1. Num primeiro momento, ancorado em ALBERTO CAMIÑA MOREIRA [01], discute-se a terminologia, se de exceção se trata ou de objeção, explicitando que aquela, com apoio em PAULA BATISTA, CINTRA e GRINOVER, além de COUTURE, seria a correta dentro do seu sentido amplo como alegação articulada pelo réu para opor-se á ação que lhe for movida.
Têm surgido vozes, e já há até decisão de primeiro grau, que, com o advento da Lei n° 11.382/2006, sustentam inadmissível a exceção de pré-executividade [02], a sua eliminação [03] ou, ao menos, reduzida e esvaziada [04], ante a possibilidade da "oposição à execução por meio de embargos, independentemente de penhora" (art. 736 do Código de Processo Civil).
Contudo, tenho opinião divergente. É cediço que a exceção de pré-executividade é construção doutrinária, agasalhada larga e amplamente pelos nossos Pretórios, pois fulcrada, notadamente, em matéria de ordem pública, art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil, que o Judiciário há de conhecer de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição [05], infensa à preclusão, mesmo após a rejeição de embargos [06], se, nesta última hipótese, a ação de execução ainda estiver em curso.
Mas as matérias abarcadas não se limitam às de ordem pública. O campo do seu conhecimento tem sido ampliado para admitir exceções substanciais, como o pagamento, a compensação, a prescrição, a decadência, que levam à extinção da obrigação "in executivis", desde que não haja necessidade de dilação probatória [07].
Nada mais jurídico ante os princípios da justiça (Constituição Federal, Preâmbulo e art. 3º, inciso I) da celeridade processual (art. 5º, inciso LXXVIII), da economia, da efetividade, da instrumentalidade e do "favor debitoris" (art. 620 do Código de Processo Civil).
Incompreensível que se eliminem os instrumentos de defesa do devedor de oposição à execução, inclusive por simples petição, ou que se restrinja o seu alcance, se o objeto precípuo da função jurisdicional é distribuir a justiça, o "dikaion" dos gregos ou o "suum cuique tribuere" dos romanos, de forma célere, menos gravosa e dentro do "devido processo legal", se a ação de execução se encontra viciada ou nula, sem condição de ter curso válido.
Não vinga, "data venia" dos que pensam em contrário, o fato de os embargos poderem ser opostos independentemente de penhora. Como sustentado supra, a execução, se viciada ou nula, só molestará e será mais um entrave na prestação jurisdicional, abarrotando desnecessariamente o Poder Judiciário, ferindo o princípio da utilidade. Ademais, registre-se a inocuidade dos embargos, notadamente pela prejudicialidade das matérias invocadas, que exigem a imediata denúncia do devedor, forte nos arts. 22, 267, § 3º, segunda parte, 301 e 329, combinados com o art. 598 do Código de Processo Civil, e a presteza no apreciar e no julgar, cujo desiderato possa ser a extinção da execução. Ademais, diante da famigerada prejudicialidade, qual seria a justa razão de obrigar o jurisdicionado aos embargos, que o onerarão com prévio recolhimento das custas por caracterizados como ação incidental de conhecimento? Seria, no ditado de PONTES DE MIRANDA, "atribuir aos juízes o poder incontrolável de executar" [08] ou, expressado de outra forma, executar por executar.
Defendo, nesta seara, presente a matéria prejudicial, a possibilidade de se conferir efeito suspensivo à execução, inclusive ao prazo dos embargos, que, agora, independem de penhora, para que não preclua o direito do devedor a tanto e possa ali deduzir as matérias, que, efetivamente, o compõem, especificamente aquelas que demandem dilação probatória e excluídas do universo da exceção de pré-executividade. O pedido pode se assentar em medida cautelar incidental e fundar-se nos arts. 798 e 799 do Código de Processo Civil, dentro dos poderes cautelares conferidos ao Juiz. A penhora é ato constritivo e atinge a esfera jurídica do devedor, o seu patrimônio, com conseqüências e efeitos drásticos, como é cediço. Injustificável e injusto se há matérias de ordem pública e de alta relevância que podem abortar a ação de execução, "suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação" (art. 475-M do Código de Processo Civil).
Se se tratar do cumprimento da sentença em que o devedor é citado para pagar em três dias (art. 652 do Código de Processo Civil), poderá, nesse prazo, que é recomendável, deduzir exceção de pré-executividade, independentemente de penhora, embora inexista prazo específico. Há de agradar-lhe, por pertinente, obstar a penhora, alicerçado nas matérias prejudiciais que gerem o efeito extintivo processual, sem resolução do mérito, ou da obrigação exeqüenda, aí com resolução do mérito. Já a impugnação (art. 475-J, § 1º, e 475-L, do Código de Processo Civil) depende de o Juízo estar seguro pela constrição judicial, a penhora.
Abonam esse palmilhar, sufragando a total pertinência e subsistência da exceção de pré-executividade com o advento da Lei n° 11.382/2006, e até ampliando o seu campo de atuação, ARAKEN DE ASSIS [09], HUMBERTO THEODORO JUNIOR [10] e THEOTONIO NEGRÃO [11].
No plano jurisprudencial, há já julgados sob a égide da Lei n° 11.382/2006 que endossam e dão autoridade à doutrina e à orientação pretoriana que se formaram anteriormente [12].
Ademais, ante a consolidação desse instituto, ou desse meio de defesa de oposição à execução, que se incorporou ao nosso ordenamento jurídico, sem dúvida nenhuma, creio em que o legislador, sensível ao "quod plerumque accidit" (art. 334, do Código de Processo Civil), aos princípios gerais de direito (art. 126 do Código de Processo Civil) e à insegurança jurídica, que impõem a harmonia e a segurança (art. 5º, "caput", da Constituição Federal) do sistema, teria introduzido na reforma norma obstativa com o fito de se evitarem as perplexidades.
2. No que concerne à aplicação da lei no tempo, ou direito intertemporal, e atento ao disposto no art. 1211 do Código de Processo Civil, disciplinando que as normas processuais aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes, alguns comentários julgo pertinentes.
"A priori", jurídicas e esclarecedoras a lição de MOACYR AMARAL SANTOS [13], acerca da aplicação das leis processuais:
"Também a lei processual não tem efeito retroativo. Também ela não se aplica a fatos ou atos passados, regulados por lei anterior, os quais permanecem com os efeitos produzidos ou a produzir. A lei nova atinge o processo em curso no ponto em que este se achar, no momento em que ela entrar em vigor, sendo resguardada a inteira eficácia dos atos processuais até então praticados. São os atos posteriores à lei nova que se regularão conforme os preceitos desta.
(...)
c) Assim, a regra, também para as leis processuais. é que estas provêm para o futuro, isto é, disciplinam os atos processuais a se realizarem. Aplicação do princípio ‘tempus regit actum’. Os atos processuais já realizados, na conformidade da lei anterior, permanecem eficazes, bem como os seus efeitos.
(...)
27. PROCESSOS PENDENTES
A estes, principalmente, aplicam-se os princípios expostos: válidos e eficazes são os atos realizados na vigência e conformidade da lei antiga, aplicando-se imediatamente a lei nova aos atos subseqüentes."
Com apoio nessa doutrina e também em NERY e NERY [14], "a lei nova tem de respeitar todos os efeitos jurídicos produzidos sob a égide da lei anterior. ..", entendo indiscutível a admissibilidade da exceção de pré-executividade deduzida anteriormente à vigência da Lei 11.382/2006, em se aceitando, para argumentar, a opinião dos que sustentam a sua eliminação, conquanto, em opinião divergente, nada tenha mudado, ainda mais em razão de já estar consolidada no nosso ordenamento jurídico.
Casuisticamente, se o devedor tivesse sido citado, antes da vigência da Lei 11.382/2006, para pagar ou nomear bens à penhora, de conformidade com a redação anterior do art. 652 do Código de Processo Civil, e o seu prazo adentrasse na vigência das modificações, estas não o alcançariam, investido que estaria no direito subjetivo processual "de pagar ou nomear bens à penhora", que é ato complexo, pendente ainda de realização ou consumação. Não foi o devedor citado para pagar dentro de três dias, mas "para pagar ou nomear bens à penhora". Citado nessa conformidade, nasce-lhe o direito de pagar ou nomear bens à penhora, e, conseqüentemente, de apresentar embargos após a penhora, por se tratar de ato complexo, ainda não exaurido, iniciado sob a vigência de lei pretérita, retratando o direito líquido e certo e direito adquirido ao "devido processo legal", que se perfaz no tempo até se consumar o ato complexo. Não fora isso, impor-se-á a retroatividade da lei, condenada pela Lei de Introdução ao Código Civil, para alcançar atos iniciados, complexos e ainda não exauridos, realizados ou consumados sob a vigência da lei do tempo ("tempus regit actum"). Seria, a se pensar de outra forma, a frustração de direitos já incorporados à esfera jurídica do devedor. Não se está a falar pura e simplesmente de "formas processuais" [15], mas do exercício de direitos ("pagar ou nomear bens à penhora"), decorrentes de citação efetivada, já, portanto, adquiridos, pois já se decidiu que "eliminar, com eficácia retroativa, a possibilidade do exercício do direito é o mesmo que eliminar o próprio direito; seria absolutamente inconstitucional" [16].
Parece que ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS [17] tem o mesmo sentir ao doutrinar que, "nos termos do art. 1211 do Código de Processo Civil, as normas em vigor se aplicam, desde logo, aos processos pendentes. No entanto, os atos já praticados são perfeitos e acabados e os atos futuros, que necessariamente deles decorram, também têm aplicação, apesar da lei nova" (grifou-se).
A propósito, é de se invocar a definição de direitos adquiridos de REYNALDO PORCHAT, em que se louvou o v. acórdão proferido no Recurso Extraordinário n° 274191, da lavra do Min. Sepúlveda Pertence, de 29.09.2000, que é apropriada para a situação jurídica supra declinada: "Direitos adquiridos são consequencias de factos juridicos passados, mas consequencias ainda não realisadas, que ainda não se tornaram de todo effectivas. Direito adquirido é, pois, todo o direito fundado sobre um facto juridico que já succedeu, mas que ainda não foi feito valer". E acrescenta o v. acórdão que o "Supremo Tribunal Federal rejeita a retroação quando a lei nova pretender alterar efeitos futuros de fatos consolidados no âmbito da lei antiga, independentemente da natureza da lei nova".
No mesmo diapasão, é a definição de direito adquirido que se lê do AG 290364/RJ, da lavra do Min. PAULO GALLOTTI: "Cogita-se de hipótese em que situação produzida no passado, sem consumação nele, deve ter efeitos perduráveis no tempo, permitindo que eles atravessem incólumes o domínio das leis posteriores", o que implica "a sobrevivência dos efeitos da lei antiga, vale dizer, da persistência de seus efeitos em casos concretos, durante o império da nova lei".
Essa, penso eu, é também a exegese que se extrai, a "contrario sensu", dos arestos colacionados do Rio Grande do Sul:
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO INTERTEMPORAL. APLICAÇÃO DE LEI NOVA. MATERIA PROCESSUAL. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. A lei processual nova tem emprego imediato, aplicando-se, inclusive, aos processos em curso, desde que não atinja os atos já exauridos quando iniciada a sua vigência. Assim, não obstante tenha o credor ingressado com a execução, mas não efetivada a citação do devedor, não tendo, portanto, nascido o direito da ação de embargos, há de se aplicar as disposições da nova lei que regulamenta o cumprimento da sentença (Lei 11.232/05). AGRAVO INTERNO DESPROVIDO" (Agravo Nº 70016487175, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 23/08/2006 - grifou-se).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. LEI N.º 11.232/2005. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DEVEDORES AINDA NÃO CITADOS. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI NOVA. Constitui regra de direito intertemporal a imediata aplicação da lei processual nova, alcançando os atos ainda não atingidos pela preclusão, desde que não pendente de realização ato processual complexo. Cuida-se de regra de direito intertemporal, alicerçada no art. 1.211 do Código de Processo Civil. Hipótese dos autos em que se mostra impositiva a incidência das regras processuais novas, atinentes ao cumprimento da sentença, mormente considerando que não houve a citação dos devedores para pagar ou nomear bens à penhora, pormenor que afasta o risco de malferimento a direito subjetivo processual. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO, POR DECISÃO DO RELATOR" (Agravo de Instrumento Nº 70016850232, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 15/09/2006 – grifou-se)
Esses os comentários que entendi próprios em face das questões específicas aqui abordadas e trazidas a cotejo.
Notas
01.Defesa sem Embargos do Executado – Exceção de pré-executividade. Saraiva, 2ª edição, 2000, págs. 35/39.
02.Despacho proferido pela MMa. Juíza da 8ª Vara Cível do Foro Central da Capital de São Paulo: "Vistos. Recebi os autos em 15/2/07. Ante as alterações introduzidas pelas Leis nº 11.232/05 e 11.382/06, não mais subsiste a possibilidade de interposição de exceção ou objeção de pré-executividade. Assim, para fins de recebimento da petição de fls. 2 e seguintes como embargos à execução, devem os executados emendar a petição inicial nos termos da Lei 11.382/06 e 282 do CPC, bem como recolher as custas devidas, em 10 dias, sob pena de não recebimento e preclusão do prazo de oferecimento de embargos".
03.Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves Comentários à Nova Sistemática Processual civil 3 – RT, pág. 193.
04.Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, ob. cit., pág. 193.
05.AgRg no Agravo de instrumento nº 741.593/PR; AgRg no Ag 775393/RS; REsp 872300/RJ.
06.Agravo de Instrumento STJ nº 845.404-RJ; REsp 705.352/SP.
07.EDcl no REsp 790970/RJ; EDcl no AgRg no REsp 627016/RJ; AgRg no REsp 843683/RS.
ALBERTO CAMIÑA MOREIRA, ob. cit., pág. 221, nº 7: "Limita-se a cognição do juiz, no processo de execução, às matérias que pode conhecer de ofício e às que o executado pode alegar a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que a prova se dê por documentos".
08.DEZ ANOS DE PARECERES, v. 4/134, "apud" ARAKEN DE ASSIS, Manual da Execução, 11ª edição, RT, pág. 1068.
09.Ob. cit., pág. 1069.
10.A reforma da Execução do Título extrajudicial, Forense 2007, pág. 209.
11.Código de Processo Civil, 39ª edição, Saraiva, nota 1b ao art. 736.
12.REsp 617029/RS - Data do Julgamento 27/02/2007: "1. A exceção de pré-executividade constitui instrumento idôneo à argüição da prescrição, bem como ao reconhecimento de nulidade de título verificada de plano, desde não haja necessidade de contraditório e dilação probatória. Precedentes. 2. Recurso especial provido"; AgRg no Ag 755160/SP - Data do Julgamento 06/02/2007: "1. A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva"; Agravo de Instrumento n° 1.0024.06.008381-3/001 – TJMG - Data do Julgamento 06/02/2007: "Com a entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006, que alterou o CPC, a penhora via on line está acobertada pela lei instrumental. (...) Doutrinariamente, tem-se entendido que, embora a sistemática processual só contemple a via de embargos para oferecimento da defesa, a regra comporta exceções para permitir, sem embargos e sem penhora, alegar-se na execução: a) matérias de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, tais como: pressupostos processuais, condições de ação, e outros, chamando-se tais defesas de objeção de pré-executividade; b) matérias argüidas pela parte, e que dispensam dilação probatória para serem examinadas e compreendidas, tais como: pagamento, decadência, retenção por benfeitorias, e outros. O certo é que a exceção de pré-executividade atende ao interesse público quanto à economia processual, desde que dispense dilação probatória. É cediço que tem o devedor o direito de se defender pelo meio que entender adequado, independentemente do cabimento de medidas outras para sua defesa, sendo, indubitavelmente, cabível a exceção de pré-executividade para discutir matéria de ordem pública".
13.Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1º volume, Saraiva, n° 22, págs. 30/34.
14.Código de Processo Civil Comentado, RT, 9ª edição, pág. 1090.
15.LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, n° 278: "Não há direito adquirido a formas processuais".
16.MS 008506/DF, Acórdão da lavra do Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI do Superior Tribunal de Justiça.
17.MANUAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 11ª edição, Saraiva, 2006, n° 6, pág. 4.