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Conversão de tempo especial em comum nos RPPSs [Tema 942, STF]

Resumo:


  • Conversão de tempo especial em comum era permitida no RGPS, mas não no RPPS até a decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 1014286, que reconheceu essa possibilidade até a EC 103/2019.

  • O STF estabeleceu que, após a EC 103/2019, a conversão do tempo especial em comum no RPPS depende de legislação complementar dos entes federativos.

  • A decisão do STF tem repercussão geral, mas não é de observância obrigatória pela Administração Pública, que pode ou não adotar o entendimento em âmbito administrativo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A tese firmada no tema 942 vincula os regimes próprios de previdência social?

Ab initio, cabe-nos esclarecer que, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) o segurado que não contasse com tempo exclusivamente em atividade insalubre para se aposentar, podia converter o tempo especial em tempo comum.

A conversão do tempo especial em comum, comumente utilizada no âmbito do RGPS, consiste na aplicação de um acréscimo de tempo em sua atividade insalubre, de modo a garantir a elevação no total do tempo de contribuição do segurado para obter uma aposentadoria comum, observando-se os fatores multiplicadores constantes no Decreto nº 3.048/99.

Contudo, no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, a conversão de tempo especial em comum não era possível juridicamente, pois, para tanto, nunca houve expressa autorização legal ou constitucional, mesmo após a edição da Súmula Vinculante n.º 33, emitida pelo Supremo Tribunal Federal (posto que esta somente autorizou a análise da concessão das aposentadorias especial, sem falar em conversão).

Entretanto, novamente o STF se pronunciou sobre o tema, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1014286, firmando entendimento acerca da conversão do tempo especial em comum, conforme ementa a seguir transcrita:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PEDIDO DE AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A INTEGRIDADE FÍSICA DO SERVIDOR, COM CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM, MEDIANTE CONTAGEM DIFERENCIADA, PARA OBTENÇÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE ATÉ A EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 103/2019. DIREITO INTERTEMPORAL. APÓS A EDIÇÃO DA EC 103/2019, O DIREITO À CONVERSÃO OBEDECERÁ À LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR DOS ENTES FEDERADOS. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONFERIDA PELO ART. 40, § 4º-C DA CRFB.

1. A Constituição impõe a construção de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física, conforme permite verificar a interpretação sistemática e teleológica do art. 40, § 4°, CRFB.

2. Desde a edição das Emendas Constitucionais 20/1998 e 47/2005, não há mais dúvida acerca da efetiva existência do direito constitucional daqueles que laboraram em condições especiais à submissão a requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria. Nesse sentido é a orientação desta Suprema Corte, cristalizada no verbete de n.º 33 da Súmula da Jurisprudência Vinculante: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.

3. Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos. A conversão surge, destarte, como consectário lógico da isonomia na proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos.

4. Após a EC 103/2019, o § 4º-C do art. 40 da Constituição, passou a dispor que o ente federado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Não há vedação expressa ao direito à conversão do tempo comum em especial, que poderá ser disposta em normativa local pelos entes federados, tal como operou a legislação federal em relação aos filiados ao RGPS, nos termos do art. 57, da Lei 8213/91.]

5. Recurso extraordinário desprovido, com fixação da seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República. (g.n.)

Nota-se pela decisão da Suprema Corte que até a data da vigência da Emenda Constitucional nº 103, de 13 de novembro de 2019, pode-se invocar as normas do RGPS para garantir ao segurado do RPPS, a conversão do tempo de contribuição especial em comum, em decorrência das condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do servidor público, que decorre do inciso III do § 4º do artigo 40, da CF, na redação anterior à EC nº 103, de 2019.

Nesse sentido, adotando-se a decisão no âmbito do RPPS, deve-se invocar os dispositivos aplicáveis do RGPS, especialmente aqueles previstos no art. 57 da Lei Federal n.º 8.213/91 e os fatores multiplicadores previstos no art. 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999 (vigente à época).

A dúvida, então, é se o RPPS pode adotar o entendimento em debate, firmado pela Suprema Corte, que, aliás, é decorrente do julgamento de Recurso Extraordinário e que, para sua interposição e ulterior julgamento, é indispensável a demonstração de repercussão geral.

A repercussão geral é uma técnica voltada a controlar, de algum modo, o afluxo excessivo de processos, certo de que a decisão tomada no leading case tende a parametrizar a solução a ser estendida aos demais apelos sobre a mesma quaestio juris, sobrestados nos tribunais de origem.

É a demonstração de relevantes questões do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos de um respectivo processo, consoante o art. 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil.

Em que pese sua relevância, a modalidade de impugnação específica que possui natureza recursal sob o controle difuso de constitucionalidade, ou seja, que não vincula a Administração Pública)

A despeito de a decisão proferida pela Egrégia Corte ter reconhecido a Repercussão Geral, cabe-nos esclarecer que não é de observância obrigatória pela Administração Pública, pois é destituída de poder vinculatório.

As decisões exaradas pelo STF de obrigatória observância são as decorrentes de julgamentos de demandas do controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADO, ADC e ADPF), ou enunciado de Súmula Vinculante, de acordo com o art. 103-A da Constituição Federal.

É que somente essas decisões, prolatadas em controle concentrado de constitucionalidade, ou quando editado verbete de Súmula Vinculante, vinculam a Administração Pública.

Demais institutos processuais civis não guardam relação com o tema em apreço, pois vinculam apenas e tão somente o entendimento a ser aplicado nos Tribunais Judiciários, tais como o IRDR (CPC, art. 976 e ss.) e o IAC (CPC, art. 947).

Assim, pode-se concluir que a tese firmada no Tema 942, não vincula, nem obriga a sua observância no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

Consigne-se que havendo definição da matéria e não havendo novas teses, não enfrentadas pelo STF, parece-nos louvável evitar a esfera judicial, de forma que se houverem pedidos na esfera do RPPS, parece-nos coerente e adequado adotar o entendimento proferido pela Suprema Corte no âmbito administrativo, evitando-se aborrecimentos desnecessários aos beneficiários e demandas judiciais que poderiam acarretar aumento exorbitante do passivo judicial.

Contudo, se o RPPS entender que ainda cabem discussões sobre o tema, a exemplo da (i). vedação constitucional de contagem do tempo ficto[1]; (ii). necessidade de observância do princípio da contributividade; (iii). impossibilidade de garantia de conversão sem previa contribuição previdenciária; e (iv). vedação de criação ou majoração de benefício sem a fonte de custeio correspondente[2][3], parece-nos adequado o indeferimento administrativo e nova discussão judicial.

Além disso, vale mencionar que, ainda que aplicada a interpretação do STF no RPPS, se o tempo de contribuição especial tiver sido com filiação ao RGPS ou a um RPPS distinto do qual o servidor pretende convertê-lo, a expedição de CTC com os tempos de contribuição em atividade especial reconhecidos, devem restar consignados na respetiva certidão, nos termos do art. 96, IX, da Lei Federal nº 8.213/91:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

...

IX - para fins de elegibilidade às aposentadorias especiais referidas no § 4º do art. 40 e no § 1º do art. 201 da Constituição Federal, os períodos reconhecidos pelo regime previdenciário de origem como de tempo especial, sem conversão em tempo comum, deverão estar incluídos nos períodos de contribuição compreendidos na CTC e discriminados de data a data.

Portanto, para implementação do entendimento proferido pelo STF, o RPPS poderá converter somente o tempo especial efetivamente comprovado, não posterior à data focal de 12-11-2019.

A comprovação do tempo de contribuição se dá pela comprovação do efetivo tempo especial, aplicando-se o mesmo entendimento constante na Instrução Normativa nº 01/10, com a necessidade de formulação de processo e instrução com os documentos indispensáveis, especialmente o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) e parecer de perícia médica reconhecendo o período de efetiva exposição.

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Já a conversão do tempo especial com contribuição a outro regime previdenciário, ainda que a atividade tenha sido exercida no mesmo ente público do regime instituidor, deverá ser realizada no regime de origem, sendo indispensável a apresentação da CTC reconhecendo o tempo especial emitida pelo outro regime.

Acrescentamos, ainda, em caso de conversão que se deve observar a tabela contida no art. 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99 (reproduzido pelo art. 188-P, § 5º, com a alteração promovida pelo Decreto nº 10.410/2020), que prevê a conversão pela multiplicação do tempo especial por 1,20, para as mulheres, e 1,40, para os homens.

Ademais, quanto ao aspecto temporal atrelado à aplicabilidade do entendimento firmado pelo STF, deve-se atentar que a possibilidade de conversão está limitada até 12.11.2019 (dia imediatamente anterior ao da publicação e entrada em vigor da EC 103/19). Após o referido período, somente é possível a conversão se regulamentada na lei complementar de cada ente federativo.

É que a Emenda Constitucional nº 103/19, em seu art. 25, § 2º, previu a possibilidade de conversão do tempo de contribuição especial exercido junto ao RGPS em comum até a data de entrada em vigor da respectiva emenda, vedando-se, contudo, a conversão após a correspondente data.

Aliás, a tese fixada, em regime de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.014.286, ratificou o art. 25, § 2º, da EC 103/19 e definiu que:

Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República

Assim, do mesmo modo que a conversão do tempo especial em comum é atualmente vedada para os segurados do RGPS, bem como para os servidores federais, recomendamos que os entes federativos, quando forem promover a sua reforma previdenciária, reproduzam igual preceito.

Por derradeiro, caso a legislação atual do ente federativo, que tenha realizado a sua reforma da previdência, não preveja expressamente a possiblidade de conversão do tempo especial em comum, temos que esta é indevida, em razão do princípio da legalidade estrita, a teor do art. 37, caput, da Constituição da República.

Diante de todo o exposto, podemos concluir que a tese firmada pelo STF permite aos RPPSs a converterem tempo especial em comum, de período anterior a EC 103/19, exclusivamente no exercício de atividade com exposição a agentes nocivos, devendo ser observadas, para tanto, as normas do RGPS.

Outrossim, a despeito de sua repercussão geral, destacamos que a decisão do STF não possui efeito vinculante em relação aos órgãos da Administração Pública e, portanto, não obriga sua observância no âmbito do RPPS.

Por derradeiro, parece adequado o indeferimento na via administrativa, facultando-se eventual discussão na esfera judicial, eis que pendente de discussão temas não enfrentados na decisão em debate.


  1. CF, Art. 40. ...
    ...
    § 10. A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
  2. CF, Art. 195.
    ...
    § 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
  3. LRF, Art. 24. Nenhum benefício ou serviço relativo à seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos do § 5o do art. 195 da Constituição, atendidas ainda as exigências do art. 17.
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Sobre os autores
Douglas Tanus Amari Farias de Figueiredo

Diretor e Consultor na ABCPREV Gestão e Formação Previdenciárias. Procurador de carreira no RPPS de Indaiatuba, palestrante e professor. Possui especialização em Regime Próprio de Previdência Social pela Faculdade Damásio, MBA em Gestão Pública e em Direito Processual Civil pela PUCAMP.

Tiago Alves de Oliveira

Advogado militante com Pós-Graduação em Nível de Especialização Lato Sensu em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Prof. Damásio de Jesus, com extensão em Direito Público pela Universidade de Santiago de Compostela e Pós-Graduando em Nível de Especialização Lato Sensu em Regime Próprio de Previdência Social pelo Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV, Coordenador Jurídico e palestrante pela ABCPREV Gestão e Formação Previdenciárias, atuando na área do Direito Público, na Administração Pública, prestando consultoria e assessoria em especial aos Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Douglas Tanus Amari Farias ; OLIVEIRA, Tiago Alves. Conversão de tempo especial em comum nos RPPSs [Tema 942, STF]. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6819, 3 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96454. Acesso em: 22 dez. 2024.

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