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Direito e história: breve análise sobre os aspectos históricos e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas no Brasil à luz do art. 68 do ADCT e da Lei nº. 9.394/1996

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Analisamos como o estudo da história impacta na proteção dos direitos fundamentais das comunidades quilombolas, a partir da consideração de aspectos sociais, culturais e étnicos que particularizam a identidade do povo.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a finalidade de analisar a interligação do Direito e da História como mecanismos sociais capazes de tutelar os direitos constitucionais fundamentais das comunidades quilombolas.

Os direitos das comunidades quilombolas estão presentes na Constituição Federal de 1988, especificamente, no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Nesse sentido, cabe ressaltar que a identidade quilombola pertence a aspectos peculiares ligados à cultura de um povo, consubstanciando essas características à luta e resistência histórica dos quilombos.

Assim, as comunidades quilombolas podem ser caracterizadas como espaços de luta e resistência de um povo contra a opressão, levando em conta a construção de grupos sociais com o objetivo de ressaltar a autonomia quilombola frente às lutas travadas ao longo da História (HAETER; NUNES; CUNHA, 2013). Outrossim, é necessário salientar que as comunidades quilombolas possuem aspectos de grupo étnico e tradicional, sendo imprescindível a caracterização tradicional e cultural para o reconhecimento da identidade quilombola (FREITAS; SANTOS, 2021).

Diante disso, cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 68 do ADCT, diretrizes para a proteção dos direitos das comunidades quilombolas, com a finalidade de promover e implementar políticas públicas voltadas à saúde, educação e território dos remanescentes de quilombos (DA SILVA, 2020). Ademais, ao abrir discussões acerca do ensino de história na educação é importante ressaltar que a educação escolar quilombola deve ser baseada em mecanismos que evidenciem os processos educativos que possibilitem a implementação das concepções identitárias dos remanescentes de quilombos a fim de auxiliar na criação de um modelo educacional voltado para as comunidades quilombolas (MOREIRA; DE BRITO, 2017).

Portanto, é necessário analisar as disposições da Lei nº. 9.394/1996 e da Resolução nº. 8/2012 do Conselho Nacional de Educação sobre a educação escolar quilombola, bem como a viabilidade da implementação e promoção de políticas públicas efetivas para a preservação da cultura e identidade dos remanescentes de quilombos, haja vista a necessidade de proteção dos direitos e garantias fundamentais dos quilombolas, bem como a ligação existente entre o grupo social e o ensino de História. Por fim, é importante analisar a relação existente entre o Direito e a História e a necessidade de proteção dos direitos constitucionais fundamentais quilombolas, a partir de mecanismos sociais que enfatizam a tutela da identidade étnica e da cultura dos remanescentes de quilombos.


2 DIREITO E HISTÓRIA: UM ESTUDO SOBRE OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

Com o advento da Constituição Federal de 1988 os direitos e garantias fundamentais dos remanescentes de quilombos passou a ter maior reconhecimento na sociedade brasileira, de modo que o avanço das políticas públicas com a finalidade de garantir a preservação cultural e étnica foi visualizado nos âmbitos institucionais e educacionais (DA SILVA; DE SOUZA; MELO, 2021).

É importante ressaltar que devido ao avanço no campo de direitos e garantias fundamentais dos quilombolas, ainda é necessário políticas públicas voltadas para a implementação da preservação da cultura, identidade e etnicidade do grupo étnico nos currículos da educação escolar quilombola, uma vez que a modalidade está inserida em um campo com processos diversos de reconhecimento identitário ligados à luta e resistência dos remanescentes de quilombos (RIBEIRO; DOS SANTOS; DOS SANTOS, 2021).

Isso posto, a legislação brasileira estabeleceu mecanismos a fim de preservar a cultura e etnicidade quilombola nos currículos escolares do país, por meio da Lei nº. 10.639/2003 (altera a Lei nº. 9.394/1996) que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira na educação básica, assim como a Resolução nº. 8/2012 do Conselho Nacional de Educação que estabelece diretrizes curriculares para a Educação Escolar Quilombola (HAERTER; NUNES; CUNHA, 2013). Além dos instrumentos voltados para questão educacional, a legislação ainda estabeleceu diretrizes territoriais e de reconhecimento quilombola, conforme o Decreto nº. 4.887/2003, que preconiza o processo de identificação e titulação das terras quilombolas (BRASIL, 2003).

Com isso, é importante ressaltar que com as novas diretrizes curriculares, como a política de cotas e a obrigatoriedade do ensino de história afro-brasileira na educação básica, a educação escolar quilombola passou a ter destaque, evidenciando critérios fundamentais para a necessidade de criação de políticas públicas efetivas para a proteção da cultura dos quilombos, uma vez que mesmo com o avanço em aspectos essenciais para a representação e reconhecimento identitário é imprescindível que mudanças ocorram nos currículos da educação em modalidades diversas (DA SILVA, 2020).


3 ANÁLISE HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUILOMBOLAS: ENSINO DE HISTÓRIA E LEGISLAÇÃO VIGENTE

A constituição histórica do conceito de quilombo faz parte da memória e construção da identidade quilombola ao longo do período histórico em que os grupos sociais foram constituídos. A história dos quilombos é baseada na luta e na resistência do grupo social contra a opressão vivida ao longo de séculos, de modo que é crucial o debate sobre a necessidade de políticas públicas de cunho social para a proteção dos direitos dos quilombolas.

Nesse contexto, a relevância histórica dos quilombos, é instrumento social imprescindível para a compreensão da história de luta e resistência dos quilombos a fim de promover a transformação social (LEITE, 2019). Assim, é importante compreender os processos histórico desencadeado pela construção quilombola na busca pelos direitos fundamentais e sociais, a fim de pormenorizar aspectos característicos de luta, identidade e cultura, que estão presentes dentro da conceituação de remanescentes de quilombos (LEITE, 2019).

Nesse contexto, cumpre salientar que a Lei nº. 9.394/1996 foi alterada pela Lei nº. 10.639/2003, com o objetivo de promover o ensino da história e cultura quilombola, isto é, é obrigatório o ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira na rede de ensino da educação básica (BRASIL, 2003). Outra legislação especialmente importante é a Resolução nº. 8 de 20 de novembro de 2012 do CNE/CEB, que define as diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola na educação básica (BRASIL, 2012).

De fato, são legislações imprescindíveis para incluir no currículo escolar o ensino de história afro-brasileira e educação escolar quilombola, uma vez que é fundamental a discussão acerca dos direitos quilombolas. Debater sobre o surgimento, a história de luta e resistência à opressão, bem como a criação dos quilombolas e a reunião do grupo social como remanescentes de quilombos, caracterizam aprendizado essencial para promoção da cultura e identidade de um povo.

Diante disso, cabe ressaltar que o processo de construção quilombola é histórico e a luta por reconhecimento identitário, étnico e cultural perdura até a atualidade, uma vez que o movimento quilombola, é construído culturalmente e, é importante que existam políticas públicas capazes de proteger os direitos desse grupo social (LEITE, 2019).

Isso posto, a proteção constitucional advinda do art. 68 do ADCT foi um marco para o reconhecimento dos quilombolas como sujeitos de direitos, levando em consideração todo o período de luta desencadeado por inúmeros movimentos sociais, a fim de reivindicar os direitos de um povo e, paulatinamente, existe a necessidade de implementar nas escolas brasileiras currículos educacionais para tratar acerca dos direitos e garantias fundamentais dos remanescentes de quilombos, bem como criar ferramentas que resguardem a proteção cultural desse grupo étnico.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do Direito e da História como mecanismos de proteção dos direitos constitucionais quilombolas é imprescindível na atualidade, uma vez que é necessário demonstrar para a sociedade as lutas, resistência e transformações sociais dos remanescentes de quilombos.

Diante disso, observa-se que a legislação brasileira sobre a questão quilombola é fundamental, a fim de pormenorizar a implementação de políticas públicas para a proteção cultural, social e étnica dos quilombolas. Assim, a legislação busca enfatizar o ensino da história quilombola na educação básica, com o objetivo de abrir debates sobre a história de luta e resistência dos remanescentes de quilombos e, paulatinamente, a necessidade de políticas mais efetivas, que possam tutelar, de fato, os direitos fundamentais quilombolas.

Portanto, além da proteção constitucional e da legislação infraconstitucional sobre a educação quilombola pautada no ensino de história, bem como a tutela dos direitos sociais e territoriais das comunidades quilombolas prevista na Constituição Federal, é imprescindível que o Estado realize a criação e implementação de políticas públicas capazes de efetivar os direitos fundamentais e sociais dos quilombolas.

Nesse sentido, cumpre salientar que a História cultural, étnica e identitária dos quilombolas é ferramenta essencial para a compreensão dos aspectos tradicionais que englobam as características do grupo social. Assim, observa-se que os saberes interligados condicionam para uma análise crítica do surgimento dos quilombos, da história de luta e resistência, da proteção aos direitos fundamentais e sociais na atualidade, bem como da necessidade de tutela da cultura e etnicidade dos quilombolas.

Por fim, cabe destacar que analisar os aspectos da tradição quilombola é fundamental para o debate na atualidade em que a sociedade está inserida, posto que, além de discussões acerca dos territórios e da titularidade de terras, é importante verificar a proteção e garantia dos direitos constitucionais aos remanescentes de quilombos, baseando a compreensão histórica ligada ao saber jurídico a fim de promover a identidade cultural do grupo social.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 14 set. 2021.

BRASIL. Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm. Acesso em: 14 set. 2021.

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BRASIL. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 fev. 2022.

BRASIL. Resolução nº. 8 de 20 de novembro de 2012. Define diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola na educação básica. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_RES_CNECEBN82012.pdf?query=ensino%20m%C3%A9dio#:~:text=Define%20Diretrizes%20Curriculares%20Nacionais%20para%20a%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Escolar%20Quilombola%20na%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20B%C3%A1sica.. Acesso em: 28 fev. 2022.

DA SILVA, Givânia Maria. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola e os Desafios da Efetivação. Educação e práticas comunitárias [livro eletrônico]: educação indígena, quilombola, do campo e de fronteira nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Renata Montechiare, André Lázaro (orgs.). 1. ed. Brasília: Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, 2020.

DA SILVA, Elenilda Rangel; DE SOUZA, Greyssy Kelly Araujo; MELO, Tiara Santos. Educação Quilombola: Caminhos para Resistência Étnica e Sociocultural no Brasil. Serie Cadernos FLACSO. N19, p. 41, 2021. Disponível em: http://flacso.org.br/files/2021/07/Caderno_N19.pdf#page=41. Acesso em: 14 set. 2021.

FREITAS, Karollayne Nunes dos Santos; SANTOS, Raphael de Souza Almeida. O Direito como instrumento de preservação cultural: uma análise sociojurídica do reconhecimento da comunidade quilombola de Vargem Comprida (BA) como terra remanescente de quilombo. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 8, n. 01, e319, jan./jun. 2021. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v8i01.319. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/319. Acesso em: 09 set. 2021.

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LEITE, M. E. T. B. O CONCEITO DE QUILOMBO: HISTÓRIA E MEMÓRIA. Revista Científica de Educação, v. 3, p. e019010, 29 jul. 2019. Disponível em: https://seer.facmais.edu.br/rc/index.php/RCE/article/view/51. Acesso em: 25 fev. 2022.

MOREIRA, A. M. F.; BRITO, J. E. DE. As contribuições do movimento quilombola para a construção de uma proposta de educação específica. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, v. 26, n. 49, p. 119-137, 31 out. 2017. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/4025/2545. Acesso em: 14 set. 2021.

RIBEIRO, Alan Augusto; DOS SANTOS, Patricia Guimarães; DOS SANTOS, Joilson Vasconcelos. Quem é Professora no Quilombo? Docência, Escolarização e Identidade. Série Cadernos FLACSO. N19, p. 27, 2021. Disponível em: https://flacso.org.br/files/2021/07/Caderno_N19.pdf#page=27. Acesso em: 14 set. 2021.

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Sobre a autora
Karollayne Nunes dos Santos Freitas

Bacharel em Direito / Graduanda em História

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Karollayne Nunes Santos. Direito e história: breve análise sobre os aspectos históricos e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas no Brasil à luz do art. 68 do ADCT e da Lei nº. 9.394/1996. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6826, 10 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96723. Acesso em: 19 abr. 2024.

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