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Expectativas trazidas pelo anteprojeto do novo Código De Processo Civil para o tratamento das tutelas de urgência

Expectativas trazidas pelo anteprojeto do novo Código De Processo Civil para o tratamento das tutelas de urgência

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RESUMO: Abordar as tutelas de urgência significa tratar de situações que se diferem do padrão. Visualiza-se que em determinadas circunstâncias deve o ordenamento prever tratamento cujo intuito é a proteção de direitos que estão prestes a serem violados e com isso causarem graves prejuízos à parte. Neste sentido, permite o atual Código de Processo Civil que os jurisdicionados se utilizem, dependendo do caso concreto, da antecipação de tutela ou das tutelas cautelares. Tais medidas possuem peculiaridades significativas, tanto que dispostas em Livros diversos no Código de Processo Civil de 1973. No entanto, surge a dúvida de qual será o tratamento dispensado para estas medidas de urgência quando o Novo Código de Processo Civil passar a vigorar. Diante disso, cabe realizar a análise do Anteprojeto, para que assim já vá ocorrendo uma espécie de adequação aos novos ares processuais, especialmente no que condiz com a tutela das situações emergências.

PALAVRAS-CHAVE: Tutelas de urgência – Código de Processo Civil de 1973 – Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil.


1. INTRODUÇÃO

A morosidade do sistema judiciário brasileiro atinge diretamente a todos que dele dependem. Com isso, o bom manejo das modalidades da tutela de urgência é indispensável para que o operador do direito possa proteger o direito ameaçado.

Muito se tem discutido e especulado sobre a revolução que a introdução de um novo Código de Processo Civil pode acarretar para o direito brasileiro. Dessa maneira, tendo em vista a relevância das medidas de urgência dentro do direito pátrio e as mudanças que o Anteprojeto do Código de Processo Civil parece pretender inserir na matéria, faz-se necessário um estudo dessas alterações, permitindo-se uma espécie de familiarização com os novos institutos.

O presente escrito abordará as expectativas da reforma processual no tocante às tutelas de urgências, apresentando primeiramente a necessidade das situações emergenciais requererem um tratamento especial pela legislação.

Verificar-se-á que as medidas de urgência foram com o tempo ganhando relevância e se expandindo, especialmente no atual Código de Processo Civil, trazendo a evolução legislativa da tutela cautelar e da antecipação de tutela.

Para melhor compreender o tratamento despendido pelo Anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro às tutelas de urgência, imprescindível a análise das atuais e aceitas características dessas medidas. Desta feita, poder-se-á utilizar de um método comparativo e progredir rumo a um conhecimento com mais solidez.

Alerta-se que este trabalho possui como pretensão demonstrar a preocupação com a temática, mas de forma alguma exauri-la ou fazer especulações a respeito de como serão recebidos os novos preceitos.


2. ACESSO À JUSTIÇA: SITUAÇÕES URGENTES REQUEREM MEDIDAS URGENTES

Não há receio em se afirmar que a justiça realizada de forma vagarosa é um mal social, já que além de não permitir o fluxo de capitais, acaba por favorecer a discriminação entre os que ganham com a espera e os que, ao revés, perdem com ela.

Pondera-se que determinadas demandas devem fugir dos métodos processuais convencionais, pois são carregadas de urgência. Diante disso, para que o Estado possa cumprir o papel que a Jurisdição – DEVER/PODER - impõe, necessário que se atenha as emergências postas.

SILVA (2000, p. 17) expõe que a atuação estatal pode variar diante dos casos que exigem prontidão, esboçando que:

"A emergência de uma situação não prevista e para cuja proteção sejam insuficientes os instrumentos criados pela lei põe o Estado diante da seguinte alternativa: a) despreza a exigência de uma proteção imediata, capaz de responder adequadamente à situação de urgência, preferindo seguir os procedimentos legalmente estabelecidos; b) ao contrário, dá prioridade ao interesse de proteger desde logo o provável direito exposto a um dano iminente, adotando alguma medida que lhe dê segurança, sem que o direito por tal modo tutelado seja reconhecido como realmente existente pelo julgador, resultado este somente alcançável em demanda satisfativa que venha a ser ajuizada simultaneamente ou em momento subsequente".

Diante dessa situação, tudo indica que o Poder Judiciário brasileiro posicionou-se pela segunda alternativa (letra b), tanto que acréscimos legislativos foram realizados visando a suprir a carência do trato com situações que requerem agilidade.

Observa-se, inclusive, que dos julgadores se passa a esperar uma atuação mais atenta, prezando por decisões com altas cargas de funcionalidade.

Contudo, podem surgir questionamentos os quais partindo da premissa de decisões funcionais, indagam a respeito de uma suficiente cognição para proferi-las.

Inquestionável que quanto mais completa a cognição maior é a aproximação com as acepções de segurança jurídica. MARINONI (2009, p. 35) avalia que a "tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório, ou seja, não permite as postecipação da busca da verdade e da certeza".

Ocorre, todavia, que a delonga exigida para a obtenção de uma robusta cognição pode, boa parte das vezes, ser prejudicial a quem está na iminência de sofrer um prejuízo ao seu direito.

É por isso que ganha prevalência a técnica da cognição sumária, permitindo que decisões sejam emitidas com base na probabilidade.

Ora, se aos jurisdicionados é garantida a efetividade da tutela de seus direitos (art. 5°, XXXV da Constituição da República), cabe então a disponibilização ao cidadão de medidas que possam produzir resultados positivos de imediato, sob pena de restar apenas uma prestação tardia e inócua.

No entanto, tal entendimento nem sempre vigorou em nosso ordenamento, foram fenômenos sociais juntamente com fatores normativos que contribuíram para que novas concepções passassem a se desenvolver em torno das tutelas de urgência. Desta feita, cabe a análise de como os Códigos de 1939 e de 1973 encararam situações que pressupunham cognição diversa da exauriente.


3. DA EXPANSÃO DAS MEDIDAS ACESSÓRIAS E PROVISÓRIAS

Em poucas, mas elucidativas linhas, SILVA (2000, p.21) expõe que o Código de Processo Civil brasileiro de 1939 trazia a previsão da tutela cautelar inominada, entretanto, consigna que em casos escassos foram os tribunais chamados a aplicar esta tutela jurisdicional.

Dispõe que foi com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 que houve a expansão da aplicação prática da tutela cautelar.

Pugna-se pela observância de que a evolução histórica trouxe outros direitos, que não somente aqueles tutelados pelo Estado Liberal, carecedores de maior cuidado pelo ordenamento. Atenta-se aqui para direitos não patrimoniais, como por exemplo, coibição à violação da honra e da intimidade.

Constatou-se que a mera oferta de sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias não era suficiente para proporcionar a distribuição da justiça a uma sociedade que carecia de medidas antecedentes à tutela final.

Aliados a isso, o Código de Processo Civil de 1973 trouxe um terreno fértil para a fortificação de medidas de urgência.

Inevitável, para tanto, mais uma vez citar SILVA (2000, p. 22):

"A contribuição oferecida pelo próprio Código de Processo Civil de 1973 para a expansão da tutela de urgência (cautelar ou não) tem duas causas principais: a primeira delas foi desejada pelo legislador e está representada pela importância e dignidade que o Código emprestou ao processo cautelar, destacando-o para formar um livro especial, com cerca de cem artigos, contra os apenas treze existentes no Código anterior. A segunda razão para o crescimento extraordinário da tutela de urgência, em nosso direito atual, deve-se igualmente a essa mesma opção do legislador, mas decorre de uma premissa ideológica sobre a qual ele não teve consciência muito nítida.

Sucede que, ao contrário, do que acontecia no Código anterior – que se mantivera fiel a uma tradição multissecular do direito luso-brasileiro -, o legislador de 73 introduziu em nosso direito o instituto conhecido como ‘processo de conhecimento’, com sua vocação genérica para o procedimento ordinário, como o objetivo principal de retirar dele todas as formas e manifestações de atividade jurisdicional executivas, que passaram a integrar, em livro especial, o processo de execução, no qual o código unificou todos os meios admitidos pelo legislador como executórios".

Desta feita, dentro do processo de conhecimento preza-se por atividades capazes de informar, de dar suporte às decisões, e em razão da secção existente, impede-se a adoção de atos executórios, o que faz com que o processo cautelar acabe sendo um terceiro gênero a ser instaurado quando a parte precisa se precaver de prejuízos que a delonga processual acarreta.

Apresenta-se o processo cautelar com sendo uma via alternativa, uma vez que, inserido neste contexto, o processo de conhecimento não contém atividades executivas.

Ocorre que a significativa expansão da adoção do processo cautelar em demandas que exigiam urgência fez surgir um elevado número de "cautelares satisfativas".

Isso porque não raras eram as situações que exigiam a antecipação dos efeitos do que fora pleiteado, e na ausência de meio hábil, utilizavam-se as cautelares inominadas.

Exemplo disso assistiu-se na década de 90 quando os bloqueios dos depósitos bancários foram realizados em decorrência da instauração do Plano Collor. Ingressavam-se com cautelares que objetivavam o desbloqueio e conseqüente devolução do dinheiro apreendido subitamente em contas, ou seja, almejavam-se medidas satisfativas.

Tal episódio demonstrou uma grande deficiência no ordenamento, até porque se configurava uma impropriedade, vez que satisfatividade é incompatível com cautelaridade.

Diante desta situação lacunosa adveio a Lei n° 8.592/ 1994 inserindo a tutela antecipada.

SANTOS (2009, p. 135) apresenta que esta lei veio para regularizar as impropriedades correntes, assim como veio para justificar a preterição dos princípios do contraditório e da ampla defesa:

"Introduzida pela Lei n° 8.592, de 13 de dezembro de 1994, a tutela antecipada surge como uma resposta do legislador à necessidade de dar celeridade ao processo, cumprindo com o seu ideal de efetividade, além de normatizar as antecipações dos efeitos das tutelas conferidas, até antão, por meio de ações cautelares inominadas.

O abuso dessas medidas excepcionais desencadeou a preocupação em regularizar as tutelas antecipatórias, cuja concretização precisa justificar a preterição dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa".

Ressalta que a alteração no ordenamento do que dispunha os artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil foi imprescindível, já que o que se vivenciava era a negativa de boa parte da doutrina e também dos tribunais em admitirem a prestação da tutela satisfativa fundada em cognição sumária, com base na técnica cautelar. (MARINONI e ARENHART, p. 60).

Desta maneira, tem-se um diploma processual civil que traz a tutela cautelar cujo escopo é garantir a efetividade de uma tutela satisfativa, e traz também a previsão de uma tutela antecipatória cuja finalidade é precipitar a concessão da tutela final graças a uma cognição sumária. Está-se diante das tutelas de urgência.


4. TUTELAS DE URGÊNCIA: SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES

A tutela de urgência tem como fator primordial a busca da minimização dos efeitos que o curso natural do processo pode acarretar para o direito material pretendido. Desse caráter emergencial decorrem algumas características básicas semelhantes entre os institutos.

(a) Cognição Sumária – Derivada diretamente da necessidade de agilidade no julgamento, a tutela de urgência não permite ao magistrado a utilização de uma fase instrutória demasiadamente longa. O procedimento cautelar deve ser rápido e ágil com a finalidade de garantir proteção ao direito ameaçado Dessa forma o juiz deve julgar as demandas com base em cognição sumária.

(b) Provisoriedade – Tanto as sentenças cautelares, quanto a decisão que concede a tutela antecipada, não estão sujeitas a coisa julgada material. Assim permitindo ao magistrado desconstituir o ato primeiramente formado, desde que com a devida fundamentação dos motivos que o levaram a alterar a decisão.

(c) Revogabilidade – As decisões fundadas em cognição sumária não poderiam, por lógica, acarretar em provimentos definitivos, dessa forma, como ensina WAMBIER, (2006, p. 313) a tutela de urgência é revogável a qualquer momento, desde que o juiz entenda que a situação que o fez deferir a medida cesse, ou não mais possa resultar em um efeito grave ou de difícil reparação ao requerente. Assim alterados os fatos ou o quadro instrutório em que se tenha embasado a decisão anteriormente proferida, outra deverá ser prolatada em seu lugar.

(d) Reversibilidade - A revogabilidade é uma característica diretamente ligada ao fato da tutela de urgência ser provisória e baseada em cognição sumária. Como o juiz, ao julgar, não se baseia em cognição plena, a tutela de urgência pode ser revogada a qualquer tempo. Assim sendo, em caso de revogação da medida deve ser possível o retorno ao status a quo, ou ao menos, pode o juiz para garantir essa reversibilidade, exigir do requerente da medida de urgência, caução a fim de indenizar um possível prejuízo.

MARINONI e ARENHART, (2008 p. 31) ao estudarem a tutela cautelar sintetizam a relação entre cognição sumária, provisoriedade, revogabilidade e reversibilidade da decisão fundada na tutela de urgência.

Assim, quando se está diante de decisão que concede tutela cautelar, quebra-se o princípio de que não é possível decidir a mesma questão duas vezes. Tratando-se de decisão fundada em cognição sumária, a viabilidade de se voltar a decidir é conseqüência da circunstância de que a convicção judicial pode naturalmente se alterar no curso do processo. A primeira decisão por ter sido tomada com base em cognição que se aprofundou é logicamente sujeita a revisão, pouco importando se os fatos não se alteraram, mas apenas novas provas foram produzidas.

Percebe-se que essa relação não se apresenta apenas na tutela cautelar, mas sim na tutela de urgência como um todo, pois as decisões em sede de antecipação de tutela também são baseadas em cognição sumária, provisórias, revogáveis e reversíveis.

Em virtude dessa semelhança entre tutela cautelar e antecipação de tutela, boa parte da doutrina defende a idéia da teoria unitária da tutela de urgência. Tal junção é defendida por boa parte da doutrina já há algum tempo, nesse sentido DINAMARCO (2002, p. 46) recomenda um tratamento semelhante para as medidas cautelares e antecipatórias, afastando dessa forma o rigor formal que impede a realização de direitos urgentes. Também nesse sentido, BEDAQUE (2004, p. 303) ensina que se deve dar às duas espécies um tratamento processual unitário, mesmo que o legislador não tenha tratado da antecipação de tutela no capítulo do poder geral de cautela.

Todavia, não se ignora que em que pese existirem semelhanças, também existem diferenças entre as medidas, motivo pelo qual há vozes que rejeitam uma teoria unitária.BARBOSA MOREIRA (1996, p. 201) chega a questionar a validade e importância de se buscar uma distinção entre as tutelas de urgência:

"Não sei se vale a pena, aliás, insistir nessa preocupação de traçar uma linha divisória, absolutamente rígida, que separe esses institutos como se tratasse de compartimentos estanques, de fronteiras sem poro. A própria ciência processual reconhece hoje que muito do que se tentou fazer em matéria de distinção rigorosa, de quase separação absoluta entre institutos, na verdade, constituía uma preocupação metodologicamente discutível e, em certos casos francamente equivocada, porque há sempre uma passagem gradual de uma realidade a outra, e quase sempre se depara uma espécie de zona de fronteira, uma faixa cinzenta, que nem o mais aparelhado cartógrafo saberia dizer com precisão em qual dos dois terrenos estamos pisando."

Enquanto há quem questione a utilidade de uma divisão, há quem não abra mão dela. Como exposto, essa junção das tutelas de urgência não encontra unanimidade na doutrina, isso porque éinegável subsistir diferença clara entre os institutos; a tutela cautelar é voltada para a proteção da efetividade de um processo principal, enquanto a tutela antecipada visa à satisfação imediata do direito. Isso acarreta diferenças também nos requisitos autorizadores para concessão das medidas. Na tutela cautelar é necessário apenas a existência da plausibilidade do direito invocado e do periculum in mora, na antecipação de tutela, por se tratar de medida de cunho satisfativo, os requisitos são mais densos, sendo necessária a existência de prova inequívoca e que as alegações formadas pela parte requerente sejam verossímeis. Deve-se ainda estar demonstrado claramente à existência de dano irreparável ou de difícil reparação, ou do manifesto interesse protelatório do réu.

Nesse sentido defende MARINONI e ARENHART (2008, p.61):

"A tutela antecipatória não é instrumento de outra tutela, ou faz referência a outra tutela. A tutela antecipatória satisfaz o autor, dando-lhe o que almejou ao propor a ação. O autor não quer outra tutela, além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que se sucede quando pede tutela cautelar, sempre predestinada a dar efetividade a uma tutela jurisdicional do direito. A tutela antecipatória também não aponta para uma situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente faz referência a uma situação tutelável ou a uma outra tutela do direito material".

NERY (2007, p. 523 e 524), por sua vez, apesar de reconhecer que antecipação da medida não é tutela cautelar, acredita na possibilidade de se conceder às tutelas de urgência o mesmo tratamento jurídico:

"A tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou os seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC 273,I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar a sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor). A ultra-eficácia da medida para depois de encerrado o processo é circunstância que torna evidente sua natureza não cautelar (Carpi-Colesanti-Taruffo-Passante, Comm.breve, coment.V, CPCital.186bis, p. 590). Entendendo que se trata de espécie de tutela de urgência e que possui a mesma finalidade e características praticamente iguais às cautelares, sugerindo devam receber o mesmo tratamento jurídico (cautelares e antecipatórias), embora reconheça que predomina o entendimento de que não se trata de cautelar: Marcato-Bedaque, CPCI, coment. 3 CPC 273,pp. 830/831".

Diante das diferentes acepções postas, resta indagar se o Novo Código de Processo Civil virá para adequar a concepção das tutelas de urgência a uma visão unitária ou a uma visão que efetivamente as separe e as discrimine, ou ainda, se virá para inovar, acrescentando no campo das medidas que exigem imediatismo novos institutos.

Passa-se, então, a análise do Anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro.


5. O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS TUTELAS DE URGÊNCIA

Assim como o Código de Processo Civil vigente, o anteprojeto instituído pelo Ato do Presidente do Senado Federal n° 379 de 2009 também traz a previsão de 5 (cinco) Livros para ordenar as disposições processuais.

Atribui-se aos potenciais Livros os seguintes títulos: Livro I - Parte Geral; Livro II – Do Processo de Conhecimento; Livro III – Do Processo de Execução – Livro IV – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais; por fim, Livro V - Das Disposições Finais e Transitórias.

Vislumbra-se que mesmo mantendo-se a quantidade de Livros do vigente Código, sua estrutura tornou-se consideravelmente diversa.

Pontuando e adequando ao que condiz a este estudo, observa-se não mais haver a previsão no Anteprojeto de um Livro como o atual Livro III – Do Processo Cautelar. O que se denota é a inserção das tutelas de urgência na Parte Geral, não havendo, portanto, mais a previsão da tutela antecipada dentro do Livro I referente ao Processo de Conhecimento, como também não mais existindo um Livro próprio para tratar do Processo Cautelar.

Ao que parece, o provável novo Código de Processo Civil trará grande mudança no tocante as tutelas de urgência, vez que há a indicação de ter adotado a já abordada teoria unitária.

Ora, no Código de 1973 está em evidência a separação das tutelas que antecipam, das tutelas que acautelam, tanto que apresentadas em livros diversos. Todavia, outras vicissitudes estão prestes a serem introduzidas, umas mais inovadoras, outras, nem tanto.

Quanto ao momento do requerimento das tutelas de urgência, enxergam-se semelhanças ao atual regimento, pois, preconiza o artigo 277 do Anteprojeto o pleito de concessão anterior ou no curso do procedimento, fazendo, então, uma espécie de alusão às cautelares preparatórias e às cautelares incidentais.

Também se assemelha ao momento do pedido de concessão da antecipação de tutela, já que esta pode ser requerida liminarmente na petição inicial – ou seja, antes de um efetivo "start" procedimental -, como no decorrer do feito, caso um fundado receio de dano irreparável venha a despontar; ou até mesmo, a evidência do abuso de direito de defesa ou um atuar protelatório passe a ser característico ao comportamento do réu.

Outro ponto é o acréscimo que se encontra no artigo 278 do Anteprojeto, dispondo que: "O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação".

Tem-se, especialmente a partir de 1994, que ao julgador é dado tornar-se uma espécie de garantidor do direito da parte. Tais concepções tornam-se manifestas por meio da leitura, por exemplo, do vigente artigo 461 do CPC.

Com a eventual aprovação e inserção da redação do artigo 278, estar-se-á coadunando-se com uma maior relevância às tutelas preventivas.

Sem o intuito de tratar da distinção entre ilícito e dano, a tutela preventiva tem como finalidade obstar que se concretize um ato contrário ao direito de alguém. Sendo assim, perfeitamente possível falar-se em prevenção em sede de tutelas de urgência, pois se a estas é intrínseca a idéia de imediatismo, nada mais plausível que admitir ao condutor da lide meios suficientes para evitar possíveis lesões a uma das partes.

Caso o Anteprojeto assim seja aprovado, possível será ainda analisar a idoneidade da medida de urgência. Explica-se. MARINONI e MITIDIEIRO (2008. p. 755) ao comentarem o que expõe o vigente artigo 805 do CPC elucidam:

"O art. 805, CPC, funda-se nas regras do meio idôneo e da menor restrição possível. A providência cautelar somente pode ser substituída quando existir outra igualmente idônea, porém menos gravosa. A regra da menor restrição incide, no raciocínio judicial, apenas depois de adotada a regra do meio idôneo. (...)".

Informa-se que o vigente artigo 805 do CPC irá manter sua redação, com a ressalva feita ao sujeito do artigo, que atualmente é "A medida cautelar" e passará a ser "A medida de urgência".

Desta maneira, continuará sendo permitida a substituição da medida, de ofício ou a requerimento, quando outro meio menos gravoso for apto a evitar a lesão ou repará-la na sua integralidade, desde que, prestada caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido.

O Anteprojeto do CPC traz como requisitos autorizadores para concessão da tutela de urgência a plausibilidade do direito invocado, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Esses requisitos condizem com os necessários para a concessão da tutela cautelar do atual CPC.

Sendo assim, o novo CPC, se aprovado como consta no Anteprojeto, facilitará a concessão das medidas de urgência de caráter satisfativo. Isso porque ao contrário do atual diploma processual, a mera existência do fumus boni iuris e do periculum in mora autorizará o juiz a deferir essas medidas que hoje necessitam de requisitos mais densos como a verossimilhança, a prova inequívoca e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

O Anteprojeto inova ao trazer a previsão da tutela da evidência, que dispensará a parte de comprovar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso se esteja diante de uma das situações previstas no artigo 285 do Anteprojeto. São elas: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante, também será dispensável a prova do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando a demanda versar sobre entrega do objeto custodiado, e a requerente fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

Resta manifesto aoanalisar os preceitos do artigo 285 do Anteprojeto, que para a concessão do pedido da tutela da evidência o direito invocado deve ser perceptível com facilidade pelo magistrado.

Neste sentido, DIDIER JR. (2010, p. 408) distingue tutela de urgência da tutela da evidência, informando que:

"A evidência é uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado".

Pondera-se, então, que foi partindo dessa premissa que a Comissão do Anteprojeto previu a tutela da evidência e dispensou para a sua concessão a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Por fim, sem inovar a atual orientação, há a previsão que concedida a tutela de urgência ou da evidência, o recurso para combatê-la será o agravo de instrumento, conforme preconiza o parágrafo único do art. 279 do Anteprojeto do novo CPC.


6. CONCLUSÃO

Almejou-se conceder ênfase àquelas situações que exigem prontidão, ponderando que nem sempre uma cognição exauriente deve ser adotada, mesmo que isso implique em certa fragilidade da segurança jurídica.

Tais medidas são concebidas como de urgência, sendo que foi o ordenamento processual civil brasileiro de 1973 que contribuiu para a sua expansão. Entretanto, impropriedades existiam, pois tutelas satisfativas eram requeridas por meio de cautelares.

Diante dessa lacuna, o legislador trouxe com a Lei n° 8.592/1994 a previsão da antecipação da tutela, encontrando uma maneira de precipitar a concessão da tutela final.

Não se olvida que tanto a medida cautelar como a tutela antecipada possuem semelhanças – cognição sumária, provisoriedade, revogabilidade, reversibilidade - que podem dar fundamento àqueles que defendem tratamento unitário a ambas.

Diante disso, erguem-se vozes para repelir uma teoria unitária, aduzindo serem os requisitos reclamados pelas cautelares mais amenos que os requisitos exigidos pela antecipação da tutela.

A dúvida que paira, entretanto, diz respeito a como o novo Código de Processo Civil irá regular estas medidas de urgência. Foi esta indagação que motivou a realização do presente estudo.

Sendo assim, partiu-se das disposições presentes no Anteprojeto do Código de Processo Civil que foi instituído por Ato do Presidente do Senado.

Analisando - sem ensejar exaurir o tema - o Anteprojeto e seus preceitos incidentes sobre as tutelas de urgência, pontuaram algumas regras já conhecidas pelo atual sistema, assim como se fez reflexões sobre outras que se apresentam, de certa forma, inéditas.

Atentou-se a um possível tratamento unitário das medidas, passando-se a exigir delas a evidência da plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Chamou-se atenção à permissão concedida pelo potencial Código de Processo Civil, admitindo que em casos excepcionais ou expressamente autorizados em lei, seja dado ao juiz, de ofício, conceder medidas de urgência.

Tratou-se ainda da tutela da evidência, que são concedidas quando diante de direitos em que há certa facilidade na sua percepção ou na produção da sua prova, dispensando-se a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Diante do aludido, não há como prever o êxito das prováveis alterações, sabe-se, todavia, que modificações não devem ser encaradas como o fim do vigente código. No que tange as tutelas de urgência, indubitavelmente, esperam-se mudanças que não ignorem as premissas emergenciais. É preciso sempre buscar o aprendizado e o aprimoramento. Ideal, então, é concluir o presente com as linhas de BARBOSA MOREIRA (2001, p.13):

"É necessário denunciar a funesta tendência a enxergar na entrada em vigor de uma norma o ponto final de sua história. Ao contrário, nesse momento é que ela começa verdadeiramente a viver; e é a partir daí que ela passa a merecer a nossa particular atenção. Já pouco interessam, agora, as intenções, por mais altas que fossem, do legislador, e as expectativas que acalentava. Interessa, sim, o que estará acontecendo no dia a dia forense; e é forçoso que mantenhamos o espírito aberto dos ensinamentos que a experiência nos possa dar. Se eles vierem a coroar nossas esperanças, tanto melhor; no caso contrário, renunciemos às ilusões e tenhamos a coragem de rever o que foi feito, e até desfazê-lo se preciso for".


7. BIBLIOGRAFIA

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SANSANA, Maureen Cristina; NOGARA, Bruno Botto Portugal. Expectativas trazidas pelo anteprojeto do novo Código De Processo Civil para o tratamento das tutelas de urgência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18476. Acesso em: 18 abr. 2024.