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Os limites constitucionais da aplicação de medida executiva atípica de suspensão da carteira nacional de habilitação (cnh)

Resumo:


  • O presente trabalho avalia a constitucionalidade da medida executiva atípica de apreensão da CNH como forma de satisfação do crédito.

  • A utilização da restrição da CNH do devedor é considerada constitucional, desde que respeitadas as diretrizes de proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência.

  • A jurisprudência brasileira tem se manifestado favorável à aplicação de medidas atípicas, como a apreensão da CNH, para garantir o cumprimento de ordens judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É possível a apreensão da CNH como forma de satisfazer o crédito, desde que se forneçam padrões dogmáticos confiáveis para a aplicação dessa medida.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo avaliar a constitucionalidade da medida executiva atípica de apreensão da carteira nacional de habilitação como forma de satisfação do crédito. Pois, em razão de execuções infrutíferas que lesam o direito da parte credora, os tribunais pátrios vêm se utilizando da medida coercitiva de apreensão da CNH para compelir o devedor a honrar com seu débito. Para tanto, é utilizado o método dedutivo, tendo por base teórica os trabalhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Alexandre de Morais, doutrina de processo civil e jurisprudência pátria. Após a análise, percebe-se que é constitucional a utilização de restrição da carteira de habilitação do devedor, desde que se respeitem as diretrizes constitucionais de proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência .

Palavras-chave: Medidas Executivas atípicas. Constitucionalidade. Suspensão da CNH


1. INTRODUÇÃO

A locomoção por meio de veículos automotores é fundamental para que parcela considerável da sociedade possa exercer seu direito de ir e vir, pois possibilita que ela possa se deslocar para seu trabalho, escola, lazer, congregação religiosa etc.

Ocorre que, em razão de execuções infrutíferas que lesam o direito da parte credora, os tribunais pátrios vêm se utilizando da forma coercitiva de apreensão da Carteira Nacional de habilitação (CNH) para compelir o devedor a honrar com seu débito.

Tal decisão tem respaldo no artigo 319, inciso IV do Código de Processo Civil (CPC), que assegura ao magistrado a aplicação de medidas atípicas com a finalidade de garantir a execução.

Logo, há uma nítida colisão entre o direito de ir e vir do inadimplente e a garantia à satisfação integral do credor. Tendo em vista a importância dos valores envolvidos na discussão envolvendo apreensão da CNH para assegurar o pagamento de dívidas é necessária discussão na comunidade jurídica.

Partindo-se desse contexto, o objetivo deste trabalho é analisar a constitucionalidade da restrição da CNH no âmbito do cumprimento de sentença. Para isso, são utilizados os trabalhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Alexandre de Morais, doutrina de processo civil e a jurisprudência pátria.

Para tanto, a metodologia empregada é o método de abordagem dedutivo, definido por Rizzieri (2011, p.4) como [...] método que parte de conclusões gerais para explicar o particular , em que partindo-se de uma premissa maior considerada verdade, submete-se a uma premissa menor e pela lógica chega-se a uma conclusão.

Assim, na primeira seção do artigo, é discutida a relação entre processo civil e o direito constitucional, fazendo-se uma breve explanação histórica, conceitual e analítica. Após, far-se-á uma concisa discussão sobre os títulos executivos e a efetividade de suas execuções.

Já na segunda seção, consiste em verificar a problematização em torno da aplicação de medidas atípicas, abordando de forma especial a apreensão da CNH. Em seguida, de forma sucinta, traz se jurisprudência pátria sobre o tema em debate.

Na terceira seção, procura-se formar uma síntese a respeito dos capítulos anteriores, analisando a constitucionalidade da restrição do direito à dirigir.

Por fim, serão exibidas conclusões em resposta à problemática apresentada, embasando-se na análise da terceira seção e em dados e estudos expostos ao longo do artigo.

2. O DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONSTITUCIONAL

O Direito Processual Civil, para a professora Sabrina Dourado (2021, p.31), pode ser conceituado como :

"[...] direito processual pode ser conceituado como sendo um ramo do direito público que estuda das normas que regulam o exercício da jurisdição pelo estado-juiz, a relação que se formaram entre as partes quando submeter seu conflito de interesse apreciação daquele estado-juiz. Tal direito regula também as chamadas formas não jurisdicionais de resolução de conflitos, as quais estão marcadamente estimuladas [...]" (DOURADO, 2012, p.31).

É importante também mencionar para o estudo do processo civil que com o neoconstitucionalismo, movimento que surgiu na primeira metade do século XX, a Constituição é colocada no topo do ordenamento jurídico, isto é, o texto constitucional passa a tratar de todos os ramos do direito, e não apenas o direito constitucional (BRAGA, 2021).

O Direito Processual Civil, como não poderia ser diferente, também está subordinado à Constituição Federal de 1988 e possui, inclusive, previsão expressa no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 1º, traz a seguinte redação:O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código (BRASIL, 2015).

Este ramo do direito, segundo o desembargador Elpídio Donizete (2017, p.67) deve dar:

[...] ênfase ao estudo do processo a partir dos princípios, garantias e disposições de diversas naturezas que a Constituição projeta sobre ele, incluindo os remédios que compõem a jurisdição constitucional das liberdades (mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, ação civil pública etc.[...] (DONIZETE, 2017, p.67)

Destaca-se ainda que, didaticamente, o processo civil é dividido em 5 fases (postulatória, instrutória, decisória, recursal e executória) e é imprescindível que todas estas observem os mandamentos constitucionais (DONIZETE, 2017).

O presente trabalho trata da fase executória, que trata do cumprimento das obrigações de fazer, não fazer, entregar e o cumprimento da obrigação de pagar determinada quantia dos títulos executivos (DONIZETE, 2017).

Daniel Amorim Assumpção (2017, p. 1107) explica que existem duas espécies de título executivo: judicial e extrajudicial e estas são: O título executivo judicial é formado pelo juiz por meio de atuação jurisdicional, enquanto o título executivo extrajudicial é formado por ato de vontade das partes envolvidas na relação jurídica de direito material ou somente de uma delas..

Ocorre que, mesmo com a existência de um título executivo, o devedor por muitas vezes permanece inerte, desrespeitando o princípio da efetividade que garante ao credor a satisfação total de seu direito.

A fim de garantir a efetividade das execuções, o legislador decidiu que o magistrado poderá adotar medidas atípicas para garantir o cumprimento dos títulos executivos, conforme a redação do artigo 139, IV do Código de Processo Civil que diz:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (BRASIL, 2015).

Dentre as medidas atípicas aplicadas nos tribunais pátrios, este artigo trata em especial a constitucionalidade da medida de suspensão da CNH afeta diretamente a liberdade de ir e vir.

Seguindo a lógica de exposição, na próxima seção será apresentada a problemática da decretação de medidas executivas atípicas na execução civil.

3. AS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS

As medidas executivas atípicas decorrem diretamente do direito constitucional à duração razoável do processo e do princípio da efetividade do processo civil, onde buscando atividade satisfatória, o legislador concedeu ao magistrado poder de aplicar diligências não positivadas em lei com intuito de garantir a execução (GUIMARÃES, 2020).

Percebe-se que que tal medida busca combater reiterados artifícios protelatórios utilizado pelo o devedor com intuito de burlar o cumprimento da decisão judicial, que geram a insatisfação pública com o Estado e causam a sensação de impunidade entre os jurisdicionados (CAMPOS, 2019).

No entanto, não pode o poder judiciário utilizar tais diligências de forma indiscriminada, sem critérios e afrontando diretamente os direitos fundamentais do devedor (GUIMARÃES, 2020).

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (2021, p.10) se manifestou quanto ao tema em seu enunciado de nº 48 que traz a seguinte redação:

O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.

Já o Fórum permanente de Processualistas Civil (2019, p.15;39) se manifestou em seu enunciado de n° 12, 396 e 645 que diz :

Enunciado 12. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas quando necessário e adequado, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.

Enunciado 396. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º.

Enunciado 645. Ao relator se conferem os poderes e os deveres do art. 139.

Na doutrina, Araken de Assis apud de Fredie Didier Jr et al (2017) , possui posição divergente, entende ser inconstitucional que, por meios atípicos, projetar um mecanismo específico para um caso que seja benéfico para uma parte e prejudique os interesses da outra.

Assim, como já foi informado, este artigo tem por objetivo debater a medida atípica de suspensão da CNH , como será observado no próximo tópico.

3.1 MEDIDA DE APREENSÃO DA CNH

A locomoção por meio de veículos automotores é fundamental para todo o ser humano que viva em meio urbano possa exercer seu direito de ir e vir, pois possibilita que este possa se deslocar para seu trabalho, escola, lazer e congregação religiosa ( CORTELLETTI; CRIPPA, 2019).

No entanto, a apreensão da carteira nacional de habilitação de inadimplentes é uma das medidas atípicas que vêm sendo utilizadas pelo judiciário brasileiro para garantir a execução, ato que por si só dificulta o seu deslocamento( CORTELLETTI; CRIPPA, 2019).

Logo, há uma nítida colisão entre o direito de ir e vir do inadimplente e o direito à satisfação de seu crédito do credor. Tendo em vista a importância dos valores envolvidos na discussão envolvendo apreensão da CNH para assegurar o pagamento de dívidas é necessária discussão na comunidade jurídica ( CORTELLETTI; CRIPPA, 2019).

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3.2 JURISPRUDÊNCIA

Ante a discussão da apreensão da carteira nacional de habilitação de inadimplentes como forma de satisfação do crédito executivo, cita-se a seguir alguns julgados de tribunais pátrios.

3.2.1 Posição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)

O Tribunal de justiça do Distrito Federal e Territórios (2020) já se manifestou favorável e tem aplicado ao bloqueio da carteira nacional de habilitação como forma coercitiva para cumprimento da execução, como se pode verificar na ementa correlacionada abaixo:

[...] Verificada a existência de patrimônio expropriável do devedor e que a restrição de transferência existente sobre o bem não tem sido suficiente para assegurar a realização da penhora, a adoção de medida coercitiva atípica mostra-se cabível. 4. No caso, a medida excepcional de restrição de circulação do bem por intermédio do sistema RENAJUD mostra-se adequada e proporcional, ainda mais porque força o comparecimento do devedor aos autos. Acórdão 1280057, 07081860420208070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJE: 15/9/2020 (DISTRITO FEDERAL, 2020).

3.2.2 POSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (TJRS)

Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (2021), se fundando no artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, também sinaliza positivamente para a aplicação do bloqueio da carteira nacional de habilitação como forma coercitiva para cumprimento da execução, conforme decisão de sua corte abaixo::

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PLEITO DE AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA CNH DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. DECISÃO MANTIDA. Com a nova legislação civil, é possível perceber o intuito do legislador em disponibilizar ao magistrado diversas ferramentas executivas de amplo espectro, a exemplo do disposto no artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, que lhe assegura medidas necessárias para o cumprimento de ordem judicial. A suspensão da CNH é medida que visa compelir o devedor de alimentos à satisfação do crédito alimentar, sendo que, no caso dos autos, a agravada busca a satisfação de seu crédito sem êxito em relação a todos os meios convencionais já empregados para se obtê-lo. Recurso desprovido. Agravo de Instrumento, Nº 70085244366, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 12-11-2021 (RIO GRANDE DO SUL, 2021).

3.2.3 POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela harmonização das interpretações da lei infraconstitucional no país, tem seguido a mesma linha favorável aplicação de medidas atípicas de suspensão da CNH , desde que, esta seja aplicada com ponderação, razoabilidade e tenha-se se esgotado todos as formas convencionais de satisfazer o crédito ( BRASIL, 2019).

Abaixo julgado que ilustra a posição da corte:

recurso especial. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. Ação distribuída em 1/4/2009. Recurso especial interposto em 21/9/2018. Autos conclusos à Relatora em 7/1/2019. 2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. 3. A interposição de recurso especial não é cabível com base em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. [...] Resp.1788950, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Nancy Andrighi. Julgado em: 23-04-2019 (BRASIL, 2019).

Portanto, observado o entendimento da jurisprudência pátria quanto ao tema, passa-se a análise de constitucionalidade de referida medida coercitiva no capítulo que se segue.

4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DOS LIMITES DA APLICAÇÃO MEDIDAS ATÍPICAS NA EXECUÇÃO

Conforme verificou-se no decorrer do artigo, quando não há satisfação do crédito, gera-se sentimento de injustiça e impunidade ao credor. Pois o não cumprimento do título executivo o torna um mero objeto decorativo e o Poder Judiciário não atende sua finalidade que é a pacificação social.

Desta forma, a fim de coibir a inadimplência, o legislador de forma explícita possibilitou ao magistrado a aplicação de medidas não convencionais para garantir efetividade se suas decisões executivas (BRASIL, 2016).

Dentre as medidas atípicas que os tribunais pátrios estão utilizando, está a polêmica apreensão da carteira nacional de habilitação do devedor. Tema que leva ao seguinte questionamento: seria tal ato uma afronta a liberdade de ir e vir, direito fundamental, garantido em nossa carta magna?

Na posição defendida neste artigo, estamos diante de conflito de dois princípios constitucionais, quais sejam, a garantia do credor à efetividade no cumprimento das decisões judiciais que decorrem diretamente da duração razoável do processo e o direito à locomoção do devedor (DIDIER JR, 2017).

Em caso de colisões de normas constitucionais, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Barroso (2012, p.263) ensina que:

[...] Por fim, é possível cogitar de colisão de direitos fundamentais com certos princípios ou interesses constitucionalmente protegidos, como o caso da liberdade individual, de um lado, e a segurança pública e a persecução penal, de outro. Em todos esses exemplos, à vista do princípio da unidade da Constituição, o intérprete não pode escolher arbitrariamente um dos lados, já que não há hierarquia entre normas constitucionais. De modo que ele precisará demonstrar, argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, mediante ponderação e uso da proporcionalidade, que determinada solução realiza mais adequadamente a vontade da Constituição naquela situação específica (BARROSO, 2012, p.263 ).

Já o também Ministro do STF Alexandre de Morais (2001, p.41), como forma de solucionar o conflito da norma ensina que o princípio da concordância prática ou da harmonização exige-se a coordenação e combinação de bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros.

Deste modo, a interpretação mais efetiva da norma é aquela que combina os direitos em conflito, portanto sendo possível a apreensão da CNH como forma de satisfazer o crédito, desde que se forneçam padrões dogmáticos confiáveis ​​para a aplicação dessa medida (DIDIER JR, 2017).

Mariana Furtado Guimarães (2020), em seu artigo, sugere:

[...] Exemplo de parâmetro a ser seguido pelo magistrado é a obediência ao artigo 8º do CPC, o qual prevê o dever do juiz de atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Grande parte dos requisitos definidos pelo STJ senão todos está fundamentada no citado artigo 8º do CPC (GUIMARÃES, 2019).

Assim, para aplicação da medida executiva atípica de apreensão da carteira nacional de habilitação, sugere-se ao aplicador da norma jurídica observar os seguintes critérios: 1. O esgotamento das medidas convencionais; 2. Prova demonstra indícios de ocultação patrimonial; e 3. Garantia do contraditório do devedor (DIDIER JR, 2017).

5. CONCLUSÃO

Conforme foi exposto, a finalidade deste artigo é avaliar os impactos da medida executiva atípica de apreensão da carteira nacional de habilitação como forma de satisfação do crédito. Para tanto, utilizou-se a interpretação desta à luz da Constituição Federal de 1988.

Na análise, em observância dos princípios da concordância prática, máxima efetividade e unicidade constitucional, se verificou que, ante a colisão do direito de locomoção do devedor e a garantia à duração razoável do processo do credor, deve haver a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros.

Adverte-se que o intérprete da lei ao se utilizar da medida coercitiva de apreensão da CNH deve fornecer padrões dogmáticos confiáveis ​​para a aplicação dessa medida.

Conclui-se que é constitucional a utilização de restrição da carteira de habilitação do devedor, desde que se respeitem as diretrizes constitucionais de proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (GUIMARÃES, 2020).

Assim, sugere-se ainda os seguintes critérios, já utilizados pelo STJ, quais sejam: 1. O esgotamento das medidas convencionais; 2. Prova demonstra indícios de ocultação patrimonial; e 3. Garantia do contraditório do devedor (DIDIER JR, 2017).

Para trabalhos futuros, aconselha-se um estudo da elaboração de diretrizes que possam ser utilizadas para aplicação de medidas atípicas.


REFERÊNCIAS

BARROSO, L. Controle de Constitucionalidade do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: ed. Saraiva, 2011.

BRAGA, Francisco. Direito Constitucional Grifado. Bahia: ed. Juspodium, 2021.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Resp.1788950, Terceira Turma, Relator: Nancy Andrighi. Julgado em: 23-04-2019.

CAMPOS, Taynã. O direito à liberdade de locomoção como limite a aplicação de medidas executivas atípicas. Semana de Pesquisa do Centro Universitário Tiradentes - SEMPESq 2021. Disponível em: <eventos.set.edu.br/al_sempesq/article/view/12501>. Data de acesso 03 dez. 2021

CORTELLETTI, F.; CRIPPA, A. A ATUAÇÃO DO JUIZ NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: PARÂMETROS E LIMITES DA APLICAÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. Universidade Metodista. 2019. Disponível em:<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ipa/index.php/direito/article/view/953>. Data de acesso 03 dez. 2021

DIDIER JR., F. et.al. Curso de Processual Civil: Execuções. Bahia: ed. Juspodium, 2017.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Acórdão 1280057, 07081860420208070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJE: 15/9/2020

DONIZETE, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. São Paulo: ed. Atlas, 2017.

DOURADO, Sabrina. Direito Processual Civil Descomplicado. Bahia: ed. Juspodium, 2021.

GUIMARÃES, Mariana. Medidas executivas atípicas e parâmetros de aplicabilidade: diretrizes do STJ. Consultor Jurídico. 11 dez. 2020. Disponível em: <www.conjur.com.br/2020-dez-11/mariana-guimaraes-medidas-executivas-atipicas#author>. Data de acesso 03 dez. 2021

KOEHLER, F. et.al. Enunciados ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Bahia: ed. Juspodium, 2021.

MORAIS, A. Direito Constitucional. São Paulo: ed. Atlas, 2017.

NEVES, Daniel. Manual de Direito Processual Civil. Bahia: ed. Juspodium, 2017.

PEIXOTO, Ravi. Enunciados FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis. Bahia: ed. Juspodium, 2019.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Nº 70085244366, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 12-11-2021

RIZZIERI, J. Introdução à Economia. In: PINHO, D. et al.(Org.). Manual de Economia. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Sobre o autor
Léo Júnio dos Santos Gouveia

O Dr. Léo Gouveia (OAB/DF nº54.280) é um advogado graduado pela Universidade Católica de Brasília, com especialização pela ESMP e mais de uma década de experiência. Ele dedica sua prática tanto ao assessoramento jurídico público quanto à resolução de questões civis, trabalhistas e previdenciárias para clientes privados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Léo Júnio Santos. Os limites constitucionais da aplicação de medida executiva atípica de suspensão da carteira nacional de habilitação (cnh). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6799, 11 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96339. Acesso em: 23 dez. 2024.

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