Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10301
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo

A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo

Publicado em . Elaborado em .

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Evolução Histórica. 2.1. Evolução histórica do delito de infanticídio no mundo. 2.1.1. Primeiro período ou período permissivo. 2.1.2. Segundo período ou período favorável ao filho. 2.1.3. Terceiro período ou período favorável à mãe. 2.2. Evolução histórica do delito de infanticídio no Brasil. 3. Conceituações. 3.1. Conceito de infanticídio. 3.2. Puerpério. 3.3. Parto. 3.4. Feto Nascente. 3.5. Neonato ou recém-nascido. 3.6. Natimorto. 3.7. Nascituro. 3.8. Delito Privilegiado. 4. Circunstâncias elementares do crime. 4.1. Sujeitos do delito. 4.1.1. Sujeito Ativo. 4.1.2. O problema da co-autoria. 4.1.3. Sujeito Passivo. 4.2. Estado Puerperal. 4.3. Objetividade jurídica. 4.4. Ação típica. 4.5. Momento consumativo. 5. Elemento subjetivo. 6. Perícia médico-legal. 7. Pena e ação penal. 8. Conclusão. Referências

Palavras-chave: Infanticídio. Estado puerperal. Caracterização do delito. Divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Autoria, co-autoria e participação em infanticídio. Aplicabilidade do art. 30 do Código Penal. Homicídio.


1 INTRODUÇÃO

Com o advento do Iluminismo, ganhou força, no mundo ocidental, a corrente de pensamento que defendia um tratamento mais benigno para o crime de infanticídio, sobretudo quando impulsionado por motivo de honra.

Antonio José Miguel Feu Rosa conta que,

a partir do século XIX, registrou-se mudança de mentalidade e de costumes. Aquele espetáculo deprimente de milhares de mães condenadas ao patíbulo anualmente sensibilizou a consciência dos povos, gerando novas concepções jurídicas. [01]

Neste sentido, após a adoção, pela primeira vez, do infanticídio como crime privilegiado, no Código Penal austríaco (1803), as legislações penais elaboradas a partir do século XIX passaram a defender a atenuação da pena pelo infanticídio, não tendo sido diferente no Brasil, quando, em 1830, houve a sanção do Código Criminal do Império que, "seguindo a orientação reinante da época, passou a considerar o infanticídio como figura excepcional, cominando-lhe pena sensivelmente mais amena e mitigada". [02] O referido diploma legal previu a redução da pena não apenas para a mãe que matasse o filho recém-nascido para ocultar desonra própria, como para terceiro que matasse um neonato por motivos diversos.

Já em 1890, com a edição do Código Penal Republicano, a pena cominada ao crime de infanticídio foi aumentada, passando o delito em questão a ser considerado como a morte dada a recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento pela mãe, por motivo de honra, ou por terceiro.

Atualmente, desde a elaboração do Código Penal brasileiro de 1940, sob influência do Código Penal suíço de 1937, o crime de infanticídio passou a conter em sua definição um critério fisiológico em vez do psicológico presente nas leis anteriores, figurando no art. 123 do referido diploma legal brasileiro como: "matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após"; sendo que, para este delito, a pena cominada é a de detenção por dois a seis anos.

Ocorre que, nos dias de hoje, os elementos do tipo penal supra causam tanta divergência entre doutrinadores e aplicadores do Direito que sua aplicabilidade prática gera um inegável quadro de incerteza jurídica, por ser, entre outras coisas, de difícil comprovação o estado puerperal, já que, em muitos casos, a constatação efetiva da ocorrência do mesmo fica dificultada porque a mulher acaba sendo submetida ao crivo dos médicos e psicólogos quando já se passou um longo período da data do fato, o que acaba ensejando, na quase totalidade dos casos de infanticídio, a presunção de ocorrência do estado puerperal, já que se deve optar pela solução mais benéfica ao réu, em decorrência do princípio in dubio pro reo que permeia o direito penal e o processual penal brasileiro.

Com relação ao puerpério, outras grandes dificuldades para os médicos e juristas residem quanto à delimitação temporal do mesmo, já que não existe entendimento pacífico sobre a exata duração do estado puerperal, e quanto à sua possível influência nas mulheres.

Outro ponto que dificulta ainda mais a caracterização do delito de infanticídio e que cria mais divergências doutrinárias é a presença no texto legal da elementar temporal "logo após o parto". Sobre tal elementar, instigante é a questão que faz Luiz Regis Prado: [03] "Qual o significado do termo ‘logo após o parto’?". Feu Rosa [04] ensina que a corrente predominante, mais generosa que as demais, entende que "o período mais razoável para se admitir como sendo ‘após o parto’ e ‘sob a influência do estado puerperal’ é aquele que vai até o reaparecimento da menstruação". Para Damásio de Jesus,

a melhor solução é deixar a conceituação da elementar ‘logo após’ para a análise do caso concreto, entendendo-se que há delito de infanticídio enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Assim, enquanto permanecer a influência desse estado, vindo a mãe a matar o próprio filho, estamos diante da expressão ‘logo após’ o parto. [05]

Como se vê, desde a sua adoção, em 1940, até os dias de hoje, nunca houve consenso entre os doutrinadores e entre os juristas com relação ao concurso de pessoas no crime de infanticídio; com relação à aplicabilidade ou não do art. 30 do Código Penal ao delito em questão; e, principalmente, a respeito da influência do estado puerperal na parturiente.

Em virtude disso, resta inegável que o infanticídio, enquanto tipo autônomo, ocasionou muitas querelas jurisprudenciais e doutrinárias, criando um ambiente de incertezas com relação ao correto julgamento de quem incorre neste crime, fazendo com que o direito, muitas vezes, deixe de ser aplicado de forma satisfatória para a sociedade, e ensejando, desta forma, um estudo profundo e crítico do delito de infanticídio.

O presente estudo tem por objetivo analisar o crime de infanticídio, entender e criticar o tratamento a ele dispensado pelo Código Penal brasileiro como delito privilegiado, não com o fim de se esgotar a matéria, mas com o singelo intuito de ser mais uma voz a se levantar a favor de mudanças na legislação penal brasileira vigente, em especial com relação ao delito em questão.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Durante toda a história da humanidade, o crime de infanticídio recebeu as mais diversas formas de definição legal e de punição, variando da impunidade absoluta à severidade brutal das penas. Sobre isso, Muakad lembra que,

de fato, em nenhum outro crime, os textos das diversas legislações, ao longo dos tempos, têm mostrado variações tão grandes de um extremo a outro, quer em referência à configuração da espécie, quer no que diz respeito à sua punição. [06]

Por isso, é mister que se conheça, antes de entrar-se na análise do crime de infanticídio na legislação brasileira atual, a evolução do seu conceito jurídico-penal ao longo do tempo no mundo e no Brasil, com o intento de se entender cada fase do seu desenvolvimento e identificar os subsídios sociais e jurídicos que o levaram até o seu estágio atual.

2.1 Evolução histórica do delito de infanticídio no mundo

A diferenciação na forma de se punir o infanticídio apresenta uma progressão lenta e gradativa que acompanha o desenvolvimento da sociedade humana, indo ao encontro de suas angústias e anseios. No tocante a isso, Maggio afirma:

Analisando a evolução do conceito jurídico do infanticídio, observam-se, nitidamente, três períodos distintos: um período de permissão ou indiferença; um período de reação em favor do filho recém-nascido e um período de reação em favor da mulher infanticida. [07]

2.1.1 Primeiro período ou período permissivo

Neste primeiro período, que vai até meados do século V a.C., o infanticídio não constituía crime, sendo sua prática bastante comum, e para a qual não havia reprovação por parte das leis ou dos costumes.

Infanticídios eram comuns em rituais religiosos, havendo registro de sacrifícios feitos ao deus Moloch, entidade a quem fenícios e cartagineses ofertavam a vida de seus filhos e crianças em geral.

Maggio lembra que

as mais antigas legislações penais conhecidas não fazem qualquer referência a esse tipo de crime, e sabe-se que a conduta era permitida, através referências de filósofos e historiadores. Dionísio e Cícero falam a respeito desses usos na Roma de Rômulo. [08]

Na Grécia e Roma antigas, o pater famílias (pai de família) detinha o direito de vida e morte sobre seus filhos, sendo também bastante comum que o rei, em determinadas épocas, dada a falta de alimentos, ordenasse a morte dos recém-nascidos. Além disso, de acordo com Vicente de Paula Rodrigues Maggio [09], "crianças que nascessem imperfeitas, mal-formadas ou que constituísse desonra ou afronta à família, podiam ser mortas pelos pais depois do nascimento".

Caso curioso é o da cidade-Estado de Esparta, onde, por volta do ano de 800 a.C., as crianças da idade de sete anos eram levadas à escola oficial onde iriam receber treinamento esportivo e militar, tornando-se propriedade do Estado, que decidia sobre a vida ou a morte dos meninos.

2.1.2 Segundo período ou período favorável ao filho

O segundo período, que durou do século V ao XVIII d.C., caracterizou-se pela reação social e jurídica em favor das vítimas de infanticídio.

Sob a influência do cristianismo, que ganhou força após ter sido legalizado como religião no Império Romano durante o reinado de Constantino, o infanticídio passou a ser considerado crime gravíssimo, punido com a morte [10]. De acordo com esta nova orientação, encabeçada pela Igreja Católica Apostólica Romana, a vida de um recém-nascido deixou de ser algo sem valor e passou a receber um tratamento mais respeitoso por parte dos juristas, que "passaram a considerar que ninguém tinha o direito de tirar a vida de seu semelhante, principalmente em se tratando de uma criança indefesa, frágil e desprotegida". [11]

Conforme Nelson Hungria,

o direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre os crimes mais severamente punidos, não o distinguindo do homicídio. Se praticado pela mãe ou pelo pai, constituía modalidade do parricidium e a pena aplicável era o culeus, de arrepiante atrocidade. [12]

Com o poderio cada vez mais crescente da Igreja Católica e seu entranhamento nos assuntos do Estado e na vida das pessoas, esta nova orientação conseguiu se estender por muitos séculos, prevalecendo por toda a Idade Média até o início da Idade Moderna, período em que também não havia diferenciação entre homicídio e infanticídio, tendo este crime se revestido de aspectos muito mais repulsivos e condenáveis, figurando entre os mais severamente apenados [13].

2.1.3 Terceiro período ou período favorável à mulher

O terceiro período iniciou-se por volta do século XVIII e subsiste até hoje na maioria das legislações penais do mundo ocidental.

O Direito, neste período, sofreu influência das idéias iluministas, principalmente de Beccaria [14] e Feuerbach, que, no campo jurídico, apresentaram propostas para leis mais humanitárias. Vicente de Paula Rodrigues Maggio conta que

os filósofos do direito natural, visando diretamente a influenciar os legisladores no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes argumentos, como a pobreza, o conceito de honra, bem como a prole portadora de doenças ou deformidade. [15]

Sob o influxo das novas idéias a favor do abrandamento da pena e contra a pena de morte, difundidas pelos filósofos iluministas, as legislações feitas a partir do século XVIII passaram a considerar o infanticídio como homicídio privilegiado, quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por seus parentes.

A primeira legislação penal a adotar as idéias de Beccaria e Feuerbach de se considerar o infanticídio como homicídio privilegiado foi o Código Penal austríaco de 1803. Seguiram-se a ela várias outras legislações de outros países que adotaram os mesmos critérios, com exceção do Código napoleônico de 1810 e a lei inglesa, que continuaram mantendo a pena capital aplicável a este delito. Entretanto, a primeira foi modificada por uma lei de novembro de 1910, que diminuiu a pena no infanticídio, e, na Inglaterra, "segundo atestava o Infanticide Act de 1927, ainda persistia até data recente a intolerância antiga, mas, atualmente, está confinada a casos especialíssimos a aplicação da pena de morte". [16]

2.2 Evolução histórica do delito de infanticídio no Brasil

Apesar de o Direito brasileiro não ter passado por todas as fases evolutivas do Direito ocorridas nos países da Europa Ocidental, o estudo de como se deu essa evolução em nosso país é de vital importância para o progresso deste trabalho.

Durante o período que se estendeu de 1500 a 1822, o Brasil era uma colônia de Portugal, vigorando, portanto, no país as ordenações do reino, que vigiam em Portugal e suas outras colônias. A parte referente ao direito penal estava contida no Livro V das referidas ordenações, devendo-se ressaltar que este, "em nenhum momento, fazia qualquer referência específica ao infanticídio". [17]

A primeira legislação penal a existir no Brasil após este ter deixado de ser colônia de Portugal foi o Código Criminal do Império, sancionado em 16 de setembro de 1830, seguindo a orientação doutrinária em voga na época, qual seja, o da reação em favor da mãe infanticida.

O art. 192 do CCrim de 1830 regulava o infanticídio da seguinte forma: "Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar a sua desonra – pena de prisão com trabalho por 1 a 3 anos" [18]. Entretanto, de acordo com Irene Batista Muakad,

o que gerou muita revolta entre os estudiosos foi o artigo 197 do Código Criminal, que dispunha ‘matar alguém recém-nascido’ porque, sendo genérico, protegia qualquer um que eliminasse o pequeno ser. [19]

Sobre esta orientação do Código Criminal de 1830, Cezar Roberto Bitencourt [20] diz que ela "considerava, equivocadamente, a morte de um infante menos desvaliosa que a morte de um adulto". Ou seja, a vida de uma criança era considerada um bem menor para a sociedade que a vida de uma pessoa adulta.

Após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foi editado um novo Código Penal, sancionado em 11 de outubro de 1890, dando o seguinte tratamento jurídico ao infanticídio no caput do artigo 298: "Matar recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte". [21] Para este delito, a pena era de 6 a 24 anos de prisão celular caso fosse cometido por estranhos ou parentes da vítima, e de 3 a 9 anos de prisão celular caso fosse cometido pela mãe para ocultar desonra própria.

Com a elaboração de um novo Código Penal em 1940, sob a influência do Código Penal suíço de 1937, o infanticídio ganhou tratamento diverso de todos que já havia recebido nas legislações penais brasileiras anteriores, deixando de lado a fundamentação da pena no motivo de honra e passando a fundamentá-la no critério psicofisiológico do estado puerperal, ficando definido da seguinte forma no art. 123 do referido diploma legal brasileiro: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto, ou logo após: Pena – detenção de 2 a 6 anos".

Assim, conforme certifica Damásio,

o infanticídio, em face da legislação penal vigente, não constitui mais forma típica privilegiada de homicídio, mas delito autônomo com denominação jurídica própria. Entretanto, o infanticídio não deixa de ser, doutrinariamente, forma de homicídio privilegiado, em que o legislador leva em consideração a situação particular da mulher que vem a matar o próprio filho em condições especiais. [22]


3 CONCEITUAÇÕES

O crime de infanticídio está previsto no art. 123 do Código Penal da seguinte forma: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto, ou logo após: Pena – detenção de 2 a 6 anos".

Este delito é composto pelos seguintes elementos: matar o próprio filho; durante o parto ou logo após; sob influência do estado puerperal. Excluído algum dos dados constantes nessa figura típica, esta deixará de existir, passando a ser outro crime.

Além da definição de infanticídio em sentido lato e em sentido estrito, é necessário que se estabeleça, neste momento, uma conceituação dos elementos que estão na formação do tipo penal supra, bem como de outros conceitos normativos correlacionados a este delito.

3.1 Conceito de Infanticídio

A palavra infanticídio originou-se da fusão de dois radicais latinos: infans (criança) e caedere (matar), podendo ser definida, lato sensu, como dar morte a uma criança.

Entretanto, para o Direito brasileiro, infanticídio não é a morte de uma criança qualquer. Para se dar uma definição de infanticídio compatível com o ordenamento jurídico pátrio (stricto sensu), é necessário que se leve em consideração cada elemento formador do tipo contido no art. 123 do CP brasileiro.

Neste sentido, de acordo com as disposições contidas no art. 123 do Código Penal, "podemos definir o infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente ou do neonato, realizada pela própria mãe, que se encontra sob a influência do estado puerperal". [23]

3.2 Puerpério

O termo puerpério vem da junção de puer (criança) com parere (parir), significando dar à luz uma criança.

Conforme os autores Santos, Krymchantowski e Duque, [24] "o puerpério se inicia com a eliminação da placenta e termina com o reinício dos ciclos menstruais". Já no entendimento de Roberson Guimarães, [25] "puerpério é o período de tempo entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de 6 semanas".

Como se vê, a obstetrícia médica não possui uma posição unânime sobre a duração exata do puerpério, havendo uma enorme variedade de opiniões a respeito do assunto. Dependendo do autor que se queira seguir, encontrar-se-á médicos afirmando que o puerpério dura no máximo oito dias, como opiniões de médicos dizendo que ele pode durar até oito semanas [26].

Entretanto, o que não pode haver é confusão entre puerpério e estado puerperal. Conforme a definição de Hélio Gomes, puerpério é um quadro fisiológico, comum a todas as mulheres que dão à luz, com começo, meio e fim determinados, capaz, em alguns casos, de causar alterações do psiquismo materno, de duração e gravidade variados, porém de fácil detecção, via diagnóstico médico, clínico e/ou laboratorial. [27]

Já estado puerperal seria uma situação de alteração e transtorno mentais, advinda das dores físicas do parto e capaz de alterar temporariamente o psiquismo da mulher previamente sã a ponto de levá-la a agir instintiva e violentamente contra o próprio filho durante o seu nascimento ou logo após o parto.

3.3 Parto

Hélio Gomes [28] entende o parto como sendo o "conjunto de processos mecânicos, fisiológicos e psicológicos tendentes a expulsar do ventre materno o feto chegado a termo ou já viável".

Sobre o momento do parto, Genival Veloso de França [29] aduz que "dá-se o seu começo, para os obstetras, com as contrações uterinas, e, para nós, com a rotura da bolsa, e termina com o deslocamento e o expelimento da placenta".

O diagnóstico do parto e do puerpério é de suma importância para elucidar alegações de infanticídio. A realização do exame pode ocorrer tanto na mulher viva quanto na mulher morta, devendo esclarecer se houve parto, e se este é recente ou não.

Na mulher viva, realiza-se tal diagnóstico através das provas de parto recente, em que se analisa sinais mais ou menos evidentes, como

seios volumosos, com secreção de colostro ou de leite; abdome flácido; corrimento de lóquios (de odor sui generis, reação alcalina, cor a princípio vermelho-escura, depois clara); reação de ASCHCHEIM-ZONDEK positiva; lesões eventuais no canal genital e no períneo [30].

Já para a verificação de existência de parto antigo, busca-se o reconhecimento de alguns estigmas corporais deixados pela gravidez, como "estrias e flacidez abdominais, estrias e pigmentação das mamas, cicatrizes himenais, cicatrizes da fúrcula e períneo, mudança da forma e cicatrizes do óstio externo do colo uterino". [31]

Para se realizar o diagnóstico de parto recente ou antigo na mulher morta, além de todos os elementos analisados no diagnóstico de parto em mulher viva, é de suma importância analisar-se os detalhes do útero e dos ovários.

3.4 Feto nascente

Conforme o ensinamento de Genival Veloso de França, [32] feto nascente é aquele que "apresenta todas as características do infante nascido, menos a faculdade de ter respirado".

Nesta fase do parto, a criança já atravessou totalmente ou em parte o orifício externo do útero, ficando desprotegida e acessível a atos violentos da mãe infanticida ou de terceiros.

Em outras legislações, denomina-se feticídio a morte da criança nesse estágio. No Brasil, entretanto, o legislador definiu que o infanticídio também ocorre "durante o parto", estando, desta forma, protegida legalmente a vida do feto nascente.

3.5 Neonato ou recém-nascido

Recém-nascido é aquele que se desprendeu totalmente do ventre materno e já respirou, havendo ou não a expulsão da placenta.

Para os médicos legistas, o estado de recém nascido estende-se até aproximadamente o 7º dia depois do nascimento da criança. Já para a Pediatria, recém-nascido é a criança até com 30 dias de vida.

Como bem assinala Hélio Gomes,

basta, ao infanticídio, que haja vida no momento do parto, não se cogitando da viabilidade do ser que nasce. Fetos incapazes de vida autônoma, ou recém-natos portadores de anomalias graves, ou prematuros que não tenham condições de sobrevivência, uma vez dados à luz vivos, enquadram-se nas exigências para a configuração do tipo. São excluídos, somente, a degeneração do ovo (mola hidatiforme) e o natimorto. [33]

3.6 Natimorto

Natimorto é o feto que se desprende sem vida do organismo materno. Para a Medicina Legal, natimorto é o feto que morre durante o chamado período perinatal que, de acordo com a CID-10 (Cadastro Internacional de Doenças), tem início na 22ª semana de gestação, quando o peso fetal é de aproximadamente 500g [34].

A morte do feto durante a fase perinatal pode ter causa natural ou violenta. Genival Veloso de França [35] destaca que "as causas naturais mais comuns são: anoxia anteparto, prematuridade, anomalias congênitas e doença hemolítica congênita". As causas violentas dividem-se em tóxicas ou medicamentosas e mecânicas.

Conforme assinala Antonio José Miguel Feu Rosa [36] "constitui fator fundamental apurar-se se a criança nasceu viva, porque costuma acontecer que a mãe pensa que cometeu o crime, mas na realidade deu à luz um natimorto". Neste caso, a conduta da agente é impunível, pois a mãe incorre em crime impossível pela absoluta impropriedade do objeto, conforme o disposto no art. 17 do Código Penal brasileiro, pois é necessário, para a configuração do infanticídio, que o sujeito passivo esteja vivo no momento efetivo da ação criminosa.

3.7 Nascituro

A palavra nascituro designa o embrião humano desde o momento da concepção até o parto.

Desta forma, o nascituro não pode ser sujeito passivo do delito de infanticídio, já que este crime só se dá no momento do parto ou logo após, mas também ele não se encontra desprotegido pelo Direito penal brasileiro, pois, conforme assinala Nélson Hungria, [37] "antes de iniciado o parto, a ocisão do feto é aborto", cujas modalidades estão previstas nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal.

Assim como o legislador penal pátrio não deixou de tutelar a vida humana intra-uterina, o legislador civilista protegeu também os direitos civis do ser humano nesta fase do desenvolvimento embrionário, ao dispor, no artigo 2º do Código Civil brasileiro, que "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

Com o surgimento de novas técnicas de reprodução humana (fertilização in vitro e congelamento de embriões), tornou-se questionável o momento em que se deve considerar juridicamente o nascituro. Entretanto, a parte majoritária da doutrina penal e civilista brasileira entende que a vida tem início com a concepção no ventre materno.

Ocorre que, somente após o nascimento com vida, é que o nascituro passa a ser pessoa. Conforme declara César Fiuza,

independentemente das teses levantadas pela Medicina, para o Direito, ainda é a respiração o limite entre a vida e a morte. Se a pessoa respira, ainda está viva, possuindo, pois, personalidade. Se não respira, está morta, não sendo mais pessoa [38].

Desta forma, pode-se dizer que personalidade é um atributo ou valor jurídico que confere ao ser humano a capacidade de ser titular de direitos e deveres nas relações jurídicas. Como ainda está para nascer, o nascituro não possui personalidade, mas seus direitos encontram-se protegidos e preservados por ser pessoa em potencial.

Sobre este assunto, Maria Helena Diniz explica que,

conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, arts. 2º, 1.609, 1.779 e parágrafo único e 1.798), como o direito à vida (CF, art. 5º); à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597); à integridade física; a alimentos (RT, 650:220; RJTJSP, 150:906); a uma adequada assistência pré-natal; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber herança (CC, arts. 1.798 e 1.800, §3º), a ser contemplado por doação (CC, art. 542); a ser reconhecido como filho etc. [39]

3.8 Delito privilegiado

Conforme ensina Luiz Regis Prado, [40] "o tipo autônomo (delictum sui generis), ainda que não tenha conexão com outro tipo legal, representa uma variante autônoma, e se encontra, por isso, separada de todo outro tipo do sistema penal".

Apesar de possuir o mesmo núcleo contido no tipo de homicídio, o infanticídio é um delito autônomo, não se confundindo com aquele, já que recebeu tratamento diferenciado do legislador, sendo definido em dispositivo próprio, e recebendo uma pena mais branda do que a dispensada ao crime de homicídio.

Portanto, diz-se que o infanticídio é delito privilegiado, pois, apesar de significar a mesma conduta contida no homicídio, qual seja, matar, possui tratamento diferenciado (mais ameno) por parte do Código Penal brasileiro, em virtude de o legislador ter entendido que a autora deste delito não age livremente, mas influenciada por alterações físicas e psíquicas decorrentes do estado puerperal.


4 CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES DO CRIME

O Código Penal brasileiro, em seu art. 30, fala a respeito das circunstâncias elementares do tipo. Tais elementos são requisitos específicos do delito, importantíssimos para a caracterização do crime, podendo compreender "o verbo que descreve a conduta, o objeto material, os sujeitos ativo e passivo etc. inscritos na figura penal". [41]

Com relação ao infanticídio, são circunstâncias elementares o sujeito ativo (mãe), o sujeito passivo (filho), a conduta (matar), o objeto material (vida), a elementar normativa (estado puerperal) e a elementar normativa temporal (durante o parto ou logo após).

Faltando qualquer um desses elementos descritos no tipo penal, fica descaracterizado o delito de infanticídio, podendo ocorrer duas situações distintas:

Em uma primeira, a conduta do agente caracteriza outro crime diferente do infanticídio. É o caso, por exemplo, da mulher que pratica a ação contida no verbo do tipo sem estar sob a influência do estado puerperal. Desta forma, ficaria descaracterizado o crime de infanticídio, porém tal conduta passaria a caracterizar o crime de homicídio.

Em outra situação, deixaria de haver crime, caso a puérpera, por exemplo, praticasse a ação violenta contra natimorto. Desta forma, nos termos do art. 17 do Código Penal, não haveria crime, devido à absoluta impropriedade do objeto.

Portanto, como se vê, faz-se necessário o estudo de cada uma das circunstâncias elementares contidas no tipo de infanticídio, com vistas a se entender a intenção do legislador ao prescrever tal delito como figura autônoma no Código Penal brasileiro.

4.1 Sujeitos do delito

Conforme o ensinamento de Miguel Reale, [42] para que haja uma relação jurídica penal, "é necessário que, de maneira precisa e típica, coincidam os atos praticados com a hipótese prevista numa regra jurídica tipicamente adequada". Ou seja, é necessário que haja uma adequação entre o fato e a conduta descrita na norma.

Toda relação jurídica possui, entre outros elementos fundamentais, dois tipos de sujeito: um sujeito ativo e um sujeito passivo.

"Sujeito ativo do crime é todo aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico" [43]. Só pode ser considerado sujeito ativo de um delito a pessoa humana, e não os animais ou as coisas inanimadas. Entretanto, tal conceito não abrange apenas a pessoa que pratica o núcleo da figura típica, como também o autor ou partícipe, que, de alguma forma, concorrem para a conduta delituosa.

Já sujeito passivo do delito é o "titular do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão" [44]. Nada impede, porém, que, em um mesmo delito, duas ou mais pessoas sejam sujeitos passivos.

Ao falar sobre o sujeito passivo do crime, Julio Fabbrini Mirabete o classifica em duas espécies:

Fala-se em sujeito passivo constante ou formal, ou seja, o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é lesado pela conduta do sujeito ativo. Sujeito passivo eventual ou material é o titular do interesse penalmente protegido, podendo ser o homem (art. 121), a pessoa jurídica (art. 171, §2º, V), o Estado (crimes contra a Administração Pública) e uma coletividade destituída de personalidade jurídica (arts. 209, 210 etc.) [45].

Analisar-se-á, a seguir, individualmente, cada um dos sujeitos existentes no crime de infanticídio, passando-se pela problemática relativa à co-autoria deste delito que tem, desde a edição do Código Penal brasileiro em 1940, ensejado intermináveis disputas na doutrina.

4.1.1 Sujeito ativo

O autor do crime de infanticídio só pode ser a mãe parturiente que esteja sob a influência do estado puerperal.

Conforme se depreende da exposição de motivos do Código Penal, é necessário, para a tipificação deste crime, que o agente ativo seja a mãe parturiente que esteja sofrendo uma perturbação psíquica sobrevinda em conseqüência do puerpério, de modo a inibir sua capacidade de entendimento ou de auto-inibição.

Portanto, qualquer outra pessoa que pratique a conduta delituosa, que não seja a genitora, ou mesmo esta sem estar sofrendo influência do estado puerperal, responderá pelo crime de homicídio.

4.1.2 O problema da co-autoria

Há casos, entretanto, em que o autor não age sozinho, praticando o crime com a ajuda de uma terceira pessoa.

Apesar de a doutrina classificar o infanticídio como crime próprio, tal qualificação doutrinária não impede a possibilidade do concurso de agentes. Conforme diz Mirabete, [46] "problema exaustivamente discutido é o de se saber se responde por infanticídio ou homicídio aquele que colabora na prática de um infanticídio".

Vários doutrinadores, fundados no art. 30 do Código Penal brasileiro, entendem que se estende ao co-autor ou partícipe as circunstâncias pessoais do agente, qual seja, a qualidade de ser mãe e de estar sob a influência do estado puerperal, respondendo, desta forma, o terceiro que concorre para a execução do crime, por infanticídio.

Em contrapartida, há uma outra corrente de doutrinadores que defende que o estado puerperal é condição de natureza personalíssima, e, portanto, incomunicável. Desta forma, não se aplicam a este crime as regras contidas nos artigos 29 e 30 do CP, respondendo o co-autor ou partícipe por homicídio.

Em uma tentativa de pôr fim a essa discussão, surgiu uma terceira corrente com uma solução mista, defendendo a punição do terceiro por homicídio se ele praticar ato executório consumativo, e por infanticídio se for apenas partícipe.

Na doutrina brasileira, adotavam o ponto de vista da comunicabilidade (infanticídio): Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento de Faria. Ensinavam que o partícipe deve responder por crime de homicídio: Nélson Hungria, Galdino Siqueira, Costa e Silva, Heleno Cláudio Fragoso, Salgado Martins e Aníbal Bruno. [47]

Sobre a participação de terceiro em crime de infanticídio, Luiz Regis Prado [48] lista três possíveis situações: "a) a mãe e o terceiro realizam dolosamente o núcleo do tipo (matar); b) a mãe mata o nascente ou recém-nascido e é ajudada pelo terceiro (partícipe); c) o terceiro mata a criança, com a participação da mãe."

Para a primeira hipótese, há três diferentes entendimentos. Parte da doutrina, adepta da teoria da comunicabilidade, entende que, por força do art. 29 do Código Penal, ambos são co-autores do crime, devendo responder por infanticídio. Uma outra parte da doutrina, adepta da teoria da incomunicabilidade, defende que a mãe responde por infanticídio e o terceiro por homicídio. E já uma terceira corrente, adepta de uma teoria mista, defende que, como o terceiro praticou ato executório consumativo, responderá por homicídio, enquanto a mãe do sujeito passivo, por infanticídio.

Com relação à segunda hipótese, ocorre a mesma falta de entendimento entre as diversas correntes doutrinárias que existem. A primeira corrente entende que os dois respondem por infanticídio. A segunda entende que a mãe responde por infanticídio e o terceiro por homicídio. Já a terceira corrente defende a punibilidade do partícipe por infanticídio, junto com a autora do delito.

Relativamente ao terceiro caso, as divergências doutrinárias ficam reduzidas a dois pensamentos contrários: o primeiro pensamento defende que o terceiro deve responder como autor do crime de homicídio e a mãe como partícipe. Já outra corrente de pensamento defende que, diante da regra do artigo 30 do Código Penal, tanto a influência do estado puerperal quanto a relação de parentesco são elementares do tipo e comunicam-se entre os fatos dos participantes, devendo ambos responder por infanticídio.

Como se vê, este assunto é bastante polêmico no meio jurídico, estando longe de haver um consenso na doutrina e jurisprudência brasileiras enquanto perdurar o infanticídio na forma como está definido no art. 123 do CP.

Caso ímpar e bastante citado na doutrina é o de Nélson Hungria que, por quatro décadas de vida dedicadas ao estudo do Direito, defendeu ferrenhamente a incomunicabilidade das circunstâncias pessoais no crime de infanticídio, tendo voltado atrás em seu raciocínio, à beira da aposentadoria, época em que passou a defender a teoria da comunicabilidade [49].

O estado puerperal é, sem sombra de dúvida, uma condição de cunho pessoal. Entretanto, ele figura como elementar do tipo de infanticídio, sendo essencial à sua configuração.

Isso cria um contra-senso dentro do Código Penal brasileiro, pois, dependendo da corrente de pensamento à qual o julgador se filia, pode tanto privilegiar o terceiro co-autor ou partícipe em infanticídio, que não está sob a influência do estado puerperal, a receber a pena mais branda do infanticídio, quanto pode levar a mulher que esteja sob a influência do estado puerperal, e que tem participação na morte do próprio filho durante o parto ou logo após, a responder por homicídio.

4.1.3 Sujeito passivo

O sujeito passivo do crime de infanticídio é o feto nascente ou o neonato.

Como o infanticídio pode ocorrer tanto durante o parto quanto logo após o mesmo, está protegida, pelo tipo penal contido no artigo 123, tanto a vida do filho nascente quanto a do recém-nascido.

Pode ocorrer de a mãe, por erro in personam, matar filho alheio, supondo tratar-se de seu próprio filho. Neste caso, por força do que dispõem os arts. 20, §3º, e 73, do Código Penal, são consideradas as condições ou qualidades da vítima contra quem se queria praticar o delito, e não as da vítima real, devendo a autora responder por infanticídio, como se houvesse matado seu próprio filho.

Casper, [50] médico-legista alemão para quem "viver é respirar e não respirar é não ter vivido", influenciou a maioria das legislações no mundo ocidental, tendo também influenciado sobremaneira a doutrina jurídica brasileira, em especial a civilista.

Atualmente, entretanto, a Medicina Legal já demonstrou que tal conceito pode, em determinados casos, ser falho, irreal e ilógico, já que é perfeitamente possível a existência de vida apnéica extra-uterina, o que consistiria em um contra-senso dizer-se que não há vida em tal situação apenas porque o ser ainda não respirou.

Não mais se discute a viabilidade do ser que nasce. Não é necessário indagar-se se o feto é capaz de vida autônoma extra-uterina. Para que se configure o infanticídio, basta que, começado o parto, se possa considerar o feto biologicamente vivo; sendo que vida biológica corresponde à "existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sangüínea" [51].

Cabe à perícia médico-legal a tarefa de provar se o feto estava vivo no momento em que foi alvo da violência física da puérpera. A forma de se provar a existência de vida extra-uterina no feto varia conforme o fato de ter ou não iniciado a respiração pulmonar autônoma. Sobre isso, Almeida Jr e Costa Jr asseguram que,

em relação a feto que ainda não tinha respirado (que morreu durante o parto, ou nos primeiros instantes posteriores a este), a prova só se pode fazer com a ajuda de dois fenômenos dependentes da circulação: o tumor de parto e os caracteres vitais das lesões. [52]

Por tumor de parto, entende-se que é uma saliência de cor violácea, presente quase sempre na cabeça, em face da pressão exercida pelo anel do colo. Sua formação ocorre durante o trabalho de parto e desaparece em geral em torno de 24 a 36 horas, sendo que nem sempre encontra-se presente no infante ou recém-nascido.

As lesões acima referidas são as resultantes das violências desferidas contra o corpo da vítima, ressaltando-se que as lesões produzidas em um corpo vivo evidenciam reações vitais, enquanto as agressões produzidas em um cadáver apresentam características próprias das lesões post mortem.

Havendo a criança respirado, passa a ser qualificada como recém-nascido ou neonato. Neste caso, pesquisa-se a existência de vida autônoma extra-uterina na criança através das docimásias (do grego dokimasia, que significa exame, prova, experiência), que podem ser respiratórias ou não-respiratórias, dividindo-se as primeiras em pulmonares ou extrapulmonares.

As docimásias respiratórias pulmonares tencionam provar a existência de respiração anterior. O pulmão que respirou adquire uma cor entre o vermelho-claro e o rosado, seu volume é maior do que o pulmão que não respirou, e apresenta uma consistência esponjosa com um crepitar característico.

Hélio Gomes [53] leciona que, dentre todas as docimásias respiratórias pulmonares, "a mais antiga e de uso mais difundido é, sem dúvida, a docimásia hidrostática de Galeno. É também a melhor, pela facilidade de execução e de interpretação dos resultados".

Esta docimásia, explicita Genival Veloso de França, [54] compõe-se de quatro fases distintas: a primeira consiste em se colocar os pulmões, a traquéia, a laringe, a língua, o timo e o coração em um recipiente com água. Se estes órgãos flutuam por inteiro ou à meia-água, fica provada a respiração autônoma do feto. Se não flutuam, passa-se à segunda fase, que consiste em separar-se os pulmões das demais vísceras. Se ele flutua por inteiro ou à meia-água e os outros órgãos continuam no fundo, está comprovada a respiração autônoma da criança. Se os pulmões permanecem no fundo, passa-se à terceira fase, em que são cortados, no interior do líquido, vários fragmentos de pulmão e observa-se seu comportamento. Se alguns fragmentos flutuam, a fase é considerada positiva, mas se todos os fragmentos continuam no fundo, a fase é negativa, passando-se, então à quarta e última fase, que consiste em se comprimir, com o dedo, alguns desses fragmentos que estão no fundo do vaso, contra as paredes do recipiente. Se ocorrer o desprendimento de finas bolhas gasosas misturadas com sangue, é esta fase considerada positiva. Caso contrário, é negativa.

As docimásias respiratórias extrapulmonares objetivam informar dos efeitos da respiração em outros sistemas do organismo do feto. Exemplos desse tipo de docimásia são a docimásia gastrintestinal de Breslau, que busca a existência de ar no aparelho gastrintestinal do cadáver, e a docimásia auricular de Vreden, Wendt e Gelé, que se baseia na pesquisa de ar na caixa do tímpano, nos casos em que apenas se dispõe da cabeça do feto para análise.

As docimásias não-respiratórias objetivam demonstrar

a existência da vida através de outras atividades fetais, independentemente do início da atividade respiratória. Dentre elas, a docimasia alimentar consiste na busca de alimentos absorvidos pelo neonato durante a vida extra-uterina; a docimasia siálica, busca de saliva no estômago [55].

Além dessas provas citadas anteriormente, a presença de corpos estranhos nas vias aéreas, ou de substâncias alimentares no tubo digestivo, dependendo do caso, podem ser de grande valia, servindo como provas ocasionais para a confirmação da existência de respiração ou até de vida extra-uterina autônoma e sua duração.

As docimásias, entretanto, nem sempre conseguem levar o perito a um resultado elucidativo a respeito do nascimento do feto com vida ou sem vida. A insuflação de ar nos pulmões, a putrefação, o congelamento, a prévia conservação do pulmão em álcool, a cocção da víscera do cadáver, a respiração sem deglutição de ar, prejudicam os resultados das docimásias, levando a um falso resultado [56].

4.2 Estado puerperal

As legislações penais que vigoraram no Brasil, antes da edição do Código Penal de 1940, consideravam o infanticídio como uma espécie de homicídio privilegiado quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por algum parente próximo, para esconder gravidez ilegítima.

Nestes casos, em decorrência do critério psicológico honoris causae, atenuava-se a pena de quem matasse um recém-nascido para ocultar a própria desonra ou a de algum parente próximo.

Tal critério foi defendido por Beccaria, Feuerbach e outros adeptos das teorias filosóficas do Iluminismo, no século XVIII, e acabaram influenciando a maioria das legislações surgidas a partir de então, entre elas as editadas no Brasil antes de 1940.

Essas idéias tiveram ampla aceitação, tanto na sociedade comum quanto entre juristas e doutrinadores, em uma época em que ser mãe solteira era algo escandaloso, socialmente reprovável, e em que as penas eram bastante severas e brutais, especialmente para a mulher infanticida.

Antonio José Miguel Feu Rosa relata que,

numa época em que não havia pílulas anticoncepcionais, proliferavam as mães solteiras. Estas tornavam-se alvo de humilhações e do desprezo da sociedade, seus filhos atravessavam a vida com aquela chaga da origem pecaminosa. Não havia assistência social, e a rede hospitalar, além de particular, apresentava a precariedade de recursos que tornava o parto perigosa aventura. A mulher grávida sentia, por antecipação, os pavorosos sofrimentos que a atormentariam. Não existia, ainda, a anestesia. O índice de mortalidade atingia níveis alarmantes e pavorosos, porque quando se precisava de cesariana, ora salvava-se a mãe, ora a criança. Era quase impossível ambas sobreviverem. [57]

Com o passar dos anos, a sociedade foi mudando, a noção de moral foi-se modificando e o critério psicológico foi perdendo sentido, ao mesmo tempo em que surgiram novas idéias a respeito do conceito de honra, sobre o incômodo de se possuir uma prole portadora de doenças ou deformidades, sobre o trauma psíquico do parto que muitas vezes levava à loucura, o que fez com que surgissem novas teorias a respeito do infanticídio.

Tais idéias deixaram de lado o conceito psicológico puro, relacionado com o conceito de honra e prenhez ilegítima, e passaram a adotar um critério fisiopsicológico, relacionado à influência exercida pelo puerpério no psiquismo da mulher.

Desta forma, influenciado por tais idéias, o Código Penal brasileiro de 1940 passou a reconhecer o infanticídio como uma espécie de homicídio privilegiado, com pena mais branda, não mais se calcando no motivo de honra, mas atrelando-se à "influência do estado puerperal".

Com relação à intenção do legislador ao inserir a figura do estado puerperal na legislação que trata do infanticídio, Almeida Jr. e Costa Jr lecionam que seu intuito foi abarcar os casos em que a

mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental, nem semi-alienação (casos estes já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco a frieza do cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam, então, o homicídio). Mas a situação intermédia – podemos dizer, até, ‘normal’ da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas . [58]

Neste mesmo sentido, o entendimento de Helio Gomes, para quem

as vítimas dessa ‘loucura’ momentânea devem ser mulheres sem história pregressa de doenças mentais (esquizofrenia; psicose maníaco-depressiva) ou mesmo quaisquer desordens de cunho psíquico (neuroses; personalidades psicopáticas), em suma, perfeitamente normais, do ponto de vista psiquiátrico, pois o contrário caracterizaria o homicídio, aplicando-se, então, conforme o caso, o artigo 26 do Código Penal e seu parágrafo. [59]

Sabe-se que existem transtornos mentais e comportamentais capazes de acometer a mulher durante o puerpério, podendo aparecer nas seis primeiras semanas após o parto, conforme a classificação da CID-10 [60]:

F 53.0 Transtornos mentais e comportamentais leves associados ao puerpério –

Depressão:

- pós-parto SOE

- puerperal SOE

F 53.1 Transtornos mentais e comportamentais graves associados ao puerpério:

- psicose puerperal SOE

F 53.8 Outros transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, não classificados em outra parte.

F 53.9 Transtorno mental ou comportamental associado ao puerpério, não especificado.

O estado puerperal seria, portanto, de acordo com Damásio de Jesus, [61] "o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto"

A Exposição de Motivos do Código Penal fala que

o infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter este realmente sobrevindo em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio.

Como se vê, para receber o benefício da pena mais branda, é necessário que a mulher esteja realmente sob a influência do estado puerperal ao praticar o crime, sem o que não há que se falar em infanticídio, mas em homicídio.

Entretanto, a existência da influência do estado puerperal no ânimo da parturiente não é entendimento tão unânime assim na doutrina jurídica nem na doutrina médica. A adoção do critério fisiopsicológico por parte do Código Penal de 1940 tem recebido inúmeras críticas desde sua edição. Ao referir-se ao estado puerperal, Hélio Gomes [62] classificou-o como uma entidade "no mínimo pouco palpável, para não dizer virtual".

Para quem considera que as lições do ilustre professor de Medicina Legal acima citado encontram-se defasadas, traz-se à baila Genival Veloso de França, [63] também professor de Medicina Legal (porém mais moderno), para quem não há "nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal, pois nem sequer tem um limite de duração definido".

Nerio Rojas refere-se à questão da duração do estado puerperal da seguinte forma:

La duración del estado puerperal, por lo pronto, es indeterminable con exactitud, sin contar las diferencias de critério que establecen divergencias fundamentales entre los tocólogos. Unos denominam ‘estado puerperal’ al embarazo, al parto y al puerperio que le sigue; otros, sólo a este último; algunos consideran que este estado puerperal dura el tiempo de la involución clínica del útero; otros lo refieren a la involución histológica de ese órgano, que suele durar hasta dos meses; hay quienes lo limitan a la duración de los lóquios, y otros lo extienden hasta la aparición de la menstruación. [64]

Heleno Cláudio Fragoso, ardente crítico do critério fisiopsíquico, é taxativo ao dizer que o estado puerperal jamais poderia, por si só, provocar na mulher uma tal agressividade contra o próprio filho, violando o impulso natural da maternidade. Ou existe uma precedente situação de anomalia psíquica que a gravidez e o parto precipitam (e estaríamos então na esfera do art. 22 e seu parág. único), ou existem fatores de ordem social (gravidez fora do casamento, extrema severidade dos pais, intensa reprovação dos parentes) que provocam grave perturbação de ânimo capaz de conduzir ao crime [65].

O infanticídio é um delito pouco comum. Ainda não dá para se determinar quantos casos de infanticídio ocorrem anualmente no Brasil, pois não há um levantamento estatístico capaz de ajudar no mapeamento deste crime, talvez até devido à própria natureza do delito, que ocorre, em geral, em partos clandestinos, e após o término de uma gravidez escondida.

Entretanto, sabe-se que ele é um crime mais comum entre mulheres das camadas mais pobres da população, abandonadas pelo pai da criança, ou então que carregam no ventre o fruto de uma relação extraconjugal.

Além disso, a mulher acusada de infanticídio só vai ser avaliada pelos peritos muito tempo depois de realizado o ato criminoso, o que dificulta a constatação da real ocorrência do estado puerperal.

Como diz Nélson Hungria,

o legislador penal brasileiro deixou a questão aberta: na apreciação de cada caso concreto, terá o juiz de invocar o parecer dos peritos-médicos, a fim de que estes informem se a infanticida, ainda que isenta de taras psicopáticas, francas ou latentes, teve a contribuir para o seu ato criminoso as desordens físicas e psíquicas derivadas do parto. [66]

Entretanto, o que se tem visto sempre é a caracterização do privilégio de delito excepcional a todos os casos de morte causada pela parturiente no próprio filho, conforme se vê na seguinte jurisprudência:

Sendo a prova segura em indicar que a conduta da ré ocorreu logo após o parto, o que faz presumir estar ela sob a influência do estado puerperal, já que este é o efeito costumeiro de qualquer parto, não depende o seu reconhecimento de prova pericial. (TJSP – RSE – Rel. Gomes de Amorim – RJTJSP 172/300). [67]

Outro problema que tem ocorrido é a confusão feita nos tribunais brasileiros a respeito das elementares do crime. Apesar de a lei brasileira adotar o critério fisiopsicológico do estado puerperal, tem-se desencavado o critério psicológico, fazendo com que, aos poucos, ambos se confundam, conforme se depreende das jurisprudências abaixo colacionadas:

A influência do estado puerperal é o efeito normal e corriqueiro de qualquer parto. Dada a sua grande freqüência, deverá ser admitida sem maior dificuldade. Presente a causa da honra, então, deverá ser afastada qualquer dúvida a respeito. (RT 417/111). [68]

O infanticídio é, inegavelmente e antes de tudo, um delito social, praticado na quase totalidade dos casos (e é fácil a comprovação pela simples consulta dos repertórios de jurisprudência), por mães solteiras ou mulheres abandonadas pelos maridos e pelos amásios. Raríssimas vezes, para não dizer nenhuma, têm sido acusadas desses crimes mulheres casadas e felizes, as quais, via de regra, dão à luz cercadas do amparo do esposo e do apoio moral dos familiares. Por isso mesmo, o conceito fisiopsicológico do infanticídio – "sob a influência do estado puerperal" – introduzido no nosso Código Penal para eliminar de todo o antigo conceito psicológico – a causa da honra – vai, aos poucos, perdendo sua significação primitiva e se confundindo com este, por força de reiteradas decisões judiciais. (TJSP – Rec. – Rel. Silva Leme – RT 421/91). [69]

Soma-se a isso a crítica de Maggio:

Finalmente, considerando que, na dúvida, sempre prevalece o brocardo in dúbio pro reo, surge, então, a presença de uma válvula de escape que, juridicamente, acaba por agraciar mães parturientes, aparentemente homicidas, premiando-as com a brandura e amenidade da punição [70].

4.3 Objetividade jurídica

De acordo com Bitencourt [71] "o bem jurídico do crime de infanticídio, a exemplo do homicídio, é a vida humana. Protege-se aqui a vida do nascente e do recém-nascido".

A vida constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. Em seu conceito estão inseridos outros direitos, como a dignidade da pessoa humana, privacidade, integridade física, integridade moral e o direito à existência. Conforme diz José Afonso da Silva, [72] "de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos".

Não se faz mais distinção entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina. Neste sentido, Nélson Hungria afirma que há infanticídio desde que, começado o parto, o feto se podia considerar biologicamente vivo. Nem mesmo é necessário indagar-se se o feto era capaz de vida autônoma: basta averiguar, remontando-se ao momento anterior à expulsão, a presença de vida biológica, isto é, a existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sanguínea [73].

Com relação ao bem jurídico tutelado pelo crime de infanticídio, uma das críticas comumente feitas ao Código Penal de 1940 é a referente ao fato de ele tratar o infanticídio como modalidade de homicídio privilegiado com uma pena mais branda, pois, segundo seus críticos, isso denota que o legislador considerava a vida de um adulto socialmente mais valiosa que a vida de uma criança.

4.4 Ação típica

A ação típica do infanticídio constitui-se em a mãe matar o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

Devido ao fato de o infanticídio ser um crime de forma livre, sua execução pode ocorrer através dos mais variados meios, diretos ou indiretos, capazes de produzir a morte do ser humano nascente ou recém-nascido.

A conduta delituosa tanto pode ser operada através de atitudes positivas (comissivas), em que a ação incide violentamente sobre o sujeito passivo, quanto através de atitudes negativas (omissivas), em que a inação consiste em não-realizar os cuidados indispensáveis à vida do sujeito passivo no momento do seu nascimento ou logo após.

O infanticídio é menos comum durante o parto. Almeida Jr. e Costa Jr. [74] relatam que a literatura francesa notificava a respeito de "uma certa parteira, hábil em perfurar a moleira dos fetos no momento do nascimento; assim como é sabido que algumas vezes, nesse mesmo instante, a criança tem sido decapitada".

Após o feto ter atravessado todo o canal de parto, deixa de ser infante nascente e torna-se infante nascido (recém-nascido). A partir deste momento, já poderá ser objeto de atos criminosos dos mais variados, sendo as causas mais comuns, o estrangulamento ou a esganadura, a sufocação, o afogamento, o lançamento da criança contra paredes ou similares, bem como as lesões produzidas por instrumentos perfurantes, cortantes, ou pérfuro-cortantes [75].

Muita gente confunde o infanticídio com a conduta descrita no art. 134, § 2º, do Código Penal quando se trata da hipótese em que a mulher, sob a influência do estado puerperal, abandona seu filho recém-nascido em lugar ermo, exposto a alguma situação que possa lhe levar à morte.

Não há razão, todavia, para que se faça tal confusão, uma vez que esses dois crimes, apesar de possuírem o mesmo resultado "morte", são totalmente diferentes entre si. Para configurar o crime descrito no art. 134, § 2º, do CP, que pode ser classificado como um crime de perigo, é necessário que o agente queira apenas livrar-se do bebê com o fim de ocultar desonra própria, sem desejar sua morte, mas aceitando colocá-lo em uma situação perigosa para sua vida (dolo de dano). "O resultado morte, que agrava a pena da agente, é de ter decorrido apenas culposamente, vale dizer, ser apenas previsível, mas jamais querido, nem sequer aceito". [76]

Já para haver a configuração do crime de infanticídio, é necessário que se averigúe se a mãe (agindo sob a influência do estado puerperal e logo após o parto), ao abandonar o próprio filho em local ermo, desejava (dolo direto) ou assumiu o risco (dolo indireto eventual) de obter o resultado morte sobrevinda em decorrência do abandono.

Nesta última hipótese, se a conduta não se der "logo após o parto" ou se a mãe não agir "sob a influência do estado puerperal", caracterizado estará o crime de homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal.

4.5 Momento consumativo

O crime de infanticídio consuma-se com a morte do feto nascente ou do infante nascido.

A morte, segundo Magalhães Noronha [77] só existe a partir do momento em que se "apresenta a chamada Trípode de Bichat, constituída pela cessação das funções cerebrais, da circulação e da respiração".

Como já se viu anteriormente, na análise do sujeito passivo deste delito, não mais se questiona a respeito da viabilidade do ser que nasce, bastando apenas que ele nasça com vida. Como o feto nascente pode também ser sujeito passivo do infanticídio, não se exige que tenha havido vida extra-uterina, mas apenas vida biológica.

Conforme a lição de Gerardo Vasconcelos, [78] "o monstro, o feto disforme, desde que vivo, pode ser objeto de infanticídio. Exclui-se apenas a mola, o ovo degenerado e o natimorto, isto é, o feto que, por condições alheias à vontade, nasceu morto".

Para que fique configurado o crime de infanticídio, é necessário que a morte do sujeito passivo tenha ocorrido durante ou logo após o parto. Neste sentido, a seguinte jurisprudência:

O simples fato de demorar o recém-nascido para morrer não desnatura, por si só, o delito de infanticídio. Se assim fosse, tratar-se-ia de comum homicídio. (TACRIM/SP, AC, rel. Juiz Octávio E. Roggiero – JUTACRIM 33/229). [79]

Ocorre que há uma grande querela doutrinária a respeito do que se deve entender pela elementar normativa temporal "durante o parto ou logo após". A doutrina médica não é pacífica ao tratar do início e fim do parto. Para alguns autores, o parto inicia-se com as primeiras contrações uterinas e termina com a expulsão do produto da concepção. Para outros, o parto inicia-se com o período de dilatação uterina e termina com a expulsão da placenta. Esta falta de entendimento dificulta a caracterização do crime, pois, se ocorrer a morte criminosa do feto antes de iniciado o parto, trata-se de aborto, e se não se der durante ou logo após o parto, será homicídio.

Para Nélson Hungria,

a expressão ‘logo após o parto’ não deve ser entendida isoladamente, mas subordinada à frase anterior do art. 123 – ‘sob a influência do estado puerperal’. Não lhe pode ser dada uma interpretação judaica, mas suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período de choque puerperal. [80]

Neste mesmo sentido, o entendimento de Magalhães Noronha, para quem o período logo após o parto encontra-se delimitado pela influência do estado puerperal. Desta forma, apesar de a lei não ter fixado um prazo para sua ocorrência, "não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranja o variável período do choque puerperal" [81]. E finaliza dizendo que é "essencial que a parturiente não haja entrado ainda na fase da bonança, em que predomina o instinto materno" [82].

Com relação à forma tentada do infanticídio, não há muitos pormenores a se tratar, pois é consenso na doutrina a admissão da sua existência, em virtude da materialidade do crime, que ocorre quando, iniciada a ação de matar, esta não se consuma, por motivos alheios à vontade da agente.

Por força do disposto no parágrafo único do art. 14 do Código Penal, pune-se a tentativa de infanticídio com a pena correspondente ao crime consumado, que é a de detenção por 2 (dois) a 6 (seis) anos, diminuída de um a dois terços.


5 ELEMENTO SUBJETIVO

O elemento subjetivo do infanticídio é o dolo, que pode ser entendido como a vontade de praticar a conduta típica. Neste crime, a doutrina, de maneira unânime, entende que o dolo pode tanto ser admitido na forma direta ou determinada quanto na forma indireta eventual.

Desta forma, o dolo direto seria a vontade da mãe em causar a morte do filho durante ou logo após o parto, e o dolo eventual seria a mãe assumir conscientemente o risco de sua ação resultar na morte do filho nascente ou neonato.

Entretanto, questão bastante controversa na doutrina é saber se a culpa também pode ser aceita como elemento subjetivo do infanticídio. Há duas posições doutrinárias a respeito deste assunto.

Para a primeira corrente, representada por Damásio de Jesus, Antonio José Miguel Feu Rosa e por José Frederico Marques, se a mãe, culposamente, matar o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, o fato será inteiramente atípico, por não ter, o Código Penal brasileiro, adotado o infanticídio na forma culposa. Para esta corrente, entretanto, a mulher pode vir a matar o próprio filho de maneira culposa sem que se encontre sob a influência do estado puerperal. Neste caso, responderá por homicídio culposo, na forma do art. 121, § 3º, do CP.

Já para a segunda corrente, encabeçada por Nélson Hungria, Magalhães Noronha, Cezar Roberto Bitencourt, Julio Frabbrini Mirabete, Luiz Regis Prado, e por Fernando Capez, a mulher que, por negligência, imprudência ou imperícia, matar o próprio filho nascente ou recém-nascido, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, responderá pelo crime de homicídio culposo, uma vez que, segundo Mirabete, [83] "a influência do estado puerperal não equivale à incapacidade psíquica e a puérpera responde pelo ato culposo, qualquer que seja ele".


6 PERÍCIA MÉDICO-LEGAL

O papel da perícia médico-legal é de suma importância para a caracterização do infanticídio. De fato, o legislador outorgou aos médicos legistas a tarefa de confirmar comprovadamente a existência dos elementos constituintes deste delito, com vistas a elucidar a Justiça. Desse modo, Vasconcelos assegura:

Para a comprovação conclusiva do ato criminal da própria mãe que mata o filho nascente ou recém-nascido, do infanticídio assim configurante no Cód. Penal, precisa o perito esclarecer as três questões principais: o recém-nascimento, o nascimento com vida e a causa criminosa da morte. [84]

Além disso, compete à perícia determinar se a mulher apresenta sinais de ter parido recentemente e se esta, no momento em que praticou a conduta delituosa, encontrava-se ou não sob a influência do estado puerperal.

A respeito do papel da Medicina Legal na caracterização do infanticídio, Genival Veloso de França [85] diz que ela "constitui o maior de todos os desafios médico-legais pela sua complexidade e pelas inúmeras dificuldades de tipificar o crime. Por isso, foi essa perícia chamada de crucis peritorum – a cruz dos peritos".

Como já se viu no estudo do sujeito passivo, a prova de existência de vida extra-uterina é feita através das docimásias, que podem ser respiratórias ou não-respiratórias, ou através das provas ocasionais.

Já a prova de existência de vida intra-uterina dá-se através do estudo de dois fenômenos dependentes da circulação sangüínea: o tumor de parto e os caracteres vitais das lesões.

Ainda com relação ao sujeito passivo, cabe à perícia médico-legal determinar a causa jurídica da morte. Caso ela tenha sido natural, fica afastada a hipótese de homicídio; caso não tenha sido, necessita-se esclarecer se a sua causa foi acidental ou criminosa.

A idade do feto pode ser determinada através da constatação de sinais que atestem a sua viabilidade prática. Neste caso, os elementos que devem ser analisados pelo perito são o peso do feto, sua estatura, sua pele e fâneros cutâneos, sua genitália externa, os diâmetros cefálicos, os pontos de ossificação e a histologia fetal.

Com relação à mulher, para a comprovação do delito, é necessário que ela seja portadora de grave perturbação psicológica ocasionada pelo estado puerperal, e capaz de levá-la a extirpar a vida de seu próprio filho durante ou logo após o parto. Conforme Nerio Rojas, [86] "el examen mental de la madre tiene a veces especial interés, pues el parto es capaz de producir transtornos psíquicos o éstos son invocados por la defensa".

Desta forma, o parecer psiquiátrico, como exame subsidiário, ao fazer uma análise do estado psíquico da parturiente, apresenta sua inegável importância, pois deverá avaliar a possível influência exercida pelo estado puerperal no psiquismo da parturiente. Este exame irá apurar se o parto foi doloroso ou angustiante; se a acusada, após ter matado o filho, tratou de esconder seu cadáver; se ela se lembra do acontecido ou se finge que não se lembra; se ela possui um histórico de psicopatia ou se foi acometida de perturbação mental durante ou logo após o parto capaz de tê-la levado a cometer o crime.

Por fim, faz-se na mulher o exame de parto pregresso, que vai determinar se ela pariu recentemente ou não, devendo-se levar em conta o aspecto geral de seu organismo, o aspecto dos órgãos genitais externos, a presença de corrimento genital, o exame dos órgãos genitais internos através do toque, a dilatação uterina, o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, a dilatação abdominal, a presença de estrias, a presença de lóquios etc. Tal exame também pode ser realizado na mulher caso ela tenha falecido, caso em que serão somados a esses vestígios os encontrados na necropsia.

Assim sendo, França afirma:

Como se viu, a perícia médico-legal no infanticídio é de fundamental interesse pelo seu caráter esclarecedor, chegando-se à conclusão de que, sem sua contribuição, a Justiça jamais teria condições de fundamentar uma sentença dentro de um critério justo, pois lhe faltaria elementos técnicos consistentes e convincentes a respeito das condições de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém-nascidos; das provas de vida extra-uterina; da causa jurídica da morte; do estado psíquico da parturiente; e do diagnóstico de parto pregresso [87].


7 PENA E AÇÃO PENAL

A pena em abstrato cominada ao crime de infanticídio é a de detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos, de acordo com o art. 123 do Código Penal, para o crime consumado.

A pena de detenção é uma pena privativa de liberdade que deve ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto, permitindo-se que o condenado a pena de detenção venha a cumpri-la em regime fechado no caso de regressão, conforme o disposto nos artigos 33 do Código Penal e 118 da Lei n.º 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais).

Não incidem as circunstâncias agravantes presentes no artigo 61, II, e (crime praticado contra descendente) e h (crime praticado contra criança), pois integram a descrição típica do infanticídio.

O infanticídio, tentado ou consumado, é um crime cuja ação penal é pública e incondicionada, ou seja, o Ministério Público tem a atribuição exclusiva para a sua propositura, independentemente da representação do ofendido, admitindo-se a este a ação privada subsidiária, desde que haja inércia do Ministério Público, nos termos do disposto no art. 5º, LIX, da CF.

Por se tratar de crime doloso contra a vida, o crime de infanticídio insere-se na competência do Tribunal do Júri, conforme o art. 5º, XXXVIII, da CF, sendo competente o juízo do local em que se verificou a morte da vítima e, no caso de tentativa, do local onde a atividade da agente teve fim.

A primeira fase do processo tem início com o oferecimento da denúncia e se encerra com a decisão de pronúncia (judicium accusationis ou sumário de culpa). A segunda tem início com o libelo e termina com o julgamento pelo Tribunal do Júri (judicium causae). A instrução criminal segue o procedimento comum independentemente de o crime ser apenado com reclusão ou detenção (oferecimento da denúncia; recebimento da denúncia; citação do acusado; interrogatório; fixação do tríduo para a defesa prévia; audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação (no máximo 8); audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa (no máximo 8); alegações finais, com prazo de cinco dias para cada parte e, se houver assistente da acusação, terá este igual prazo, após a manifestação do promotor de justiça). [88]


8 CONCLUSÃO

A adoção, pelo Direito brasileiro, do infanticídio como delito autônomo calcado no critério fisiopsicológico do estado puerperal tem ensejado o surgimento de inúmeras divergências doutrinárias e jurisprudenciais que contribuem para o quadro de incerteza jurídica existente no Brasil.

O tal estado puerperal exigido no art. 123 do Código Penal para a caracterização do infanticídio nunca teve sua existência comprovada. Sabe-se que existem doenças psicológicas que se manifestam no período gravídico e pós-gravídico, entretanto, tais doenças não podem ser confundidas com a "influência do estado puerperal", que é diferente das psicoses puerperais, da depressão pós-parto, entre outras doenças capazes de acometer as mulheres durante o puerpério.

Devido à própria natureza do delito, que costuma ocorrer em partos clandestinos, sem acompanhamento médico, sem testemunhas do crime, e até porque a mulher só vai passar por alguma avaliação médica e psicológica bastante tempo depois de ter cometido o crime, fica muito difícil, quase impossível, para a perícia determinar com certeza se ela matou seu próprio filho nascente ou recém-nascido sob a influência do estado puerperal.

Por conta disso, o que ocorre na quase totalidade dos casos é a aplicação do princípio do favor rei, que preceitua que, no caso de haver um conflito entre o jus puniendi do Estado Democrático de Direito e o jus libertatis do réu, a balança deve pender a favor deste se se quiser operar o reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana, fato este que acaba privilegiando as homicidas com a pena amena do infanticídio.

Outras questões também suscitam dúvidas com relação à exata aplicação da lei penal aos casos de infanticídio. Tem-se a questão da co-autoria que é bastante polêmica na doutrina e nos tribunais, e cuja solução está longe de ser alcançada. Há divergências acerca do fato de o elemento subjetivo do infanticídio ser apenas o dolo ou se a culpa também é aceitável. Tem-se toda uma problemática relativa à delimitação do início e do fim do parto, e, por conseguinte, do momento em que se passa a considerar o feto como nascente ou como recém-nascido. Além disso, surgem dúvidas com relação à elementar normativa temporal "logo após o parto", que também é uma questão bastante polêmica e que divide a doutrina.

Por conta de todos esses problemas na caracterização do infanticídio conforme está tipificado no Código Penal brasileiro de 1940, alguns juristas e doutrinadores defendem o resgate do motivo de honra à legislação brasileira como condição de atenuação da pena.

Entretanto, trazer de volta o critério psicológico da honoris causa não parece ser a coisa mais acertada a se fazer. Conforme afirma Heleno Cláudio Fragoso,

a vida moderna trouxe, nos últimos tempos, transformações importantes na moral pública sexual, ampliando a esfera de liberdade da mulher e liberando-a de velhos e intoleráveis preconceitos. Parece claro que caminhamos para reconhecer desonra precisamente no fato de a mulher não assumir a responsabilidade de seu comportamento sexual, não hesitando em praticar crime grave para preservar o que já constitui valor moral duvidoso. [89]

Neste mesmo sentido, o ensinamento de Genival Veloso de França, para quem

trazer a espécie honoris causa ao corpo do novo estatuto penal outra coisa não reflete senão um infeliz retrocesso e a flagrante confissão de que a sociedade não evoluiu nos seus conceitos nem se redimiu de seus preconceitos falsos, posto que nenhuma gravidez pode ser considerada imoral, a não ser que os propósitos que a motivaram sejam ilícitos e imorais. [90]

A sociedade evoluiu. Seus conceitos mudaram. Muitas têm sido as críticas sofridas pelo Código Penal no tocante ao seu art. 123 que privilegia as mães infanticidas. Existe um clamor social a favor da proteção da vida, que é o bem maior da sociedade, e avesso ao contra-senso existente na lei penal, que enxerga a questão apenas pela ótica da mãe, esquecendo-se de tutelar com mais severidade a vida do infante nascente ou neonato.

A sociedade vê que neste tipo de crime a conduta criminosa da agente reveste-se de um caráter mais reprovável ainda, por se tratar da ocisão da vida de um ser indefeso, frágil, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não lhe fez nenhum mal. Trata-se de uma vida que mal começou a nascer. Uma vida que, para se desenvolver, necessita de afeto, cuidados especiais, carinho e muito amor.

Além disso, ser mãe solteira no Brasil hoje em dia não é mais nenhum atentado à moral e aos bons costumes nem nos mais recônditos grotões do país. E, se não quiser engravidar, a mulher dispõe de métodos contraceptivos cada vez mais acessíveis e confiáveis, como a pílula anticoncepcional, a pílula do dia seguinte, o anticoncepcional injetável, o anticoncepcional em forma de adesivo para a pele, o DIU (Dispositivo Intra-Uterino), a camisinha feminina, a camisinha masculina etc., devendo-se ressaltar que a maioria desses métodos beira os 100% de eficácia.

Além desses métodos, há meios mais radicais de se evitar uma gravidez, como a esterilização masculina ou feminina, recomendada para quem não deseja ter outros filhos, sendo que tal cirurgia pode ser feita na rede pública de hospitais sem nenhum custo financeiro adicional para a pessoa.

Há, diariamente, campanhas nos meios de comunicação estimulando o uso dos métodos contraceptivos. A população é bastante informada a respeito disso, além de haver distribuição gratuita de pílulas anticoncepcionais e preservativos masculinos na rede pública de hospitais no Brasil. Portanto, atualmente ninguém pode se escusar dizendo que não sabia que fazer sexo sem fazer uso de algum meio contraceptivo pode fazer a mulher ficar grávida. Só fica grávida quem quer ou quem assume o risco de engravidar.

Há a hipótese, porém, de a mulher sofrer um estupro e ficar grávida do criminoso. Nesses casos, o Código Penal, de maneira bastante criteriosa, regula que a mulher não precisa levar tal gravidez adiante. Ela pode, se quiser, submeter-se a um abortamento, nos termos do inciso II do art. 128 do Código Penal, que dispõe sobre a matéria da seguinte forma:

Art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico:

I – (...)

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Como se vê, a lei age sabiamente ao permitir, nesses casos, que seja tirada a vida do feto antes do seu nascimento, pois, se dispusesse de forma a permitir que sua vida também fosse tirada após seu nascimento, estaria, dessa forma, consentindo em um homicídio.

Na atual era do "amor livre", época em que não se constitui em uma desonra para a família a mulher não casar virgem, época em que até o próprio casamento está caindo em desuso, época em que o conceito de família não mais compreende apenas a célula básica formada pela tríade pai, mãe e filhos, época de avanços científicos na área da prevenção à gravidez, não há por que se falar em motivo honoris causae. Seria um verdadeiro retrocesso social e jurídico para o país, um verdadeiro descompasso entre lei e sociedade se o critério psicológico voltasse a configurar o infanticídio.

Por outro lado, não dá pra continuar como está, com o critério fisiopsicológico fazendo parte do tipo penal do art. 123 do CP. É necessário que haja mudanças com vistas a se tornar a lei mais clara e, portanto, de melhor aplicabilidade prática. A sociedade não vê mais motivos para se tratar o infanticídio como um homicídio privilegiado, com uma pena mais amena.

Portanto, uma saída para o legislador seria suprimir o delito de infanticídio do ordenamento jurídico brasileiro como delito autônomo. Simplesmente revogar-se-ia o artigo 123 do Código Penal, e acrescentar-se-ia um sexto parágrafo ao art. 121 do CP, que disporia da seguinte forma: §6º Incide nas mesmas penas do homicídio simples aquele que matar infante nascente.

Por conseguinte, todos os casos de infanticídio passariam a ser tipificados de acordo com o art. 121 do Código Penal, que passaria a figurar no ordenamento jurídico pátrio da seguinte forma:

Art. 121: Matar alguém:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

§2º Se o homicídio é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe;

II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§3º Se o homicídio é culposo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra pessoa menor de quatorze ou maior de sessenta anos.

§5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§6º Incide nas mesmas penas do homicídio simples aquele que matar infante nascente.

Desta forma, estariam protegidas tanto a vida do infante nascente quanto a do recém-nascido, respondendo por homicídio todo aquele que intentasse contra a vida de uma criança no momento de seu nascimento ou em qualquer outro estágio de sua vida.

Caso o agente do crime fosse a mãe da criança, contra esta incidiriam as circunstâncias agravantes presentes no art. 61, II, e e h, do CP. Além disso, qualquer que seja o agente, incide a agravante presente no parágrafo 4º do artigo 121 do Código Penal, em se tratando de homicídio doloso contra menor de quatorze anos.

Também se pode imaginar a hipótese em que a mulher mataria o próprio filho para esconder que um dia tivesse ficado grávida ou para se vingar do amásio que a tivesse abandonado ao receber a notícia da gravidez, cominando-se-lhe, neste caso, pena mais grave por ter praticado o crime por motivo torpe, nos termos do art. 121, § 2º, I, do Código Penal.

Apesar de não ser muito comum, há registros na literatura médica e jurídica, de infanticídios praticados com o emprego de fogo. Desta forma, também incidiria na agravante do art. 121, § 2º, III, do CP a pessoa que matasse um infante nascente ou neonato desta forma, bem como por qualquer dos outros meios previstos no referido dispositivo.

Com relação ao co-autor do delito, acabaria a discussão a respeito da sua punição por infanticídio ou homicídio. Ele responderia por co-autoria em homicídio na medida de sua culpabilidade, conforme o disposto no art. 29 do CP brasileiro.

Como a modalidade culposa de homicídio está prevista no § 3º do art. 121, do Código Penal, não mais haveria divergência a respeito da existência ou não de crime quando a mulher matasse o próprio filho por imprudência, negligência ou imperícia. Desde que ficasse caracterizada a culpa, responderia por homicídio culposo, podendo a agente até ser alvo de perdão judicial, caso o juiz entendesse que as conseqüências da infração atingiram o próprio agente de maneira tão grave que a sanção penal seria desnecessária.

O tão criticado "estado puerperal" não teria mais vez. Em seu lugar, analisar-se-ia se a mulher, no momento consumativo do crime, era plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento.

Se tivesse essa capacidade, seria considerada plenamente imputável. Entretanto, se, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, incapaz de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, ficaria isenta de pena. Já se, por conta de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, reduzir-se-ia sua pena de um a dois terços, conforme o que prediz o artigo 26 do Código Penal.

Por último lugar, o elemento normativo temporal caracterizador do infanticídio "durante o parto ou logo após", cuja existência tem patrocinado intermináveis querelas doutrinárias, perderia um pouco a capacidade de criar polêmica. Responderia por homicídio tanto a mulher que matasse seu filho no momento do parto (art. 121, § 6º, CP) quanto a que executasse a conduta criminosa imediatamente ou muito tempo após o parto.

Como se vê, seria um avanço bastante positivo para o Direito brasileiro se o Código Penal fosse modificado no tocante ao crime de infanticídio, cuja existência como delito autônomo tem-se mostrado bastante problemática, e que não mais encontra legitimidade social para continuar como modalidade de homicídio privilegiado.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA JR, A.; COSTA JR, J.B. de O. Lições de Medicina Legal. 16 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, tradução de Torrieri Guimarães, São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. volume 2. São Paulo: Saraiva, 2001.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), volume 2. São Paulo: Saraiva, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8.ed. atual. de acordo com o novo Código civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002.

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 6.ed. 3.tir.rev., atual. e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 1998.

FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. volume 1. tomo 2: parte especial. 6.ed., rev.e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

GOMES, Hélio [atualizador: Hygino Hércules]. Medicina Legal. 32.ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Dos crimes contra a pessoa. volume 8. 4.ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2001. – (Coleção sinopses jurídicas).

GUIMARÃES, Roberson. O crime infanticídio e a perícia médico-legal. Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4066.

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. volume V. arts. 121 a 136. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. 17ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

_______. Nelson Hungria e o concurso de pessoas no crime de infanticídio. In: www.damasio.com.br, dez. 2000. Disponível em: <http://www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_54.htm>.

MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio. Bauru: EDIPRO, 2001.

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. volume IV. parte especial. 1.ed.atual. Campinas: Milennium, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal.volume 1. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2001.

_______. Manual de direito penal. volume 2. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática jurídica. São Paulo: Mackenzie, 2002.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. volume 2. 16ª.ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1980.

PEDRO, Antonio. História Geral: compacto, 2º grau. ed.atual.,ampl.e renovada. São Paulo: FTD, 1995.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 1: arts. 1º a 120. 3.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002a.

________. Curso de direito penal brasileiro. volume 2: arts. 121 a 183. 2.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002b.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed.3.tir. São Paulo: Saraiva, 1999.

ROJAS, Nerio. Medicina Legal. 12.ed. Buenos Aires: Editorial El Ateneo, 1979.

ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal – Parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

SANTOS, William Douglas Resinente dos; KRYMCHANTOWSKI, Abouch Valenty; DUQUE, Flávio Granado. Medicina legal à luz do direito penal e processual penal: teoria resumida e questões. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19.ed. rev. e atual. nos termos da reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 31, de 14.12.2000). São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. volume 1. 24.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

VASCONCELOS, Gerardo. Lições de medicina legal. 2.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1976.


NOTAS

01 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal – Parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.123.

02 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio. Bauru: EDIPRO, 2001, p.38 e 39.

03 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 1: arts. 1º a 120. 3.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002a, p.84.

04 ROSA, op. cit., p.125.

05 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte especial. 17ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.94.

06 MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática jurídica. São Paulo: Mackenzie, 2002, p.09-10.

07 MAGGIO, op. cit., p.34.

08 ROSA, op. cit., p.123.

09 MAGGIO, op. cit., p.34.

10 O historiador Antonio Pedro ensina que "as perseguições aos cristãos, bastante conhecidas na cultura ocidental, terminaram no reinado de Constantino. Em 313, o novo imperador legalizou esta religião, que foi se tornando mais e mais forte. Era o nascimento da igreja católica, com fortes vínculos com o Estado". (PEDRO, Antonio. História Geral: compacto, 2º grau. ed.atual.,ampl.e renovada. São Paulo: FTD, 1995, p.83.)

11 MAGGIO, op. cit., p.35.

12 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. volume V. arts. 121 a 136. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p.239-240.

13 A respeito deste assunto, Nelson Hungria esclarece que a Carolina (Ordenação penal de Carlos V) dispunha sobre o crime de infanticídio da seguinte forma: "As mulheres que matam secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água. Onde, porém, tais crimes se dão freqüentemente, permitimos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão, a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes". (HUNGRIA & FRAGOSO, op.cit.., p.240.)

14 À época, Beccaria tentou justificar a atitude criminosa das infanticidas alegando que "o infanticídio é, ainda, o efeito quase inevitável da terrível alternativa em que se encontra uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não haveria de preferir essa última alternativa, que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?" (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p.92.)

15 MAGGIO, op. cit., p.36.

16 HUNGRIA & FRAGOSO op.cit.., p.241.

17 MAGGIO, op.cit., p.38.

18 In MAGGIO, op. cit. p. 39.

19 MUAKAD, op. cit., p.89.

20 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. volume 2. São Paulo: Saraiva, 2001, p.137.

21 PIERANGELLI apud MAGGIO, op. cit. p. 40.

22 JESUS, op.cit., p.92.

23 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), volume 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p.97.

24 SANTOS, William Douglas Resinente dos; KRYMCHANTOWSKI, Abouch Valenty; DUQUE, Flávio Granado. Medicina legal à luz do direito penal e processual penal: teoria resumida e questões. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p.178.

25 GUIMARÃES, Roberson. O crime infanticídio e a perícia médico-legal. Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4066

26 Hélio Gomes divide e classifica o puerpério em três tipos, de acordo com a sua duração: puerpério imediato (até dez dias após o parto), tardio (que vai até os quarenta e cinco dias) e o puerpério remoto (de quarenta e cinco dias em diante). (GOMES, Hélio [atualizador: Hygino Hércules]. Medicina Legal. 32.ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p.745.)

27 GOMES, op.cit. p.746.

28 GOMES, op.cit. p.602.

29 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 1998, p.204.

30 ALMEIDA JR, A. e COSTA JR, J.B. de O. Lições de Medicina Legal. 16 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p.362.

31 FRANÇA, op.cit., p.205.

32 Idem, p.242.

33 GOMES, op.cit. p.747.

34 FRANÇA, op. cit., p.242.

35 Idem.

36 ROSA, op. cit., p.125.

37 HUNGRIA & FRAGOSO, op.cit., p. 258.

38 FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 6.ed. 3.tir.rev., atual. e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.110.

39 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8.ed. atual. de acordo com o novo Código civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002.

40 PRADO, op. cit., p.300.

41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal.volume 1. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.99.

42 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed.3.tir. São Paulo: Saraiva, 1999, p.217.

43 MIRABETE, op. cit., p.122.

44 PRADO, op. cit., p.216.

45 MIRABETE, op. cit., p.125.

46 MIRABETE, op. cit., p.90.

47 JESUS, Damásio de. Nelson Hungria e o concurso de pessoas no crime de infanticídio. In: www.damasio.com.br, dez. 2000. Disponível em: <http://www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_54.htm>.

48 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 2: arts. 121 a 183. 2.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002b, p.81.

49 Sobre esta questão, manifestou-se o próprio Hungria da seguinte forma: "Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz (op. cit., pág. 26) e Hafter (op. cit., pág. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código hevéltico (art. 26), é irrestrita (‘Les relations, qualités et circonstances personelles spéciales dont l’effet est d’augmenter, de diminuer ou d’exclure la peine, n’auront cet effet qu’à l’égard de l’auteur, instigateur ou complice qu’elles concernent’), ao passo que perante o Código pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘Salvo quando elementares do crime.’ Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio." (HUNGRIA & FRAGOSO, op.cit., p.238.)

50 CASPER apud ALMEIDA JR & COSTA JR, op. cit., p.376.

51 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.258.

52 ALMEIDA JR & COSTA JR, op. cit., p.375.

53 GOMES, op. cit., p.754.

54 FRANÇA, op. cit., p.244 e 245.

55 MAGGIO, op. cit., p.78.

56 Para a medicina Legal, a tarefa de se averiguar a existência de respiração no feto é bastante complexa e seus resultados ficam, às vezes, prejudicados por causa das circunstâncias de cada caso. A Docimásia Hidrostática de Galeno, por exemplo, "só tem valor até 24 h após a morte do infante, pois, a partir desse tempo, começam a surgir os gases oriundos do fenômeno transformativo da putrefação, dando, por conseguinte, um falso resultado". (FRANÇA, op. cit., p.245.)

57 ROSA, op. cit., p.123.

58 ALMEIDA JR & COSTA JR, op. cit., p.382.

58 GOMES, op. cit., p. 746.

59 In MAGGIO, op. cit., p.55.

60 JESUS, op. cit., p.93.

61 GOMES, op. cit., p.746.

62 FRANÇA, op. cit., p.240.

63 ROJAS, Nerio. Medicina Legal. 12.ed. Buenos Aires: Editorial El Ateneo, 1979, p.203.

64 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.540.

65 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.251.

66 In FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. volume 1. tomo 2: parte especial. 6.ed., rev.e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.2109.

67 Idem, p.2110.

68 Idem. Ibidem.

69 MAGGIO, op. cit., p.66.

70 BITENCOURT, op. cit., p.138.

71 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19.ed. rev. e atual. nos termos da reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 31, de 14.12.2000). São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.201.

72 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.258.

73 ALMEIDA JR & COSTA JR, op. cit., p.373.

74 GOMES, op. cit., p.751.

75 CAPEZ, op. cit., p.99.

76 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. volume 2. 16ª.ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1980.

77 VASCONCELOS, Gerardo. Lições de medicina legal. 2.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.305.

78 In FRANCO, op. cit., p. 2109.

79 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.264.

80 NORONHA, op. cit., p.54.

81 Idem.

82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. volume 2. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.92.

83 VASCONCELOS, op. cit., p.308.

84 FRANÇA, op. cit., p.242.

85 ROJAS, op. cit., p.220.

86 FRANÇA, op. cit., p.251.

87 CAPEZ, op. cit., p.106.

88 HUNGRIA & FRAGOSO, op. cit., p.539.

89 FRANÇA, op. cit., p.241.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1508, 18 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10301. Acesso em: 26 abr. 2024.