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Ministério Público e o controle penal da corrupção.

A Promotoria Anticorrupção (FERDERC) na Espanha: do modelo formal ao modelo construído

Ministério Público e o controle penal da corrupção. A Promotoria Anticorrupção (FERDERC) na Espanha: do modelo formal ao modelo construído

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O artigo analisa a experiência da Promotoria Anticorrupção na Espanha, identificando trajetórias e percepções dos atores que integraram a organização pesquisada.

O objetivo deste artigo é analisar a experiência da Promotoria Anticorrupção na Espanha (1995/2003); nele focalizo o ambiente que propicia a idealização da Promotoria especializada e procuro identificar trajetórias e percepções dos atores que integram a organização pesquisada.


Ministério Público

Promotoria Anticorrupção organização

Entre os juristas, a preocupação com as funções do direito tornou-se objeto de crescente interesse nos últimos anos, influenciados em parte pela forte penetração do funcionalismo, com claras raízes durkheimnianas, parsonianas e mais recentemente luhmannianas (Bergalli, 1996). O direito penal é seguramente um dos campos onde essa influência se revela mais evidente, sendo paradigmático o crescente interesse acerca da suposta função do direito como instrumento de controle de condutas. O conceito de controle social acabou vulgarizado nas disciplinas penais, perdendo-se a idéia original em que havia sido concebido, no âmbito da Escola de Chicago, razão pela qual parece mais apropriado que essa suposta função do direito penal seja redefinida como controle penal (Melossi, 1992; Bergalli, 1996; Bergalli e Sumner, 1997; Machado, 2004c).

Determinadas questões sociais (muitas vezes definidas como problemas) também passaram a ser construídas de forma distinta nos últimos anos (Pujas, 2000, p. 46). A preocupação sobre causas, efeitos e formas de controle da corrupção passou a fazer parte da agenda política, sendo a solução punitiva uma das medidas recomendadas (Santos, 2002, p. 154; Andrés-Ibáñez, 1997, pp. 225-226; Lascoumes, 2000, pp. 99-116; Elliot, 2002, pp. 304-308, Gardiner e Lyman, 1993, p. 833). Nesse contexto, aumenta o interesse sobre o funcionamento das organizações que integram o sistema de justiça e aparecem várias propostas sobre o modelo ideal para implementar formas de controle da corrupção (Alberti, 1996; Speck, 2000, pp. 34-35; Rodríguez García, 2000; Salas, 1997, pp. 241-242). Johnston, por exemplo, é crítico quanto à possibilidade de que o Ministério Público (MP) assuma as funções como órgão anticorrupção, vez que a "luta contra a corrupção" competiria com o "combate" a outras práticas delituosas e as ações dependeriam de ambições pessoais e não do problema em si (Johnston, 1999, p. 218).

O objetivo deste artigo é analisar a experiência da Promotoria Anticorrupção na Espanha; nele focalizo o ambiente que propicia a idealização da Promotoria especializada e procuro identificar trajetórias e percepções dos atores que integram a organização pesquisada.

No trabalho de campo com o MP espanhol consultei inicialmente alguns dos mais importantes jornais de circulação nacional e na Catalunha (El País, El Mundo, La Vanguardia, La Razón, ABC, El Periódico e o extinto Diario 16), os relatórios anuais elaborados pelo procurador-geral e pelos promotores chefes (Memorias de la Fiscalía) das Promotorias de Justiça de Barcelona e FERDERC, além das revistas das associações profissionais de promotores de justiça. Durante a pesquisa, participei como observador de um dos congressos realizados pela UPF (Unión Progresista de Fiscales) em junho de 2003 e de seminários celebrados para discussão de temas relacionados ao desempenho das funções por organizações envolvidas na persecução penal (Polícia, funcionários da Agencia Estatal de Administración Tributaria e promotores de justiça). Foi possível, ainda, observar rotinas de trabalho do promotor de justiça durante audiências judiciais, especialmente no caso "Estevill" (estudo de caso, Capítulo 7). Entrevistei oito promotores de justiça da Promotoria de Delitos Econômicos de Barcelona, o promotor chefe e o teniente fiscal (segundo na hierarquia), a assessora contábil da promotoria e o chefe de uma das unidades da Polícia. Entrevistei, ainda, seis jornalistas especializados em tribunais em Barcelona. Em Madri, entrevistei um dos promotores que integram a Secretaría Técnica, sete promotores de justiça que integram a FERDERC e quatro funcionários-chefes das unidades que integram o órgão. Utilizei, também, entrevistas semi-estruturadas, por meio das quais pretendi aprofundar o conhecimento sobre a organização interna e as relações intra-organizacionais e interorganizacionais. Complementei a pesquisa com estudos de casos que considero representativos para ilustrar as informações obtidas nas entrevistas e análise documental.


I.

De forma sintética, o MP espanhol tem um perfil bastante distinto do brasileiro. Do ponto de vista organizacional, semelhante ao francês, é estruturado de forma hierárquica, em promotorias provinciais, dirigidas por um promotor-chefe, estando no ápice da pirâmide o procurador-geral, não necessariamente um membro da carreira, designado e demitido livremente pelo governo. Atua fundamentalmente no âmbito criminal, segundo o princípio da obrigatoriedade da ação penal, da qual não dispõe do monopólio. Entre as características mais acentuadas, destaco o forte sentimento de hierarquia interna, que faz parte dos mecanismos de socialização dos membros, fomentado nos cursos ministrados aos recém-ingressos na carreira (Machado, 2004a, Machado, 2004b; Machado, 2005, pp. 328-373).

Conhecer o momento histórico em que foi criada a Promotoria Anticorrupção (FERDERC) é importante para entender o contexto político da época. O início da década de 90 foi marcado pela proliferação de escândalos políticos, envolvendo tanto casos de corrupção no governo socialista, no poder desde 1982, quanto delitos econômicos de grande transcendência [02]. O momento acabaria conhecido como "época do pelotazo", marcada pelas grandes jogadas financeiras, normalmente associadas a banqueiros ou financistas com grande poder econômico e que ganhavam elevadas quantias às custas, muitas vezes, do prejuízo de pequenos acionistas.

A criação do órgão pelo PSOE (Partido Socialista Obrero Español), em 1995, entre outras razões, pretendia dar uma resposta contundente à opinião pública diante dos inúmeros escândalos envolvendo a cúpula do partido nos últimos anos de governo (PP/ Partido Popular ganha as eleições e assume o poder em 1996). No momento em que a FERDERC era criada, o governo também foi acusado de incrementar o controle das investigações de determinados delitos relacionados ao poder (corrupção e delitos econômicos) (Sainz de Robles, 1994) [03]. A exposição de motivos da Lei n. 10/95 faz expressa referência à resolução do Congresso que recomendava ao governo a criação de uma promotoria especializada para combater a delinqüência econômica e a corrupção [04]. A criação de promotorias de justiça e tribunais especializados também era sugerida no campo acadêmico (jurídico-penal-econômico) (Bourdieu, 1987, 1994, 2001) [05]. No âmbito internacional, o órgão viria a atender antigas exigências de organizações internacionais (ONU, OCDE, etc.) e do Conselho Europeu (Recomendação n. 81), os quais recomendavam aos Estados a criação de órgãos especializados na persecução de delitos econômicos relacionados à corrupção (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1997, pp. 324 e ss e 1998, pp. XVII e ss).

A vitória do Partido Popular (PP), em 1995, permitiu à direita reassumir o poder após 14 anos de governo socialista (PSOE). No início da década de 90, o PP havia acusado os socialistas de manipularem o MP e acenava com a promessa de dotar o órgão de mais autonomia. Os políticos do PP propunham, por exemplo, que o cargo de procurador-geral fosse ocupado por um membro do MP [06]. No final da década de noventa e, especialmente durante o último governo popular (2000-2004), o promotor-chefe da Promotoria Anticorrupção protagonizou alguns dos embates com o procurador-geral, momento em que denunciou o intuito de controle político sobre o órgão anticorrupção. A designação, em 1995, de Carlos Jiménez Villarejo – membro do MP espanhol com extenso currículo, com longa experiência como promotor-chefe da Promotoria de justiça de Barcelona e associado à Unión Progresista de Fiscales (UPF) –, cujo início de carreira esteve marcado pela resistência à ditadura franquista, teria sido fruto de consenso entre os dois maiores partidos políticos espanhóis (PP e PSOE). Essa mencionada tensão agravou-se exatamente quando surgiram os casos que poderiam ter alguma repercussão política para o PP. As constantes recusas do procurador-geral em autorizar a FERDERC a investigar determinados fatos foram denunciadas pelos partidos de oposição e foram amplamente divulgadas pela mídia (especialmente El País). O momento culminante ocorreu no dia 26 de junho de 2003, com a publicação pelo El País de entrevista com Villarejo [07]. A assim denominada "Trama de Madri", escândalo envolvendo possível financiamento irregular de partidos políticos recém havia vindo à tona. O PP era duramente acusado pela oposição de participar de esquema para beneficiar determinadas imobiliárias na Comunidade de Madri. Na ocasião, Villarejo denunciou publicamente que Cardenal ordenava a investigação quando a noticia criminis era apresentada pelo PP, negando-se quando apresentada pelo PSOE (Ekaizer, 26 jun. 2003, p. 17).

Reformado o Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal (EOMF), Villarejo foi afastado do cargo, aposentando-se em seguida. A estratégia inicialmente ventilada pelas associações de classe de que ninguém se apresentaria para o cargo frustrou-se com a nomeação de Antonio Salinas, que obteve a maioria dos votos do Consejo Fiscal (CF) [08] – Salinas obtém 4 votos e Villarejo 3 –, o que teria conferido maior respaldo à decisão do governo, já que uma das tensões na carreira (entre CF e governo) não teria sido reacendida no caso envolvendo a chefia da FERDERC (Marin, 5 jul. 2003, p. 17). Cardenal teria, inclusive, aventado a possibilidade de extinguir o órgão anticorrupção, idéia posteriormente abandonada, especialmente devido à repercussão do escândalo das imobiliárias em Madri. Diferente de Villarejo, acusado de utilizar-se dos meios de comunicação para pressionar o procurador-geral (e o governo) a autorizar a investigação nos casos envolvendo o PP, Salinas teria outro perfil, conhecido pela pouca exposição na mídia e por não enfrentar o poder político e a hierarquia institucional.

A vitória do PSOE, nas eleições de 14 de março de 2004, reacendeu o debate sobre a Promotoria Anticorrupção. Criada no final do seu último mandato em 1995 e cerceada ao longo dos anos pelo governo popular, a Promotoria foi objeto de uma das promessas dos socialistas no período em que estiveram na oposição: dotar o órgão de mais autonomia em relação ao procurador-geral (Díez, 28 dez. 2003, pp. 22-24).


II Definição orgânica e funcional da FERDERC: evolução e involução

A Promotoria Anticorrupção, criada em 24 de abril de 1995, foi constituída definitivamente apenas no final do ano, momento em que foram lotados os promotores de justiça e os funcionários que passariam a integrá-la. De acordo com o artigo 18 do EOMF, as atribuições conferidas são de natureza penal, nos casos de especial transcendência, conforme apreciação do procurador-geral [09]. Semestralmente, o procurador-geral deve enviar um relatório à Junta de Fiscales de Sala (JFS) e ao CF sobre os procedimentos em que haja intervenção do órgão especializado. O âmbito de atuação é delimitado pela natureza da delinqüência que se pretende combater (delitos econômicos e corrupção) (Instrucción n. 1/1996 da Procuradoria-geral espanhola, pp. 4-5; disponível em: http://www.fiscalia.org/ circulares/inst1-96.htm. Acesso em: 25 nov. 2003).

Com a criação da Promotoria Anticorrupção foram acentuadas as funções investigadoras do MP, atendendo-se ao intuito manifestado pelo legislador (exposição de motivos da Lei n. 10/95) de que o órgão participasse desde o início dos procedimentos de especial complexidade e transcendência (na Espanha vige o Juizado de Instrução). As diligências de investigação são iniciadas de ofício ou em razão de noticia criminis levada pela administração pública ou por particulares.

Nos assuntos que a Instrução n. 1/96 atribui expressamente à FERDERC prescinde-se de nova decisão do procurador-geral, ao passo que essa se faz necessária na definição dos casos de "especial transcendência". Depreende-se, pela análise do texto legal e de normativa interna, que a especificidade do novo órgão potencializa especialmente suas funções investigadoras diante da vantagem que proporciona a estrutura técnica criada. A FERDERC é acionada pelos membros do MP nela lotados ou delegados, segundo critério do promotor-chefe (Instrução n. 1/1996 da Procuradoria-geral espanhola; disponível em: http://www.fiscalia.org/circulares/inst1-96.htm. Acesso em: 25 nov. 2003).

A concretização de um modelo em que o MP assume o protagonismo das investigações parece ter sido a tônica dos primeiros anos de atuação do órgão (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999, p. 2). Contudo, nos anos seguintes, houve acentuada insatisfação do promotor-chefe com o "excessivo" poder de que disporia o procurador-geral para definir os assuntos de especial transcendência em que devesse atuar a FERDERC (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1998, p. 246 e ss) [10]. Iniciaram-se, assim, os primeiros sinais de um conflito que se agravaria nos anos seguintes, o que não impediu uma avaliação positiva pelo procurador-geral, que exaltou o papel do órgão em um contexto (globalização) que reclamaria novos instrumentos para afrontar a delinqüência econômica (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1999, pp. XXVI-XXVIII).

A análise da evolução das atividades da FERDERC demonstra que até 1999 houve um incremento dos procedimentos assumidos pela Promotoria. A partir desse momento, iniciou-se um decréscimo acentuado (analisado até 2002) (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1999, p. XXVIII) [11]. Entre 1997 e 1999, as causas judiciais em tramitação aumentaram de 55 a 84, elevando-se a 96 em 2002. No período de 7 anos foram proferidas 33 sentenças em processos iniciados pela FERDERC, entre as quais 29 foram condenatórias e 4 absolutórias (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002, pp. 7 e ss).


III "No hay delito si no hay perito" [12]

Estudos sobre órgãos anticorrupção existentes em outros países revelam a necessidade de equipes multidisciplinares integradas por expertos em contabilidade, peritos e investigadores (Salas, 1997, pp. 241-242). Na Espanha, a FERDERC concretizou algumas dessas propostas. Conforme relatório apresentado em 2003, a FERDERC dispunha do seguinte quadro de servidores, em 31 de dezembro de 2002: 11 membros do MP espanhol, 21 funcionários para a atividade-meio, 10 funcionários nas unidades de apoio da Agencia Estatal de Administración Tributaria (AEAT), 5 funcionários nas unidades da Intervención General de la Administración del Estado (IGAE), 14 integrantes do Cuerpo Nacional de la Policía e 10 da Guardia Civil (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 2003, p. 533).

Para o desempenho das funções, o desenho institucional privilegia a atuação de distintas organizações voltadas a objetivos comuns. A abordagem multidisciplinar da delinqüência econômica relacionada à corrupção se constitui na grande novidade do modelo. Sob coordenação e direção do promotor-chefe, cada uma das unidades se incumbe de tarefas específicas.

A AEAT é um ente de direito público, com personalidade jurídica própria e com plena capacidade (pública e privada), criada pela Lei n. 31/90, com a função de aplicar o sistema tributário, gerir a inspeção e a arrecadação tributária, bem como colaborar com as instituições comunitárias e administrações tributárias de países membros da União Européia e outras administrações estrangeiras. Além disso, ao órgão incumbe auxiliar os tribunais de justiça e o MP na investigação de delitos no âmbito de sua competência.

Os escândalos políticos envolvendo o governo socialista durante a década de 90 impulsionaram a criação de unidades de apoio à justiça. As unidades de apoio à Promotoria foram criadas no dia 8 de janeiro de 1996, em caráter permanente e exclusivo, com o objetivo de emitir pareceres e realizar auditorias, conforme requisição do procurador-geral ou do chefe da FERDERC. Entre as principais tarefas desempenhadas pelos funcionários da AEAT estão as de assessoramento na elaboração de peças processuais envolvendo matéria tributária e financeira (delitos tributários, fraudes, inclusive contra a União Européia, e lavagem de dinheiro), e de fornecimento de informações de caráter tributário e patrimonial de pessoas físicas e jurídicas sob investigação. Além disso, os funcionários do órgão, na qualidade de peritos judiciais, elaboram perícias nos procedimentos em que atua a Promotoria.

Formalmente, cada unidade da AEAT possui um corpo técnico, coordenado pelo chefe; contudo, depende orgânica e funcionalmente da administração pública. As unidades atuam segundo divisão de trabalho, salvo especial recomendação do promotor-chefe da FERDERC, e os contatos são formalmente estabelecidos com o chefe da unidade respectiva. O acesso a um extenso banco de dados (informações tributárias, bancárias e mercantis) seria uma das principais ferramentas à disposição dos membros da FERDERC. A possibilidade de acesso a essa informação seria um dos pontos positivos que, segundo avalia o chefe de uma das unidades, justificaria a vinculação à administração pública.

À IGAE, cujas funções estão definidas no Real Decreto Legislativo n. 1091/1988 e no Real Decreto n. 2188/1995, correspondem, além de planificação, execução do controle financeiro e auditoria do setor público, as atividades de controle sobre as entidades subsidiadas por fundos públicos nacionais ou comunitários [13]. Ademais, os interventores lotados no órgão nacional de auditoria incumbem-se da coordenação das atuações de controle interno financeiro permanente das intervenções delegadas, bem como do controle de qualidade das auditorias.

Na descrição dos órgãos e suas formas de atuação emerge a preocupação em salientar o papel de cada unidade na estrutura da FERDERC. A importância das unidades da AEAT e da IGAE não surge apenas nos relatos dos funcionários, como "autovalorização" das tarefas e do papel de cada órgão. A grande complexidade dos temas investigados pela FERDERC, segundo avaliam os promotores de justiça entrevistados, requer interação permanente e assessoria dos mencionados órgãos de apoio. A percepção é a de que as investigações das tramas e das estruturas que se formam para a prática de delitos econômicos e corrupção não seriam viáveis, caso não existissem as unidades de apoio. A frase repetida por promotores e funcionários revela a importância do corpo técnico quando os temas se relacionam à delinqüência econômica e à corrupção: "No hay delito si no hay perito".

O protagonismo do perito, especialista em tributos ou contratos públicos, revela outra faceta do campo jurídico-penal. As grandes transformações sociais e econômicas, união dos mercados e a consolidação de interesses supranacionais incrementam o interesse em coibir práticas consideradas nocivas a interesses concretos. Nesse contexto é produzida a legislação penal que reprime a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas e as fraudes aos interesses comunitários.

O fortalecimento de órgãos de controle das atividades econômicas e a formação de estruturas multidisciplinares para repressão da criminalidade econômica permitem o encaminhamento ao Judiciário de demandas, nas quais este não foi devidamente aparelhado para atuar. O campo jurídico-penal passa a necessitar de um corpo de especialistas cujo papel é tornar inteligíveis as informações contábeis e financeiras à linguagem jurídica. Em termos bourdieuanos, traduzir as complexas operações econômicas (Bourdieu, 2001).

Outra dimensão relevante são as relações estabelecidas para atingir os objetivos organizacionais. As rotinas de trabalho modificam o modelo formal. Oficialmente, os contatos se estabelecem entre os chefes das unidades e o chefe da FERDERC.

As outras unidades da Policía Nacional e da Guardia Civil complementam o quadro da FERDERC. Constitucionalmente encarregada de proteger o livre exercício de direitos e liberdades e garantir a "seguridad ciudadana" (artigo 104 da CE/78), a Policía Nacional desempenha as funções típicas de uma Polícia judiciária [14], ou seja, investigar e esclarecer práticas delituosas. A Guardia Civil tem natureza militar e também forma parte do corpo de segurança do Estado. Depende do Ministério do Interior quanto aos meios e aos serviços, do Ministério de Defesa, quanto às promoções de caráter militar, e atende às necessidades do Ministério da Fazenda relacionadas ao cumprimento das normas pelos distintos órgãos da administração pública [15]. O órgão encarrega-se do controle de armas e explosivos, da proteção fiscal do Estado, do tráfico de armas e do tráfico interurbano, além da proteção à natureza, às vias de comunicação e aos portos e aeroportos. No exercício de sua missão como Polícia Judiciária, depende do Judiciário e do MP. As unidades da Polícia que integram a equipe da FERDERC subordinam-se diretamente às ordens do promotor-chefe. As rotinas de trabalho, contudo, de forma análoga ao que ocorre com as unidades da AEAT e da IGAE, dependem da interação com os promotores de justiça que assumem os casos. Na prática, há um contato constante entre promotores de justiça, policiais e funcionários-expertos.


IV FERDERC, globalização econômica e União Européia: cooperação internacional e a construção de alianças com órgãos supranacionais

Outra faceta relevante da atuação da FERDERC nos últimos anos é a importância que o órgão assumiu no cenário internacional. A participação ativa em grupos como o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e a Unidade de Cooperação na Luta Antifraude (UCLAF), e a colaboração direta para implementar formas de cooperação entre os sistemas de justiça, conforme o tratado de Schengen [16], possibilitaram aos membros da FERDERC o desempenho de funções pouco comuns aos membros do MP espanhol (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1998, p. 153).

O processo de unificação européia acarretou mudanças profundas no contexto social e político dos países envolvidos. A necessidade de um ordenamento jurídico adequado para a nova realidade supranacional impulsionou a regulamentação de áreas que antes estavam reservadas ao espaço de soberania dos países-membros. A criação de um sistema de justiça adequado ao novo contexto é um processo paulatino e ainda em construção. O interesse em se criarem mecanismos que possibilitem mais cooperação entre autoridades judiciais, procedimentos mais eficientes (além do reconhecimento mútuo das decisões) e legislação harmônica com a nova realidade política e social levou, no início da década de 90, por proposta do chanceler alemão Khol, à criação da Unidade Européia de Cooperação Judicial (EUROJUST). No processo de constituição de um futuro "espaço judicial europeu", foi instituída a EUROPOL em 1999, órgão responsável pela informação e pela análise de dados, sem atribuições policiais operativas.

A idealização de um MP europeu decorreu de fatores concretos. A partir dos serviços prestados pela chamada Comissão DG 21, foi criticada a lentidão dos métodos intergovernamentais tradicionais de cooperação no âmbito penal, considerados ineficientes para a defesa dos interesses financeiros da comunidade. A partir desse informe, foi criada comissão de juristas coordenada por Mireille Delmás-Marty que, em 1996, apresentou proposta para harmonizar o direito penal e o processual-penal (Corpus Juris), prevendo-se a figura do MP europeu (European Public Prosecutor), auxiliado por um adjunto em cada país (Nilsson, 2001) [17].

Idealizado para o combate à fraude aos interesses da União Européia, o MP europeu ainda não foi implementado. Embora já elaborado documento que define as diretrizes e os princípios do órgão, dificuldades práticas teriam impossibilitado a concretização da nova figura. Na prática, a solução temporária se dá com a coordenação dos Ministérios Públicos nacionais para a persecução de práticas nocivas aos interesses comunitários, papel assumido inicialmente pela UCLAF, órgão sucedido pela European Anti-Fraud Office (OLAF) (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1997, p. 147; Bruti Liberati, 2000, pp. 117-119). Na Espanha, a FERDERC é um dos principais colaboradores do órgão (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999). Além de agente responsável pela coordenação do que é descrito como "luta" contra a fraude, a extinta UCLAF também foi fonte importante das investigações iniciadas pela FERDERC (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1998; Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999). As atividades desempenhadas na defesa dos interesses comunitários englobam a persecução penal de práticas diversas, desde o contrabando de produtos até a utilização fraudulenta de subsídios da União Européia, entre outras (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999).

Outra faceta importante na interação com organizações internacionais foi o papel desempenhado nas comissões instituídas em países do Leste europeu que se candidatam a integrar a União Européia. Na Romênia e na Eslováquia, os promotores participaram dos convênios de Hermanamiento [18] (Camaradagem) (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002). O assessoramento poderia ser sintetizado em dois planos: institucional e pessoal. O objetivo do programa era, assim, a formação prática de juízes e promotores de justiça, economistas e funcionários do Estado. Promotores e demais integrantes da Promotoria Especial passaram também a assessorar anteprojetos de futuras leis que regulam aspectos penais e processuais relacionados a delitos econômicos e corrupção. Alguns dos integrantes da FERDERC participaram de programas de avaliação das instituições desses países. Uma das conseqüências desse trabalho se reflete na proposta de criação de promotorias de justiça especializadas no combate à corrupção na Romênia e na Eslováquia, com clara inspiração no modelo espanhol.

Na descrição de experiências adquiridas com as novas tarefas assumidas, promotores de justiça e funcionários das unidades da FERDERC elogiam a existência de objetivos comuns com atores que integram organizações desses países. Na troca de experiência com promotores de justiça, juízes e funcionários da administração pública da Romênia, aparece muitas vezes nos relatos a dificuldade na implementação de grupos multidisciplinares contra a delinqüência econômica e a corrupção. Um dos promotores de justiça menciona a existência de antigos ciúmes e receio em compartilhar informações.

O papel dos meios de comunicação também surge na descrição da experiência na Romênia, onde a desconfiança mútua entre jornalistas e atores do sistema de justiça teria se revelado um obstáculo importante no que é representado constantemente como "luta" contra a corrupção (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002, pp. 109-110). Alguns dos escândalos políticos envolvendo personalidades do poder político muitas vezes surgiam a partir de notícias divulgadas por jornalistas. A falta de sintonia da imprensa com a Polícia, juízes e promotores de justiça constituía-se, contudo, em obstáculo para que os casos fossem posteriormente aprofundados. Em síntese, as más relações impediriam alianças que poderiam interessar para um caso determinado.

A necessidade de instrumentos para regular os novos espaços criados com a globalização e o processo de unificação de mercados gera, em determinados contextos, conflitos com elites nacionais e interesses concretos de grupos políticos e econômicos. A avaliação negativa emitida pelo GRECO sobre o governo espanhol, em 2002, evidencia parte dos interesses contraditórios que vêm à tona quando se pretende implementar determinadas medidas nos Estados-nacionais. O grupo, constituído em outubro de 1999, sob a coordenação do Consejo de Europa, Resolução n. 5, de 1º de maio de 1999 [19], foi o ponto de partida para o estabelecimento de controles mútuos entre os Estados-membros. O objetivo é, pela criação de mecanismos de controle recíproco, efetivar a implementação de instrumentos jurídicos eficazes contra a corrupção.

Na avaliação da Espanha, a equipe do GRECO foi integrada pelo procurador-geral alemão, Norbert Jansen, pelo chefe da unidade de supervisão de investigação na Inspeção Geral de Aduanas da Polônia, Jakub Farinade, e pela integrante do MP irlandês, Ruth Fitzgerald. Na visita realizada entre os dias 6 e 8 de novembro de 2000, os integrantes se reuniram com diferentes funcionários de órgãos estatais, incluindo-se promotores e funcionários das unidades da FERDERC (Informe de Evaluación Sobre España, Greco, 2002, p. 25). A visão negativa dos membros da Promotoria Especial sobre o discurso do governo espanhol em relação à corrupção, retratado como retórica política, reflete-se no relatório final. De fato, o relatório veiculado em 2002 critica o desempenho da Espanha em relação às políticas de combate à corrupção (Informe de Evaluación Sobre España (Greco), 2002, pp. 54-55).

O relatório menciona, ainda, o menor grau de independência do MP comparado ao Judiciário, decorrente do sistema de nomeação do procurador-geral (González Aznar, 2002, p. 8). O sistema hierárquico agravaria a dependência do Executivo em razão do poder do procurador de dar instruções ao membro encarregado de um determinado assunto, além da dependência orçamentária em relação ao Ministério de Justiça. A possibilidade de o juiz de instrução prosseguir as investigações e o fato de que existe na Espanha a ação penal popular teriam o efeito de minorar eventuais influências do governo (Informe de Evaluación Sobre España. Greco, 2002, p. 54). Nos relatos sobre a interação com os órgãos criados para o combate à delinqüência econômica e à corrupção, o relatório do GRECO é mencionado como paradigmático da distância entre o discurso oficial do governo espanhol, que se declara empenhado em implementar medidas contra a corrupção, e suas práticas efetivas. Se, nos relatos de alguns dos integrantes da FERDERC, o governo espanhol muitas vezes aparece como adversário para o desempenho das atividades do órgão, organizações como o GRECO, a extinta UCLAF e a OLAF são descritas como importantes aliadas.

No âmbito de controle transnacional do delito emergem novas formas de interação entre as instâncias encarregadas da repressão penal. O fortalecimento de uma ideologia de cooperação transnacional decorre de uma nova compreensão sobre o papel desempenhado pelos atores que integram diferentes agências de controle. Surgem, assim, novas interações entre atores e organizações, bem como a difusão de novas metodologias de trabalho (Capeller, 1997, pp. 76-78). Os promotores que integram a FERDERC interagem nesse cenário a que faço referência. Entre os promotores entrevistados predomina o discurso favorável à cooperação internacional. Nos relatos é constante a menção à impossibilidade de afrontar a delinqüência econômica e a corrupção de dimensões transnacionais com os instrumentos jurídicos do Estado-nação. A constituição, assim, de laços com atores que integram organizações multinacionais é parte da estratégia para alcançar os objetivos estabelecidos para a Promotoria Especial.

A partir do marco teórico proposto por Croizier e Friedberg, utilizo alguns conceitos que considero relevantes para análise do caso: o fato de o ator se tornar um experto, as relações do indivíduo com seu entorno, o domínio da informação e da comunicação ensejam maior margem de atuação dentro da organização. O indivíduo que disponha dessa habilidade participará de diversos Sistemas de Ação Concretos, na medida em que poderá atuar como intérprete de lógicas de ação diferenciadas (Croizier e Friedberg, 1992, pp. 83-86).

A proximidade dos promotores de justiça da FERDERC com integrantes de órgãos supranacionais permitiria, também, potencializar as críticas sobre o que é avaliado como restrição ao poder investigatório da Promotoria Especial. Na terminologia bourdieuna, os promotores que integram essas redes de relações com outras organizações disporiam de maior capital social (Bourdieu, 2001). Além disso, a pressão dos partidos de oposição e a repercussão nos meios de comunicação constituir-se-iam em estratégia para se contrapor às limitações impostas. Com isso, aparentemente, também se pretende levar à comunidade internacional as dificuldades institucionais existentes e o desinteresse do governo espanhol em conferir meios materiais e institucionais para atuação da FERDERC. Em outras palavras, busca-se criar ambiente favorável ao incremento da autonomia do órgão.

Assim, emerge uma das contradições propiciadas pela constelação de interesses que surgem com a formação da União Européia. A defesa dos interesses europeus justifica a adoção de formas de controle e repressão a fraudes que possam atingir os interesses comuns. Internamente, contudo, em cada Estado-membro, persistem interesses que se chocam com a retórica internacional. Os membros da FERDERC parecem mover-se nesse contexto mais amplo. No âmbito internacional constrói-se a imagem de um órgão especializado na repressão de práticas (delitos econômicos relacionados à corrupção) extremamente complexas. Internamente, contudo, os objetivos de parte dos integrantes da Promotoria especializada se chocam, muitas vezes, com fortes interesses econômicos e potenciais aliados do governo.


V Desempenho das atividades, organização interna e dependência hierárquica: percepções dos promotores de justiça da FERDERC

Os promotores de justiça lotados na FERDERC desenvolvem várias frentes de trabalho. Além da atuação tradicional perante os juizados de instrução e, posteriormente, na chamada vista oral, perante o tribunal competente para o julgamento, o aspecto mais relevante no desempenho da Promotoria Especial se relaciona à investigação de fatos caracterizados por grande complexidade.

O início da atividade de investigação surge, na grande maioria dos casos, de alguma irregularidade que constata a AEAT, como um depósito bancário de uma quantia não declarada, alguma transação irregular ou outra atividade mercantil que acarrete prejuízo para o patrimônio público. O acesso a um completo banco de dados que propicia informações de natureza fiscal, bancária e mercantil é um instrumento de grande relevância em todas as fases de atuação dos integrantes do órgão. As operações bancárias passaram, também, a ser objeto de controle mais efetivo nos últimos anos, dado que as instituições financeiras e empresariais estão obrigadas a informar ao Servicio Ejecutivo de la Comisión Nacional del Blanqueo de Capitales sobre operações suspeitas de lavagem de dinheiro.

As diligências de investigação podem se originar de razões diversas, conforme relatam alguns dos promotores de justiça. Um sócio que deixa uma empresa e quer prejudicá-la, um anônimo que denuncia alguma atividade ilícita e até mesmo um trabalhador que foi demitido pela empresa e se sente motivado a denunciar atividades ilícitas da empresa. Os casos de corrupção aparecem muitas vezes por iniciativa dos partidos políticos.

Nos relatos de alguns dos promotores de justiça é ressaltado o papel dos órgãos responsáveis por remeter à FERDERC as informações necessárias para se iniciar uma investigação. Os meios de comunicação também são mencionados. Embora a maioria dos casos não seja iniciado por notícia veiculada pelos meios de comunicação, o papel da imprensa é retratado como importante. Nos relatos de alguns dos entrevistados aparece o que foi na Espanha o jornalismo investigativo.

Uma vez definida a atribuição da Promotoria de Justiça especial, o chefe designa um promotor de justiça para coordenar a investigação, o qual passa a examinar o assunto. Na prática, a imagem é a de que há bastante autonomia na definição diária das diligências a serem realizadas para o esclarecimento de um fato determinado.

O anterior promotor-chefe, Carlos Jiménez Villarejo, manifestou reiteradamente, nos relatórios anuais da FERDERC (1997-2002), perante os meios de comunicação e em revistas especializadas, sua constante preocupação com a corrupção e com a delinqüência econômica. Na interpretação que faz desses fenômenos, semelhante à exteriorizada na Instrução n. 1/1996 da Procuradoria-geral, opta por conceitos amplos. Incorpora, por exemplo, o conceito de corrupção do Consejo de Europa: "(...) aquela conduta que se desvia dos deveres normais de uma função ou cargo público por razões pessoais, patrimoniais ou status (...)" (Jiménez Villarejo, 2001, p. 18). O conceito de abuso do poder econômico que adota Villarejo está relacionado às ofensas ao modelo de "constituição econômica formal", que prega "(...) uma ordem econômica e social justas" (Jiménez Villarejo, 2001, p. 19). Segundo Villarejo, a corrupção gera formas de criminalidade organizada e estimula a prática de delitos conexos como a lavagem de dinheiro, envolvendo normalmente funcionários que ocupam cargos relevantes no sistema político e econômico. Apesar do discurso que prega o controle de tais práticas, critica Villarejo que a comunidade internacional aceite pacificamente a existência dos chamados paraísos fiscais.

Sobre as causas da corrupção na Espanha, Villarejo menciona a crescente intervenção do Estado na economia, negligenciando formas de controle sobre a atuação de políticos e administradores públicos. Além disso, o insuficiente regime de incompatibilidades entre as atividades pública e privada teria ensejado o uso de informações privilegiadas e o tráfico de influências. Outros fatores completariam o quadro: é praticamente inexistente a denúncia pelos órgãos de controle da administração pública de eventuais atos delituosos; se as instituições de controle não funcionam ou atuam de forma deficiente, estimula-se a corrupção e o ceticismo dos cidadãos em denunciar delitos dessa natureza. Essas práticas, sustenta Villarejo, deveriam ser sancionadas penalmente, já que contrárias à probidade na administração pública, contra o consumidor e a liberdade de mercado.

A resposta penal, contudo, não é a arma principal. Deveriam ser implementados mecanismos de controle sobre o financiamento dos partidos, a contratação pública e o exercício da função pública. Deveriam, também, ser criadas formas de impedir o monopólio do mercado, protegendo-se os consumidores. Em síntese, antes do "controle penal", seriam necessários processos preventivos eficientes, já que exclusivamente com o direito penal seria impossível erradicar a corrupção e a delinqüência econômica (Jiménez Villarejo, 2001) [20] [21].

Nos relatos dos promotores e dos funcionários entrevistados, a delinqüência econômica aparece como a grande tarefa a ser enfrentada pela Promotoria especializada. De fato, os delitos econômicos, especialmente os crimes fiscais, representam a grande maioria dos assuntos investigados. A definição do que seja o white-collar crime (crime de colarinho branco) suscita debates na comunidade acadêmica (criminologia) (Sutherland, 1940, 1945; Nelken, 1994; Shapiro, 1994). O conceito surge também nos relatos de alguns dos entrevistados sobre a atividade desempenhada na Promotoria Especial. O ponto comum com o conceito de Sutherland aparece na referência aos delitos praticados por pessoas das camadas privilegiadas da sociedade e ao modo de atuação dos criminosos: por meio da empresa (ocupação) e de forma organizada (organização).

Entre os integrantes da Promotoria Especial, a modalidade de delitos que se busca reprimir, normalmente associados à criminalidade de colarinho branco, gera sentimento de repulsa. Ao contrário da criminalidade tradicional (de la calle), os delitos econômicos (relacionados à corrupção) não estão vinculados a situações de necessidade econômica ou dificuldades sociais. A imagem das pessoas envolvidas com as práticas investigadas está associada normalmente ao político ou ao empresário com grande poder econômico, que age por ganância e desprezo aos compromissos sociais relacionados ao modelo de Estado Social de Direito.

O perfil do delinqüente típico nos atos dessa natureza aparece como fator que teria motivado um dos integrantes a optar pela Promotoria Especial. A sensação de que a FERDERC desempenha um papel importante no combate à impunidade desses delitos teria sido, assim, um estímulo importante. Apesar da morosidade da justiça, o elevado índice de condenação por práticas que até então não recebiam atenção do sistema penal é motivo de elogios de alguns dos entrevistados. Assim, o sentimento de que houve diminuição da impunidade teria efeito exemplar, já que reforçaria a função preventiva da pena (prevenção geral).

Alguns dos relatos coincidem com a preocupação exteriorizada nos relatórios anuais da FERDERC [22]. Nos últimos anos, alguns dos temas recorrentes foram as operações financeiras por meio das quais entidades com filiais em "paraísos fiscais" estimulam a evasão de divisas e fraudes fiscais. Essas empresas seriam criadas especialmente nesses locais com a finalidade de facilitar a burla ao fisco espanhol, não se excluindo a sua utilização para lavagem de dinheiro [23] (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002). O promotor-chefe chegou, inclusive, a propor alternativas que poderiam facilitar o controle das operações financeiras.

A lavagem de dinheiro foi também uma preocupação recorrente (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002, p. 130). Nos relatórios anuais, o promotor-chefe descreveu parte dos mecanismos usados nas operações ilegais, reforçando-se a necessidade de propiciar aos órgãos estatais de controle (especialmente ao Servicio Ejecutivo de la Comisión de Prevención de Blanqueo de Capitales e Infracciones Monetarias, SEPBLAC) os recursos materiais e humanos (Memorias de la FERDERC correspondiente al año 2002, p. 140).

A necessidade de uma efetiva especialização do MP apareceu reiteradamente nos relatórios apresentados por Villarejo. O promotor-chefe criticou a fórmula usada pela Lei n. 10/95, por ter potencializado o papel do procurador-geral, limitando a autonomia da FERDERC para instaurar investigações de ofício. A Instrução n. 1/96 acenara com a possibilidade de reduzir o poder do procurador-geral, na medida em que a Lei n. 10/95, aparentemente, teria indicado a possibilidade de se atribuir mais autonomia funcional à Promotoria especializada. Com o passar dos anos, não se efetivou o que se anunciava na Instrução de 1996. Ao contrário, o procurador-geral teria buscado a interpretação literal da lei (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999, p. 4).

Nos relatos de alguns dos promotores de justiça entrevistados surge a insatisfação com o que é avaliado como excessivo poder do procurador-geral sobre a atuação da FERDERC. A crítica não se dirige ao modelo hierárquico. Os princípios da unidade de atuação e da hierarquia são avaliados de forma positiva. A forma de indicação do procurador-geral e a ausência de controles sobre o poder do governo de nomear e demitir o chefe do MP aparecem como os problemas mais sérios do modelo espanhol. A figura do procurador-geral parlamentar é mencionada por um dos promotores como solução ou alternativa, reproduzindo-se propostas difundidas pelas associações de classe. A necessidade de que o promotor-chefe tenha mais autonomia para avaliar a especial transcendência dos casos que requerem a atuação da FERDERC é uma das principais sugestões para melhorar as condições de trabalho.

A FERDERC teria sido, durante o período que a chefiou Carlos Jiménez Villarejo, sistematicamente impedida de investigar os fatos que pudessem prejudicar o partido no governo (PP) [24]. O momento de tensão por que passou o MP espanhol, especialmente a FERDERC nos últimos anos, culminando com a modificação do EOMF, que ensejou a substituição dos promotores de justiça incômodos ao governo, não é um tema abordado com tranqüilidade pelos promotores de justiça. Saber o momento exato de colocá-lo em discussão ou suscitá-lo durante as conversas tornou-se um desafio importante no transcurso do trabalho de campo.

As notícias sobre a interferência do governo na atuação da FERDERC são acompanhadas, em alguns casos, por um breve relato da história recente da Espanha. Ao contrário do discurso do governo, os entrevistados negam a suposta diminuição dos casos de corrupção na Espanha. O controle exercido sobre as instituições seria um dos principais obstáculos para que os casos fossem conhecidos e investigados. A crítica ao governo espanhol nos relatórios de avaliação do GRECO é mencionada por um dos entrevistados.

Os entrevistados recordam também alguns dos casos em que, durante o governo socialista, o procurador-geral teria impedido as investigações incômodas para o PSOE. As mudanças no sistema democrático e o crescimento da administração pública tornaram mais difícil implementar formas de controle sobre os atos dos governantes. Os modelos de gestão administrativa favorecem o distanciamento da cúpula dos ministérios, dificultando a responsabilização política. O funcionamento deficiente dos órgãos de controle da administração impede o conhecimento de eventuais irregularidades. Além disso, os partidos políticos, sobretudo na Europa, tendem a conquistar níveis cada vez mais altos de disciplina interna, sendo raros os casos de derrota parlamentar do Executivo.

Se os controles políticos são, assim, insuficientes, resta a via da responsabilidade jurídico-penal (Bustos Gisbert, 2000, pp. 35-36). Nos relatos dos entrevistados aparecem as críticas aos governos com maioria absoluta, que impedem a responsabilização política por supostos atos de corrupção. Os mecanismos de controle sobre os atos do procurador-geral, na prática, dificultariam iniciativas do MP (campo jurídico-penal), razão pela qual as ações populares se constituiriam em mecanismos eficientes para levar ao conhecimento dos tribunais os atos praticados por integrantes do governo.

As modificações implementadas pela Lei de Juicios Rápidos e as limitações à investigação pelo MP são criticadas. As medidas legislativas aprovadas teriam evidenciado, na imagem descrita por parte dos entrevistados, as prioridades do governo popular (PP): redirecionar a política criminal contra a delinqüência tradicional (callejera) e dificultar a investigação da criminalidade de "colarinho branco". As novas exigências para a investigação comandada pelo MP diminuíram a possibilidade de atuação do órgão. Além da redução do número de diligências, diante da necessidade de que sejam cientificados os suspeitos, as interferências nos assuntos que interessam ao governo atrapalhariam a atuação do órgão [25]. Sobre a suposta extinção do órgão, ventilada pelo governo popular e pelo procurador-geral, os entrevistados se revelam céticos quanto a essa possibilidade. Alguns dos entrevistados sugerem que o governo também teria interesse em manter uma estrutura como a da FERDERC, já que interessa aos partidos a existência de alguma forma de controle, inclusive de políticos integrantes do partido no governo, desde que as ações da Promotoria permaneçam sob estrito controle hierárquico.


Conclusão

A consolidação no campo jurídico-penal do entendimento de que o direito pode se constituir em um dos mecanismos de controle de condutas, potencializado pela sua forte penetração no campo político, estimulou debates sobre a especialização das organizações que integram o sistema de justiça para afrontar determinadas questões sociais com grande visibilidade na mídia, tais como a corrupção e a criminalidade econômica.

A criação da Promotoria Anticorrupção na Espanha insere-se nesse contexto e permite interpretações distintas a partir do modelo formal (organização-resposta) e construído (organização-construção) (Croizier e Friedberg, 1992). Por um lado, a retórica permeia o discurso político que defende o fortalecimento do órgão e um maior grau de independência para atuação da Promotoria especializada. Por outro lado, a investigação dos casos que afetam membros e aliados do governo acirrou o interesse em incrementar os mecanismos de controle hierárquico no MP espanhol, o que levou à modificação do EOMF, possibilitando o afastamento do promotor-chefe da FERDERC e uma limitação da capacidade de investigação dos promotores de justiça (necessidade de que seja cientificado o investigado e limitação, em 6 meses, do prazo para investigação, cuja prorrogação depende de autorização expressa do procurador-geral) (Machado, 2005, pp. 333-334). Em síntese, a pesquisa evidencia a dificuldade em se aferir o suposto papel da organização no controle penal da corrupção e da criminalidade econômica. A diminuição dos níveis de percepção da corrupção na Espanha não correspondem necessariamente à diminuição das práticas corruptas (Gualdoni, 21 de out. 2004, p. 12).

Além disso, a atuação da Promotoria depende da provocação de terceiros, o que evidencia a debilidade dos mecanismos de comunicação com órgãos de controle, tais como o tribunal de contas. A iniciativa da imprensa e dos partidos políticos, fonte relevante para o início das investigações, depende de fatores que os promotores avaliam como extra-jurídicos. Na prática, a Agencia Tributaria é responsável pela maioria das noticias criminis que originam as investigações, o que levou o órgão a atuar predominantemente na repressão de crimes fiscais.

Na interação interorganizacional, um dos pontos altos do modelo é o relacionamento entre funcionários de distintas especialidades. A proximidade com a Polícia estimulou a articulação de formas de atuação conjunta e possibilitou, na prática, potencializar as investigações sob comando do MP. A interação com a Polícia não está marcada pela disputa por quotas de poder: a tradicional subordinação funcional da Polícia ao Judiciário e ao MP não gera demandas de mais autonomia entre os policiais. A valorização, na prática, do trabalho da Polícia, representada como o "olho da rua" e verdadeiro profissional da investigação, parece consolidar a imagem de sintonia entre promotores e policiais. Na investigação do poder local (Barcelona), a existência de distintas polícias (nacional e autonômica) enseja ao promotor de justiça margem de ação para escolha dos profissionais adequados, segundo a peculiaridade do caso a ser investigado.

De forma análoga ao que identifiquei no Brasil, o poder político também é avaliado de forma negativa pelos promotores de justiça que integram a FERDERC (Machado, 2005). A descrição do papel a ser desempenhado pelo MP, contudo, difere substancialmente.

No Brasil, a legitimidade do MP para a defesa dos interesses difusos e coletivos resultou da aprovação de leis que implementaram o procedimento previsto para a tutela coletiva. Na Espanha, o papel de defensor dos interesses públicos e dos direitos dos cidadãos está relacionado diretamente à persecução penal. A diversificação das áreas de atuação e a reorientação das prioridades da organização contra a delinqüência econômica e a corrupção são construídas internamente como estratégias de defesa dos mencionados interesses públicos.

Os promotores de justiça espanhóis (entrevistados) revelam-se, contudo, em sua maioria, céticos em relação ao controle punitivo da corrupção e da delinqüência econômica. Seria fundamental, assim, criar mecanismos de controles preventivos sobre os pontos mais frágeis do sistema político e econômico. São várias as sugestões, desde reformas legislativas sobre as formas de financiamento dos partidos políticos até o incremento dos mecanismos de controle sobre a contratação pública e as operações financeiras das empresas.

Incrementar a transparência das operações econômicas e financeiras e sobre as atividades relacionadas ao Estado é parte da estratégia de "luta" contra os delitos econômicos relacionados à corrupção. Nos relatos de alguns dos entrevistados são mencionadas as ingerências do Executivo sobre o procurador-geral. A inexistência do monopólio da ação penal no modelo espanhol é, assim, avaliada pelos promotores de justiça como aspecto positivo do sistema processual penal. A possibilidade de acionar o Judiciário, por meio da ação popular, foi um instrumento bastante utilizado durante os escândalos na década de 90. Teria permitido superar a inércia ou a oposição do próprio procurador-geral em relação aos processos que afetavam diretamente os interesses do governo.


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Notas

  1. A Promotoria Anticorrupção na Espanha foi denominada Fiscalía Especial para la Represión de los Delitos Económicos Relacionados con la Corrupción (FERDERC). Utilizarei ambos os termos de forma intercambiável.
  2. Definido pela Real Academia Española como "golpe dado con la pelota de jugar" (Diccionario de la Lengua Española, 2001, p. 1563). O contexto da época é extensamente descrito por jornalistas especializados em tribunais (Ekaizer, 1996; Pérez e Horcajo, 1996).
  3. Parte da doutrina identifica, na criação da FERDERC, tendência do moderno processo penal em fortalecer a figura do MP (Rodríguez Garcia, 2000).
  4. Conferir avaliação da Espanha realizada pelo GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) (Informe de Evaluación sobre España/GRECO, 2002, p. 31). Tal contexto é parcialmente descrito no relatório da FERDERC, em 2002 (Memoria de la FERDERC, 2002, pp. 143-144).
  5. Conferir discurso de Klaus Tiedemann, especialista em direito penal econômico, no congresso realizado para celebrar o título honoris causa que lhe foi conferido pela Universidade Autônoma de Madri, entre os dias 14 a 17 de outubro de 1992 (Tiedemann, 1995, p. 40).
  6. Nos últimos anos de governo, o PSOE havia optado por um magistrado para o cargo de procurador-geral. O mandato de Eligio Hernández, penúltimo procurador-geral nomeado antes da derrota em 1995, coincidiu com um dos períodos de maior turbulência política do governo socialista.
  7. Jiménez Villarejo publicou, no dia 26 de abril de 2003, no El País, artigo sobre os "reais interesses" subjacentes à reforma do EOMF, denunciando que a prioridade do governo espanhol seria concentrar a atuação do MP na criminalidade tradicional (p. 24).
  8. O CF é integrado pelo procurador-geral, pelo subchefe (teniente fiscal) e pelo chefe da Inspección (corregedor). Os outros integrantes são eleitos pelas associações de membros do MP (6 pela Asociación Profisional de Fiscales/APF e 3 pela UPF, associação identificada com a esquerda).
  9. Assim considerados os crimes praticados por altos cargos da Administração Pública, casos de grande complexidade e delitos de natureza econômica e corrupção praticados por aqueles que detêm a prerrogativa de foro (Instrução n. 1/96 da Procuradoria-geral espanhola).
  10. Em 1999, o chefe da FERDERC criticou a insuficiência dos meios materiais e humanos da promotoria e recordou que a proposta de criação do órgão teria partido de um deputado do PP (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999, p. 5).
  11. Esse movimento pode ser contrastado a partir da análise dos atos de comunicação (ofícios, etc.) entre esse órgão e outros organismos públicos ou particulares. Essa mesma tendência pode ser observada nas diligências de investigação iniciadas durante o período analisado.
  12. "Não há delito se não há perito" (traduzi).
  13. O Real Decreto n. 1091/88, complementado pelo Real Decreto n. 2188/95, foi o ponto de partida para a colaboração com a Justiça, conforme disposto no artigo 16.2.
  14. Além de outras funções: expedição de passaportes e DNI; controle sobre entrada no país e saída do território nacional; controle do jogo, narco-tráfico, cooperação internacional e controle da segurança privada (disponível em: http://www.mir.es/policia/cnp / index_marc.htm. Acesso em: 10 abr. 2003).
  15. Conferir nesse sentido o site (disponível em: http://www.guardiacivil.org/quesomos/index.jsp. Acesso em: 10 abr. 2003).
  16. Schengenland é a denominação dada ao território comum que incluía originariamente Alemanha, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda. O acordo, consolidado em 14 de junho de 1985, foi assinado pela Espanha no dia 8 de julho de 1991 (Capeller, 1999, pp. 267-271).
  17. A criação do EUROJUST não foi, contudo, suficiente para romper as resistências estatais à cooperação mais fluída em relação à delinqüência financeira. A EUROJUST ainda enfrenta diversos obstáculos relacionados às dificuldades práticas na harmonização penal (Nilsonn, 2001).
  18. Segundo a Real Academia Española, o ato de hermanar tem o seguinte significado, entre outros: "(...) Establecer relaciones fraternales entre personas o instituciones; (...)" (Disponível em: http://buscon.rae.es/diccionario/drae.htm. Acesso em: 20 abr. 2005)
  19. Nessa resolução é declarado que a corrupção representa uma ameaça para o Estado de Direito, para a democracia, os direitos do homem e a justiça social, dificultando o desenvolvimento econômico e a estabilidade das instituições democráticas.
  20. O financiamento dos partidos políticos e o setor de contratação pública são avaliados como focos mais importantes da corrupção na Espanha (Gualdoni, 21 out. 2004, p. 12).
  21. Parte dos autores que se dedicaram ao estudo dos delitos de colarinho branco tende a sugerir a criminalização. Em certos casos, o incremento dos mecanismos de controle, diminuindo as oportunidades para a prática do delito, pode se constituir em resposta mais eficaz (Nelken, 1994, p. 387).
  22. Nos relatórios anuais apresentados pelo promotor-chefe da FERDERC existe a preocupação em ressaltar a importância do órgão nos âmbitos nacional e internacional (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999, p. 1).
  23. A partir de extenso relatório das atividades desenvolvidas pelas empresas "denunciadas" pela FERDERC nos últimos anos, o promotor-chefe critica as entidades bancárias que se negam a fornecer a identidade dos clientes residentes na Espanha.
  24. Durante o governo do PP, Villarejo denunciou constantemente as interferências do procurador-geral sobre os trabalhos da FERDERC, enquanto o PP acusou o ex-chefe da FERDERC de conivência com os políticos do partido socialista.
  25. Sutherland menciona a homogeneidade cultural entre juízes, administradores, legisladores e empresários. Por um lado, os legisladores admiram e respeitam os empresários; por outro, estes não se enquadram no estereótipo do criminoso (Sutherland, 1945, p. 137).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Bruno Amaral. Ministério Público e o controle penal da corrupção. A Promotoria Anticorrupção (FERDERC) na Espanha: do modelo formal ao modelo construído. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2452, 19 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14538. Acesso em: 5 maio 2024.