procede, data vênia, a alegação, constante na Ementa do Acórdão em epígrafe, de que a possibilidade de concessão de medida liminar, em ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, pode conduzir a situações insustentáveis, por exemplo, no afastamento liminar do Presidente da República, sem observância da previsão dos arts. 86 e 102, I, "b" e "c", ambos da Constituição Federal de 1988.
Ora, é de se esperar dos magistrados pátrios um mínimo de bom senso na aplicação das penalidades previstas na Lei nº 8429/92, de forma que, restando configurado o periculum in mora inverso, ou efeito multiplicador indesejável, seja indeferida a medida liminar com possibilidade de causar grave lesão à ordem social.
Além do que, eventuais decisões teratológicas, no sentido do texto do Acórdão examinado, estão sempre sujeitas a recurso, resguardando-se, pois, a observância aos dispositivos constitucionais, bem como à ordem democrática de direito.
Destaque-se, ainda, que a "imunidade" aos efeitos da Lei nº 8429/92, conseqüência da malsinada decisão do STJ, deferida aos agentes políticos, além de produzir nefastos efeitos políticos, incorre em flagrante ferimento à Constituição Federal de 1988, que garante a proteção aos Princípios da Moralidade, da Legalidade e da Probidade.
Ademais, trata-se de decisão que vem solapar o Princípio da Isonomia Simétrica, já que inexiste fundamento constitucional, data vênia, para concessão da dita "imunidade", tratando-se de forma diferenciada os servidores públicos que continuam a responder por atos de improbidade às previsões da Lei nº 8429/92 e limitando-se indevidamente o campo de aplicação de norma legal que procurou diminuir as mazelas sociais de nosso país, em grande parte devidas ao desrespeito à Probidade Administrativa.
6. Conclusão:
A r. decisão do STJ, no RESP nº 456649 ocasionou um lamentável retrocesso no combate à malversação das verbas públicas e à improbidade administrativa, ao excluir os agentes políticos do campo de aplicação da Lei nº 8.429/92, deferindo-lhes privilégio inconstitucional e em flagrante ferimento ao art. 1º daquele diploma normativo, que não autoriza, data vênia, a exclusão deferida por aquele Colendo Tribunal.
Notas
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. "Curso de Direito Administrativo". São Paulo: Ed. Malheiros Editores, 17ª Edição, p. 230.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 672.
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo, São Paulo: Atlas, p. 320.