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Venda de navios: uma perspectiva luso-brasileira e internacional

Venda de navios: uma perspectiva luso-brasileira e internacional

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O art. 468 do Código Comercial permite expressamente a alienação de navio brasileiro destinado à navegação em alto mar, realizada por escritura pública.

SUMÁRIO: 1.O Navio. 1.1 Conceito. 1.2. Natureza jurídica.1.3 Modos de individualização do navio; 1.3.1 Nome; 1.3.2 Nacionalidade e Bandeira; 1.3.3 Registros nacionais; 1.3.1.1 Registro abertos; A. Segundos registros; B. Bandeiras de conveniência; 1.4 Modos de aquisição da propriedade do navio; 2. Venda de navio em Direito Material; 2.1. Compra e venda de navio; 2.1.1 No ordenamento brasileiro; 2.1.1.2 No ordenamento português; 2.2 A transferência da propriedade; 2.2.1 No ordenamento brasileiro; 2.2.2 No ordenamento português; 3. Venda de navio no tráfico Jurídico; 3.1 Compra e venda de navios na prática negocial marítima; 3.2 Valor dos negócios preparatórios; 3.2.1 Carta de intenção; 3.2.2 Contrato preliminar ou pré-contrato; 3.3 Contratos-tipo de venda de navios; 3.3.1 Saleform; 3.3.2 Nipponsale; 3.3.3 Cláusulas de arbitragem; 4. Determinação do Direito aplicável; 4.1 Direito de conflitos no ordenamento brasileiro; 4.2 Direito de conflitos no ordenamento português; 4.3 Direito aplicável à arbitragem; 4.4 Direito aplicável à transferência de propriedade; Considerações finais; Referências.


1.O Navio

1.1.Conceito

O conceito de navio possui basilar importância no âmbito do Direito Marítimo, uma vez que constitui o objeto central da sua regulação. É indubitável que sem a existência do navio, não existiria o Direito Marítimo. Inexiste na doutrina, entretanto, uma noção pacífica pois, existem diversas interpretações acerca do seu conceito [01], tanto no âmbito gramatical como no âmbito legal.

O ordenamento jurídico brasileiro ampara o entendimento de que navio é toda construção flutuante, capaz de navegar em quaisquer águas, assinalando, por conseguinte, o navio como veículo de transporte no mar ou em outro meio aquático. Assim, pode-se afirmar que os fatores navegabilidade e flutuabilidade acham-se inerentes ao conceito.

Ainda relativamente ao ordenamento brasileiro, a definição de navio não foi integrada ao Código Comercial, além de que o Diploma evidencia uma certa inexatidão terminológica, ao mencionar os termos navio, barco e embarcação, indistintamente [02] em vários artigos, utilizando-as de maneira aleatória. [03] Entretanto, existe entendimento doutrinário [04] no sentido de visualizar o navio como uma espécie do gênero embarcação.

Levando-se em consideração para a definição de navio, o porte da embarcação, pode-se afirmar que navio é toda a embarcação de grande porte cujo objeto [05] é o transporte de pessoas e/ ou mercadorias, por vias navegáveis, fluviais, lacustres ou marítimas.

Na seara legislativa brasileira, pode-se mencionar a definição exposta pelo DL 15.788/22, de 08 de Novembro, referente à hipoteca naval, que em seu art. 3º define navio como sendo "toda construção náutica, destinada à navegação de longo curso, de grande e pequena cabotagem, apropriada ao transporte marítimo ou fluvial". Já no ordenamento português, o DL 201/ 98, referente ao Estatuto legal do navio, oferece no n.1 do seu art.1º a seguinte definição: "Para efeitos do disposto no presente diploma navio é o engenho flutuante destinado à navegação por água".

Levando em consideração todos os fatores relativos à uma embarcação, pode-se afirmar que navio é toda embarcação, reservada à navegação lacustre, fluvial ou marítima, provida ou não de propulsão própria, mas que execute o trajeto sobre as águas, conduzindo, com qualquer finalidade, pessoas ou mercadorias. [06]

1.2.Natureza jurídica

A classificação jurídica dos bens vem se modificando, constantemente, em virtude de critérios econômicos. A enorme importância que bens como navios, aeronaves, etc., foram conquistando provocou a diferenciação civilista entre bens imóveis, móveis e móveis sujeitos a matrícula.

No âmbito da natureza jurídica do navio, surgem dois elementos fundamentais, a saber: o enquadramento de bem móvel de natureza sui generis e a configuração de res conexa, um todo composto de várias partes e diversos acessórios, assinalando assim, que a sua natureza jurídica é complexa.

O navio é uma coisa composta, integrada por partes ou elementos passíveis de individualização ou separação e, simultaneamente, está provido de unidade orgânica. Além de coisa composta, o navio é bem móvel ainda que passível de hipoteca. E além de tudo, a natureza especial do navio faz com que seja suscetível de matrícula, registro e embandeiramento.

No ordenamento brasileiro, dimana da análise do art. 82 [07] do Código Civil a conclusão de que o navio deve figurar entre os bens móveis. Inclusive, pode-se afirmar que, em decorrência da sua própria função e estrutura, o navio não pode ser considerado um bem imóvel, tendo em vista que o navio flutua e desloca-se de um local para o outro, evidenciando todas as características dos bens móveis.

Entretanto, não obstante a sua caracterização como bem móvel, por vezes o navio adquire todo o caráter distintivo dos bens imóveis [08], em determinadas circunstâncias impostas legalmente, como no caso da hipoteca naval [09], na hipótese da venda judicial [10] e ainda relativamente aos trâmites concernentes ao registro e à transferência de propriedade do navio [11]. Assim, possui uma natureza especial, o que leva a alguns autores a classificá-lo como coisa móvel sui generis. [12]

1.3.Modos de individualização do navio

Os navios individualizam-se pela sua identidade, ou seja, nome, tonelagem, arqueação, porto de inscrição, e também pelos papéis de bordo, classe e nacionalidade. As peculiaridades de identificação do navio fizeram emergir na doutrina (em especial, a anglo-saxônica) uma comparação entre o navio e uma pessoa, no sentido de atribuí-lo personalidade. [13] Os que perfilham desse juízo, argumentam que se individualiza o navio pelo nome, da mesma maneira que ocorre com as pessoas. Sustentam, ainda, que existiria uma certa similitude entre o estado civil das pessoas e o registro dos navios.

Entretanto é entendimento majoritário que, apesar de tais semelhanças, não se deve proceder, no âmbito jurídico, a tal comparação, uma vez que, para todos os efeitos jurídicos, o regime do navio é de um bem e não de um indivíduo. Desta forma, o navio deve ser considerado como objeto de direito e não sujeito de direitos. [14]

1.3.1.Nome

O nome, como já mencionado anteriormente, é um dos elementos de individualização do navio, uma das suas características de identificação. De acordo com o ordenamento brasileiro, deverá o nome estar marcado na proa nos dois bordos (bombordo e estibordo) e na popa, juntamente com o porto de inscrição.

O nome do navio deverá estar presente em todos os documentos do navio, que lhe são conferidos em virtude do registro ou da aquisição. Alguns territórios exigem, ainda, que figure na referida documentação e sejam marcados no casco os sinais de identificação, que são utilizados para chamada radiotelegráfica e radiotelefônica.

1.3.2.Nacionalidade e bandeira

O registro da propriedade de um navio delimita a sua nacionalidade. [15] Levado a efeito o registro, o navio estará apto a ostentar o pavilhão do país de registro, além de ter a proteção no alto-mar e de vantagens intrínsecas à nacionalidade. Em território brasileiro, a prova da nacionalidade efetua-se pela Provisão do Registro de Propriedade Marítima (PRPM), que faz parte da documentação de bordo obrigatória.

A aquisição da nacionalidade por um navio está subordinada a certos requisitos estabelecidos em lei, que podem variar, de acordo com o Estado em questão. São apreciados três critérios para a outorga da nacionalidade, a saber: o local de construção do navio; a nacionalidade do ou dos proprietários; a composição da equipagem.

No Brasil, o critério é misto. Assim, para ostentar a bandeira brasileira, os requisitos são que o navio: seja de propriedade de armador ou empresa brasileira; [16] Ter comandante e chefe de máquinas brasileiro; e no mínimo, dois terços dos tripulantes deverão ser nacionais. Esta é a forma de se evidenciar o forte elo de ligação entre o Estado do pavilhão e o navio, cuja exigência emana da Convenção Internacional sobre Direito do Mar, de Montego Bay, Jamaica.

Assim, ao arvorar o pavilhão de uma nação, o navio passa a ser parte integrante do território da mesma, nele imperando as leis do referido Estado e as convenções internacionais, ratificadas pelo Estado do pavilhão.

O navio que ostentar mais de uma bandeira é considerado um navio sem nacionalidade. É possível encontrar, atualmente, navios apátridas [17], que não tem registro em parte alguma. São os "navios piratas", [18] em versão hodierna, que aparecem, em especial, no sudeste asiático,com o objetivo de perseguir e assaltar navios comerciais.

Não obstante se tratar de uma raridade, é possível deparar-se com o caso de um navio com dupla nacionalidade, como na ocorrência de um navio registrado em um Estado e afretado a casco nu a companhia de outro país. O Estado da companhia afretadora pode autorizar o uso de seu pavilhão, desde que não haja incompatibilidade de leis entre o país de origem e o país da empresa afretadora. No Brasil, existe essa possibilidade de segundo registro condicionado à suspensão provisória de pavilhão no país de origem. Alguns Estados concedem tal prerrogativa independente de exigências, como Portugal, na Ilha da Madeira, o Panamá, a Libéria, a Nigéria e a Alemanha.

1.3.3.Registro

Considerando os critérios e os requisitos adotados pelos diversos Estados, os registros de navios podem ser classificado em Registros Nacionais e Registros Abertos. Nos Registros Nacionais, o país que concede a bandeira mantém um efetivo controle sobre os navios nele registrados, mantendo-os vinculados à sua legislação. Os Registros Abertos subdividem-se em Segundos Registros e Registros de Bandeira de Conveniência. [19]

1.3.3.1.Registros Nacionais

Os procedimentos relativos ao registro, variam de Estado para Estado. Entretanto, de acordo com os termos da Convenção de Montego Bay, em decorrência do princípio da nacionalidade, se faz necessária uma efetiva relação [20] entre o país e o navio que arvora o seu pavilhão. Tal laço não pode ser meramente formal, devendo envolver, por parte do Estado que permite o uso de sua bandeira, exercício efetivo de sua jurisdição e controle em todos nos âmbitos administrativos, técnicos, laborais, dentre outros, de acordo com o dever formulado pelo n. 1 do art. 94 da Convenção, e substantificado pelo n.2 do mesmo artigo. [21]

Dentre as funções do Registro, pode-se incluir: a atribuição do navio a um Estado específico e a sua submissão a uma jurisdição única, nos aspectos, por exemplo, de regulamentação de segurança, etc; a concessão do direito de arvorar a bandeira desse Estado; o direito de ter proteção diplomática e assistência consular do Estado do pavilhão; o direito de ter proteção naval desse Estado do pavilhão; o direito de participar em certas atividades dentro das águas territoriais desse Estado (como por exemplo, pesca costeira ou comércio entre portos do Estado da bandeira (cabotagem)); no caso de guerra, a possibilidade de serem aplicadas regras de guerra e neutralidade ao navio. Já na seara privada, as funções do registro são as de proteção do título do proprietário registrado e proteção do título e a preservação de prioridades entre pessoas detentoras títulos, como a hipoteca. [22]

Como já referido anteriormente, os critérios mais utilizados pelas legislações na determinação da nacionalidade do navio são os critérios da construção [23], da propriedade, da composição da equipagem e do sistema misto. O critério misto é o adotado pelo Brasil, uma vez que para a concessão da bandeira, se faz necessário que se preencha diversos requisitos, já explicitados anteriormente.

13.3.4.Registros Abertos

A. Segundos Registros

Uma das espécies de Registro Aberto, como já referido anteriormente é o Segundo Registro (Off Shore Register, Second Register, Registro Especial), instituídos numa tentativa de obstar a evasão da frota nacional para as bandeiras de conveniência. Por meio dos segundos registros, os governos destes Estados, oferecendo uma série de vantagens existentes nas bandeiras de conveniência, além da própria reputação de seu pavilhão (tendo em vista que os navios, referentemente à segurança, ficam submetidos à mesma normativa aplicada ao registro nacional), esperam robustecer suas marinhas mercantes e aspiram, inclusive, o retorno de navios registrados em bandeiras de conveniência. Entretanto, mister ressaltar que os segundos registros não dão ocasião a financiamentos favoráveis ou a outros meios de proteção e incentivos concedidos pelo Estado, como o de cargas reservadas, por exemplo.

O primeiro segundo registro a emergir foi o da Noruega, denominado Registro de Navio Internacional Norueguês (NIS). Posteriormente vieram os segundos registros dinamarquês, o inglês, o alemão e o português, através da Ilha da Madeira (Madeira Register of Ships – MAR). As regulamentações variam de Estado para Estado, como também acontece com as bandeiras de conveniência.

O MAR surgiu no ano de 1989 e é aberto a proprietários de navios de qualquer nacionalidade, assim como aceita navios de qualquer tipo ou tonelagem. O registro provisório pode ser efetuado em qualquer consulado português, e os navios registrados no MAR passam a arvorar o pavilhão português. Embora o requisito básico seja que o capitão do navio e metade da tripulação [24] seja de cidadãos da União Européia, isenções podem ser concedidas.

Relativamente ao Brasil, a marinha mercante passou a ter uma atuação mais competitiva a partir do Registro Especial Brasileiro (REB), regulamentado em 1997. Entretanto, não obstante as suas normas representem vantagens de natureza fiscal, não ofertam avanço algum na relação trabalho/capital.

O REB aplica-se aos navios alienígenas afretados a casco nu, com suspensão temporária do pavilhão, cujo afretador deseje registrá-lo no REB.Importante relembrar que Navios com segundos registros cuja propriedade não origina nenhum vínculo com o Estado do pavilhão devem ser designados como navios de bandeira de conveniência. [25]

B. Bandeiras de Conveniência

Os Pavilhões ou Bandeiras de Conveniência nada mais são do que a concessão da nacionalidade de um país a navios alienígenas. Tais navios, sendo de propriedade de indivíduos de um país, são matriculados em outro, em virtude dos benefícios [26] alcançados com a normativa dos mesmos.

Destarte, assinalam-se por oferecerem uma grande facilidade para registro, incentivos fiscais, redução de custos no âmbito trabalhista e a não exigência de vínculo entre o país de registro e o navio. Tais Estados não exigem e nem fiscalizam com a necessária severidade, o cumprimento e a admissão das leis e regulamentos nacionais ou internacionais sobre os navios neles registrados. Atualmente, cerca de 40% da frota mundial está registrada em bandeiras de conveniência.

De maneira geral, as companhias de navegação transferem os registros de seus navios para países que ofereçam bandeiras de conveniência com o intuito de diminuir os custos operacionais das suas frotas. Hodiernamente, cerca de 30 Estados "alugam" suas bandeiras para armadores de qualquer nacionalidade, assegurando sigilo e a desnecessidade de requisitos e documentações legais.

Pode-se dizer que a oposição ao sistema das bandeiras de conveniência encontra sustentáculo em três aspectos basilares: segurança, trabalho e desequilíbrio econômico. Assim, possível citar como aspectos negativos os altos índices de acidentes marítimos envolvendo navios que arvoram Bandeiras de Conveniência, as condições precárias de trabalho da tripulação, a evasão de divisas dos países que concedem Registros Nacionais e a ocorrência do que se denomina tráfego de terceira bandeira. [27]

1.4Modos de aquisição de propriedade do navio

A aquisição da propriedade de navios efetua-se por intermédio de meios relativos ao Direito comum ou por meios privativos do Direito Marítimo. Assim, tal aquisição pode ser feita pela construção ou outro meio regular em direito permitido. [28] As formas de aquisição dissociam-se em duas variantes: formas originárias [29] ou derivadas. As formas originárias decorrem da inexistência de propriedade anterior. Nas formas derivados, pressupõe-se a ligação entre o adquirente e o indivíduo que tinha anteriormente a propriedade.

Nas modalidades derivadas, decorrentes de atos inter vivos, pode-se citar a compra e venda, a troca, a dação em pagamento, doação. Decorrentes da causa mortis, a sucessão legítima ou testamentária. Nas formas peculiares ao Direito Marítimo, enquadram-se a presa, confisco, salvamento e abandono.

Importante destacar a divergência relativa à classificação do usucapião ou prescrição aquisitiva entre os modos de aquisição. Uma parte da doutrina entende como sendo o usucapião modo originário, outra fração prefere incluí-lo nos comuns às demais coisas e finalmente outra parte conserva-no em destaque. [30]


2.Venda de Navio em Direito Material

2.1 Compra e venda de navio

2.1.1No ordenamento brasileiro

Como se trata de um bem patrimonial, o navio pode ser objeto de compra e venda. No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 468 do Código Comercial permite expressamente a alienação de navio brasileiro destinado à navegação em alto mar, realizada por escritura pública (que deve ser registrada no Tribunal Marítimo e inscrita em uma Capitania dos Portos, Delegacia ou Agência), onde deverá figurar a Provisão de Registro, com todos os detalhes que nele houver.

A venda do navio pode ser voluntária ou judicial. No caso de venda voluntária, ou seja, na qual predomina a vontade do vendedor em proceder a venda, o contrato de compra e venda reger-se-á pelas normas contidas nos arts. 481 a 518 do Código Civil.

A prova de propriedade imprescindível para o registro do navio é feita mediante a exibição dos documentos a saber: nota fiscal; declaração do proprietário registrado em cartório; instrumento público de compra e venda (escritura pública ou recibo particular transcrito em cartório de títulos e documentos) ou recibo particular com reconhecimento em cartório das firmas dos contratantes onde deverá estar descrito o navio e registrados a compra, o valor, o vendedor e o comprador. Se a compra se efetuou em território alienígena, além do comprovante de regularização da importação perante o órgão competente, deverá ser exibido o instrumento de compra e venda, nos moldes da legislação do país onde a transação foi realizada.

2.1.2.No ordenamento português

No âmbito do Direito uniforme, importa destacar que a compra e venda de navios está excluída do âmbito de aplicação da Convenção de Viena de 1980. Em Portugal, o Estatuto Legal do navio está previsto no Decreto Lei n. 201/98 de 10 de Julho. Seu art. 10º, dispõe que, os contratos que impliquem a constituição, modificação, transmissão ou extinção de direitos reais sobre o navio devem ser celebrados por escrito, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes. Afirma ainda, em seu art. 11º, que as questões relacionadas com os direitos reais sobre os navios serão reguladas pela lei da nacionalidade que este tiver ao tempo da constituição, modificação, transmissão ou extinção do direito em causa. O MAR (Registo Internacional de Navios da Madeira) possui um regime especial: a venda de navios por declaração de venda (Bill of sale) .

2.2.A transferência da propriedade

2.2.1No ordenamento brasileiro

No ordenamento brasileiro, a translatividade dominial se aperfeiçoa apenas pela tradição [31], em se tratando de um bem móvel ou pelo registro, se estiver em causa um bem imóvel. Em se tratando de uma venda internacional, e sendo o navio um bem móvel sui generis, ou seja, sujeito a registro, surge a dúvida se a propriedade do mesmo se transfere com a tradição, com o registro do mesmo ou, ainda, com a mera celebração do contrato.

No caso de Brasil, assim como de Portugal, a lei do pavilhão do navio irá governar a aquisição, transferência e perda da propriedade do referido bem. Destarte, em se tratando, por exemplo, de navio que arvore bandeira brasileira, a transferência da propriedade se dará de acordo com o disposto com o Diploma Civil brasileiro, ou seja, com a tradição ou o respectivo registro.

2.2.2.No ordenamento português

Em Portugal, relativamente aos navios, também está determinado que a lei aplicável à transferência da propriedade será a do pavilhão do navio. Em sendo o Direito português o aplicável, o art. 408º do Código Civil dispõe em seu n. 1 que, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei". Assim, por força do disposto no n. 1 do art. 408º, a transferência da propriedade da coisa é efeito do contrato de alienação e não da entrega da coisa.

Existe o entendimento doutrinário [32] de que a regra de que a transferência da propriedade se produz por mero efeito da celebração do contrato de compra e vendaencontra-se fundada no n.1 do art. 408º. A possibilidade de divergir convencionalmente o efeito translativo, por meio de um pacto de reserva de propriedade, é admitida como exceção àquela regra, de acordo com o n. 1 do art. 409º. É admitida de modo tão vasto, que se pode afirmar que a regra, é afinal, a da disposição convencional do momento da transferência da propriedade. [33]


3.Venda de navios no tráfico jurídico

3.1.Compra e venda de navios na prática negocial marítima

Na prática, a compra e venda de navios no mercado mundial se realiza, habitualmente, com a intervenção de corretores especializados (shipbrokers), que atuam como conselheiros e mediadores de seus mandantes. Tais intermediários possuem um conhecimento amplo e atualizado relativamente ao valor dos navios, aos procedimentos bancários e financeiros, dos requerimentos legais e, também, dos aspectos puramente técnicos dos navios. Tanto os vendedores como os compradores em potencial depositam uma grande confiança em tais profissionais.

Logo que se inteirar dos detalhes dos navios cuja aquisição deseja efetuar, potencial comprador, entra, por intermédio do seu corretor, em um jogo de ofertas e contra-ofertas relativamente ao preço e demais condições do negócio. Geralmente, ao entrarem em consenso acerca de tais elementos, as partes assinam um memorandum of agreement (MOA). [34]

3.2.Valor dos negócios preparatórios

3.2.1Carta de intenção

As denominadas cartas de intenção são largamente utilizadas na técnica hodierna das negociações dos contratos internacionais, em especial, aqueles de negociações prolongadas, onde as partes, para alcançarem o consenso final, percorrem um extenso caminho, com diversas dificuldades.

No entanto, é tarefa complexa conceituar tal modelo jurídico, tendo em vista que seu conteúdo e seus fins podem ser diversos. Existe o entendimento de que são, na realidade "contratos de negociação", "documentos preparatórios" ao contrato definitivo, onde os pactuantes procuram, por exemplo, fixar os pontos já acordados, consagrar acordos sobre elementos essenciais do futuro contrato, etc.

A origem de tais documentos [35] possui esteio no fato de que o escopo das negociações é discutir as cláusulas e os pontos basilares do futuro contrato, e nesse interregno vigora o princípio da livre determinação das partes, em virtude do qual as partes podem organizar acordos preparatórios, bem como interromper as negociações, dentro de certas balizas, se não for conveniente proceder ao contrato definitivo.

O estatuto jurídico das cartas de intenção é indefinido, tendo em vista que ainda existe entendimento de que tais instrumentos não vinculam juridicamente as partes. Entretanto, depende de como tal carta de intenção esteja redigida, do seu conteúdo, de sua forma e fundo. Uma generalização é tarefa por demais complexa, tendo em vista a consagração da autonomia da vontade.

As partes devem ser cautelosas ao redigir a carta de intenção, [36] uma vez que a evidente determinação de seus elementos de fundo, como objeto, preço e tradição da coisa, caracteriza a celebração do contrato definitivo, que vincula os pactuantes. O entendimento doutrinário é de que a dificuldade na determinação do estatuto jurídico das cartas de intenção se dá em virtude do fato de que tal fenômeno não é encarado pela teoria clássica da formação dos contratos.

Entende-se, portanto, que a problemática da eficácia jurídica de tais instrumentos negociais, soluciona-se, primordialmente, na questão da interpretação do elemento volitivo das partes. Para solucionar tal problema, mister proceder à investigação de qual regras regerão a interpretação dos instrumentos em causa, sendo indiscutível a relevância que avoca o problema da determinação da lei aplicável ao contrato. Isto porque encontra-se vastamente propalado, tanto no Direito Internacional Privado interno como no convencional, o preceito segundo o qual a interpretação dos contratos está sujeita à lei aplicável à sua substância. [37]

3.2.2Contrato preliminar ou pré-contrato

No período de formação do contrato, cujas cláusulas vão se formando gradualmente, como sucede nas negociações de contratos complexos, em que o lapso temporal de convencimento das partes é maior, é do interesse dos pactuantes fixarem, de forma irreversível, certas cláusulas ou pontos do futuro contrato a ser celebrado. Desta forma, o contrato preliminar ou contrato promessa de contratar [38], configura, um momento fundamental da formação progressiva do contrato, aquele em que os co-contratantes comprometem-se a finalizar o contrato que objeto das negociações.

Uma análise do direito comparado evidencia que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em declarar que o contrato preliminar, ou contrato-promessa, é um compromisso assumido pelas partes, ou por só uma delas, de celebrar determinado contrato. Da mesma maneira, o estudo comparatista indica a ausência de vedação explícita para sua ampla aplicabilidade, já que no processo de formação do contrato, o princípio da autonomia da vontade pode produzir figuras capazes de criar vínculos obrigacionais.

No direito brasileiro, as questões concernentes ao contrato preliminar são tratadas nos arts. 462 a 466 do Código Civil. No ordenamento jurídico português, as questões relativas ao contrato-promessa são disciplinadas nos arts. 410 a 413 do Diploma Civil português.

Destarte, é o entendimento vigorante de que o contrato-promessa ou contrato preliminar é um negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes (uma delas ou ambas) objetivam, essencialmente, estabelecer a obrigação de concluir um contrato futuro. O efeito fundamental, para a doutrina que defende que o seu conteúdo configura uma obrigação de fazer, é tornar obrigatória a celebração do contrato principal. Para os que rejeitam essa corrente, o contrato-promessa origina, por si só uma vinculação jurídica que existe com plena substantividade, enquanto não se exija sua execução ou não se suprima a relação por alguma causa.

Entendendo-se em um sentido ou em outro, pode-se afirmar que as partes, ou uma só delas possui o direito de requerer que o compromisso assumido seja levado a efeito, originando-se, assim, o contrato definitivo. Esse é o desígnio do pré-contrato. Desta forma, a parte vinculada deve cumprir a obrigação pactuada, pois, no caso de incumprimento, poderá ser coagida a cumprir com a obrigação ou responder por perdas e danos causados à outra parte.

Relativamente ao conteúdo do contrato, não existe uma homogeneidade no entendimento doutrinário. Entretanto, a corrente dominante posiciona-se no sentido de que o pré-contrato deve conter todos os elementos fundamentais do contrato definitivo, assim como os que, de uma forma ou de outra, possam influenciar na vontade e intenção de finalizá-lo.

Procedendo-se a uma comparação entre o contrato preliminar e a carta de intenção, é indubitável que os dois representam figuras pré-negociais salientes, que objetivam oferecer segurança aos pactuantes durante o período de formação do contrato. Entretanto, existe distinção fundamental entre os pré-contratos e as cartas de intenção. [39] No contrato preliminar, o vínculo é o traço distintivo, tendo em vista que ambas as partes ou uma delas se obrigam a formalizar o contrato definitivo. Nas cartas de intenção, o sinal que se destaca é a eventualidade, típica das fases de negociação, tendo em vista que o vínculo obrigacional se origina apenas pela conclusão do contrato definitivo. [40]

3.3.Contratos-tipo de venda de navios

Um dos modos derivados de se adquirir a propriedade de um navio é através do contrato de compra e venda, que é um negócio obrigacional. Entretanto, dependendo do ordenamento jurídico em causa, pode constituir o título do efeito real ou translativo.

É certo que a importância dos contratos de construção de navios [41], deu origem a um direito costumeiro. No caso da venda também é manifesta a unificação por via dos formulários-tipo (contratos-tipo), sendo o mais conhecido o Saleform, cuja última edição é de 1993. Também se pode citar o Nipponsale e o Salescrap, utilizado este último para o propósito específico de desmanche.

3.3.1Saleform

A maioria esmagadora [42] dos contratos de compra e venda de navios são baseados em um contrato conhecido como "Norwergian Saleform" ou "Saleform". É um contrato-tipo (ou contrato-padrão) que foi desenvolvido pela Associação de Corretores Noruegueses de Navios (Norwegian Shipbroker’s Association) e mais tarde adotado e publicado pelo Conselho Marítimo do Báltico e Internacional (BIMCO – The Baltic and International Maritime Council).

A edição mais recente do Saleform é a do ano de 1993, normalmente referida na doutrina como Saleform 1993, mas a edição de 1987, conhecida como Saleform 87 ainda é largamente usada. Destarte, quando compradores e vendedores começarem as negociações, cuja intenção é revestir sob a forma do Saleform, é essencial que entrem num consenso, no começo das negociações, sobre qual edição do Saleform vão utilizar como base para o contrato, uma vez que existem diferenças entre as duas versões, que estão em uso.

O Saleform deve ser considerado uma plataforma útil [43] que pode ser prontamente adaptada às circunstâncias de uma transação específica. É entendimento majoritário que o Saleform é construído em favor dos vendedores mas é permitido aos potenciais compradores que busquem restaurar o equilíbrio através de modificações dos termos do contrato-tipo.

A vantagem primordial de usar o Saleform é que experientes corretores de compra e venda de navios e advogados especializados nesta área possuem conhecimento acerca do conteúdo deste contrato-tipo, e de como o mesmo distribui responsabilidades e riscos entre comprador e vendedor. Tais corretores e advogados também sabem como modificar os riscos, por exemplo, com mínimas retiradas do formulário-tipo, ou ainda, adições ou modificações.

Entrando as partes em um consenso acerca do preço e as demais condições do negócio, como já referido anteriormente, as partes assinam um MOA, cujo Saleform [44] é um dos modelos existentes. [45] É habitual que se exija ao vendedor uma inspeção superficial em flutuação e várias condições em salvaguarda dos interesses do comprador. [46]

Aceitando o navio, o vendedor assina a declaração de venda [47] (Bill of sale [48]) e entrega o navio e o referido documento ao comprador, juntamente com os certificados que sejam necessários para abonar que o navio não tem encargos de qualquer natureza, que impeçam a transferência da sua propriedade. O comprador, por sua vez, deve receber o navio e pagar o preço convencionado. Mister relembrar que, havendo necessidade de modificar o pavilhão é necessário, desde logo, que a autoridade marítima competente emita um certificado de onde se resulte a baixa do navio do Registro de origem.

No Saleform os direitos e obrigações das partes estão detalhados. Entretanto, podem as mesmas introduzir acréscimos, não apenas completando os espaços em branco do formulário, mas também corrigindo as cláusulas do texto impresso ou incorporando cláusulas novas. [49]

Mesmo tendo os potenciais compradores a oportunidade de conhecer detalhes do navio por meio dos corretores marítimos e dos livros de Registro da Sociedade de Classificação [50] pertinente, normalmente, procedem a duas inspeções prévias. Uma é realizada por peritos, na sede da Sociedade de Classificação, com o objetivo de estudar todas as anotações existentes nela, cujo conjunto representa a "história clínica" do navio, e dentre as quais se pode detectar defeitos globais ou parciais do casco ou das máquinas [51]. A outra é a inspeção em flutuação, realizada em um porto a ser pactuado, por meio da qual os compradores examinam o navio pormenorizadamente (sem desmontar nada), sem qualquer ônus para os possíveis vendedores. Estes últimos devem facilitar a tarefa dos primeiros no que concerne a colocar à sua disposição todos os livros e documentos relativos ao navio, em particular os diários de navegação e de máquinas.

Após essa inspeção em flutuação, os compradores em potencial, se ficarem satisfeitos depois de a terem completado devem notificar sua aceitação ao vendedor dentro de 72 horas (ou outro prazo acordado) seguintes à inspeção ter sido finalizada. Sendo a aceitação formalizada, o contrato continua firme, ainda que sujeito às demais condições do MOA. Se não houver aceitação, o contrato é considerado nulo e sem valor algum.

No caso de aceitação, as partes convencionam um lugar e uma data para a entrega que, se não se efetivar por culpa do devedor, origina o cancelamento do contrato, devendo o referido devedor devolver ao comprador o sinal depositado, com juros anual de 12% (ou outro porcentual convencionado). Se a tradição do navio se efetuar, por cumprir-se os requisitos de local e data, se põe em funcionamento o mecanismo de entrega. Este mecanismo se desenvolve em torno da inspeção em dique seco [52], a entrega física do navio, seus aparelhos e pertences, o inventário de combustíveis e lubrificantes e a entrega de toda a documentação necessária, por força de disposições legais ou de acordo entre as partes.

Os gastos de entrada, permanência e saída do dique seco correm por conta do vendedor se alguma das partes do navio examinadas ou seu eixo porta-hélice, estiverem quebrados, avariados ou defeituosos ou, ainda, no caso de a Sociedade de Classificação ter exigido que o eixo porta-hélice fosse desmontado, independente de estar avariado ou não. Nos demais casos, os gastos correm por conta do comprador.

Não existindo observações, é prática usual, ainda, que o comprador aproveite a permanência do navio em dique seco para que se pinte todo o casco do mesmo, e se realize outros trabalhos, com todos os custos, obviamente, correndo por sua conta. Paralelamente à inspeção em dique seco, ocorre entre o comprador e vendedor a entrega de todos os aparelhos e pertences, tanto os que estejam a bordo como os que estejam em terra e que correspondam ao navio ao tempo da inspeção, sejam materiais novos ou usados, e o inventário dos combustíveis, lubrificantes e provisões que se achem no navio. Os primeiros fazem parte do navio e o preço avençado os cobre, mas os segundos não, devendo o comprador pagar ao vendedor preço convencionado ou de mercado no porto e na data da entrega do navio.

O vendedor deve entregar ao comprador todos os certificados de classe, documentos do navio, planos, etc. e, em especial, o recibo do preço total, (nota ou declaração de venda), assinado pelo proprietário do navio que é vendido, onde atesta que, tendo recebido o preço pactuado com o comprador, transfere a este seu direito de propriedade sobre o navio, e confirma que o mesmo não está submetido a encargo algum. Se o navio mudar de bandeira, deverá entregar um certificado que certifique a baixa no Registro anterior, ou, ao menos, o compromisso de proceder o cancelamento da inscrição dentro de um prazo razoável.

Quanto ao preço do navio, cabe dizer que deve figurar no Saleform a modalidade de pagamento convencionada. Entretanto, a prática usual é que o comprador em potencial deposite em uma conta conjunta, sua e do possível vendedor, uma quantia equivalente a 10% do preço total. O saldo deverá se pago quando ocorrer a entrega do navio, nas circunstâncias já citadas, ou, no mais tardar, no prazo de 3 dias úteis posteriores ao momento em que o navio esteja em condições de ser entregue. Momento este em que se deve liberar, em favor do vendedor, os 10% e pagar os combustíveis, lubrificantes e provisões.

Se o comprador não fizer o depósito do sinal, o vendedor pode deixar sem efeito o contrato e reclamar uma indenização por perdas e danos, e de igual maneira, se o pagamento do saldo não foi feito, o vendedor pode rescindir o contrato, reter o depósito de 10% e reclamar uma indenização por perdas e danos que superem o montante deste depósito.

A compra e venda de navio, em virtude da apresentação compacta do processo, quando utilizado o Saleform, poderia ser considerada uma operação relativamente simples. Entretanto, tal simplicidade não corresponde à realidade, tendo em vista que o mercado de navios é flutuante, seja em virtude do grande vulto monetário que movimenta, seja em virtude dos acontecimentos políticos e econômicos.

3.3.2Nipponsale

É um contrato-tipo, formulado nos mesmos moldes do já referido Saleform. O Nipponsale foi desenvolvido pelo Comitê de Documentação do The Japan Shipping Exchange, Inc. (Bolsa Marítima Japonesa), em 1965 e revisado em 1971, 1977 e 1999. [53]Ainda que tenha sido publicado pela Bolsa Marítima do Japão e freqüentemente utilizado quando os vendedores são de nacionalidade japonesa, as partes ao firmarem contratos baseados no Nipponsale, habitualmente acordam que a lei inglesa será a lei que regulará o contrato. [54]

Uma das características do Nipponsale é que existe no formulário um espaço para as partes especificarem a data do acordo e o local onde as partes pactuaram. Este formulário não determina que sistema de lei irá governar a interpretação do contrato, se as partes não inserirem uma cláusula adicional clarificando essa questão, o local onde o acordo foi feito é um dos fatores usados para determinar que sistema de lei irá reger o contrato.

Encontram-se muitas convergências entre o Nipponsale e o Saleform, quanto às questões de inspeções, obrigações do comprador e vendedor, etc. Entretanto, importante ressaltar a presença de uma cláusula especificamente destinada a evidenciar o momento da transferência da propriedade e a passagem do risco no Nipponsale. A cláusula 9, determina que a passagem da propriedade assim como do risco de perdas e danos relacionados ao navio, ocorre quando o comprador tiver adimplido com sua obrigação de pagar o preço e o vendedor tiver procedido à entrega do navio. [55]

3.3.3.Cláusulas de arbitragem

Nos contratos-tipo supracitados, existem cláusulas que determinam que os litígios oriundos de tal acordo, serão submetidos à arbitragem. Muitos empresários preferem ter as disputas contratuais solucionadas por meio da arbitragem ao invés de recorrer ao Judiciário em virtude da vantagem de ter as disputas resolvidas por pessoas que possuem experiência e conhecimento sobre a indústria de navegação e sobre a forma como os mercados dessa indústria operam.

Partes experientes deverão saber que centros de arbitragem em várias partes do mundo possuem equipes de árbitros especializados na resolução de litígios concernentes à navegação e comércio internacional. Também se leva em consideração a natureza informal dos procedimentos arbitrais. Muitos árbitros serão conduzidos numa lógica de fundamentação da sua decisão, na seara documental e não ocorrerão debates orais, normalmente desgastantes. Também se mostra vantajosa a natureza privada dos procedimentos arbitrais, em virtude do desejo compartilhado das partes de manter a existência do litígio, assim como os procedimentos subseqüentes, confidenciais, assim como o desejo de ter os litígios solucionados em um campo neutro, por um tribunal igualmente neutro.

O Nipponsale na sua cláusula 15 prevê que toda e qualquer disputa oriunda do acordo ou com conexão com o mesmo será submetida à arbitragem, mais especificamente à Comissão de Arbitragem Marítima de Tóquio (TOMAC).

A citada cláusula determina que as disputas deverão ser resolvidas por arbitragem em Tóquio, perante a TOMAC; que a arbitragem será conduzida de acordo com as regras correntes da referida Comissão; e que a decisão do Tribunal Arbitral será final e vinculativa entre as partes.

O Nipponsale 1999 não incluiu uma cláusula sobre a lei que regerá o contrato. Destarte, os pactuantes deverão ser advertidos a acordarem sobre qual sistema de lei regerá o contrato, e a inserirem uma disposição sobre a lei regente que dará efeito à intenção acordada.

As partes podem, ainda, fazendo modificações ou adições à cláusula, modificar as resoluções sobre as disputas, das formas a saber: determinando a lei que regerá o contrato; determinando um local diferente para a arbitragem, um corpo de arbitragem distinto e diferentes regras de arbitragem; ou ainda determinando que as disputas serão resolvidas por Tribunais Estatais ou por outro meio de solução de litígios. [56]

Quanto ao Saleform, a edição de 1987 determina que qualquer disputa, oriunda em conexão com o contrato de venda será resolvida por arbitragem, mas deixa o lugar da arbitragem a ser acordado pelas partes. Se nenhum local for escolhido, a arbitragem ocorrerá em Londres.

Nesta versão, ainda está previsto que a arbitragem será submetida a um árbitro único, a menos que as partes não possam acordar quanto à sua identidade, caso em que o litígio será submetido a três árbitros. Vale ressaltar que o contrato será regido pela lei do local da arbitragem.

Quanto à edição de 1993 do Saleform, se fazem presentes três alternativas referentes à lei que regerá o contrato e o local de arbitragem. [57] Uma alternativa prevê que o contrato será submetido à lei inglesa e a arbitragem terá local em Londres, perante dois árbitros ou, se os mesmos não entrarem em consenso, perante um árbitro. Outra alternativa prevê a aplicação da lei norte-americana, em Nova Iorque, perante três árbitros. Existe ainda a possibilidade de escolha de outro local para a arbitragem, com aplicação de um sistema legal distinto. Tal disposição deve ser convencionada entre as partes e inserida no contrato. [58]


4. Determinação do Direito aplicável

4.1.Direito de Conflitos no ordenamento brasileiro

Não obstante a existência de uma Convenção Interamericana sobre o Direito aplicável aos contratos internacionais [59], ainda vigoram no Brasil, as regras de Direito Internacional Privado internas nesse âmbito, orientadas pela Lei de Introdução ao Código Civil, que não adotou a teoria da autonomia da vontade.

Tal princípio encontrou acolhida em legislações internas de países de todo o mundo, em especial a Europa, assim como nas principais Convenções Internacionais. Entretanto, a liberdade contratual não é ilimitada, mesmo nos Estados que a permitem de forma ampla. Se faz necessário um estudo da cláusula da lei aplicável conjuntamente com a cláusula de eleição de foro e a cláusula arbitral, atentando, no caso brasileiro para as questões relativas à competência internacional da justiça brasileira.

No que diz respeito à lei aplicável, a Convenção do México de 1994, consagrou como regra geral o princípio da autonomia da vontade, quase [60] nos mesmos moldes da Convenção de Roma, admitindo, inclusive, o depeçage voluntário, a escolha de uma lei sem vínculo com o contrato, a possibilidade de sua modificação posterior, e a admissão da escolha tácita, quando evidente.

No Brasil, a regra de conexão utilizada para os contratos internacionais é a lex loci contractus, na forma estabelecida pelo art. 9º da LICC, de onde não se extrai a permissão à teoria da autonomia da vontade, antes presente no art. 13 [61] da LICC de 1917.

A autonomia da vontade em sede de competência judiciária representa princípio de grande utilidade, especialmente em contratos transnacionais, tendo em vista que elimina as incertezas dos pactuantes relativamente ao local onde os litígios eventualmente oriundos da relação contratual serão solucionados, o que facilitaria as atividades comerciais internacionais.

Importante ressaltar que ante o ordenamento brasileiro, não se deve confundir competência legislativa e competência jurídica. [62] Destarte, a lei aplicável ao contrato internacional constitui matéria diversa das questões de foro. É certo que o Juízo competente (nacional ou estrangeiro) deve empregar a norma apontada pelo Direito conflitual positivo como sendo o aplicável ao acordo, ainda que distinta da lex fori ou da lei designada pelos pactuantes.

Destarte, inexistindo a consagração da autonomia da vontade, diante das lacunas da lei brasileira, a solução que se apresenta é a escolha de um foro no qual seja permitida a autonomia da vontade. Entretanto, existem nuances nesta seara, quando se analisa a cláusula em conjunto com as regras de competência internacional.

Existe ainda o entendimento de que no âmbito do Direito interno brasileiro, é do mesmo modo inadmissível a vontade das partes na escolha do fórum cuja competência geral não seja admitida pelo Direito Processual Internacional brasileiro (seja em virtude de nossa competência internacional absoluta, seja pela inconveniência do foro estrangeiro eleito) ou seja aqui considerada ofensiva à ordem pública, soberania ou bons costumes (art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil). [63]

Dúvidas emergem quando há uma cláusula elegendo o foro estrangeiro, mas a competência brasileira é assegurada nos casos definidos nos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil. No caso da competência exclusiva do art. 89, não há possibilidade de eleger o foro.

Em resumo, sendo escolhido um foro onde se possa escolher a lei aplicável ao caso, sendo o litígio ali julgado, a escolha da lei pelos pactuantes será respeitada. Entretanto, sendo escolhido o foro brasileiro, não se pode garantir que qual será o posicionamento do Tribunal. Mesmo eleito o foro estrangeiro, se houver competência concorrente da justiça nacional, é possível existir problemas na aplicação da cláusula.

Existe o entendimento de que as balizas da jurisdição não podem ser estendidas ou reduzidas pelo elemento volitivo das partes, o que acarretaria a preservação da competência dos Tribunais, independentemente da cláusula acordada. Destarte, a cláusula de eleição de foro, inteiramente válida e admitida pelo ordenamento brasileiro, acabaria por ter eficácia de mera obrigação de fazer, sem poder, entretanto, oferecer às partes a segurança almejada de que apenas no foro estrangeiro o litígio seria julgado. [64]

4.2.Direito de Conflitos no ordenamento português

Portugal ratificou a Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações contratuais por meio da Convenção do Funchal, assinada em 1992, onde também se encontra presente o princípio da autonomia da vontade [65] na designação do Direito aplicável ao contrato. [66] A principal diferença relativamente à Convenção do México e ao Direito da Arbitragem Comercial Internacional se encontra na inadmissibilidade de uma referência à lex mercatoria. [67] Importante relembrar que a Convenção não regula as convenções de arbitragem assim como os pactos de jurisdição.

O princípio da autonomia da vontade, largamente difundido nas legislações dos cinco continentes, encontra-se consagrado no art. 3º, n.1 da Convenção. Na ausência de determinação, pelos contratantes, do Direito aplicável, a Convenção, determina que o contrato será regido pela lei do país com o qual ostente uma conexão mais estreita.

Ao fazer menção à conexão, a Convenção emprega usualmente o termo "lei" e, freqüentemente refere-se à lei de "um país" ou "de um Estado". Boa parte da doutrina, opina no sentido de que a Convenção não permite a designação de Direito não-Estadual. Neste sentido, afirma Luís de Lima Pinheiro que, "a escolha da lex mercatoria só pode valer como referência material, no quadro delimitado pelo Direito imperativo da ordem jurídica estadual chamada a título de lex contractus". [68]

4.3Direito aplicável à arbitragem

Quando for estipulado pelos pactuantes que as demandas, eventualmente oriundas do contrato, serão submetidas à arbitragem, a determinação do Direito regulador reger-se-á, essencialmente por regras e princípios privativos do Direito da Arbitragem Comercial Internacional.

O consentimento das partes na determinação do Direito aplicável ao litígio pode ser revelado de forma tácita ou expressa. Sendo silentes as partes, não existem preceitos claramente instituídos sobre a determinação do Direito regulador. Existem algumas tendências, dentre as quais, duas mais significativas, a saber: [69]

Existe uma corrente que defende que os árbitros devem fundamentar a determinação do Direito aplicável principalmente nos laços objetivos existentes, favorecendo, em matéria de venda internacional, a aplicação do Direito da residência, sede ou estabelecimento do vendedor.

Outra corrente, cuja aplicação parece ser a mais plausível, defende que a disputa deve ser resolvida de acordo com as normas que o árbitro considere apropriadas ou por aplicação do Direito mais apropriado ao litígio. Tal corrente é abraçada pelos ordenamentos português [70], espanhol, francês e holandês. Referido critério das regras mais apropriadas à disputa é um discernimento extremamente flexível, que permite aos árbitros levar em consideração os pormenores do caso concreto e verificar todos os pontos de vista juridicamente importantes. Em ambos os casos, os árbitros devem atentar para os princípios gerais de Direito e outros princípios basilares, comuns aos sistemas nacionais do caso, que integram a ordem pública nacional da arbitragem.

Relativamente à lei aplicável ao mérito da causa, praticamente todas as convenções que tratam da arbitragem internacional consentem às partes que designem a aplicação da equidade. Destarte, os pactuantes podem inserir na cláusula arbitral que os árbitros irão julgar com fundamento no contrato e na justiça, abstendo-se de aplicar qualquer lei Estatal.

E quanto à escolha da lei pelas partes, como já referido anteriormente, a corrente majoritária se posiciona no sentido de que, via de regra, não existe necessidade de que a lei escolhida possua qualquer vínculo com o objeto da demanda. Entende-se na doutrina que aqueles que defendem a necessidade de alguma vinculação estão se referindo a questões submetidas ao Judiciário estatal. Na arbitragem, que se localiza além de qualquer ordenamento jurídico nacional, os pactuantes possuem inteira liberdade para escolher a lei aplicável.

Mister relembrar que apenas em setores bem demarcados do comércio internacional se pode vislumbrar na determinação do lugar da arbitragem um sinal importante de determinação do Direito aplicável. É o caso, por exemplo, da arbitragem de litígios emergentes de contratos de transporte marítimo e de seguros marítimos, que usualmente realizam-se em Londres.

4.4Direito aplicável à transferência de propriedade

A Convenção de Roma, assim como a Convenção do México não regulam o efeito real que o contrato de venda possa produzir. Destarte, a transferência da propriedade estará subordinada à lei competente de acordo com o Direito de Conflitos.

Entende-se na doutrina que, as soluções já referidas para a determinação da lei aplicável ao contrato na arbitragem comercial internacional valem, em princípio, para a fixação do Direito aplicável à transferência de propriedade. [71]

O art. 46º/ 3 do Diploma Civil português reza que "A constituição e transferência de direitos sobre meios de transporte submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada".

A matrícula, sendo um ato de registro que resulta na atribuição de um sinal identificador e a produção de documentos, dá ocasião à individualização do Direito aplicável de maneira reconhecível e estável para os sujeitos do negócio.O recurso ao Direito do país de matrícula possui o desígnio de opor-se à instabilidade e incerteza oriundas da mobilidade do bem em causa. [72]

Perante o art. 46º/ 3 do Código Civil português, o elemento preponderante a ser considerado é o porto de registro do navio e não o país da bandeira que arvora. Isto é perfeitamente entendível pois existem os casos de navios que arvoram pavilhões de países onde não existe mar, por exemplo, o caso da suíça. Entretanto, DL 201/ 98, referente ao Estatuto Legal do Navio, veio restaurar a regra da lei da nacionalidade na seara de direitos reais sobre navios. [73]

Entende-se nos "negócios do tráfico internacional e, entre eles, na venda internacional à distância, seria de conformar um estatuto especial da transferência da propriedade em cuja definição atuaria o princípio da autonomia privada em Direito Internacional Privado". Destarte, caberia às partes a eleição do Direito aplicável à transferência da propriedade, optando entre a lei do expedidor, a lei do destinatário ou a lex contractus; a omissão ensejaria uma aplicação compulsória da lex contractus. [74]

Desta maneira, ante o sistema de conflitos do Direito de Conflitos português, é de se entender que a formação, validade, interpretação e integração das cláusulas concernentes aos efeitos reais do negócio sejam, a priori, governadas pela lex contractus, e a produção de efeitos reais, assim como as suas condições de eficácia, estão subordinadas, em princípio, à lex rei sitae. [75]

Perante do sistema brasileiro de Direito de Conflitos, em tudo que se referir ao regime da posse, da propriedade e dos direitos reais sobre coisa alheia nenhuma lei poderá ter competência superior do que a do território onde se encontrarem as mercadorias, que constituem seu objeto. Logo, a lei da situação da coisa móvel em posição permanente ou imóvel predominará. Assim, tudo que se referir aos direitos reais ensejará a aplicação da lex rei sitae. [76]

Entretanto, devido à sua natureza especial, os navios não se governam pela lex rei sitae, em virtude das suas passagens de um país para outro, mas pela lei do pavilhão, ou seja, pela lei do país onde estiverem matriculados, podendo tal competência ser afastada somente no caso em que a ordem pública exigir. Assim, a lei do pavilhão do navio irá reger a aquisição, transferência e perda da propriedade do referido bem. [77]


Considerações finais

A venda internacional de navios é uma matéria de extrema complexidade e recheada de nuances. Desde a sua conceituação é possível observar uma certa flutuação no seu tratamento. Entretanto, pode-se conceituar navio como toda embarcação, reservada à navegação lacustre, fluvial ou marítima, provida ou não te propulsão própria, mas que execute o trajeto sobre as águas, conduzindo, com qualquer desígnio, pessoas ou mercadorias.

Quanto à natureza jurídica do navio, pode-se afirmar que o mesmo é um bem móvel de natureza sui generis e se trata de res conexa, um todo composto de várias partes e diversos acessórios, assinalando assim, que a sua natureza jurídica é complexa.

Os navios individualizam-se pela sua identidade, ou seja, nome, tonelagem, arqueação, porto de inscrição, e também pelos papéis de bordo, classe e nacionalidade. O registro da propriedade de um navio delimita a sua nacionalidade. Uma vez efetuado o registro, o navio estará apto a ostentar o pavilhão do país de registro. Assim, ao arvorar o pavilhão de uma nação, o navio passa a ser parte integrante do território da mesma, nele imperando as leis do referido Estado e as convenções internacionais, ratificadas pelo Estado do pavilhão.

Quanto aos registros, os mesmos podem ser classificados em nacionais e abertos. Relativamente aos registros abertos, existe uma subdivisão em segundos registros e bandeiras de conveniência. Por meio dos segundos registros, são oferecidas pelos Estados uma série de vantagens existentes nas bandeiras de conveniência, além da própria reputação do pavilhão (tendo em vista que os navios, referentemente à segurança, ficam submetidos à mesma normativa aplicada ao registro nacional). Almeja-se o robustecimento das respectivas marinhas mercantes, assim como o retorno de navios registrados em bandeiras de conveniência. Entre os segundos registros, pode-se citar o MAR (Madeira Register of Ships) e o REB (Registro Especial Brasileiro).

Os Pavilhões ou Bandeiras de Conveniência nada mais são do que a concessão da nacionalidade de um país a navios alienígenas. Tais navios, sendo de propriedade de indivíduos de um país, são matriculados em outro, em virtude dos benefícios alcançados com a normativa dos mesmos.

Destarte, assinalam-se por oferecerem uma grande facilidade para registro, incentivos fiscais, redução de custos no âmbito trabalhista e a não exigência de vínculo entre o país de registro e o navio. Tais Estados não exigem e nem fiscalização com a necessária severidade, o cumprimento e a admissão das leis e regulamentos nacionais ou internacionais sobre os navios neles registrados. Atualmente, cerca de 40% da frota mundial está registrada em bandeiras de conveniência.

A aquisição da propriedade de navios efetua-se por intermédio de meios relativos ao Direito comum ou por meios privativos do Direito Marítimo. Nas modalidades derivadas, decorrentes de atos inter vivos, pode-se citar a compra e venda, a troca, a dação em pagamento, doação. Decorrentes da causa mortis, a sucessão legítima ou testamentária. Nas formas peculiares ao Direito Marítimo, enquadram-se a presa, confisco, salvamento e abandono.

Na prática, a compra e venda de navios no mercado mundial se realiza, habitualmente, com a intervenção de corretores especializados (shipbrokers), que atuam como conselheiros e mediadores de seus mandantes. Tais intermediários possuem um conhecimento amplo e atualizado relativamente ao valor dos navios, aos procedimentos bancários e financeiros, dos requerimentos legais e, também, dos aspectos puramente técnicos dos navios.

A maioria esmagadora dos contratos de compra e venda de navios são baseados em um contrato conhecido como "Norwergian Saleform" ou "Saleform". É um contrato-tipo (ou contrato-padrão) que foi desenvolvido pela Associação de Corretores Noruegueses de Navios. Certos termos encontrados no cabeçalho deste formulário-tipo fazem emanar na doutrina a dúvida, de onde emerge o questionamento se o mesmo se trata de um contrato-promessa ou de um legítimo contrato de compra e venda. A doutrina majoritária se posiciona no sentido de configurá-lo com o genuíno contrato de compra e venda.

A vantagem primordial de usar o Saleform é que experientes corretores de compra e venda de navios e advogados especializados nesta área possuem conhecimento acerca do conteúdo deste contrato-tipo, e de como o mesmo distribui responsabilidades e riscos entre comprador e vendedor.

O contrato complementa-se documentalmente com uma declaração de venda (Bill of sale), que deve ser assinada pelo vendedor e entregue ao comprador quando da conclusão do negócio. Na prática negocial, entende-se que a transferência do bem se dá exatamente neste momento, na entrega da declaração de venda.

A compra e venda de navio, em virtude da apresentação compacta do processo, quando utilizado um contrato-tipo, poderia ser considerada uma operação relativamente simples. Entretanto, tal simplicidade não corresponde à realidade.

Em todos os contratos-tipo mencionados no decorrer do estudo, existem cláusulas que determinam que os litígios oriundos de tal acordo, serão submetidos à arbitragem. As partes devem determinar o direito aplicável, assim como o escolher o foro. Sendo silentes as partes, não existem preceitos claramente instituídos sobre a determinação do Direito regulador. A corrente majoritária vai no sentido de que a disputa deve ser resolvida de acordo com as normas que o árbitro considere apropriadas ou por aplicação do Direito mais apropriado ao litígio.

Na inexistência de uma cláusula de arbitragem, maior a complexidade que rodeia o contrato. Relativamente ao Brasil, em virtude da não ratificação da Convenção do México de 1994, a regra de conexão utilizada para os contratos internacionais é a lex loci contractus, na forma estabelecida pelo art. 9º da LICC, de onde não se extrai a permissão à teoria da autonomia da vontade. Inexistindo a consagração da autonomia da vontade, diante das lacunas da lei brasileira, a solução que se apresenta é a escolha de um foro no qual seja permitida a autonomia da vontade. Entretanto, existem nuances nesta seara, quando se analisa a cláusula em conjunto com as regras de competência internacional.

Em Portugal, é aplicável as disposições da Convenção de Roma de 1980, onde também se encontra presente o princípio da autonomia da vontade na designação do Direito regulador do contrato. A principal diferença relativamente à Convenção do México e ao Direito da Arbitragem Comercial Internacional se encontra na inadmissibilidade de uma referência à lex mercatoria.

Destarte, em se tratando de uma parte brasileira em um contrato de compra e venda internacional de navios, o caminho menos arriscado a se tomar é inserir uma cláusula de arbitragem no contrato (uma vez que a autonomia da vontade das partes, na escolha da lei aplicável às obrigações contratuais, não é aceita, em virtude do art. 9º da LICC), para fazer valer a eleição dos pactuantes relativamente à norma aplicável para dirimir os litígios, que eventualmente surjam. Além disso, os procedimentos arbitrais são confidenciais, sempre mais céleres, menos onerosos e solucionados por indivíduos que genuinamente possuem conhecimento de causa.

Ademais, vale relembrar que a Convenção de Nova Iorque sobre reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras foi ratificada por mais de 130 países, o que facilita a execução da sentença arbitral estrangeira, o que em muitos casos não acontece com a sentença judicial estrangeira.


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Notas

  1. Villas Bôas conceitua navio como sendo "toda a construção apta a se suster e a transportar, sobre a água ou por dentro dela, pessoas ou coisas". VILLAS BÔAS, João. Hipoteca Naval, p.11.
  2. Neste sentido, assevera Flávia Lanari que, "no Brasil, navio e embarcação são termos sinônimos de acordo com o Código Comercial e, por isso mesmo, ambas designações são utilizadas indistintamente". Cfr. LANARI, Flávia de Vasconcellos. Direito Marítimo: Contratos & Responsabilidade, p. 55.
  3. O termo navio é mencionado em inúmeros artigos do Código Comercial (ex. arts. 484, 607, 771), não existindo, todavia, uma definição no respectivo Diploma. Os arts. 99 e 118 (revogados pelo Código Civil de 2002) fazem menção a barco e os arts. 457 a 468, 489, 497, 606, entre outros, referem-se a embarcação. Cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 172.
  4. Neste sentido, cfr. GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo, p. 45.
  5. A destinação econômica, o tipo de construção, o porte e os respectivos acessórios náuticos são elementos indispensáveis ao conceito e diferenciação de navio. Cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 175.
  6. Cfr. GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. cit., p. 47.
  7. Art. 82 São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômica.
  8. Importante ressaltar que o navio sujeita-se ao regime dos bens móveis apenas nos casos expressos em lei.
  9. A hipoteca é um instituto privativo dos bens imóveis, entretanto, sendo o navio passível de hipoteca naval, contraria, assim, o regime dos bens móveis.A hipoteca é indivisível e onera o navio em todas as suas partes, englobando os acessórios e quaisquer melhoramentos, mesmo que originados após a efetivação da hipoteca. Cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 178.
  10. Código Comercial brasileiro: Art. 478Ainda que as embarcações sejam reputadas bens móveis, contudo, nas vendas judiciais, se guardarão as regras que as leis prescrevem para as arrematações dos bens de raiz;
  11. Mister ressaltar que da prova de propriedade, somente se faz mediante documento escrito, devidamente transcrito no registro marítimo, ou, no caso do Brasil, a inscrição na Capitania dos Portos e no Tribunal Marítimo. Cfr. art. 3º da Lei 7.652/88, que regula o registro da propriedade marítima, alterada pela Lei 9.774/98.
  12. Neste sentido, cfr. GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo, p. 48; MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Marítimo, p. 351. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 177.
  13. Cfr. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Marítimo, p. 350.
  14. Neste sentido, cfr. ALEGRE, Rafael Matilla. El naviero y sus Auxiliares. El buque, p. 127. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 210.
  15. Além da nacionalidade, o registro possui como escopo estabelecer a validade, segurança e publicidade da propriedade do navio, de acordo com o disposto no art. 2º da Lei 7.652/88 (alterada pela Lei 9.774/98).
  16. Pessoa jurídica constituída de acordo com os cânones legais brasileiros, com sede no País.
  17. Tais navios, denominados apátridas, não possuem proteção alguma no Direito Internacional.
  18. Importante distinguí-los dos navios corsários, que são aqueles que, em tempo de guerra, estão autorizados pelo Estado para, armados, atacarem o inimigo e apreenderem suas embarcações.
  19. Cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo.cit., p. 213-214.
  20. "Genuine link"
  21. Neste sentido, cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo., p. 214; GOMES, Manuel Januário da Costa. O Ensino do Direito Marítimo, p. 161.
  22. Cfr. COLES, Richard M. F. Ship Registration, p. 7.
  23. Adotado nos EUA.
  24. Os ganhos da tripulação estão isentos da tributação portuguesa. Da mesma maneira, nem a tripulação como os empregados do navio estão sujeitos à contribuição da segurança social portuguesa. Cfr. COLES, Richard M. F. Ship Registration. cit., p. 29.
  25. Neste sentido, cfr. COLES, Richard M. F. Ship Registration. cit., p. 29.
  26. Os benefícios procurados pelos armadores que escolhem bandeiras de conveniência são, em geral: "vantagens fiscais: visa-se evitar a aplicação de um regime fiscal mais gravoso no país do armador; menor custo da tripulação, procurando mão de obra mais barata, por um lado, e o menor número de pessoal a bordo, por outro; menor controlo de fiscalização pelas entidades públicas; anonimato do capital: o capital da sociedade proprietária do navio, único bem da mesma, está normalmente representado pelo "bearer shares"; sendo virtualmente impossível identificar o "beneficial ownership" do navio". GOMES, Manuel Januário da Costa. O Ensino do Direito Marítimo, p. 165
  27. Em boa parte dos casos, a tripulação está submetida a condições de trabalho inferiores ao standard mínimo fixado pela Organização Marítima Internacional. Quanto à evasão de divisas, pode-se citar como exemplo o Brasil, onde apenas 3% do total arrecadado com frete é produzido por navios que arvoram pavilhões brasileiros. Estima-se evasão de divisas no valor de US$ 6 bilhões, no ano de 2002, produzidas pela adoção de Bandeiras de Conveniência. Cfr. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 233-234.
  28. No caso do Brasil, com fulcro no art. 4º da Lei 7.652/88, alterada pela Lei 9.774/98, como se observa a seguir: Art. 4º - A aquisição de uma embarcação pode ser feita através de sua construção ou de outro meio regular em direito permitido, mas a transmissão de sua propriedade só se consolida pelo registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos ou Órgão subordinado.
  29. O principal ato da aquisição originária é a construção, que pode se dar por economia (quando o construtor é o dono do navio) ou por empreitada (quando o estaleiro construtor se obriga a entregar o navio, mediante o pagamento do preço convencionado).
  30. Neste sentido, SAMPAIO DE LACERDA, J. C. apud MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo, p. 329.
  31. O art. 1267 do Código Civil brasileiro dispõe que, "a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".
  32. Cfr. PINHEIRO, Luís de Lima apud NETO, Abílio. Código Civil Anotado, p. 343.
  33. Portugal seguiu o sistema francês, onde a compra e venda é contrato de transferência da propriedade, de efeito real instantâneo, onde o domínio se transfere ao adquirente pelo simples consentimento, sem a necessidade da tradição. A troca de consentimentos que figura no contrato por si só é suficiente para converter o comprador em proprietário. Assim, no Código Civil português é atribuído efeito real à compra e venda. Cfr. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 6-7.
  34. Cfr. GONZÁLES-LEBRERO, Rodolfo A. Manual de Derecho de La Navegación, p. 156.
  35. "Tais documentos, na prática, são freqüentemente denominados de letter of understanding, letter of intention, heads of agreement, memorandum of understanding, pledge of agreement, agreement in principle, gentlemen’s agreement, acordo preliminar, lettre d’intention, protocole d’accord, lettere d’intento, accordo di principio".
  36. Neste sentido, afirma-se na doutrina anglo-saxônica que ao redigirem um documento desta natureza, as partes devem considerar, cuidadosamente, se possui a intenção ou não de se ligarem juridicamente em virtude de tal documento. Se as partes resolverem deixar claro que a carta de intenção não é juridicamente vinculativa (devem fazer tal estipulação da forma mais clara possível), também devem estabelecer que o status do documento é, não obstante, regulado por um sistema legal que dará efeito às intenções pactuadas. Cfr. GOLDREIN, Iain; TURNER, Paul. Ship Sale and Purchase, p. 69.
  37. Cfr. VICENTE, Dário Moura. Direito Internacional Privado: Ensaios. vol. II, p. 125-126.
  38. O contrato preliminar ou pactum de contrahendo é aquele, de acordo com a teoria majoritariamente aceita, que como convenção provisória, tem por objeto materializar um contrato futuro e definitivo. Cfr. FIÚZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva: 2002.
  39. Numa perspectiva de comparação genérica, tendo em vista que as cartas de intenção podem ter conteúdo variado, podendo, assim, ser mais ou menos vinculantes.
  40. Cfr. BASSO, Maristela. Contratos Internacionais do Comércio., p. 269.
  41. Temos como contratos tipos: Norwegian Standard Form Shippbuilding Contract – muito usado nos países escandinavos e no resto da Europa; Shippbuilding Contract od West European Shipbuilders- muito usado pelos estaleiros da Europa ocidental, de menor difusão no continente europeu; Shipbuilding Contract of the board of the US Department of Commerce Maritime Administration – de grande difusão no continente americano e o Shippbuilding Contract of the Shipowners Association of Japan. Cfr. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Marítimo, p.384.
  42. Estima-se que entre 80 a 90 % das vendas internacionais de navios mercantes de segunda mão sejam efetuadas por meio deste contrato-tipo. Cfr. GARCÍA, José Luiz Gabaldón; SOROA, José Maria Ruiz. Manual de Derecho de la Navegación Marítima, p. 261.
  43. Pode-se afirmar que, apesar de serem documentos criados especificamente para esse tipo de transação, os termos impressos de ambas as versões podem não ser apropriados ou suficientes em todos os casos.
  44. Embora se encontrem algumas expressões em seu cabeçalho que possam suscitar algumas dúvidas (como a parte onde se dispõe que "o vendedor aceitou vender" e "o comprador aceitou comprar") entende-se na doutrina que o Saleform não configura um contrato promessa, mas representa um legítimo contrato de compra e venda. Cfr. GARCÍA, José Luiz Gabaldón; SOROA, José Maria Ruiz. Manual de Derecho de la Navegación Marítima. Cit, p. 261; MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Marítimo, p. 391
  45. Norwegian Shipbroker’s Association’s Memorandum of Agreement for Sale and Purchase of Ships.
  46. Por exemplo, que o navio deve ser entregue com sua classe em ordem e sem recomendações pendentes, que esteja livre de avarias recuperáveis de seus seguradores, que o navio seja posto em dique seco para a inspeção do seu casco, timão, da hélice, etc.
  47. Destarte, o contrato se complementa documentalmente com a emissão da declaração de venda, que é o documento emitido unilateralmente pelo vendedor, que abona e evidencia a entrega do navio ao comprador. Resguardadas as devidas proporções, pode-se dizer que através do referido documento se operaria a traditio. Cfr. MARTINEZ, Ignacio Arroyo. Curso de Derecho Marítimo, p. 391.
  48. Também denominada na doutrina espanhola como nota de entrega. Cfr. GARCÍA, José Luiz Gabaldón; SOROA, José Maria Ruiz. Manual de Derecho de la Navegación Marítima. cit., , p. 261.
  49. O desígnio de tais adições e modificações é equilibrar as posições do vendedor e comprador, uma vez que, em princípio, o Saleform (em especial a edição de 87), está estruturado para favorecer os interesses dos vendedores. Cfr. GONZÁLES-LEBRERO, Rodolfo A. Manual de Derecho de La Navegación, p. 157.
  50. Uma das mais importantes e conhecidas Sociedades de Classificação é a Bureau Veritas.
  51. Que em decorrência do seu estado, possam causar problemas durante a operação do navio.
  52. A inspeção em dique seco (dry dockying) estabelece a obrigação dos vendedores de colocarem o navio em dique seco no porto de entrega, para que o comprador o examine, mas, sobretudo, para a inspeção pela Sociedade de Classificação, de acordo com a Cláusula 6 do Saleform.
  53. Cfr. GONZÁLES-LEBRERO, Rodolfo A. Manual de Derecho de La Navegación, p. 156.
  54. Cfr. GOLDREIN, Iain; TURNER, Paul. Ship Sale and Purchase, p., 213.
  55. Cfr. GOLDREIN, Iain; TURNER, Paul. Ship Sale and Purchase, p., 226.
  56. Cfr. GOLDREIN, Iain; TURNER, Paul. Ship Sale and Purchase, p., 230.
  57. Duas dessas alternativas deverão ser deletadas. Se as partes se omitirem de fazer a sua escolha a lei inglesa será automaticamente aplicada e a arbitragem terá local em Londres.
  58. Cfr. CARBONE, Sergio M. Il Diritto Marittimo, p. 88.
  59. Convenção do México de 1994.
  60. A Convenção do México de 1994 permite, para além da designação de um direito estatal, a designação de um conjunto de princípios (como os do UNIDROIT) ou da lex mercatoria para governar um contrato, possibilidade não permitida pela Convenção de Roma de 1980. Cfr. ARROYO, Diego apud ARAÚJO, Nádia de. Contratos Internacionais: Autonomia da Vontade, Mercosul e Convenções Internacionais, p. 192.
  61. O texto da LICC de 1917, determinava, em seu art. 13 que, "Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar, onde forem contraídas". A expressão "salvo estipulação em contrário" poderia originar o entendimento de que às partes era facultada a escolha da lei para governar a sua relação contratual internacional.
  62. Existe uma certa confusão nas decisões dos tribunais entre autonomia da vontade em escolher a lei aplicável – instituto específico do direito privado – e a autonomia da vontade em estabelecer através de uma cláusula contratual, foro em país estrangeiro, não obstante a sua permissão pela legislação. Também inexiste uniformidade quanto aos efeitos da cláusula de eleição de foro face às regras de competência concorrente.ARAÚJO, Nádia de.Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira, p. 368.
  63. Neste sentido, cfr. ARAÚJO, Nádia de . "Contratos internacionais e a jurisprudência brasileira", p. 213; FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. "A Lei e o Foro de Eleição em tema de Contratos Internacionais", p. 89.
  64. Neste sentido, MESQUITA, José Inácio Botelho apud ARAÚJO, Nádia. Direito Internacional Privado. cit.,, p. 366.
  65. Mesmo se a referida Convenção não estivesse em vigor em Portugal, ainda assim persistiria uma aceitação do princípio da autonomia da vontade, uma vez que o n. 1 do art. 41º do Código Civil reza que "as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista."
  66. A referida Convenção expressamente permite às partes a escolha da lei que governará o seu contrato.
  67. Extremamente criticado é tal posicionamento, pois, como bem assevera Luís de Lima Pinheiro, "em especial, este entendimento é incompreensível perante aqueles Direitos, como o Português, por exemplo, que admite que os tribunais estaduais julguem segundo a equidade." PINHEIRO. Luís de Lima. "Venda Marítima Internacional: Alguns Aspectos Fundamentais da sua Regulação Jurídica", em Estudos de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Comercial Internacional, p. 103-104.
  68. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Internacional Privado: Volume II – Direito de Conflitos – Parte Especial, p. 189.
  69. Cfr. PINHEIRO, Luís de Lima. Arbitragem Transnacional. cit., p. 236-237.
  70. Com fulcro no art. 33º/2 da Lei de Arbitragem Voluntária
  71. Neste sentido, Cfr. PINHEIRO, Luís de Lima. Venda Marítima Internacional. cit., p. 107.
  72. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Internacional Privado. cit., p. 260.
  73. Cfr. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Internacional Privado. cit., p. 261.
  74. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Internacional Privado. cit., p. 267.
  75. Neste sentido, cfr. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Internacional Privado. cit., p. 267; PINHEIRO, Luís de Lima. Venda Marítima Internacional. cit., p. 110.
  76. LICC: Art. 8º  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
  77. Neste sentido, cfr. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada.p. 289.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. Venda de navios: uma perspectiva luso-brasileira e internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2719, 11 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17983. Acesso em: 25 abr. 2024.