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A pena de morte automática e obrigatória no Caribe anglófono.

Raízes coloniais e jurisprudência internacional

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04/06/2022 às 09:33

Resumo:


  • A pena de morte automática e obrigatória nos Estados caribenhos anglófonos é criticada por violar direitos humanos, sendo considerada uma privação arbitrária da vida, conforme entendimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

  • A jurisprudência internacional, incluindo decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tem se posicionado contra a natureza compulsória da pena de morte, destacando a necessidade de considerar as circunstâncias individuais de cada caso.

  • A Corte Caribenha de Justiça, diferentemente do Comitê Judiciário do Privy Council, tem adotado uma abordagem mais crítica à pena de morte obrigatória, promovendo uma interpretação constitucional que busca alinhar as leis nacionais com os direitos humanos internacionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. A pena de morte automática e obrigatória: os casos Nervais e Severin na Corte Caribenha de Justiça

No que se refere à polêmica em torno do caráter automático e obrigatório da pena de morte na tessitura jurídica dos Estados independentes do Caribe de língua oficial inglesa, a Corte Caribenha de Justiça, na década de 2010, embora não tenha se deparado com o quantitativo de casos concretos enfrentados, naquele decênio, pelo Comitê Judiciário do Privy Council, diferenciou-se do JCPC pela linha de argumentação marcadamente decolonial, ao realizar o paradigmático julgamento em conjunto, em 27 de junho de 2018, dos casos Nervais and The Queen e Severin and The Queen.

Com efeito, no julgamento em conjunto dos casos Nervais (Apelação CCJ nº BBCR2017/002) e Severin (Apelação CCJ nº BBCR2017/003), a Corte Caribenha de Justiça declarou que o artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994 viola os artigos 11, alínea c, 12, nº 1, 15, nº 1 e 18, nº 1, da Constituição barbadiana de 196690. Diante do conflito entre a “lei existente e a Constituição” (“existing law and the Constitution” 91), deveria prevalecer a Constituição de Barbados de 1966, de modo que os tribunais aplicassem as leis à luz do preconizado pela Ordem de Independência de 196692. Cuidar-se-ia do múnus de o Poder Judiciário formular interpretação conforme que tivesse o condão de harmonizar tais disposições legais com a Lei Fundamental, notadamente com a sua Bill of Rights93 94, à vista do dever judicial de assegurar a conformidade das leis à Constituição95.

Entendeu a Corte Caribenha de Justiça, no voto majoritário dos casos Nervais e Severin, que o caráter mandatório da pena de morte é que torna a pena de morte inconstitucional96: a CCJ abraçou a perspectiva de que o componente compulsório da pena de morte é prejudicial ao processo judicial, na medida em que estabelece espécie de automatismo no ato de julgar, que vulnera a legitimidade e independência do Poder Judiciário e compromete o direito a julgamento justo97. Ao mesmo tempo, a CCJ ressalvou que, conquanto a pena de morte seja punição cruel e desumana, as penas capitais anteriores à Constituição vigente encontram-se imunes à impugnação constitucional98.

Para declarar inconstitucional a pena de morte automática e obrigatória insculpida, a título de preceito secundário do crime de homicídio em sentido amplo (murder), no artigo 2º Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994, a maioria da Corte Caribenha de Justiça, nos casos Nervais e Severin, necessitou se pronunciar acerca da recepção ou não, pela ordem constitucional de 1966, do artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1868, correspondente ao artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994, o que tornou inafastável debruçar-se sobre o alcance da cláusula geral de exclusão radicada no artigo 26 da Constituição de Barbados de 1966.

O eixo argumentativo da maioria99 dos casos Nervais e Severin esteou-se na inferência de que a vedação, irradiada por cláusulas gerais de exclusão, ao controle judicial incidental de constitucionalidade do bloco normativo de origem colonial é incompatível com a promoção da igualdade humana que redundou na marcha para a independência política do Caribe anglófono100. Em outras palavras, o voto majoritário, no julgamento em conjunto dos casos Nervais e Severin, considerou reprochável o ponto de vista segundo o qual norma jurídica pré-colonial, pelo mero fato de ter sido prévia à independência do respectivo Estado caribenho de língua inglesa, teria, por si só, o condão de obstar o Poder Judiciário de proceder ao exame da sua (in)constitucionalidade101.

Nessa ordem de ideias, estruturada no voto majoritário dos casos Nervais e Severin, a observância literal, pelo Poder Judiciário, da saving clause do artigo 26 da Constituição barbadiana de 1966, ao imunizar o bloco jurídico pré-independência de qualquer aferição de constitucionalidade, privaria, de modo perpétuo, todas as pessoas em Barbados de usufruírem direitos e liberdades fundamentais102. Em outros dizeres, salientou-se que a interpretação literal das cláusulas de exclusão tem alijado parcela significativa de caribenhos de direitos e liberdades fundamentais, ainda que esteja sendo, gradativamente, esposada compreensão mais dilatada do escopo de tais direitos e liberdades de estatura constitucional103.

Assim, a Corte Caribenha de Justiça, nos casos Nervais e Severin, criticou a justificativa tradicional para as saving clauses de que, no ordenamento jurídico dos Estados independentes do Caribe anglófono, o common law (direito consuetudinário pré-independência) englobaria todos os direitos aos quais os povos então recém-emancipados poderiam aspirar e que, portanto, caberia à Bill of Rights (Carta de Direitos Fundamentais a figurar, em lugar de destaque, na topografia das Constituições dos Estados independentes do Caribe de língua oficial inglesa) adstringir-se a fomentar a conformidade constitucional do contingente de leis pós-independência (e jamais pré-independência). Sublinhou-se que tal discurso de justificação das cláusulas gerais de exclusão positivadas no Direito Positivo do Caribe anglófono seria incompatível com o projeto decolonial (manifestado nos considerandos da Resolução 1514 (XV), de 14 de dezembro de 1960, da Assembleia-Geral da ONU104) de propiciar aos povos emancipados o exercício do seu direito inalienável à liberdade completa, bem como à soberania e à integridade do seu território nacional (inclusive o direito de que os povos libertos do jugo colonial possam, de forma livre, determinar o seu status político e promover o seu desenvolvimento econômico, social e cultural)105. Na perspectiva da CCJ, a cláusula de exclusão de âmbito geral consiste em redução inaceitável da liberdade conquistada pelos povos que se libertaram do domínio colonial, mobilizados pela “fé inabalável nos direitos humanos fundamentais” (“unshakeable faith in fundamental human rights”)106.

Ponderou-se, nos casos Nervais e Severin, que esse efeito imunizante acarretado pela interpretação literal das cláusulas de exclusão de cunho geral faz com que as leis e sanções do período colonial fiquem presas em limbo temporal, atreladas irremediavelmente à sua forma primeva, infensas aos efeitos e à constante evolução dos direitos e liberdades fundamentais aplicáveis à contextura de cada caso concreto107. Nessa óptica, a exegese literal das saving clauses, ao deflagrar esse efeito de cristalização e perpetuidade do Direito Colonial Infraconstitucional, frustraria, de maneira permanente, os princípios constitucionais segundo os quais a Constituição é a lei suprema e o Poder Judiciário é independente108.

Para alicerçar tal discurso decolonial, a composição majoritária da Corte Caribenha de Justiça arrimou-se nos diplomas legislativos fundantes do Direito Constitucional Positivo de Barbados.

A independência barbadiana começou com a Lei de Independência de Barbados de 17 de novembro 1966109, ato legislativo do Parlamento britânico cujo artigo 5º, combinado com o seu artigo 1º, autorizou a promulgação, em 30 de novembro de 1966, da Ordem de Independência de Barbados110, a encerrar, em seus anexos, a Constituição até hoje vigente no mencionado Estado caribenho.

Dessa forma, nos casos Nervais e Severin, a maioria da Corte Caribenha de Justiça invocou o artigo 4º, nº 1, da Ordem de Independência de Barbados de 30 de novembro 1966, que preconizara a conformação quer à antecedente Lei de Independência de Barbados, quer àquela subsequente Ordem de Independência, de todas as leis existentes, incluindo-se as que já existiam no ordenamento jurídico colonial (“the existing laws shall be construed with such modifications, adaptations, qualifications unawed exceptions as may be necessary to bring them into conformity with the Barbados Independence Act 1966 and this Order”)111. Nesse sentido, remarcou (a maioria formada na Corte Caribenha de Justiça nos casos Nervais e Severin) que, conquanto essa interpretação constitucional não pudesse remover as máculas do regime colonial, encontrava-se consentânea com o anseio da sociedade de que as leis se ajustassem à Constituição, ante o seu cariz de lei suprema da Nação barbadiense, e não se calcificassem, como se estivessem a refletir, ad aeternum, o panorama jurídico do período colonial112.

De acordo com essa perspectiva constitucional abraçada pelo voto majoritário da CCJ nos casos Nervais e Severin, a obrigatoriedade da pena de morte, divisada pelo artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1868, não fora recepcionada pela ordem constitucional de 1966, uma vez que o artigo 4º, nº 1, da Ordem de Independência de Barbados, de 30 de novembro de 1966, impusera a conformação das normas jurídicas coloniais àquela Constituição barbadiana que surgira no seio da mencionada Ordem de Independência113.

Portanto, a supremacia da Constituição barbadiana seria beneficiada pela clivagem levada a efeito pelo artigo 4º, nº 1, da precitada Ordem de Independência, que determinava a conformação das normas jurídicas coloniais ao disposto não só na Lei de Independência de Barbados, como também na supracitada Ordem de Independência, cujo conteúdo global abrangia, em seus anexos, a própria Constituição do novo Estado caribenho, de sorte que conformar o Direito Colonial, de forma explícita, à Ordem de Independência implicaria, de maneira implícita, harmonizá-lo com a Constituição veiculada em tal Ordem114.

Partindo da premissa de que a ordem constitucional de 1966, por meio do filtro encaixilhado no artigo 4º, nº 1, da Ordem de Independência de 1966, depurara a pena de morte divisada pelo artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1868 de índole compulsória, convolando-a em pena de morte doravante discricionária (sujeita ao juízo discricionário do Poder Judiciário), a Corte Caribenha de Justiça, nos casos Nervais e Severin, concluiu que o artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994 não estava imunizado pela cláusula geral de exclusão do Direito Colonial encastoada no artigo 26 da Constituição de Barbados de 1966115.

Com efeito, nos casos Nervais e Severin, esse constructo pretoriano delineado pelo voto majoritário da CCJ foi objetado pelo voto dissidente do Justice Winston Anderson, para quem a Constituição de Barbados de 1966, uma vez promulgada, inaugurou novo ordenamento jurídico, fulminando as normas constitucionais prévias, inclusive o plexo normativo da Ordem de Independência, mesmo que ela tenha sido o instrumento jurídico por meio do qual aquela Constituição barbadiana fora inserida no ordenamento jurídico do mencionado Estado caribenho, Carta Magna que, a seu turno, figurou como um dos anexos (“Schedules”) de tal Ordem116.

Por isso, o voto divergente do Justice Anderson, nos casos Nervais e Severin, redundou na chancela indireta de tal magistrado à orientação pretoriana, inspirada na jurisprudência do Comitê Judiciário do Privy Council sobre saving clauses presentes em Constituições do Caribe de língua oficial inglesa, de que o Poder Judiciário não poderia declarar inconstitucional a obrigatoriedade da pena de morte preceituada pelo artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994, porque tal dispositivo legal, ao encapsular a pena capital de cunho mandatório, não inova a ordem jurídica barbadiana, na medida em que apenas reproduz o preceito secundário originalmente positivado no artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1868, razão pela qual o diploma legislativo da década de 1990 estaria imunizado pela cláusula geral de exclusão do artigo 26 da Constituição de Barbados de 1966.

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Nos casos Nervais e Severin, o beneplácito do Justice Anderson, pela via oblíqua, à jurisprudência predominante no JCPC decorre do entendimento minoritário, naquele colegiado da Corte Caribenha de Justiça, perfilhado por tal magistrado, de que a interpretação restritiva, e não literal, da saving clause do artigo 26 da Constituição barbadiana importaria usurpar a função legiferante do Parlamento117.

Apesar de haver afastado a possibilidade jurídica de controle incidental da constitucionalidade do artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994, o Justice Anderson, nos casos Nervais e Severin, ressalvou que a CCJ estaria eximida de aplicar, de modo compulsório, a pena capital, porque respaldada pelo princípio constitucional da separação dos Poderes, desdobrado na independência do Poder Judiciário e no monopólio, pela judicatura, do poder estatal de sentenciar118.

Tal plexo principiológico, centrado na separação de poderes, (a) impediria o Poder Legislativo de obrigar, pela via normativa (legislativa), o Poder Judiciário à aplicação de sentença de morte que, sendo obrigatória e, portanto, infensa à discricionariedade judicial e à eventual comutação, assumiria, por consequência, natureza cruel e desumana, e (b) possivelmente negaria estatura de Emenda Constitucional à Lei nº 14 de 2002 (significa dizer: neste segundo aspecto, Anderson entreviu a possível inconstitucionalidade da Emenda Constitucional de 2002, mas evitou juízo de valor conclusivo), que havia inserido, no artigo 15 da Constituição barbadiana de 1966, o seu nº 3, cuja alínea a, rememore-se, consistia em cláusula de exclusão específica, a imunizar a previsão legal de penas de morte compulsórias119..

Conquanto instigante a argumentação lançada pelo Justice Anderson, em seu voto divergente, nos casos Nervais e Severin, ao enfatizar que a Constituição de 1966, ao inaugurar a nova ordem constitucional de Barbados, extirpou do ordenamento jurídico as disposições da Ordem de Independência de 1966, obtempera-se que a primeira ruptura parcial com o Direito Colonial ocorreu antes da Carta Magna de 1966, pois que as normas jurídicas pré-independência tiveram de se conformar ao conteúdo das normas dimanadas quer da Lei de Independência de Barbados, de 17 de novembro 1966, quer da Ordem de Independência, de 30 de novembro de 1966, por força, lembre-se, de mandamento insculpido com esse sentido no artigo 4º, nº 1, da indigitada Ordem de Independência, o que torna plausível o posicionamento da maioria da CCJ nos casos Nervais e Severin, segundo o qual o artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1868 teria sido recepcionado somente em parte, convertendo-se o caráter mandatório da pena de morte inscrita no diploma legislativo oitocentista em sanção estatal sujeita à discricionariedade judicial, já que o ajustamento, pelo instituto da recepção (como é conhecido no Brasil), do artigo 2º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1868 à Ordem de Independência, de 30 de novembro de 1966, implicou a sua conformação à totalidade do corpo normativo da precitada Ordem de Independência, inclusive do seu principal anexo, corporificado na Constituição de 1966, cujo artigo 15, nº 1, vedava punições desumanas ou degradantes, de modo que as “leis existentes” a que se reporta a cláusula geral de exclusão do mesmo artigo 15, nº 2, da apontada Carta Maior de 1966, seriam aquelas cujo teor havia sido adaptado, pelo instituto da recepção, ao então nascente ordenamento jurídico de Barbados.

Em consequência do julgamento proferido pela Corte Internacional de Justiça nos casos Nervais e Severin, o Poder Legislativo barbadiano editou o artigo 2º da Emenda Constitucional de 2019, que revogou, conforme assinalado em passagem pretérita, o artigo 15 da Constituição de Barbados, e, assim, extinguiu o respaldo constitucional explícito, desde 2002, à pena de morte obrigatória e automática, enquanto que o artigo 3º da mesma Emenda Constitucional de 2019, ao modificar a dicção do artigo 26 da Carta Maior de Barbados, desnaturou a cláusula geral de exclusão antes nela agasalhada, porquanto a nova redação do artigo 26 passou a reproduzir comando similar àquele outrora inserto no artigo 4º, nº 1, da Ordem de Independência de 1966, ao preceituar o imperativo de que as leis prévias a 30 de novembro de 1966 sejam alinhadas aos dispositivos da Bill of Rights discriminados nos artigos 12 a 23 da supracitada Carta Magna120.

Os casos Nervais e Severin, de 27 de junho de 2018, diferenciam-se do julgamento pretérito, em 8 de novembro de 2006, também pela Corte Caribenha de Justiça, do caso Boyce. No julgado da década de 2000, a CCJ se devotou a expender balizas pretorianas, para que o Privy Council de Barbados (Barbados Privy Council – que não se confunde com o mencionado Privy Council britânico), como órgão colegiado do Poder Executivo local, pudesse assegurar equidade processual (“procedural fairness”) ao réu sentenciado com pena de morte, ao assim o BPC proceder no desempenho da sua atribuição de assessoramento superior de recomendar ou não ao Governador-Geral o exercício da potestade da misericórdia (“prerrogative of mercy”), por meio da eventual comutação, pelo governante, da pena capital, em circunstâncias em que são recorrentes marchas e contramarchas, enquanto aquele que se encontra “no corredor da morte” aguarda o deslinde de recursos judiciais no âmbito do Poder Judiciário local e do Comitê Judiciário do Privy Council do Reino Unido, da apreciação de suas petições no seio do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e/ou de pleitos perante a Chefia do Poder Executivo121.

Desse modo, no caso Boyce, em 2006, a Corte Caribenha de Justiça, em vez de realizar juízo de constitucionalidade como viria a fazer, em 2018, no julgamento em conjunto dos casos Nervais e Severin, seguiu os passos da jurisprudência do Comitê Judiciário do Privy Council de mitigar a repercussão negativa da cláusula geral de exclusão sobre os direitos fundamentais dos condenados à pena de morte, ao delinear limitações temporais para o processamento e julgamento de recursos internos e garantir ao apenado o direito de impugnar a sua condenação à pena capital perante os sistemas interamericano e internacional de proteção dos direitos humanos122.

Já nos casos Nervais e Severin, em 2018, a Corte Caribenha de Justiça delineou balizas jurisprudenciais próprias, ao dar passo além daquele que o Comitê Judiciário do Privy Council ensaiara no caso Roodal, para depois o próprio JCPC revertê-lo em sua jurisprudência posterior, centrada no caso Matthew, ou seja, a CCJ, por meio do voto majoritário em Nervais e Severin, formulou construção jurisprudencial que transcende o passo anterior por ela trilhado, em 2006, no caso Boyce, de se pronunciar sobre os direitos processuais e procedimentais dos condenados à pena de morte, na medida em que, nos casos Nervais e Severin, no final da década de 2010, a CCJ dedicou-se a edificar doutrina judicial própria, de tonalidades decoloniais, que, mediante (a) a interpretação sistemática do Direito Constitucional Positivo123, (b) o manejo do que se chama, no Direito brasileiro, de instituto da recepção, quanto à legislação infraconstitucional oriunda do período colonial, e (c) o cotejo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, propicia a superação do efeito imunizante da cláusula geral de exclusão sobre a legislação penal que preceitua a aplicação da pena de morte em termos automáticos e obrigatórios e, por conseguinte, assegura a discricionariedade do Poder Judiciário do Caribe de língua oficial inglesa, de sorte que, de maneira independente, possa aquilatar a aplicação da pena de morte, de forma individualizada, conforme as circunstâncias do crime e do réu.

O julgamento, pela Corte Caribenha de Justiça, dos casos Nervais e Severin evidencia a plausibilidade, vaticinada pela literatura especializada124, de que a CCJ consubstancie locus de irradiação de nova jurisprudência para o Caribe de língua oficial inglesa, por meio da qual seja sedimentado sistema de precedentes de defesa dos direitos humanos em face da pena de morte obrigatória e de outras questões caras à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, de sorte que, revestida da legitimidade de Tribunal de Última Instância a exprimir, de modo genuíno, a identidade caribenha, possa concluir o processo de descolonização judicial do Caribe anglófono, assentar jurisprudência regional de viés decolonial (não só descolonizar, mas pensar em termos decoloniais, conforme distinção averbada em nota de rodapé pretérita) e fortalecer a afirmação e efetividade dos direitos humanos na Comunidade Caribenha de modo geral.

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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Pós-Graduado em Política e Relações Internacionais (FAAP). Pós-Graduado em Psicologia Clínica na Perspectiva Fenomenológico-Existencial (IFEN/Unimais). Pós-Graduado em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS). Pós-Graduado em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Pós-Graduado em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Pós-Graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Pós-Graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Pós-Graduado em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Pós-Graduado em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Pós-Graduado em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Pós-Graduado em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Pós-Graduado em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Pós-Graduado em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Pós-Graduado em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. A pena de morte automática e obrigatória no Caribe anglófono.: Raízes coloniais e jurisprudência internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6912, 4 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97837. Acesso em: 5 dez. 2025.

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