Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/18548
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A Constituição Federal, a impossibilidade da acumulação de proventos de aposentadoria com salários na administração pública indireta e a visão equivocada do Tribunal Superior do Trabalho

A Constituição Federal, a impossibilidade da acumulação de proventos de aposentadoria com salários na administração pública indireta e a visão equivocada do Tribunal Superior do Trabalho

Publicado em . Elaborado em .

Em recente decisão (01.02.2011), no Recurso de Revista 815300-06.2003.5.12.0001, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu ser possível o recebimentos de proventos de aposentadorias e salários em âmbito da administração pública indireta, bem como possibilidade do empregado público se manter ocupando o mesmo emprego público, sem prestar novo concurso, mesmo após a aposentadoria.

Desde logo essa decisão do TST é equivocada, isso diante uma interpretação sistemática de nossa de nossa Carta Mater.

Vale conhecer o teor da norma contida em nossa Constituição Federal e que embasou o entendimento do TST:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 10: É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração".

O TST acolheu a tese de defesa que sustentou que "não existe proibição legal para o recebimento, ao mesmo tempo, de proventos de aposentadoria paga pelo INSS com salários, uma vez que são trabalhadores de empresa que integra a Administração Pública Indireta, com personalidade jurídica de direito privado, regidos pela CLT".

Envolvendo a continuidade da relação jurídica laboral em relações trabalhistas privadas do empregado particular (observem), o STF, na ADI 1721-3/DF, decidiu:

"Assente-se, primeiramente, que a relação mantida pelo empregado com a instituição previdenciária não se confunde com a que o vincula com o empregador, razão pela qual o benefício previdenciário da aposentadoria, em princípio, não deve produzir efeito sobre o contrato de trabalho".

Assim sendo, a aposentadoria pelo RGPS não produz efeito no mesmo contrato de trabalho tido por contínuo.

Derivada dessa ADIN, o TST publicou a Orientação Jurisprudencial nº 361 da SDI-1:

"A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação".

Não se pode olvidar que as decisões do TST envolvem relações privadas patrimonialistas, bem como a exegese da maioria das decisões daquela Corte pendem, sobremaneira, para o trabalhador, para a manutenção da existência da relação laboral, como não poderia deixar de ser.

No Recurso de Revista 815300-06.2003.5.12.0001, todavia, essa posição do TST, envolvendo a administração pública indireta, deveria ser mitigada, observado os ditames constitucionais voltados para a administração pública, que são equidistantes das relações laborais estritamente privadas, ou seja, aquela Corte não poderia seu entendimento para as relações envolvendo entes da administração pública indireta, por proibição constitucional.  

O art. 37, inciso XVII, de nossa Constituição Federal, dispõe:

"XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público".

Desse inciso é possível perceber que, quanto aos empregados públicos, não é possível acumular dois empregos, consequentemente, dois salários (por óbvio), como também duas aposentadorias, corroborando com o disposto no art. 40, 6º, da CF/88.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre caso semelhante:

"A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. CF, art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual a que está inscrita no art. 37, XVI, CF/1988, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. Precedentes do STF: RE 81.729-SP, ERE 68.480, MS 19.902, RE 77.237-SP, RE 76.241-RJ." (RE 163.204, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 9-11-2004, Plenário, DJ de 31-3-1995.)

No caso decidido pelo TST, temos a possibilidade do acúmulo de proventos de aposentadoria com os atuais salários de empregados de empresa da administração indireta, o que "somente" seria possível (conforme trecho acima colacionado) se ambas as situações laborais originárias tivessem advindo de relações laborais possivelmente acumuláveis na ativa (médico, professor, etc.), o que não é o caso.

Dentro dessa premissa de que "a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade", a discussão cinge-se no mérito da segunda tese acolhida pelo TST, de onde surgem as seguintes indagações:

1ª) Seria legalmente possível a permanência do servidor, após aposentado, no mesmo emprego público e, consequentemente, haveria a continuidade dessa mesma relação jurídica ?.

2ª) Haveria uma única relação jurídica, em continuidade, ou a aposentadoria deu um fim à relação anterior ?

Como toda relação empregatícia envolvendo empregado versus empregador tem como objetivo a disponibilidade de força de trabalho em troca de uma retribuição pecuniária (salário), e não sendo possível, em âmbito da administração pública (direta ou indireta), o recebimento de proventos conjuntamente com salários, conforme nossa Constituição, não é possível a permanência de servidor nos quadros da empresa pública ou sociedade de economia mista após a sua aposentadoria, isso caso o empregado não venha a se submeter a um novo concurso público, tendo em vista a resilição do contrato de trabalho anteriormente existente.

Certamente a análise dessa decisão exarada pelo TST no Recurso de Revista 815300-06.2003.5.12.0001, por seus fundamentos, deve ser levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que deve ser revista após uma interpretação sistemática de nosso Texto Constitucional.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edilson Francisco da. A Constituição Federal, a impossibilidade da acumulação de proventos de aposentadoria com salários na administração pública indireta e a visão equivocada do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2791, 21 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18548. Acesso em: 26 abr. 2024.