A revisão de aposentadorias está no centro da discussão do maior julgamento de todos os tempos. Talvez os envolvidos não tenham percebido, mas é por meio desse instituto que milhares de aposentados brasileiros poderão ter seus benefícios corrigidos corretamente, após o desfecho do mais importante julgamento envolvendo cálculos previdenciários no Brasil.
Será por meio da revisão previdenciária que aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social INSS poderão ter seus benéficos majorados com base em um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
A questão toda envolve a discussão acerca da aplicação de duas regras de cálculos nas aposentadorias. Pois existe a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, e a regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999.
Portanto, o cerne da controvérsia é definir se o segurado do INSS que ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior da publicação da lei nova (26/11/1999) pode optar, para o cálculo de seu salário de benefício, pela regra definitiva, quando esta lhe for mais favorável do que a regra transitória, por lhe assegurar um benefício mais vantajoso.
Nesse sentido, CASTRO (2021, p. 515), ao lecionar sobra a atual fórmula de cálculo do salário de benefício, prevista no artigo 29 da Lei nº 8213/1991, assevera que:
-Para a aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, o salário de benefício consistirá na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a 80% de todo o período contributivo. Multiplicada pelo fator previdenciário.
-Para aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, auxílio-doença e auxílio acidente. O salário de benefício consistirá na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a 80% de todo o período contributivo. Entre parêntesis, para esses benefícios, não há a multiplicação pelo fator previdenciário.
A compreensão dessa questão é imprescindível para os profissionais que atuam com o tema, a fim de que possa assessorar segurados e todos aqueles que militam na área trabalhista e previdenciária.
Breve histórico
A discussão veio à tona por iniciativa de um aposentado, o qual foi representado, em juízo, pela advogada Gisele Lemos Kravchychyn que ajuizou ação de revisão de benefício previdenciário em face do Instituto Nacional do Seguro Social INSS, buscando a revisão de seu benefício de aposentadoria, a fim de que seja computada no cálculo da sua renda mensal inicial a média dos salários de contribuição referentes a todo o período contributivo, conforme a nova redação do art. 29 da Lei 8.213/1991, e não somente aqueles vertidos após julho de 1994, como determina a regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999.
Isso porque, na regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999, o cálculo do salário de benefício é limitado a 80% das maiores contribuições relativas, unicamente, ao período posterior a julho de 1994.
Assim, o segurado argumenta que, como o art. 29 da Lei 8.213/1991 (na redação da Lei 9.876/1999) - que prevê o cálculo do salário de benefício com base nas 80% maiores contribuições de todo o período contributivo -, já estava em vigor no momento da concessão de sua aposentadoria, tem o direito de optar pela aplicação dessa norma, que lhe propicia um benefício previdenciário mais favorável.
No caso específico do autor da ação, pela regra definitiva, as contribuições vertidas ao longo de todo o período contributivo (1976 a 2003) são consideradas para o cálculo da renda inicial do benefício de aposentadoria.
Pois bem, o pedido foi julgado improcedente, pela Justiça Federal de Florianópolis, Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, sob o fundamento de não direito adquirido à aplicação da legislação anterior, de modo que o cálculo da RMI (renda mensal inicial) do benefício deveria observar a regra de transição disposta na lei nova.
Diante da negativa, o aposentado recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 , que, com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento à apelação para manter a sentença, reconhecendo a aplicabilidade da regra de transição, nos termos da seguinte ementa.
Mesmo assim, a defesa, opôs o recurso chamado de embargos de declaração, os quais, mais uma vez, foram rejeitados pelos julgadores.
Contudo, o corpo de defesa do segurado era formado por advogados brasileiros e, por essa razão, não desistem NUNCA! Logo, interpôs simultaneamente Recurso Extraordinário e Recurso Especial, ambos NEGADOS no TRF-4.
Diante de todas as negativas, os advogados agravaram a decisão, obrigando assim, a remessa do caso ao Superior Tribunal de Justiça STJ.
No STJ, o agravo foi convertido em Recurso Especial, o qual foi submetido ao rito dos recursos repetitivos, com a suspensão dos processos em todo território nacional, inclusive aqueles em trâmite nos Juizados Especiais.
Em seguida, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, aceitou ao Recurso Especial do segurado. Com a seguinte decisão:
Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213 /1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior a publicação da Lei 9.876/1999.
Insatisfeito, o INSS interpôs o presente Recurso Extraordinário, alegando em síntese, má aplicação dos dispositivos constitucionais pelo STJ.
No Supremo Tribunal Federal STF, o julgamento encontrava-se com a votação empatada em 5 X 5, faltando o voto de minerva do ministro Alexandre de Moraes, que desempatou a votação, votando para favorecer os aposentados do INSS. Em suas palavras:
Assim, a luz da jurisprudência desta CORTE que determina que (i) aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para inatividade para o cálculo da renda mensal inicial; e que (ii) deve-se observar o quadro mais favorável ao beneficiário; conclui-se que:
O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103 /2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso está lhe seja mais favorável.
VEJA ALGUNS CASOS REAIS DE REVISÃO DA VIDA TODA (FONTE: FOLHA DE S. PAULO)
Exemplo 1:
O aposentado de 64 anos, cuja profissão era fisioterapeuta, pediu o benefício ao INSS em outubro de 2016
O valor inicial de sua aposentadoria foi de R$ 1.962,16, na época
Antes de 1994, ele tinha 214 contribuições. Depois, eram 210 meses
Com a revisão, solicitada em outubro de 2020, o valor da aposentadoria é de R$ 2.256,22
O valor dos atrasados a que ele teve direito foi de R$ 17.457,71
Exemplo 2:
O segurado se aposentou por idade em setembro de 2018, com benefício de R$ 954
Ele tinha, ao todo, 312 contribuições, muitas delas entre o valor do salário mínimo e o teto
Com a revisão, pedida em 2019, o valor do benefício passou para R$ 5.194,41
Ele tem direito a R$ 88 mil de atrasados
Exemplo 3:
O segurado se aposentou por tempo de contribuição em 2014, com benefício no valor de R$ 2.839,15
Ele tinha 192 contribuições; entre 70% e 90% delas era no valor do teto do INSS
A revisão foi pedida em 2017
A aposentadoria subiu de R$ 4.453, 84 para R$ 5.778 neste ano
O valor dos atrasados é de R$ 106 mil
Exemplo 4:
O segurado pediu a aposentadoria por tempo de contribuição em 2009
O valor foi de R$ 1.352,81 na época
Ao todo, havia 220 contribuições pelo teto durante a maior parte do tempo antes de 1994
O benefício passou de R$ 2.944,75 para R$ 3.945,97 em 2022
O valor dos atrasados é de R$ 105 mil
Por fim, ao negar provimento ao recurso do INSS, Moraes sugeriu a seguinte tese:
O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103 /2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável.