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Princípio da reserva do possível e o direito à saúde diante da pandemia do novo coronavírus

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02/02/2023 às 18:35

Resumo:


  • O trabalho analisa o Princípio da Reserva do Possível frente à pandemia de Covid-19, abordando a limitação no acesso à saúde e o direito à saúde como garantia constitucional.

  • Apresenta dados e discussões sobre a insuficiência de recursos do Estado para atender a demanda por atendimento médico-hospitalar durante a crise sanitária.

  • Conclui que houve limitações significativas ao direito à saúde, com prevalência da Reserva do Possível sobre o Mínimo Existencial, resultando em mortes por falta de atendimento adequado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Qual o direito de pacientes vítimas de covid-19 que não conseguiram acesso ao atendimento médico-hospitalar em razão da insuficiência de recursos da saúde pública?

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicação do Princípio da Reserva do Possível como justificativa para a limitação do acesso à saúde ocorrida durante a pandemia causada pelo novo coronavírus. Para isso, se faz um estudo abordando aspectos teóricos relevantes para a compreensão da problemática e análise de dados referentes ao período da pandemia. Nesse cenário, o presente trabalho tem como objetivo geral estudar o direito à saúde e a possibilidade de sua limitação. De forma específica, o estudo será em relação a limitação de recursos do Estado, que encontra fundamento no Princípio da Reserva do Possível, poder ser utilizada como justificativa para os casos dos pacientes vítimas de covid-19 que não conseguiram acesso ao atendimento médico-hospitalar em razão da insuficiência de recursos financeiros e materiais para a saúde pública. Com base nisso, se chega ao objetivo do estudo, gerando as conclusões cabíveis após a análise.

Palavras-chave: Direito a Saúde. Princípio da Reserva do Possível. Covid-19.

Sumário: 1. Introdução; 2 Dimensões dos direitos fundamentais; 3 Histórico do direito à saúde nas Constituições do Brasil; 3.1 Direito à saúde na Constituição Federal de 1988; 4 Direito ao mínimo existencial; 5 Princípio da reserva do possível; 6 Direito à saúde e a sua limitação fundada no princípio da reserva do possível; 7 Direito à saúde em meio à pandemia e o princípio da reserva do possível; 7.1 Resultados e discussões. Considerações finais. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2020 começaram a surgir os primeiros casos confirmados do vírus covid-19 no Brasil. A partir desse momento houve uma crescente busca por atendimento médico em razão da doença provocada pelo vírus e suas complicações. Nesse contexto, nasce a relação jurídica que será discutida no presente trabalho, a necessidade de atendimento médico-hospitalar diante da pandemia causada pelo novo coronavírus e a limitação de recursos do Estado para atender a demanda que surgiu.

É sabido que o direito à saúde encontra seu respaldo na Constituição Federal. Contudo, há de se destacar que o Estado encontra limitações de ordem econômica e orçamentária para garantir a todos de forma concreta os direitos constitucionalmente e legalmente previstos. Frente a esse panorama surge o Princípio da Reserva do Possível, o qual visa justificar a garantia deficitária dos direitos fundamentais da pessoa humana, dentre eles o direito à saúde, por parte do ente estatal.

Tendo em vista o acima explicitado, torna-se apropriado para o momento atual, no qual todo o mundo foi fortemente impactado pelo novo coronavírus, a análise do direito fundamental à saúde frente às limitações do estado e ao Princípio da Reserva do Possível.

Essa relevância se destaca por tratar de uma situação atual, que é a pandemia causada pelo coronavírus, que trouxe uma maior demanda ao sistema de saúde brasileiro, destacando a necessidade de se buscar mecanismos que viabilizem a garantia ao direito à saúde que é garantido constitucionalmente a todos os brasileiros e residentes no brasil indistintamente.

Além disso, o trabalho trata de um direito de todos que foi amplamente afetado nesse período, que é o direito à saúde, pois, com a crescente demanda por atendimento médico-hospitalar, muitas pessoas foram impossibilitadas de receber o atendimento que precisavam em razão da ausência dos meios necessários.

Nesse cenário, o presente trabalho tem como objetivo geral investigar o direito à saúde e a possibilidade de sua limitação. De forma específica, o estudo analisará a limitação de recursos do Estado, que encontra fundamento no Princípio da Reserva do Possível, poder ser utilizada como justificativa para os casos dos pacientes vítimas de covid-19 que não conseguiram acesso ao atendimento médico-hospitalar.

Em relação ao método de pesquisa utilizado foi realizada Pesquisa Bibliográfica em conjunto com análise de dados. Para isso, explorou-se literaturas envolvendo fontes secundárias como: legislações, materiais virtuais, e-books e outros.

O pressente artigo está estruturado em sete sessões, apresentando referencial teórico e desenvolvimento da pesquisa a partir da segunda. Inicialmente, aborda-se as dimensões dos Direitos Fundamentais, seguido pela terceira sessão, na qual é realizado o levantamento do histórico do direito à saúde nas Constituições do Brasil, e em especial na Constituição da República de 1988.

Por sua vez, na quarta sessão, analisa-se o Princípio do Mínimo Existencial e seu desenvolvimento de acordo com a necessidade de alguns países em razão da ausência de direitos basilares, o que gerava maior vulnerabilidade da população. Ao passo que na quinta sessão disserta-se sobre o Princípio da Reserva do Possível, justificativa que o Estado possui limitações para efetivar concretamente todas as garantias e direitos constitucionalmente e legalmente previstos para todos que necessitarem.

Limitar um direito fundamental para manutenção da vida é de fato algo a ser feito com muita cautela, mister se faz essa abordagem na sexta sessão, para tão somente discorrer na sétima sessão sobre o direito à saúde em meio à pandemia e o Princípio da Reserva do Possível.

A pandemia do coronavírus até o mês de novembro de 2021, causou aproximadamente 610.000 (seiscentas e dez mil) mortes no Brasil, de acordo com o Painel Coronavírus. Tal fato é reflexo de diversos fatores como será exaustivamente exposto na presente pesquisa, razão pela qual encerra-se a pesquisa realizando análise de resultados e discussões sobre os questionamentos propostos.


2. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Quando se analisam as dimensões dos direitos fundamentais, é possível perceber que a sociedade percorreu um longo caminho para a conquista de seus direitos, passando por inúmeras transformações, portanto são direitos históricos, nascidos em certas circunstâncias, especialmente marcados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes.

Os direitos fundamentais possuem uma divisão doutrinária instituída que facilita sua compreensão de aplicação e origem. A doutrina classifica os direitos fundamentais em gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, cada uma com características próprias.

A primeira dimensão dos direitos fundamentais conta com direitos que realizaram uma limitação no poder Estatal em face das liberdades individuais. Nesse sentido leciona Padilha: “A primeira dimensão de direitos fundamentais foi construída em 1789 com a revolução francesa e buscava impor limites à atuação do Estado e à criação de um Estado liberal” (PADILHA, 2020, pág. 345).

Conforme ensina Nunes Junior, “nos direitos de primeira dimensão, o Estado tem o dever principal de não fazer, de não agir, de não interferir na liberdade pública do indivíduo” (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 817). Dessa forma, se trata de uma dimensão conhecida por direitos, que exigem um não-fazer por parte do Estado, sendo composta por direitos de natureza negativa no que se diz respeito a atuação do poder estatal.

Como exemplos de direitos que constituem a primeira dimensão dos direitos fundamentais pode-se citar o direito à propriedade privada, direito à vida e direitos políticos.

Já em relação aos direitos de segunda geração, há uma exigência de atuação positiva por parte do Estado. Enquanto os direitos de primeira dimensão prezam por diminuir a atuação estatal garantindo mais liberdade social, os direitos de segunda dimensão surgem com a necessidade de ação do Estado para sua efetividade.

Nesse sentido, quando se trata de direitos de segunda dimensão “ao contrário dos direitos de primeira dimensão, aqui o Estado tem o dever principal de fazer, de agir, de implementar políticas públicas que tornem realidade os direitos constitucionalmente previstos” (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 818).

Assim, considera-se que direitos fundamentais de segunda dimensão são direitos de cunho positivo, pois exigem um fazer por parte do Estado. Diante disso, Padilha leciona que “Por isso, são conhecidos como direito à prestação positiva (facere), dentre os quais se destacam os direitos sociais como saúde, trabalho, alimentação, educação, salário mínimo e aposentadoria, dentre outros” (PADILHA, 2020, pág. 346).

Assim, como direito fundamental de segunda dimensão encontra-se também o acesso à saúde, como direito de cunho positivo que exige ação do poder estatal para que possa ser efetivado como previsto constitucionalmente.

Há também os direitos de terceira dimensão, que são aqueles que possuem natureza ampla, para amparar uma coletividade, A terceira dimensão de direitos fundamentais foi criada em razão da necessidade de tutela dos direitos de toda a sociedade, por isso são os chamados direitos metaindividuais ou transindividuais (direitos difusos e coletivos strictu sensu), como o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à solidariedade, ao desenvolvimento, à fraternidade e assim por diante (PADILHA, 2020).

Assim, são direitos voltados para a coletividade, de forma que sejam efetivados para uma melhor convivência e qualidade de vida para a sociedade, pois são direitos que tutelam o bem-estar social, resguardando fatores que afetam a sociedade de forma coletiva.

Continuando, a doutrina também reconhece que existem os direitos fundamentais de quarta dimensão. A esse agrupamento pertencem os direitos que se relacionam ao contexto de novas tecnologias, pois visam tutelar as garantias já existentes para que não ocorram violações diante dos avanços tecnológicos. Assim, “Para parte da doutrina, direitos de quarta dimensão são os direitos decorrentes do avanço tecnológico, mormente relacionado à ciência genética, à noção de biodireito e biotecnologia.” (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 820).

Portanto, os direitos que surgem na quarta dimensão dos direitos fundamentais têm a finalidade de proteger bens jurídicos de perigos decorrente das novas tecnologias. Então os direitos de quarta geração “nascem todos dos perigos à vida, à liberdade e à segurança, provenientes do aumento do progresso tecnológico” (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 820).

Os avanços tecnológicos trouxeram a necessidade de se tutelar também bens jurídicos que poderiam ser afetados no meio virtual. Dessa forma, surge a quinta dimensão dos direitos fundamentais como forma de tutelar também esses bens jurídicos que poderiam ser afetados nesse meio. Portanto, afirma-se que “Assim, a quinta dimensão é apontada como o direito cibernético, o que engloba tutela de software, direito autoral pela internet, proteção dos crimes virtuais e assim por diante” (PADILHA, 2020, pág. 346).

Por último, a doutrina ainda trata da sexta dimensão dos direitos fundamentais, que seria a garantia da busca pela felicidade como um direito, conforme leciona Padilha “A sexta dimensão de direitos fundamentais já está sendo construída e, para alguns, seria o direito de buscar a felicidade” (PADILHA, 2020, pág. 346).

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3. HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

O direito à saúde como direito constitucional da forma que se tem hoje é fruto de uma construção histórica que levou em consideração diversos fatores. A cada nova Constituição Federal foi possível notar uma diferença no tratamento do direito à saúde, trazendo uma gradativa evolução até chegar ao ponto que se apresenta na nossa constituição atual.

Na Constituição Imperial (1824) ainda não se tinha expressamente a previsão de que a saúde é direito de todos. Esse texto constitucional trouxe de forma tímida e sem muitas explicações, o direito aos “socorros públicos” que era garantido aos cidadãos brasileiros.

Assim, a Constituição de 1824 trazia a seguinte previsão:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.

(...)

XXXI. A Constituição também garante os socorros públicos (BRASIL, 2021).

A Constituição de 1891 não trouxe grandes mudanças em relação ao que seria o início da previsão constitucional da garantia ao direito à saúde. Nesse texto não havia mais o termo “socorros públicos” e o que se pode entender como referência à uma tutela sanitária é o previsto no art. 72, caput da referida carta magna, que prevê a segurança individual: “Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (...)” (BRASIL, 2021).

Já a Constituição Federal de 1934 trouxe de forma mais clara o direito à saúde em seu texto. No art. 10, ela tratou da competência em relação a cuidar da saúde, sendo que seria da União e dos estados: “Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) II - cuidar da saúde e assistência públicas;” (BRASIL, 2021).

Além de expressar de quem seria a competência para tratar da saúde, também ditou que trabalhadores e gestantes teriam acesso à assistência médica:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. 

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: 

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante (...). (BRASIL, 2021).

Pouco tempo depois, surge uma nova constituição, em 1937. O novo texto constitucional trouxe uma mudança em relação à competência, pois passou a prever que seria apenas da União a competência para legislar sobre normas de proteção à saúde.

Em 1946, com a nova constituição não vieram avanços em relação a constitucionalização do direito à saúde. Ela manteve o que já existia em relação a competência para legislar a esse respeito.

Posteriormente, a Constituição de 1967 veio mantendo a previsão constitucional em relação a competência legislativa e inovando com o direito a assistência médica preventiva para os trabalhadores:

Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

(...)

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva; (BRASIL, 2021).

Já na nova ordem, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inseriu em seu art. 6º o direito à saúde como um direito social, compreendido como uma prestação positiva do Estado, bem como estabeleceu em seu art. 194 que o direito a saúde faz parte da seguridade social, que ao lado dos art. 196 e 201 da Constituição Federal fixam uma estrutura política complexa para o sistema de saúde brasileiro.

3.1 Direito à saúde na Constituição Federal de 1988

Primeiramente, cabe mencionar que o conceito de direito à saúde compreendido por meio da Carta Magna é:

Um dever do Estado, um direito fundamental de prestação de saúde que deve ser garantido mediante a execução de políticas públicas sociais e econômicas. Estas devem ser realizadas mediante políticas públicas de saúde, para as quais o Estado tem o dever de alocar recursos financeiros em prol de um acesso universal e igualitário aos serviços públicos de saúde (CUNHA, 2019, pág. 170).

A Constituição Federal elenca diversos Direitos Sociais em seu texto, tratando-se de normas que geram uma obrigação para o Estado de agir em prol de sua efetivação. Nesse sentido ensina Rodrigo Padilha: “Os direitos sociais exigem prestação positiva (obrigação de fazer) dos Poderes Públicos, sendo, por isso, chamados de direitos prestacionais ou direitos de promoção” (PADILHA, 2020, pág. 882).

Dentre os direitos previstos na Constituição Federal como Direitos Sociais tem-se o direito à saúde, conforme previsão do art. 6º do texto constitucional: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2021).

Dessa forma, é possível afirmar que o acesso à saúde no Brasil tem fundamento em uma garantia Constitucional, que exige do Estado uma postura ativa com o propósito de materializar o direito previsto na Carta Magna.

A determinação de prestação positiva do Estado na efetivação da norma constitucional que prevê o Direito à saúde está fundamentada também no próprio texto da Constituição Federal:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 2021) (grifo meu).

Outro destaque dado pela Constituição Federal para o direito à saúde encontra-se no art. 194, que traz de forma expressa que se trata de um direito integrante da seguridade social. Isso quer dizer que é um direito a ser assegurado por meio de ação do poder público e também da sociedade.

Portanto, é possível afirmar que a Carta Magna estabelece o Direito à saúde a todos, sendo uma obrigação Estatal agir para garantir a efetividade desse direito. Isso por meio de ações no sentido de garantir o acesso à saúde nas formas necessárias e, inclusive, de forma preventiva.

A sua consagração na Constituição da República de 1988 foi um dos principais avanços dos direitos fundamentais sociais, tendo em vista que, conforme foi exposto, em constituições pretéritas esse direito foi pouco mencionado.

A Constituição Federal, notadamente no art. 197, vem alegando que a saúde é de relevância pública, cabendo ao Poder Público, dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, podendo os serviços de saúde serem prestados diretamente pelo Estado ou, também, por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

No Brasil os serviços e ações de saúde pública são disponibilizados a todos os brasileiros e residentes no país, de forma universal, isonômica, igualitária e sem privilégios, conforme determina o art. 198 da Constituição Federal de 1988, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, sendo que a União deve aplicar um valor mínimo do seu orçamento anual no para manter o referido sistema operante.

O texto constitucional traz outro destaque aos cuidados relativos à saúde quando prevê no art. 201 sobre a previdência social, elencando amparo, por exemplo, a trabalhadores, gestantes e incapacitados.

Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 traz em seu arcabouço uma série de mecanismos de proteção ao direito à saúde, regulamentando o seu acesso e determinando que o Estado deve agir positivamente com o fito de implementar políticas públicas visando a garantia ao acesso ao sistema de saúde pública a todos indistintamente.


4. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL

A previsão do direito ao mínimo existencial surgiu na Alemanha e teve seu desenvolvimento de acordo com a necessidade de alguns países em razão da ausência de direitos basilares, o que gerava maior vulnerabilidade da população.

Nesse sentido, em relação ao surgimento do Mínimo Existencial conforme Nunes Junior:

A teoria do mínimo existencial dos direitos sociais, que teve origem na Alemanha, como descrevemos no início deste capítulo, fortaleceu-se ao longo das últimas décadas, sobretudo nos países em desenvolvimento, em razão do déficit histórico na implementação dos direitos sociais mais basilares, como saúde e educação (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 1299).

Nesse sentido, é possível inferir que a Teoria do Mínimo Existencial surge como uma forma de suprir a ausência de garantias essenciais. Além disso, cabe destacar que essa teoria também se relaciona com a Reserva do Possível, pois ambas se relacionam no entendimento de que o Mínimo Existencial busca minimizar os efeitos negativos da Teoria da Reserva do Possível. Nesse contexto, a Teoria do Mínimo Existencial “é uma tentativa de minimizar os riscos decorrentes da teoria da reserva do possível” (NUNES JUNIOR, 2019, pg. 1299).

Apesar de não estar expressamente prevista na Constituição Federal, a Teoria do Mínimo Existencial se trata de um direito assegurado pela constituição, em razão da interpretação ampla garantida no Art. 5º, §2º da Constituição Federal.

Dessa forma, mesmo sem previsão expressa na Constituição Federal, o Princípio do Mínimo Existencial está literalmente no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do qual o Brasil é signatário conforme o decreto no 591, de 6 de julho de 1992.

O art. 11, 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, prevê que:

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento (BRASIL, 2021).

Assim, ainda segundo o entendimento de Nunes Junior, “a garantia da tutela estatal do mínimo existencial tem natureza constitucional, independentemente de previsão expressa” (NUNES JUNIOR, 2019, pág. 1301).

Dessa forma, tem-se como um direito fundamental para a sociedade a garantia do Mínimo Existencial, pois por meio dela tem-se estabelecido direitos necessários para que seja possibilitada uma vida digna. Portanto, concluímos que a proteção ao Mínimo Existencial é constitucionalmente assegurada, sendo ela corolário do direito à vida, da dignidade da pessoa humana e da cidadania.

Para que se compreenda o que é considerado mínimo existencial, a análise deve ser feita de acordo com as variadas realidades sociais existentes. Nesse sentido, “Entendemos que a definição do mínimo existencial não pode ser feita aprioristicamente, desprendida da realidade social e da conjuntura política e econômica de um país” (NUNES JUNIOR, 2019, pg. 1307).

O direito ao Mínimo Existencial diz respeito a garantias mínimas que os indivíduos de um determinado contexto social necessitam para que possam viver de forma digna. Isso se refere a direitos garantidos pelo Estado e também aos meios para exercê-los, de modo que se tenha concretizado materialmente os direitos necessários para uma vida digna.

Portanto, o Mínimo Existencial consiste em um núcleo de direitos mínimos que devem ser assegurados a todos os indivíduos para que seja garantida a dignidade da pessoa humana. Assim, o mínimo existencial abrange todas as condições e elementos necessários para a manutenção de uma vida digna, livre e participativa, possuindo estreita relação com a realização dos direitos fundamentais, amplamente considerados.

Quando se é privado do Mínimo Existencial, o ser humano perde o direito de ter uma vida digna. Dessa forma, quando se pretende buscar um direito, seja na esfera administrativa, ou na judicial, fundamenta-se no mínimo existencial, conforme se percebe da decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ:

ADMINISTRATIVO- CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS- POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS- DIREITO À SAÚDE- FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS- MANIFESTA NECESSIDADE- OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO? AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES- NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido.

Portanto, é possível concluir que os tribunais vêm proferindo decisões que resguardem o direito básico ao mínimo existencial, a fim de garantir a dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Eduarda Milhomem Viana

Advogada, pós-graduanda em direitos e garantias fundamentais e em tribunal do júri e execução penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANA, Eduarda Milhomem. Princípio da reserva do possível e o direito à saúde diante da pandemia do novo coronavírus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7155, 2 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97643. Acesso em: 30 dez. 2024.

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