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Jurisdição e competência: uma análise doutrinária teleológica

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Resumo:


  • A jurisdição é o poder do Estado de administrar a justiça, e a competência é a delimitação dessa jurisdição entre os órgãos judiciais.

  • A competência é definida por critérios como matéria, função, território, valor da causa e pessoa, e passa por um processo de concretização para estabelecer o juízo competente.

  • As características da jurisdição incluem a necessidade de lide, a inércia inicial (agir apenas quando provocada) e a definitividade das decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Examinam-se as etapas de concretização da competência, processo doutrinário que vai levar à construção da competência de um juízo.

RESUMO: Este presente artigo tem como finalidade trazer uma análise da doutrina brasileira dos conceitos de jurisdição e competência. Inicia-se com uma abordagem do conceito de jurisdição dentro da perspectiva da doutrina jurídica brasileira. Em contraponto, emerge outro importante conceito, o que vem a ser competência jurisdicional. Desta forma, lança-se mão de uma dialética entre esses dois objetos, para assim extrair as suas diferenças, sua inter-relação. Trazendo à tona a abordagem de autores brasileiros e internacionais sobre esses referidos temas supracitados, exemplificando como esses conceitos estão presentes dentro do ordenamento jurídico brasileiro, estando estabelecidos na própria Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Jurisdição. Competência. Doutrina jurídica.

SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. Jurisdição. 3.Competência. 4.Considerações Finais. Referência Bibliográficas.


1.INTRODUÇÃO

Partindo de uma revisão da literatura concernente aos conceitos de jurisdição e competência, utilizando uma metodologia descritiva e comparativa para observar os conceitos citados, tem-se o objetivo de compará-los, mostrar a relação de dependência entre eles, e as diferenças notadas no seio de suas definições para a doutrina jurídica.
Dentro do tema abordado, se faz necessário revisitar conceitos assimilados ainda em disciplinas primárias do direito processual, como por exemplo: Teoria Geral do Processo, para podermos alicerçar teoricamente e doutrinariamente todo este trabalho. E assim, compreender grande parte do conjunto de mecanismos histórico-dialéticos dentro da sociedade que culminaram na emancipação do Estado e na sua direta relevância, como também, suas consequências para o mundo jurídico. 

Em uma breve contextualização histórica, vemos que no início da vida em sociedade as relações interpessoais eram ainda bastante primitivas, e respaldavam-se em princípios como: confiança mútua, lealdade, respeito, ainda sem intervenção de terceiros. Contudo, com a evolução dessas relações, surgem também embates, conflitos de interesse e litígios. Francesco Carnelutti cita[1] em Teoria geral do Direito: 

A posição favorável à satisfação de uma necessidade, em vez de implicar, exclui a posição favorável à satisfação de uma outra necessidade. Esta possibilidade deriva da limitação dos bens relativamente às necessidades. É da natureza dos homens que as suas necessidades cresçam à medida que crescem seus bens. [...] A limitação dos bens, em comparação com as necessidades, põe precisamente muitas vezes ao homem o dilema de saber qual, de entre duas necessidades, deve ser satisfeita e qual sacrificada. Assim se delineia o conflito de interesses da mesma pessoa. (2000. p.92-93) 

O processualista italiano, vai nos dizer que, enquanto esses conflitos são intrapessoais, ou seja do indivíduo para consigo mesmo, não terá relevância social nem causará maiores implicações. Contudo, quando essas necessidades internas se exteriorizam e encontram-se com necessidades de outrem, surge o conflito de interesses interpessoais. Com a necessidade de se conciliar as partes integrantes desses embates, surgem as soluções de conflitos baseadas em violência e no emprego da força física, que muitas vezes não solucionavam de forma plena e satisfatória os embates. 

É neste cenário que surge a necessidade de se delegar a resolução dos conflitos à um terceiro alheio à lide. Somado a isso, o aprimoramento e aparelhamento do Estado moderno, faz com que a sociedade o delegue a tarefa de solucionar os conflitos interpessoais. Não iremos, portanto, abordar o surgimento do Estado como um pacto social como defende Thomas More (2005 p. 158), ou outras teorias neste sentido. Bem verdade que, segundo Fernando Lima em Teoria geral do processo judicial vai nos mostrar que os primeiros meios de solução de conflitos foram a autotutela e a autodefesa. 

Nessas condições, ausente o Estado - ou, nos primórdios de sua existência, ainda não suficientemente forte para se impor ao sentimento individual ou ao núcleo familiar-, cabe a cada pessoa exercer por si mesma a defesa de seus direitos, seja (a) protegendo os bens de vida conquistados, direta pessoalmente, com ou sem ajuda de outrem, seja (b) reclamando-os de quem os tenha indevidamente usurpados. [...] Imperam a autotutela, a autodefesa. (LIMA, 2015. p.9) 

Aqui não estamos esquecendo dos meios de autocomposição, no qual as próprias partes integrantes mediavam a solução do embate, como o exemplo da conciliação ou mediação que surgem com essas nomenclaturas mais a frente. Entretanto estes conceitos de autocomposição e autotutela, como meios de solução de conflitos interpessoais, dentro do nosso estudo não serão o foco. 

2.JURISDIÇÃO

Todo o contexto acima descrito não veio à tona instantaneamente. Dentro dessa narrativa escondem-se centenas de anos de evolução das relações sociais e do Estado. Agora, o que antes cabia às partes integrantes[2] do conflito ou a um líder de ordem familiar ou religioso[3], passa a ser atribuição do Estado. Este por sua vez, já presente em diversos âmbitos das relações públicas, muito mais aparelhado e apto a decidir entre demandas de seus assistidos, assume a função jurisdicional. 

Conforme o léxico Dicio (2021, ...), Dicionário Online de Português, jurisdição deriva do vocábulo latino iurisdictio tem como significado ato de administrar justiça[4], já trazendo para o português o mesmo léxico vai nos apresentar três significados possíveis para jurisdição: a) poder do Estado para fazer justiça; b) extensão territorial de atuação de um determinado juiz; c) subdivisão do poder judiciário. Cada um desses verbetes traz consigo um aspecto doutrinário da jurisdição, os quais passamos a destrinchar. 

O significado de jurisdição como poder, dialoga diretamente com a sua definição doutrinária. Dentre as inúmeras correntes que irão discutir esse tema, adoto, como um pequeno corte doutrinário, apenas dois principais autores e suas concepções de jurisprudência, os quais serão, o italiano Giuseppe Chiovenda[5], em paralelo a Francesco Carnelutti. Esses autores são bases em quaisquer estudos de teorias geral do processo, precursores em suas respectivas escolas e deixaram um legado teórico importantíssimo a ser seguido e estudado. 

Desta feita, passo às lições de Chiovenda. Professor na Universidade de Roma apresenta a jurisdição como fruto de um encadeamento lógico de três etapas: 

I- Que o estado disciplina a vida em sociedade, mediantes normas e direito material,

II- que, entretanto, na vida cotidiana, nem sempre é respeitada a autoridade do ordenamento jurídico estatal, sendo descumpridas as normas jurídicas, o que ocasiona a ruptura da paz social;

III- que a função jurisdicional, então, intervém para fazer prevalecer vontade da lei, para fazê-lo atuar concretamente. (CHIOVENDA. 2002. p 59-60 Apud LIMA, Fernando. 2015. p.245-246) 

Este posicionamento de Chiovenda é bem recebido pela doutrina brasileira, quando Pontes de Miranda (MIRANDA. 1974/1978) resume o ensinamento na seguinte afirmativa: Jurisdição é a atividade do Estado para aplicar as leis[6].

Desta forma, para Chiovenda, o conceito de jurisdição estaria intrinsecamente ligado à guarda das normas jurídicas definidas pelo Estado para tutelar a vida em sociedade. Ou seja, jurisdição é a observância e o fazer cumprir as normas jurídicas preestabelecidas, quando essas não são atendidas, e essa função cabe ao Estado. Para ele, no seio da jurisdição, estaria a norma jurídica e a inobservância da mesma pela sociedade, para assim surgir a função ou atribuição jurisdicional do Estado. 

Já nas lições de outro doutrinador italiano, Francesco Carnelutti, a definição de jurisdição vai partir do pressuposto da lide[7]. Carnelutti vai definir um litígio como: Um conflito intersubjetivo de interesses, qualificado por uma pretensão contestada [discutida] (CARNELUTTI. 2000. p.78). Sendo assim, quando existe o conflito de interesse ali reside a lide, esse conflito por sua vez não mais será dirimido por meio da violência (força), pois esse meio já foi superado, e agora vai caber ao Estado solucionar, ou o poder de julgar esses conflitos, definindo assim jurisdição. Neste sentido Fernando de Lima discorrendo sobre a definição de jurisdição em Carnelutti vai afirmar: 

A razão de ser da atividade jurisdicional é o interesse na composição dos conflitos sociais, que comprometem a existência da sociedade, se não solucionados. Compor a lide é a finalidade da jurisdição. (LIMA. 2015. p.247) 

O posicionamento de Carnelutti também encontra espaço na doutrina brasileira. A definição de jurisdição partindo do pressuposto da lide vai ser adotada, por exemplo, pelo professor Frederico Marques[8], que afirma categoricamente: 

Jurisdição pode ser definida como a função estatal de aplicar as normas da ordem jurídica em relação a uma pretensão. Nisto reside a essência e substância do poder jurisdicional. (MARQUES. 2000 p.42) 

Neste sentido, a definição de jurisdição por Carnelutti, vai estar atrelada à lide, ou seja, para que o Estado possa exercer sua função jurisdicional é fundamental que exista um litígio, pois para ele, é no conflito de interesses que surge a lacuna jurisdicional a qual o Estado preencherá. É quando há uma relação de pretensões fundadas na norma jurídica, ali o Estado intervirá mostrando assim sua função jurisdicional, aplicando a norma ao caso concreto. 

Essas duas correntes doutrinárias, a de Carnelutti e a de Chiovenda, são a vanguarda do estudo da jurisdição estatal. Muitos autores consideram essas correntes de pensamento conflitante, o que de certa forma é: uma baseia-se na inobservância da norma jurídica no convívio social e ali surge a jurisdição estatal para garantir o cumprimento da mesma e zelar pela paz social; enquanto a outra está fundada na existência de um litígio, um conflito de interesses interpessoal, para que ali o Estado possa intervir aplicando a norma jurídica e exercendo assim sua jurisdição. Contudo, temos uma terceira perspectiva acerca das definições mencionadas, o jurista italiano Enrico Liebman[9] (LIEBMAN, 2003), vai nos mostrar outra perspectiva, que não necessariamente essas duas correntes sejam conflitantes, e que elas podem caminhar juntas, o mesmo afirma: 

As duas definições, embora tenham sido no passado objeto de vivas discussões, podem hoje ser consideradas complementares: a primeira representa uma visão puramente jurídica do conteúdo da jurisdição, pois estabelece a relação entre a lei e a jurisdição, ao passo que a segunda considera a atuação do direito como o meio para atingir uma finalidade ulterior (a composição do conflito de interesses), procurando assim captar o conteúdo efetivo da matéria à qual a lei vem aplicada e o resultado prático, sob o aspecto sociológico, q que a operação conduz. (LIEBMAN. 2003. p.25-26.) 

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A teoria eclética de Liebmann encontra espaço na doutrina brasileira, a ponto de ser base nos estudos do professor Rangel Dinamarco[10] (DINAMARCO, 2003), que vai definir jurisdição baseada nos estudos de Liebman assim: A função do Estado, destinada à solução de conflitos é exercida mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos. (DINAMARCO. 2003. p.309.). 

É com Liebman que se encontra a pacificação das duas principais escolas doutrinárias que teorizaram sobre a origem e a definição da jurisdição estatal. A contribuição deste último autor, é sem dúvida, de suma relevância para compreendermos e, por fim, chegar ao desencadeamento lógico das doutrinas levantadas pelos doutrinadores italianos. 

Retomando, ainda, a abordagem acerca da jurisdição com base em seus três significados na nossa língua, o primeiro já foi vencido, agora nos resta discorrer sobre os demais, quais sejam: b) extensão territorial de atuação de um determinado juiz; c) subdivisão do poder judiciário. Assim sendo, esses verbetes assim como o primeiro, coadunam diretamente com definições doutrinárias sobre este tema em questão. 

Já o significado de jurisdição como limite territorial de atuação de um determinado juiz, está ligado na doutrina com os limites territoriais da jurisdição. A soberania estatal manifesta na jurisdição não é ilimitada, como afirma Fernando Lima[11]. O ordenamento jurídico vai estabelecer os pressupostos e os limites da jurisdição estatal, em se tratando dos limites internos. Podemos claramente enxergar esses limites impostos à jurisdição no texto constitucional: 

Art. 110. Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária, que terá por sede a respectiva capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei. Parágrafo único. Nos Territórios Federais, a jurisdição e as atribuições cometidas aos juízes federais caberão aos juízes da Justiça local, na forma da lei. (Constituição da República Federativa do Brasil. 1988) 

Com relação aos limites da jurisdição estatal, os tratados e convenções internacionais trarão os devidos limites. Essa limitação internacional pode ser entendida por um viés lógico: tendo em vista que a jurisdição estatal deriva da soberania do Estado, logo fora da abrangência dessa soberania, ou fora dos limites territoriais do Estado, ele não mais exercerá jurisdição. Fernando de Lima nos apresenta essa limitação da seguinte forma: 

O primeiro fator de limitação da jurisdição de um estado é o fator territorial. Efetivamente, se a atividade jurisdicional de um país é direta emanação de sua soberania, o território em que esta se exerce é elemento que determina a aplicação de sua lei. É noção elementar, a de que não pode o estado exercer jurisdição em território sobre que não detém, correlatamente, soberania. (LIMA. 2015 p.281) 

É neste sentido que encontramos a limitação da jurisdição, tanto em seu aspecto territorial, nacional, ligada à força do ordenamento jurídico, sendo em última consequência, o limite de ação do juiz direito. Tanto quanto no âmbito internacional, o qual o limite jurisdicional vai estar correlacionado à soberania estatal e seus limites territoriais internacionais, cabendo aos tratados e acordos internacionais definirem as jurisdições internacionais. 

Ainda dentro dos aspectos doutrinários da jurisdição, pode-se aqui trazer uma classificação doutrinária sobre a mesma, contudo visando a diligência deste trabalho apenas citam-se algumas classificações para não sermos omissos. 

Fernando de Lima, cita em seu livro um total de cinco classificações: 

Entre os critérios de classificação, anotem-se os seguintes: a) segundo a pretensão a ser examinada; b) segundo os órgãos que a examinam; c) segundo o grau hierárquico em que se procede ao referido exame; d) segundo a fonte em que o exame e a decisão se fundamentam; e) segundo a natureza do objeto sob exame. (MONTEIRO, João. Teoria do processo civil. Rio de Janeiro. Borsoi. 1956 p.127-128 Apud LIMA, Fernando. 2015. p.288) 

Mas, tendo em vista o corte epistemológico deste, é abordado apenas dois que serão de relevância para os temas que teremos adiante. Neste sentido destacam-se dois dentre as classificações supracitadas, quais sejam: a) segundo os órgãos que a examinam, e, b) segundo o grau hierárquico em que se procede ao referido exame. Destacam-se essas duas classificações, pois no decorrer deste trabalho, as mesmas auxiliaram na compreensão dos aspectos da jurisdição presente no caso concreto em análise. 

Ao expor a classificação baseada no órgão que examinará a lide, é preciso, primeiramente, distinguir o que é de jurisdição comum e especial. O caráter de distinção aqui adotado é o exclusivista, o legislador constitucional vai designar jurisdição especial à justiça do trabalho, eleitoral e militar, com isso, o que não pertencer a esses três será jurisdição comum. Neste sentido Roberto Santos (FERREIRA, 1997) vai afirmar: 

A justiça especial, constituída pela Justiça do trabalho, pela Justiça eleitoral e pela Justiça militar, tem competência expressamente dispostas na Constituição, cabendo à chamada justiça comum ou ordinária, a competência residual, identificada por exclusão das matérias inseridas nas competências das Justiças especiais. (FERREIRA. 1997. p.37-38) 

Ainda dentro deste tópico, a jurisdição, dita justiça comum, ainda é subdividida em jurisdição estadual e federal. O critério que vai definir qual das duas deve ser a correta, vai tomar como preceito o contexto do litígio, se nele contém algum bem, serviço ou interesse federal, este deixará de ser jurisdição estadual para ser de jurisdição federal. A Constituição Federal vai delimitar a jurisdição federal no art. 109 C.F.: 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: 

I- as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; 

II- as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; 

III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; 

IV- os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; 

V- os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; 

V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; 

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; 

VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; 

VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; 

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; 

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; 

XI - a disputa sobre direitos indígenas. 

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. 

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 

§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. 

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. 

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988)

Na segunda classificação doutrinária aqui abordada, aplica-se a classificação por grau hierárquico. Semelhantemente, com o que está presente na maioria das estruturas judiciárias. No Brasil as decisões judiciais podem ser, também, revisadas por órgãos de hierarquia superior. Em primeiro grau ou primeira instância encontram-se os juízes de direito, federais, trabalhistas e o tribunal do júri; em segundo grau têm-se os tribunais de justiça, tribunais regionais federais e do trabalho. Quando nos referimos ao primeiro grau, estamos diante daquela hierarquia que primeiro vai conhecer a ação, e julgá-la. Salvo as exceções legais, aos órgãos de segundo grau, compete a revisão das decisões proferidas em primeira instância. Acima de toda essa jurisdição ainda temos o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, e o Supremo Tribunal Federal, STF, do qual não há instância superior. 

Por fim, fechando os aspectos doutrinários da jurisdição, podem-se destacar ainda, as características da jurisdição. Fernando de Lima em seu livro vai elencar cinco características, contudo, buscando maior objetividade sem sacrificar o conteúdo jurídico. Passo a adotar aqui as três características definidas por Pedro Lenza (LENZA, 2017) no capítulo dedicado ao poder judiciário quando escreve sobre Direito Constitucional[12]. Nesse sentido Lenza vai enumerar as seguintes características da jurisdição: lide, inércia e definitividade. 

Com relação à lide, a mesma já foi abordada como causa de origem da jurisdição, mas aqui ela é apresentada como característica da jurisdição. De fato, os conflitos de interesses oriundos das relações interpessoais com suas respectivas pretensões das partes envolvidas, vai levar à parte que se diga prejudicada a recorrer ao poder judiciário, para que o mesmo exerça a devida jurisdição, ou seja, a lide é uma das características da jurisdição por estar ligado à origem da mesma. 

A partir do momento que essa pretensão não é pacificamente resolvida pelo suposto causador da insatisfação, quem entender-se lesado poderá bater às portas do Judiciário, que, substituindo a vontade das partes, dirimirá o conflito, afastando a resistência e pacificando com justiça (LENZA. 2017. p.763) 

Por conseguinte, a inércia é definida com a máxima nemo iudex sine actore; ne procedat iudex ex officio[13], que tem um significado simples e bastante conhecido: o judiciário somente agirá mediante provocação; salvo as exceções legais. Como dispõe o Código de Processo Civil: 

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. (LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Código de Processo Civil.) 

Assim como também vai Fernando Lima (LIMA,2015) deixar claro a relação entre a atividade jurisdicional com a inércia inicial vinculando com princípios fundamentais do processo: 

A inércia inicial da atividade jurisdicional justifica-se pela necessidade de preservar a figura do julgador imparcial. Não deve o juiz praticar quaisquer atos que comprometam seu desinteresse em relação ao caso que lhe cumpre julgar. Após iniciado o processo, contudo deve o magistrado dar-lhe seguimento, impulsionando-o até seu fim lógico, com ou sem o concurso das partes, bem como, até mesmo, a despeito da eventual atividade em sentido contrário por parte do demandante ou demandado. (LIMA. Atlas 2015. p.259) 

Finalizando, a definitividade, que uma vez decorrido o prazo legal para propositura da ação rescisória, transitado em julgado e caracterizada a coisa julgada material e formal, as decisões proferidas pelo poder judiciário é definitiva, ou seja, uma vez exercida a jurisdição estatal essa é inalterada, definitiva. Fernando Lima (LIMA,2015), vai nomear esta característica da seguinte forma: a definitividade de seu provimento de mérito[14]. Sendo assim, caracterizando a definitividade jurisdicional com a resolução ou decisão com relação ao mérito da lide, como ele mesmo afirma: 

A definitividade de seus provimentos é uma característica exclusiva da função jurisdicional, que a distingue das demais funções estatais, pois a lei e o ato administrativo não podem pretender qualquer atributo análogo. (LIMA. 2015. p.257) 

3.COMPETÊNCIA

Neste segmento, agora irei tratar sobre as definições doutrinárias relacionadas ao título competência. Com isso, já vencida as definições de jurisdição, se faz necessário contextualizar doutrinariamente acerca do tema competência, que vale destacar, que se distingue essencialmente do tema já tratado anteriormente. De forma introdutória, recorre-se ao significado da palavra competência para o direito, onde temos a seguinte definição: 

No âmbito jurídico, a competência expressa a responsabilidade e legitimidade de um órgão judicial (como um juiz, por exemplo) de exercer a sua jurisdição. Assim, a competência fixa os limites dentro dos quais esse órgão judicial pode atuar.

Sendo assim, quando se analisa o significado de competência, temos que a mesma pode ser caracterizada como uma parte específica da jurisdição, mostrando a relação de dependência entre esses dois conceitos, pois, só pode-se falar em competência quando antes temos em mente a origem e os conceitos de jurisdição. 

Fazendo uma inferência, pode-se imaginar o caos que seria no poder judiciário, que detém a função e o poder jurisdicional, se qualquer parte escolhesse a seu bel prazer onde ingressar com sua ação; ou se cada juiz arbitrariamente escolhesse quais causas julgar; definitivamente a jurisdição por si só não seria capaz de pôr ordem ao poder judiciário e seus órgãos. 

A propositura e julgamento de uma ação não se faz aleatoriamente, entre os muitos órgãos jurisdicionais existentes. Tampouco admite-se possa a parte escolher o julgador, por sua própria vontade, como ocorre em relação à arbitragem. É necessário determinar-se o juiz natural do caso, consoante critérios que preservem a impessoalidade e a imparcialidade. Por outro lado, nenhum juiz detém indiscriminadamente o poder de conhecer e julgar todo e qualquer caso, à sua escolha ou a instâncias da parte. A não ser assim, a atividade jurisdicional seria caótica. (LIMA. 2015. p.324) 

É com esta necessidade de se compartimentalizar a jurisdição, que surge a competência jurisdicional. Utilizando-se uma analogia para melhor compreender a relação entre esses dois objetos, a jurisdição como uma grande pizza, podemos comparar assim a competência com as fatias desta pizza. É por meio do ordenamento jurídico que define uma parcela da jurisdição aos determinados órgãos do poder judiciário. Neste sentido Fernando Lima cita: ...É necessário repartir o poder de julgar entre os órgãos integrantes do Poder Judiciário, segundo regras estabelecidas de forma prévia na Constituição e em leis. (LIMA, 2015. p. 324).

Pode-se aqui também evocar os ensinamentos de Clóvis Beviláqua[15] que define competência jurisdicional da seguinte forma: 

Jurisdição é o poder de julgar conflitos legais, atribuído por lei ao juiz, Competência é a aplicação do poder jurisdicional, segundo os preceitos e dentro dos limites traçados pelas leis de organização judiciária e de processo (BEVILÁQUA, 1897. p.279) 

Cito ainda o ensinamento de Liebman, que em se tratando de competência escreve: 

Entre os numerosos órgãos da autoridade judiciária comum, à qual a função jurisdicional é conferida [...] o exercício da função é distribuído de modo que cada um realize uma fração, uma parte, que constitui sua competência, em cujo âmbito, e não além, pode exercer suas funções. Diz-se por isso que a competência é a quantidade de jurisdição atribuída em exercício a cada órgão, ou seja, a medida da jurisdição.' Ela determina, portanto, para cada órgão singular, em quais casos, em relação a quais controvérsias, ele tem o poder de prover e correlativamente delimita em abstrato o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas. Para cada causa possível existe (pelo menos) um juiz competente para a aplicação das normas das leis vigentes, e esse é o juiz natural (LIEBMAN. 2003. p.61) 

Assim, a competência, por inferência e com base nas referências citadas, é uma delimitação da jurisdição. Enquanto o poder jurisdicional é detido pelo estado, as normas jurídicas que o regem vão estabelecer esses limites, ou seja, a competência de cada um dos órgãos jurisdicionais do estado, atribuindo-lhes funções ou competências específicas preestabelecidas. 

Para a doutrina jurídica, existe um processo lógico que a competência segue para poder concretizar-se. Desta maneira, Fernando Lima cita seis pressupostos que vão estar presentes no processo de concretização da competência, são eles: 

O caminho abrange as seguintes etapas: (a) definição da competência de jurisdição: qual a Justiça competente? (b) definição da competência originária: é competente o órgão superior ou o inferior? (c) definição da competência de foro: qual a comarca ou seção judiciária competente? (d)definição da competência de juízo: qual a vara competente? (e) definição da competência interna: qual o juiz competente? (f) definição da competência recursal: será competente, para apreciar o recurso, o mesmo órgão que proferiu a decisão impugnada ou um órgão judicial superior? (LIMA. 2015. p 325/326) 

Frente a citação acima, pode-se afirmar que para a completa concretização da competência, esta vai atravessar o processo descrito. Ou seja, deve-se seguir o seguinte encadeamento, primeiro definir qual a justiça que cabe à parte da jurisdição, o dever de julgar, determinada causa ou ação, se justiça comum ou especial. Se comum, distinguir entre estadual ou federal, e se especial, entre eleitoral, militar ou trabalhista. Esta primeira etapa do processo de concretização será de suma importância para o tema aqui abordado mais à frente. 

Já em relação à competência originária, esta vai determinar em qual grau ou instância deve ser proposta determinada ação, vale destacar que tribunais que geralmente tem função revisional, em alguns casos tem a competência de primeiro conhecer algumas ações com previsão legal. 

Posteriormente tem-se a definição de foro, que pode ser traduzida como a competência territorial, que define o território de atuação da jurisdição, e que dentro deste limite há a competência para julgamento das causas que lhe estejam inseridas, vale destacar que é a lei que vai determiná-la, e que existe critérios previsto que irá prever qual o juízo que deverá procedê-lo de acordo com o litígio ou o objeto da ação. 

Dentro do limite territorial pode existir mais de um juiz competente, por isso define-se a competência de juízo, que definirá qual dentre os juízes competentes de uma circunscrição caberá julgar, é o caso das diversas varas dentro de um mesmo fórum, entre as varas cíveis caberá a apenas um julgar a ação. Ainda tem a competência interna, que definirá dentro da vara, com mais de um juiz, que julgará a lide, se o titular se o substituto, por exemplo. 

E por último, apresenta a competência recursal, quem conhecerá o recurso, se uma turma recursal do mesmo órgão que proferiu a sentença de origem ou um órgão hierarquicamente superior àquele que prolatou a sentença. 

Utilizando-se deste embasamento teórico podemos estabelecer uma analogia entre o processo de concretização da competência com uma graduação, cujo objetivo final é a definição da competência ou qual o juízo competente para analisar determinada ação, começando com a definição de qual jurisdição, como anteriormente exposto, chegando até a definição recursal.

Ainda sobre este tema, o autor Fernando Lima (LIMA, 2015) vai nos apresentar os critérios que são estabelecidos doutrinariamente para a determinação da competência, cita: 

Os critérios que ajudam a precisar o juiz competente são cinco, fundamentalmente: (a) competência em razão da matéria (ratione materiae); (b) competência em razão da função (ratione muneris); (c) competência em razão do território (ratione loci); (d) competência em razão do valor da causa; (e) competência em razão da pessoa (ratione personae). (LIMA. 2015. p. 326) 

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto o processo para concretização da competência estabelece etapas para a mesma, aqui encontram-se os critérios objetivos que podem ser observados no caso concreto que irão determinar a competência para aquela determinada situação. Esses critérios, estão ligados às características da lide propriamente dito, desta forma, as partes integrantes, ou o valor da causa, ou o local de domicílio do réu, ou o valor, ou se o réu exerce alguma função pública, são características da lide, que os critérios estabelecidos em lei serão parâmetros para determinar qual o juízo competente para aquele caso.

Ressalto a importância de não confundir as etapas de concretização da competência, as quais considero um processo doutrinário que vai levar a construção da competência de um juízo. Já os critérios para a determinação da competência são pressupostos reais estabelecidos em lei, que devem ser observados no caso concreto, para determinar o juízo competente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. São Paulo: Lejus, 2000.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas. 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo. Malheiros. 2003.

FERREIRA, Roberto dos Santos. Competência da justiça federal. Rio de Janeiro. Editora Independente. 1997.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo. Saraiva. 2017

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tocantins. Intelectus. 2003.

LIMA, Fernando. Teoria geral do processo judicial. São Paulo. Atlas 2015.

MARQUES, José Frederico. Ensaio sobre a jurisdição voluntária. Campinas. Millennium. 2000

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro. Forense. 1974/1978

MORE, Thomas. Utopia. São Paulo. Rideel. 2005

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Sobre o autor
Matheus Falcão Rangel Raulino

Advogado (OAB-PE 57.072). Estudei na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), onde conclui o curso de direito, também estou cursando paralelamente o curso de Ciências Atuariais na UFPE. Desde o 3º período do curso de direito que tive contato com o ambiente jurídico, primeiramente como estagiário na Procuradoria Fiscal do Município do Recife durante aproximadamente 1 ano e 9 meses (01/18-09/19), onde desenvolvia atividades de diligências externas em fóruns, controle processual, análise processual entre outras. Posteriormente aprovado no concurso de estágio do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) lotado no CARTRIS (Cartórios de Recursos a Tribunais Superiores), onde fui designado para auxiliar na secretaria do setor e após auxiliar no atendimento ao público, onde permaneci durante o período de 2 anos (09/19-09/21). Durante o período de estágio, concorri e venci a 1ª Edição da PREMIAÇÃO ANUAL: O FUTURO DO TUPE - PRÁTICAS INOVADORAS NO ESTÁGIO. Concomitante ao final do período de estágio no Tribunal, fui admitido na Associação Cultural de Literatura e Comunicação (05/21), onde tive a oportunidade de conciliar os dois cursos (devido a pandemia estavam em regime remoto), o estágio e o contrato de trabalho. Atuei primeiramente no setor financeiro da empresa, onde também desenvolvi atividades de análise de contratos entre outras atividades. Logo após fui convidado a atuar junto a superintendência, atuando como assistente do superintendente. Atualmente, formado, com OAB ativa, busco desenvolver atividades que possibilitem desenvolvimento da advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAULINO, Matheus Falcão Rangel. Jurisdição e competência: uma análise doutrinária teleológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6843, 27 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96684. Acesso em: 22 dez. 2024.

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