4. O direito de defesa do sócio a ser excluído
Conforme já mencionado anteriormente nas sociedades limitadas, é possível que os sócios que representem mais da metade do capital social deliberem acerca da exclusão do sócio minoritário, desde que ele pratique algum ato de inegável gravidade, coloque em risco a continuidade da empresa, devendo o contrato social conter essa previsão, nos termos do artigo 1.085 do Código Civil.
Desta maneira, a exclusão do sócio faltoso é possível pela deliberação da maioria, independentemente de decisão judicial, desde que haja cláusula permissiva expressa no contrato social.
Caso não tenha previsão no contrato social sobre cláusula nesse sentido, não podem os sócios, ainda que titulares da maioria absoluta do capital social, deliberar acerca da exclusão de sócio minoritário, mesmo tendo ele praticado atos de inegável gravidade.
Na hipótese de algum sócio praticar ato de inegável gravidade pondo em risco a continuidade da empresa, mas o contrato social for omisso sobre a possibilidade de exclusão, a sociedade poderá pleitear a exclusão judicial de sócio, sob o fundamento de descumprimento de obrigação social.
Destarte, é necessário diferenciar a exclusão judicial, com fulcro no art. 1.030 do Código Civil, da exclusão extrajudicial do sócio minoritário previsto no art. 1.085 do Código Civil.
Na primeira basta a propositura da ação pertinente perante o Poder Judiciário. Já na segunda é necessária a prévia e regular notificação do sócio minoritário para que compareça em assembleia específica para este fim.
No caso da exclusão judicial, o sócio excluído não necessita ser minoritário. Realmente, não parece razoável que o sócio majoritário, utilizando-se de sua participação no capital social, esteja imune e possa praticar atos graves e injustificáveis, sem se sujeitar à possibilidade de sanção prevista no artigo 1.030 do Código Civil. Portanto, para fins de apuração da maioria, deve-se excluir a participação do sócio que se quer excluir.[20].
Especificamente sobre a exclusão extrajudicial de sócio minoritário, o art. 1085 também a necessidade de se realizar reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa..
Destaca-se que no julgamento da Apelação Cível nº 1072430-36.2014.8.26.0100 a C. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo asseverou que:
... a assembleia que exclui a autora sem a sua prévia e indispensável convocação padecia de nulidade insanável e era insuscetível de produzir efeitos. Como acima dito, a convocação é óbvio deve ser prévia, e jamais posterior à assembleia na qual se deliberará a exclusão de sócio por prática de ato grave que importe risco à atividade social.[21].
Nota-se que o contraditório deve ser efetivo, e não meramente formal, com a prévia cientificação obrigatória do sócio acusado e em tempo hábil para que sejam viabilizados tanto o seu comparecimento, como a sua defesa.
Ademais, na convocação deve ficar expresso qual foi o ato de inegável gravidade realizado pelo sócio que enseja a sua exclusão. Afinal, o sócio excluído deve ser acusado de forma justa, quer dizer: em sua convocação precisa restar clara a narrativa dos fatos por ele perpetrados, coerente quanto ao pedido de exclusão, além de estar juridicamente fundamentada.
A criação de procedimento mais rígido para aplicação de penalidade máxima ao sócio minoritário impede que os demais sócios o surpreendam, e não lhe oportunize apresentação de defesa.
Nesse sentido, tanto o comparecimento, como a apresentação de defesa em assembleia ou reunião, é uma garantia do sócio acusado, mas que não possui a obrigatoriedade de comparecer ao compromisso, podendo apresentar sua defesa formal escrita, ou ainda enviando representante de seus interesses devidamente constituído.
O artigo 5º da Constituição Federal afirma que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Tal dispositivo, conforme o julgamento Recurso Extraordinário nº 201.819, deve ser estendido à defesa do sócio excluído. Como restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal:
Os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas poderes públicos, pois também estão direcionados à proteção dos particulares em face dos poderes privados. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Sendo assim, o espaço de autonomia privada conferido às associações está limitado pela observância aos princípios e direitos fundamentais inscritos na Constituição[22].
A aplicação da Constituição deve ser abrangente, a fim de garantir a aplicação de direitos fundamentais.
Assim, no caso de exclusão de sócio, o seu direito de defesa do sócio pode ser exercido não só reunião de sócios convocada para tal fim, mas ele pode realizar todos os atos de seu interesse que não atentem à moralidade, à boa fé e à finalidade da sociedade empresária.
O sócio excluído, que regularmente convocado, deixar de comparecer e não apresentar defesa, caso não apresente motivo razoável para a sua omissão pode ser excluído. Nesse sentido:
Agravo de instrumento. Exclusão de sócio. Antecipação para assegurar sua permanência que foi indeferida. Aparente débito perante a sociedade, consistente em contribuição dos quotistas. Por ora constam juntadas à origem comunicações da dívida, com advertência para a ausência de pagamento, e de exclusão que, pela inércia do sócio, se levaria a assembleia para a qual ele seria convocado e em que deveria apresentar defesa. Convocação depois havida, com a inclusão do afastamento na pauta. Autor que deixou de comparecer ao ato e de apresentar qualquer defesa. Deliberação assemblear por enquanto preservada. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2041097-19.2018.8.26.0000; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional III - Jabaquara - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/03/2018; Data de Registro: 27/03/2018).
Além disso, ao sócio excluído é assegurado pleitear em juízo, questão verificada na assembleia de exclusão que não se coadune com a legislação societária. Isso com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal vigente, que dispõe: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Por fim, salienta-se sobre a alteração feita ao parágrafo único do artigo 1.085 do Código Civil. Essa alteração teve o intuito de regular o caso das sociedades constituídas por apenas dois sócios
Antes era estabelecido que a exclusão de sócio minoritário apenas pudesse ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim. Entretanto, com a mudança legislativa, tal formalidade apenas se aplica às sociedades que tenham mais de três sócios.
Atualmente, a sociedades com apenas dois sócios não necessitam realizar qualquer reunião para excluir o sócio minoritário. Essa nova redação trata de forma mais célere a exclusão, nesse caso que engloba enorme parte das sociedades empresárias.
5. Conclusão
Na sistemática do Código Civil de 2002, a continuidade da atividade empresarial e a sua preservação se tornou a principal preocupação da jurisprudência e doutrina especializada. A exclusão de sócio de qualquer sócio pela via judicial, ou extrajudicial, do sócio, conforme previsão no contrato social, conferiu maior liberdade contratual aos sócios, sendo excepcional a revisão daquilo do que foi decido pela sociedade empresária, que goza de autonomia no âmbito privado.
Por consequência, na exclusão do sócio minoritário extrajudicialmente, cabe ao Poder Judiciário verificar os requisitos formais, e notar se foram seguidas todas as exigências legais.
Finalmente, assevera-se não ser possível excluir o sócio minoritário por quebra do affectio societatis, sendo tal alegação considerada genérica e que não enseja medida excepcional, qual seja, a exclusão do sócio minoritário, sendo imperiosa a demonstração de atos de inegável gravidade que coloquem em risco a continuidade da empresa.
Também não se olvida a necessidade de se oportunizar defesa plena ao sócio acusado, fornecendo meios para que possa não apenas contestar as alegações a ele imputadas, mas também influenciar os demais sócios para que compreendam a sua real situação.
6. Referências:
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial:direito de empresa. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte Especial: do Direito de Empresa. Vol. 13. São Paulo: Saraiva, 2003.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2008.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2. Editora Revista dos Tribunais, 2006.
CRUZ, André Santa. Direito empresarial. São Paulo: Método, 2019.
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio.São Paulo: Atlas, 2002.
FORGIONI, Paula A. Possibilidade de exclusão de sócio minoritário pelo fim da affectio societatis diante de previsão expressa no contrato social. Revista Brasileira de Direito Civil-RBDCivil, v. 4, n. 02, 2017.
NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial Estudo Unificado. São Paulo, Saraiva, 2008.
REQUIÃO, Rubens. A preservação da sociedade pela exclusão de sócio. Tese de Concurso para a Titularidade de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná. Curitiba, 1959.
STF. Recurso Extraordinário nº 201.819. Relatora: Ellen Gracie; Órgão Julgador: Segunda Turma; DJe: 27/10/2006.
STF; Recurso Extraordinário 109.203-3; Relator: Rafael Mayer; Órgão Julgador: Primeira Turma; Data do Julgamento: 16/05/1986.
STJ, REsp nº 1.129.222, Relatora: Nancy Andrighi; Órgão Julgador: Terceira Turma; Data do Julgamento: 28/06/2011.
TJSP; Apelação Cível 0021879-56.2012.8.26.0224; Relator: Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Guarulhos - 10ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 01/08/2013; Data de Registro: 09/08/2013.
TJSP; Apelação Cível 0191933-10.2010.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2013; Data de Registro: 26/07/2013.
TJSP; Apelação Cível 0003395-93.2012.8.26.0320; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Limeira - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/12/2013; Data de Registro: 06/12/2013.
TJSP; Apelação Cível 0020847-58.2011.8.26.0577; Relator (a): Roberto Mac Cracken; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José dos Campos - 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 06/05/2013; Data de Registro: 14/05/2013.
TJSP; Agravo de Instrumento 2220164-80.2014.8.26.0000; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional II - Santo Amaro - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/02/2015; Data de Registro: 06/02/2015.
TJSP; Apelação Cível 0026023-81.2012.8.26.0577; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José dos Campos - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 05/12/2013; Data de Registro: 10/12/2013.
TJSP; Apelação Cível 1072430-36.2014.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/10/2015; Data de Registro: 09/10/2015.
7.Citações:
- ..................
- Algumas causas que justificavam a exclusão estavam expressas no Código Comercial (no próprio art. 336, 2º e 3º; no art. 335, 2º, 4º e 5º e no art. 289), mas não eram taxativas, admitindo-se, portanto, a exclusão do sócio com base no descumprimento dos deveres sociais, desde que, comprovadamente, implicassem prejuízos ou ameaças à consecução do fim social da empresa (art. 336, 1º c/c art. 339, ambos do CCo), observando-se que a referência à justa causa para a exclusão estava, na segunda parte do art. 339 do Código Comercial.. (STJ, REsp nº 1.129.222, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2011).
- STF; Recurso Extraordinário 109.203-3; Relator: Rafael Mayer; Órgão Julgador: Primeira Turma; Data do Julgamento: 16/05/1986.
- FORGIONI, Paula A., 2017, p. 131.
- NEGRÃO, Ricardo, 2008, p. 24.
- CAMPINHO, Sérgio, 2018, p. 155.
- Doutrina minoritária defende a possibilidade de exclusão extrajudicial de sócio minoritário, mesmo sem a previsão expressa no contrato social. EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, por exemplo, defende que "em determinadas circunstâncias, mesmo em falta de previsão estatutária específica, poderão os sócios em maioria, por Justa causa, decretar a exclusão ou eliminação do sócio faltoso. (apud FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, São Paulo: Atlas, 2002, P. 49.)
- CRUZ, André Santa, 2019. p. 437.
- CARVALHOSA, Modesto, 2003, p. 36.
- TJSP; Apelação Cível 0021879-56.2012.8.26.0224; Relator: Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Guarulhos - 10ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 01/08/2013; Data de Registro: 09/08/2013.
- TJSP; Apelação Cível 0191933-10.2010.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2013; Data de Registro: 26/07/2013.
- TJSP; Apelação Cível 0003395-93.2012.8.26.0320; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Limeira - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/12/2013; Data de Registro: 06/12/2013.
- REQUIÃO, Rubens, 1959, p. 40.
- TJSP; Apelação Cível 0020847-58.2011.8.26.0577; Relator (a): Roberto Mac Cracken; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José dos Campos - 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 06/05/2013; Data de Registro: 14/05/2013.
- TJSP; Agravo de Instrumento 2220164-80.2014.8.26.0000; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional II - Santo Amaro - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/02/2015; Data de Registro: 06/02/2015.
- Apesar do acórdão não traduzir esse trecho em italiano, em uma tradução livre, é possível dizer que: A instituição da exclusão nada mais é, em sua essência, se não a instituição da rescisão do contrato sinalagmático por descumprimento, do contrato plurilateral referente à empresa comercial.
- STJ, REsp nº 1.129.222, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2011.
- COELHO, Fábio Ulhoa, 2006, p. 401.
- COELHO, Fábio Ulhoa, 2008, p. 13.
- TJSP; Apelação Cível 0026023-81.2012.8.26.0577; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José dos Campos - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 05/12/2013; Data de Registro: 10/12/2013.
- TJSP; Apelação Cível 1072430-36.2014.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/10/2015; Data de Registro: 09/10/2015.
- STF. Recurso Extraordinário nº 201.819. DJe: 27/10/2006.