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Matrimônio e família no Direito Canônico

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07/04/2007 às 00:00
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1. O «Direito canônico do matrimônio e da família» como organização jurídica

A expressão «Direito canônico do matrimônio e da família» pode ser entendida como um setor do Ordenamento canônico ou como uma disciplina científica. O centro deste ordenamento jurídico e objeto de estudo deste ramo da ciência canônica são o matrimônio e a família, enquanto realidades primordiais e originárias.

Quando dizemos tratar-se de realidades originárias, queremos sublinhar o fato de que a sua «juridicidade» não é adquirida, mas natural. O fato de que o matrimônio e a família sejam realidades jurídicas não depende da existência de amplo número de normas ou de um completo sistema normativo que os protejam. Estas normas ou este universo normativo, de fato - seja do Estado seja da Igreja Católica - não só não conferem juridicidade à família mas sucede até o contrário. Justamente porque sociedade originária, com uma dimensão jurídica natural, são eles a dar vida e a encher de sentido jurídico todas as normas do ordenamento que os protegem.

«Instituição natural» e sistema normativo, vida e norma, estão numa concreta relação causal: a norma nasce da vida; não a vida da norma. Quando se trata de instituições vitais, como o são o matrimônio e a família, deve-se reconhecer que são eles a vitalizar as normas interiormente. É um engano pensar que a sua juridicidade derive do fato de que hajam algumas ou muitas normas - não importa se estatais ou eclesiais - sobre essa ligação.

O matrimônio e a família não são « ilhas lambidas pelo Direito» - como afirmado por uns autores - como se tratasse de realidades existenciais em que reinam o amor, os afetos, os sentimentos e os maiores ideais. Na medida em que a família fosse sadia e as coisas funcionassem bem, o Direito se manteria sempre ao largo. Esse, ao contrário, entraria em jogo no momento do conflito. As normas «jurídicas» serviriam justamente para resolver aqueles «problemas» que não deveriam nunca insurgir-se se as coisas andassem por seu justo lado. No momento do conflito, aquela ilha entra em contato com o mundo do jurista, de modo semelhante a uma pessoa que entra em contato com a medicina (e com o médico) no momento da doença.

Na base desta imagem - « ilha só lambida pelo Direito» - pode-se encontrar o resultado de um articulado processo de «reducionismos» [1]: «o direito identifica-se com a norma - normativismo - esta com a norma positiva - positivismo - e por fim esta última vem limitada à norma emanada ou feita valer pelo Estado - estatualismo -» [2]. Uma vez «limitado» assim o fenômeno jurídico - até ao ponto de identificá-lo com a força e o poder - não deve admirar se não se encontra nenhum ponto de contato entre o que é jurídico, de um lado, e a família ou o amor, do outro. No máximo, podem ser apenas «lambidos» pela força do Estado.

Este modo de entender a relação entre Direito e matrimônio e entre Direito e família é todo viciado pelo positivismo jurídico. «O matrimônio e a família não são realidades jurídicas pelo fato de que existam as normas positivas relativas a eles. Sucede exatamente o contrário: porque têm uma dimensão jurídica, eles são contemplados pelo direito positivo. Antes, mesmo porque realidade originária e originante, a família é uma sociedade "soberana"» [03]. Na «humilde» interioridade da união conjugal, «acessível a qualquer pessoa desprovida de poder e de glória ''humana'', esconde-se uma extraordinária, específica e exclusiva potestade soberana: o poder de gerar direito. Melhor ainda, o poder de gerar o primeiro dos vínculos jurídicos. Um autêntico poder institucional: um poder capaz de estabelecer vínculos jurídicos reais que articulem a realização das pessoas humanas. Em poucas palavras, a soberania de criar a primeira e fundamental instituição humana, ou seja, o matrimônio» [04].

Aquela ilha que parecia ser feita de tudo, exceto de Direito é paradoxalmente o berço de um direito soberano - que pertence a todo casal de esposos e que consiste no poder de constituir a primeira célula social. O poder e a força do Estado, de fato, podem apenas «lamber» esta realidade que é anterior a ele. A família «sociedade soberana» possui um poder e uma juridicidade intrínseca, que exige unicamente o seu reconhecimento por parte da sociedade (da cultura) não sendo necessitada do «placet» do Estado, já que é a ele anterior [5].

Parece por isso que a consciência da «soberania» da família deva ser também afirmada e reforçada pelos canonistas. Falar de soberania outro não é que sublinhar a juridicidade originária da família e isso, ao mesmo tempo, eqüivale a assinalar o motivo principal pelo qual o canonista pretende falar de direito de família: essa é uma realidade intrinsecamente jurídica. A sua juridicidade permaneceria a mesma até na hipótese absurda em que o sistema normativo canônico inteiro não tivesse nenhuma disposição relativa à família.

As observações anteriores constituem um modo novo de apresentar uma verdade de sempre: o matrimônio e a família são uma instituição «natural». Esta afirmação permite compreender que um Direito do matrimônio e da família não pode ser constituído se não dá um amplo núcleo de normas de direito natural; normas estas que devem estar na base de qualquer ordenamento do matrimônio ou da família, seja ele civil ou canônico. Não existe um matrimônio canônico nem um matrimônio civil, assim como não se pode falar de uma família canônica e de uma outra civil. Existe, ao contrário, um ordenamento canônico do matrimônio e da família, como existe um ordenamento estatal (cada Estado tem o seu) do matrimônio e da família [06]. Se estes «ordenamentos» têm o caráter da «juridicidade», isso se deve, antes de tudo, ao fato de que eles disciplinam a sociedade «soberana», fonte principal do seu vigor substancial.

1.1. As exigências de justiça do consórcio familiar

O canonista é sabedor do dever de estudar as exigências de justiça de uma realidade - a familiar - que não é simples fruto cultural da evolução do homem. Trata-se sim de «instituto natural», quer dizer, de uma forma de sociedade ou comunidade conveniente à dignidade da pessoa humana. O canonista deve descobrir as luzes que a «verdade do princípio» [07] projeta sobre as diversas culturas em que ele vive. Para dizer-lo brevemente, a natureza humana é essencialmente familiar e não é suficiente dizer que essa é meramente social.

O organizar-se do homem de modo familiar não foi um simples momento da evolução humana, de modo que chegados a um certo ponto os homens pudessem fazer descaso da família. Talvez as diversas intenções históricas de eliminação da família como instituto natural - operadas antes de tudo nos países de ideologia marxista - e também as transformações enormes que ela sofreu no Ocidente tenham contribuído a delimitar, melhor que a princípio, o que se deva entender por «família, instituto natural». A comunidade familiar pode organizar-se de fato em mil modos variados.

É necessário precisar o modo que nós conservamos e para isso deveriam reportar-se os conceitos de natureza e cultura no âmbito do direito de família. A este propósito são verdadeiramente iluminantes, apesar de simples, estas palavras de João Paulo II: «Não se pode negar que o homem sempre existe dentro de uma cultura particular, mas também não se pode negar que o homem não se esgota nesta mesma cultura. De resto, o próprio progresso das culturas demonstra que, no homem, existe algo que transcende as culturas. Este ''algo'' é precisamente a natureza do homem: esta natureza é exatamente a medida da cultura, e constitu condição para que o homem não seja prisioneiro de nenhuma das suas culturas, mas afirme a sua dignidade pessoal pelo viver conforme à verdade profunda do seu ser. Pôr em discussão os elementos estruturais permanentes do homem, conexos também com a própria dimensão corpórea, não só estaria em conflito com a experiência comum, mas tornaria incompreensível a referência que Jesus fez ao ''princípio'', precisamente onde o contexto social e cultural da época tinha deformado o sentido original e o papel de algumas normas morais (cf. Mt 19,1-9)» [08].

Não há nenhuma cultura que possa exaurir a verdade do princípio sobre a família. No mesmo momento em que o jurista quisesse afirmar a validade universal de uma concreta realização histórica da família, conquanto ótima e condizente com a dignidade do homem essa possa ter sido, seria todavia culpado de haver aprisionado a «natureza» humana num claro contexto cultural [09]. A «natureza» humana acaba sempre por apropriar-se destas indébitas pretensões da cultura, e o faz transcendendo-as.

Tão importante como afirmar o caráter natural do direito de família, é também sublinhar que se trata de um direito que transcende as culturas, mas que não pode viver sem elas. Natureza e cultura são duas dimensões da realidade, irredutíveis e ao mesmo tempo necessariamente conexas: «É próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma autêntica e plena realização. Por isso, sempre que se trata da vida humana, natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas» [10].

Os atos humanos são realmente prezados não tanto porque têm um certo encontro casual no seu contexto cultural, mas antes de tudo porque (e enquanto) eles são condizentes com a natureza humana. É justamente a natureza humana que enche de sentido e de significado os valores culturais. Ao mesmo tempo, porém, estes valores não podem pretender ter alcançado a perfeição daquilo que a natureza humana possa exigir num dado momento histórico. A natureza renasce de fato da cultura e não é prisioneira dela.

Se se parte de uma visão realista do fenômeno jurídico é imperioso sublinhar a singularidade do sistema jurídico: «o direito natural e o direito positivo integram-se em um único sistema jurídico, que é em parte natural e em parte positivo» [11]. Não existem duas ordens ou sistemas - o natural e o positivo - mas sim um único sistema jurídico onde as exigências de justiça «originárias» do matrimônio e da família (natureza) integram-se com as necessárias determinações históricas que formam o direito positivo (cultura). A escolástica já ensinava que, em linha máxima, a juridicidade da norma positiva deriva do direito natural seja «per modum conclusionis» seja «per modum determinationis» [12]:

  • a) Por exemplo, a lei canônica que impede a celebração do matrimônio àqueles que vieram de um vínculo conjugal prévio não é outra que uma «conclusão» da norma da indissolubilidade, que é de direito divino.

  • b) Estabelecer por outro lado que os agraciados pela dignidade da ordem não são habilitados para contrair matrimônio é uma «determinação» do direito divino-positivo. Isto é, sem a determinação feita pela legítima autoridade eclesial, os ordenados seriam habilitados para contrair um matrimônio válido. A autoridade determina o direito divino (ou natural), mas isso não significa que a força obrigante derive de modo arbitrário da mesma autoridade eclesial. O celibato sacerdotal, de fato, é um carisma que afunda suas raízes no Direito divino e é desse que toma a sua racionalidade jurídica.

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  • c) Limitar o «ius connubii» no estabelecer que os «machos» e as «fêmeas» menores respectivamente de l6 e de l4 anos de idade não possam celebrar matrimônio válido é também uma «determinação» positiva do direito natural. Durante séculos, o limite de idade era o dos 14 e 12 anos [13].

Falar de «determinações» do direito natural e do direito divino-positivo é útil para compreender que este direito é muito mais amplo do que habitualmente se pensa; ele é, de fato, a base de todo o ordenamento canônico. A juridicidade de toda norma canônica depende absolutamente do fato de que seja ao menos condizente com a dignidade da pessoa humana.

1.2. O ponto essencial do direito de família da Igreja é de fato constituído pelo ordenamento matrimonial

Por ordenamento matrimonial entendemos o conjunto de normas jurídicas (seja naturais ou positivas) que protegem o matrimônio. A grande maioria delas estão contidas no título VII do Livro IV do vigente Código de Direito Canônico promulgado no ano de 1983 [14]. Estas normas estruturam-se nos seguintes grandes temas: o cuidado pastoral e as formalidades preliminares à celebração do matrimônio, os impedimentos dirimentes, as normas relativas ao consentimento matrimonial, a forma da celebração do matrimônio, os matrimônios mistos, os efeitos do matrimônio, a separação dos cônjuges e, enfim, a convalidação do matrimônio.

Além disso, é importante destacar que, na prática, a grande maioria dos processos que têm lugar nos tribunais eclesiásticos são os relativos à declaração de nulidade do vínculo conjugal. Este fato exerce uma fortíssima pressão psicológica que leva a pensar que somente sejam verdadeiramente «canônicas» (isto é, jurídicas) aquelas normas que têm a ver com os processos de nulidade matrimonial.

1.3. Um exíguo setor do direito canônico de família é constituído pelas normas positivas que consideram as demais relações familiares, antes de tudo a paterno-filial

A relação paterno e materno-filial pode ser estudada da perspectiva do filho ou da dos genitores: no primeiro caso analisam-se o conceito de «filho», as possibilidades de distinguir diversos tipos de «filiação», a legitimação dos filhos, a adoção, os direitos dos filhos nos confrontos dos pais, etc.; da perspectiva dos pais, o tema central é «o pátrio poder», situação jurídica ao mesmo tempo ativa e passiva: ativa, já que os pais devem «exigir» dos filhos aquilo que é oportuno para o seu crescimento humano e cristão, passiva porque são também constrangidos nos confrontos dos filhos.

Parte integrante do « direito canônico de família» seriam ainda as normas que fazem referência seja ao «munus docendi», seja sobretudo ao «munus sanctificandi», isto é a educação dos filhos por um lado e, por outro, a administração dos sacramentos da iniciação cristã aos filhos submetidos ao pátrio poder: o batismo, a crisma, a eucaristia.

Há autores que além disso distinguem o «Direito de Família» do «Direito da Família» [15]. A distinção é oportuna pois enquanto o primeiro trata do direito de família considerado em modo abstrato, o segundo, ao invés, estuda as correlações de justiça existentes entre a família e outras instituições. Neste último contexto vem situada a «Carta dos direitos da família» publicada pela Santa Sé em 1983, onde são relacionados os principais deveres que todo Estado deve observar nos confrontos da família [16]. Na mesma ótica viriam estudados os «Direitos da família» nos confrontos da sociedade eclesial, que seriam também um tema canonístico, mas que está fora dos limites de um «Direito de família». Ainda que aceitemos a distinção entre «Direito de Família» e «Direito da Família», não obstante os motivos que logo apontaremos, nós preferimos falar do «Direito canônico do matrimônio e de família», seja como « o setor do ordenamento canônico que disciplina estes dois institutos, seja como a ciência que toma como objeto de estudo o setor de tal ordenamento» [17].


2. O «Direito canônico do matrimônio e de família» como disciplina canônica

2.1. Dificuldade para aceitar a existência de um «Direito canônico de família» como disciplina canônica autônoma

Uma coisa é falar das normas jurídicas referentes ao matrimônio e à família, outra coisa é afirmar que existe uma ciência que possa ser denominada «Direito canônico de família». Deve reconhecer-se que parecem ser muito fundadas as perplexidades e as dúvidas que não poucos canonistas demonstram nutrir frente àqueles que afirmam a existência deste novo âmbito da ciência canônica [18]. São assim tão poucos os estudos deste novo ramo científico que bastariam poucas páginas para fazer referência íntegra a toda a bibliografia relativa ao Direito canônico de família [19].

  • a) É verdade que, como já vimos, existe um consistente número de normas canônicas que se referem à família no seu conjunto de relações parentescas. Mas há de perguntar-se: isso é suficiente para que se possa falar de um Direito canônico de família? Um setor do direito canônico que quisesse estruturar-se em base de tais normas positivas, apareceria provavelmente como um anexo ao Direito matrimonial canônico e seguramente a ele subordinado [20].

  • b) Além disso, poderia também parecer que por trás do desejo de construir um direito canônico de família houvesse um certo e inconfessado complexo de inferioridade frente aos grandes sistemas de « Direito de família» do mundo civil [21]. Em todo Estado contemporâneo [22], de fato, estudam-se as normas relativas seja ao matrimônio seja à filiação e às outras relações familiares num conjunto que vem justamente denominado « Direito de família» . Quem quisesse fazer alguma coisa similar dentro do direito da Igreja já estaria fadado ao insucesso, pois que a normativa canônica sobre a família não tem a consistência suficiente para lá construir o que diz respeito a um completo sistema jurídico [23].

  • c) Enquanto o Direito matrimonial canônico conta com milhares de publicações científicas (entre artigos doutrinais e monografias) e mais de vinte manuais atuais a seu respeito [24], sobre « Direito canônico de família» , ao contrário, foram escritos pouco mais de uma dezena de artigos em revistas especializadas e algumas poucas e isoladas monografias. Poder-se-ia pensar, com razão, que antes de falar de « Direito canônico de família» , seria talvez melhor aguardar algum decênio mais, para ver se haverão frutos mais profícuos. Só então ter-se-ia uma base segura para decidir-se a construir um sistema bem articulado em que sejam estudados juntos o matrimônio e a família, sem que esta seja apenas um apêndice daquele.

2.2. Necessidade de redimensionar o «Direito matrimonial canônico»

Se a denominação «Direito canônico de família» pode resultar muito ambiciosa, talvez se possa afirmar que o « Direito matrimonial canônico» ficou muito ancilosado se consideramos as necessidades do tempo presente. Limitando-nos apenas ao âmbito eclesial, é por todos bem notado que, a partir do Concílio Vaticano II, operou-se um deslocamento do centro de atenções do estudioso. A constituição pastoral «Gaudium et Spes» [25] convida o fiel a voltar o olhar para «a dignidade do matrimônio e da família». Além disso, dois significativos documentos do magistério de João Paulo II têm como título: «Familiaris consortio» [26] um e «Carta às famílias» [27], o outro. É a família, toda e cada família, independentemente da raça ou da religião a que pertença, que é posta em foco no recente magistério da Igreja. Não fica esquecido o matrimônio, mas esse vem integrado na realidade mais ampla da família.

Atrás da denominação «Direito matrimonial canônico» se esconde freqüentemente uma visão muito positivista do direito da Igreja. Essa faz mais referências às normas canônicas que ao próprio matrimônio. Assim fazendo, corre-se o risco:

a) de considerar a realidade do matrimônio como um conjunto de normas e não como uma realidade «originária», de cuja natureza provêm concretas exigências de justiça;

b) de estudar o matrimônio de modo isolado e destacado da família, «esvaziando» o matrimônio do seu conteúdo mais essencial que é o ser uma relação familiar.

Estes riscos não são hipotéticos, e sim reais e muito difundidos. Pense-se, por exemplo, na facilidade com que são usadas as expressões «matrimônio canônico» e «matrimônio civil», como se com efeito esses existissem realmente. É preciso reforçar que existe apenas «um» matrimônio, o qual pode ser regulado pelo Direito canônico ou pelo civil, respectivamente. Pode ser de ajuda pensar o quanto seria bizarro falar de uma «família canônica» ou de uma «família civil» [28]. Uma tal denominação admira muito, enquanto é absolutamente pacífica e normal quando vem usada em referência ao matrimônio. A razão principal - ainda que não a única - desta diferença entre o matrimônio e a família reside no fato de que a família permanece ainda ligada mais à realidade existencial e concreta dos homens que ao império da lei. Enquanto sob a expressão «direito matrimonial canônico» esconde-se um modo muito positivista de olhar a realidade jurídica, a locução «Direito canônico de família» exprime melhor a idéia que é a própria família, e não as normas canônicas que dela se ocupam, aquilo que interessa principalmente ao canonista.

Com as observações anteriores, se compreenderá por quais motivos nós consideramos ótima a denominação de «Direito canônico do matrimônio e de família». O objeto deste ramo do Direito canônico é constituído fundamentalmente pelo estudo do matrimônio e da família, enquanto realidades que não podem ser estudadas de modo isolado: nem existe matrimônio sem a família (pelos motivos que veremos nas próximas páginas) nem esta sem aquele.

O desenvolvimento do sistema matrimonial canônico pode ser assentado sobre a base dos seguintes princípios, propostos em l987, por Viladrich [29]:

  • a) Revitalização da expressão canônica do matrimônio à luz do atual Magistério da Igreja sobre a sexualidade humana: «Uma visão renovada e mais completa da ordem da sexualidade induz a ciência canônica a uma decidida abertura às exegeses, à teologia e à antropologia para poder enriquecer o conteúdo semântico da expressão canônica» [30];

  • b) Aprofundar o princípio de consensualidade: exprimir com clareza a harmonia íntima que intercorre entre as exigências do amor humano pleno, o ato de esposar-se e o vínculo jurídico do matrimônio;

  • c) O sistema matrimonial da Igreja e a canonística devem concentrar-se mais nas preparações integrais ao matrimônio que nos seus aspectos patológicos;

  • d) Desenvolver o papel dos esposos e genitores no sistema matrimonial canônico;

  • e) Redimensionar a incidência dos tribunais eclesiásticos na crise do matrimônio;

  • f) Considerar o direito matrimonial no mais amplo quadro de um direito de família na Igreja.

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Sobre o autor
Adam Kowalik

professor de Direito Eclesiástico Público, juiz do Tribunal Eclesiástico do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOWALIK, Adam. Matrimônio e família no Direito Canônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1375, 7 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9720. Acesso em: 21 nov. 2024.

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