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Reprodução e sexualidade: uma questão de justiça

Reprodução e sexualidade: uma questão de justiça

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Sumário: 1.Introdução; 2.Metodologia; 3.Genealogia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos; 4.Direitos Sexuais e Reprodutivos como direitos humanos; 5. Direitos Sexuais e Reprodutivos e o Ordenamentos Jurídico brasileiros; 6.Direitos Sexuais e Reprodutivos e o Poder Judiciário, 6.1. Mortalidade Materna, 6.2.Esterilização, 6.3.Aborto, 6.4.União entre Pessoas do mesmo sexo; 7.Considerações Finais; 8.Bibliografia; 9.Anexos, 9.1. Legislação, 9.1. Jurisprudência.


1.Introdução

Desenvolver um estudo que tem como objetivo diagnosticar a prática jurídica nos casos de regulação da reprodução e sexualidade humana significa partir do pressuposto de que há uma prática para estas questões, restando, entretanto, identificá-la.

A realização de uma pesquisa, como a que aqui se propõe, conclui um período de iniciativas referentes ao tema assumidos pela THEMIS(1) junto à Fundação Ford. Mas, para além disto, responde a uma necessidade crescente de que se descortine a forma como o Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, vem tratando as questões da reprodução e da sexualidade. Isso porque as normas, tanto sociais, quanto jurídicas determinam, com maior ou menor liberdade, o exercício da sexualidade e da reprodução humana. A mudança dessas leis contribui numa alteração da "categoria de classificação"(2) do fenômeno da reprodução e sexualidade nas relações sociais, alterando a relação sujeito X estado, sujeito X indivíduo. Uma vez que incorpora novas obrigações de fazer e não fazer por parte do estado e dos sujeitos.

A pesquisa sobre direitos reprodutivos e direitos sexuais está inserida no projeto institucional da THEMIS, apoiado pela Fundação Ford, referente ao período 1997/2000. Esta pesquisa é, portanto, um sub-produto do projeto mencionado, especialmente no que refere-se ao aprofundamento da discussão sobre direitos, reprodução e sexualidade. Desde 1997, início da execução do projeto, já foram realizadas algumas atividades, como o curso de extensão Direitos Humanos, Ética e Direitos Reprodutivos, seguido de sua publicação (1998), os módulos de direitos reprodutivos nos cursos de PLPs (1997 a 1999) e a mesa redonda sobre os aspectos jurídicos destes direitos, organizada no Rio de Janeiro, em junho de 1999.

A THEMIS, sendo uma organização não governamental de promoção e defesa de direitos das mulheres, tem entre seus objetivos a ampliação do campo de conhecimentos sobre as questões de gênero, em especial, no que se refere à forma como as políticas de administração de justiça, os julgados nos tribunais, a lei e a doutrina jurídica impactam sobre a vida das mulheres. É neste sentido que a realização de uma investigação como esta reveste-se de muita importância para a THEMIS, eis que pode contribuir para a qualificação de suas atividades e para o aprofundamento dos estudos feministas sobre o tema.

Surge, desta forma a necessidade de aprofundar como o mundo do direito deve e pode instrumentalizar as ações pertinentes aos direitos sexuais e reprodutivos; seja a partir da utilização, ou não, da legislação internacional de direitos humanos, que são marcos legais; das plataformas de ação(3), que constituem-se como fonte de interpretação das normas e fatos (além de imputarem responsabilidades aos Estados membros) e, principalmente, a Constituição Brasileira de 1988.

Assim, para a realização deste trabalho buscou-se visualizar as normas pertinentes aos direitos sexuais e reprodutivos, sua dimensão no ordenamento jurídico e as decisões dos tribunais referentes ao tema (ver metodologia). O presente relatório está dividido em três partes principais. A primeira explica a metodologia utilizada. No segundo momento abordamos o processo de constituição da problemática e conceito dos direitos sexuais e reprodutivos. A terceira parte é a apresentação dos resultados: contextualização do fenômeno, legislação, jurisprudência e análise. Por fim as conclusões, bibliografia utilizada e anexos.


2.Metodologia

Para identificar a forma como as questões da reprodução e sexualidade estão sendo contempladas na legislação nacional e vêm sendo tratadas pelos tribunais brasileiros o trabalho foi desenvolvido em três etapas: a primeira foi a análise de doutrina e legislação constitucional e infraconstitucional; a segunda foi a análise de jurisprudência selecionada junto aos repositórios de jurisprudência oficialmente reconhecidos, publicados no período posterior ao advento da Constituição Federal de 1988 até final da década de 90; e a terceira foi a realização do relatório.

Como fonte para obtenção das decisões utilizou-se o sistema de informática dos Tribunais, banco de dados sobre jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal acessíveis pela Internet, sistemas operacionais do Ministério Público, Tribunal de Justiça e Revista do Tribunal de Justiça do RGS. Atualmente, na internet(4), há a possibilidade de acionar diretamente os sites do STF e STJ, nos quais é possível ter acesso à decisões, doutrinas, súmulas, corpo de ministros etc. Os Tribunais de Justiça, Ministério Público e Procuradoria, em regra, possuem sistemas próprios de organização de dados.

Apesar de existirem publicações especializadas em jurisprudência, tais publicações referem-se apenas às decisões proferidas pelos tribunais, deixando de lado todos os julgados em primeira instância. Além disso, nem todos os acórdãos(5) são publicados, eis que passam por uma seleção; esta é feita, em geral, pelos próprios juizes relatores, que entendem que o conteúdo do acórdão possui relevância merecedora de divulgação. Face este procedimento não há como afirmar que os acórdãos refletem com exatidão a quantidade de julgados e o pensamento do Poder Judiciário. Porém, destaca-se que os julgados publicados são utilizados como referência para futuras decisões e refletem, ainda, a menor ou maior importância atribuída aos problemas ligados aos direitos sexuais e reprodutivos no âmbito do Poder Judiciário. Com a Internet o acesso aos acórdão foi facilitado, face o maior número de publicações.

Dentre os vários temas que envolvem o universo dos direitos sexuais e reprodutivos, quatro pontos merecem análise nesta investigação, pelo impacto que vêm causando na vida das mulheres e homens brasileiros: aborto, esterilização de mulheres; morte materna e união entre pessoas do mesmo sexo. Acrescenta-se, ainda, que a abrangência do tema dos direitos sexuais e reprodutivos, dificulta a pesquisa em decorrência da forma de classificação utilizada pelo índice dos bancos de jurisprudência e das ferramentas dos sites na Internet, por isso, para realizar o estudo elegemos termos básicos que viabilizariam o acesso aos acórdãos.

Termos utilizados:

1.Aborto;

2.Esterilização,

3.Morte Materna;

4.Mortalidade Materna;

5.Planejamento Familiar;

6.Contracepção;

7.Erro Médico;

8.Curetagem;

9.Concepção;

10.Contracepção;

11.Erro Médico;

12.Responsabilidade Civil do Médico;

13.Mutilação;

14.Reprodução;

15.Direitos Reprodutivos;

16.Direitos Sexuais;

17.Direitos da Mulher;

18.Controle de natalidade;

19.Saúde Materna;

20.Ligadura tubária;

21.Vasectomia;

22.Parto;

23.Cesárea;

24.Métodos Contraceptivos;

25.Pílula Anticoncepcional;

26.Dispositivo Intra-Uterino;

27.Diafragma;

28.Uniões Homossexuais;

29.Homossexualismo;

30.Barriga de Aluguel;

31.Fertilização in vitro;

32.Bebê de proveta;

33.Planejamento Familiar

Desta primeira parte da pesquisa foram obtidos 348 Ementas(6): 113 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; 106 do STJ; 99 do STF e 30 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A partir deste levantamento selecionamos as ementas que:

a) eram da década do final da década de 80 (após promulgação da nova Constituição Federal) e 90;

b) discutiam o direito material e não formal(7); e

c) tinham como objeto direto o aborto, esterilização feminina; mortalidade materna e união homossexual.

Obtendo-se, assim, 47 jurisprudências (5 TRF 4ª região; 37 TJRGS; 5 Tribunais Superiores), além dos acórdãos uma sentença da Justiça Federal sobre união de pessoas do mesmo sexo. Dos 47 acórdãos, 15 foram fotocopiadas para análise dos relatórios e votos, tendo com critério o objeto da discussão, ou seja, que a decisão enfrentasse o significado dos temas propostos neste estudo e não questões transversais.

Para a análise das ementas e acórdãos, utilizamos os conceitosde Sonia Correa e Rosalind Pechastky (8) quando afirmam que as bases para os direitos sexuais e reprodutivos consistem de quatro princípios éticos: integridade corporal, autonomia pessoal, igualdade e diversidade. Apesar de existirem uma diversidade de conceitos e fundamentos, a escolha pelos conceitos de integridade corporal, autonomia pessoal, igualdade e diversidade, ocorre por serem, num estudo introdutório, de fácil circulação entre os aportes do direito brasileiro, por estarem presentes, principalmente na Constituição Federal de 1988.


3. Genealogia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos

A noção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos têm uma história vinculada aos movimentos sociais, principalmente ao movimento de mulheres e movimento homossexual. Inicialmente como uma articulação crítica às políticas controlistas e ao gerenciamento da sexualidade.

A construção da cidadania das mulheres data do final do século XVIII, na Revolução Francesa, quando do processo de reivindicações das necessidades começa-se a perceber os lugares de desigualdade, suas ocupações e conseqüências (pelos atores sociais: homens, mulheres, nobres, plebeus etc.). A princípio as mulheres buscavam participação igualitária na sociedade, tendo como marco referencial os homens, ou seja, reivindicavam o direito de votar e de se educarem. Assim, passou-se a construir uma crítica à desigualdade. Porém, para a efetiva constituição da cidadania era preciso o reconhecimento do sujeito como tal, não bastava buscar o espaço da cidadania centrada ou explicada por duas referências definidas: voto/educação, como as demandas iniciais da Revolução Francesa, era necessário abordar as idéias e saberes justificantes e legitimadores das desigualdades, o que começou a ter força com o movimento de mulheres nos séculos XIX e XX, principalmente na década de 70.

O movimento feminista representou o rompimento do processo social de construção da opressão do feminino(9). As idéias marxistas foram determinantes para a percepção das formas de dominação entre os indivíduos. Anteriormente, as idéias liberais, que contribuíram com o processo de constituição dos direitos civis e políticos, centravam a dominação em relações de poder basicamente vinculadas as relações entre Estado/Igreja e pessoas. Tanto, que neste primeiro momento, foi necessário construir a própria idéia de indivíduo, de pessoa sujeita de direito. Porém, tanto as idéias liberais, quanto marxistas, abarcavam instâncias parciais das relações de poder. O movimento de mulheres destaca que além da opressão apresentada, principalmente pelo marxismo, era necessário visualizar outras formas de dominação e opressão, que iam além das relações de classe e produção. As estruturas de poder se constituem de forma mais complexa, através de um conjunto de elementos, que podem ser morais, jurídicos etc., criadores e legitimadores de relações de dominação.

O tema populacional sempre foi vinculado às questões do Estado, da ordem pública, e muitas políticas foram estruturadas envolvendo a capacidade reprodutiva da mulher, por exemplo as leis de liberação do aborto, editadas na Rússia, logo após a revolução bolchevique. Anos depois, os dirigentes soviéticos mudaram estas leis, e desenvolveram campanhas de elogio à maternidade, para aumentar o número de nascimentos. Hitler, durante a II Guerra Mundial, também estabeleceu esta política de elogio à maternidade, inclusive premiando mulheres que tivessem mais filhos(10). Explicita ou implicitamente os países e as agências internacionais vão adotando medidas que causam impacto demográficos pautados pela pergunta: podem as populações crescer e/ou diminuir sem limites postos pelo Estado? Quem define: o indivíduo, a família ou a sociedade?

No Brasil, embora difuso, o discurso do planejamento familiar já se expressava nos primórdios do Brasil colonial, perpassando do Império ao início da República. No período colonial, a Igreja Católica foi a instituição que sustentou, quase que exclusivamente o ideário social que se pretendia: o aperfeiçoamento e a melhora da raça brasileira, através da construção de uma sociedade portuguesa cristã. O sucesso deste projeto envolveu estratégias no plano do discurso cotidiano normativo como jurídico estatal. Desta forma a Igreja promoveu a mentalidade andocêntrica de subordinação, obediência e servidão da mulher em relação ao homem, incluindo a procriação de tantos filhos quanto "Deus" e a "natureza" determinarem(11). Esta situação esteve presente do Brasil colônia ao início da República. Na década de 30, com o desenvolvimento pós-guerra e, por parte do governo de Getúlio Vargas uma tendência pró-natalista. Enquanto que no cenário internacional são retomadas as teses do Reverendo Thomas Robert Malthus (1766-1834), que alertava sobre os perigos da superpopulação em decorrência do não correspondente crescimento da produção de alimentos. A pobreza, assim, começa a ser associada ao número de pessoas e não as práticas políticas de concentração e estratificação da miséria, e, por conseqüência, de culpabilização individual (liberalismo), que recaía prioritariamente sobre as mulheres que possuíam a capacidade reprodutiva. A lógica malthusiana é tomada como referência para a discussão do planejamento familiar; devendo, assim, ser gerenciado pelo Estado. Em 1952 Margaret Sanger criou, com sede em Londres, o International Planned Parenthood Federation (IPPF) que contava com apoio financeiro de diversas instituições interessadas no controle demográfico, principalmente dos países pobres e, portanto, restringindo à liberdade reprodutiva da mulher ou dos casais. Nos anos 60 o IPPF financiou entidades e outras instituições no Brasil para realizarem controle de natalidade. Essas políticas de controle de natalidade provoca(ra)m impactos indiscutíveis na estrutura e organização da família, no perfil populacional da sociedade brasileira e na saúde das mulheres.

Na década de 70 a campanha do movimento feminista americano Nosso corpo nos pertence simboliza uma nova compreensão das práticas sociais. Primeiro há o surgimento do valor autonomia expresso no campo da sexualidade e reprodução, significa a incompatibilidade entre a regulação estatal sobre o corpo das mulheres e o efetivo exercício da cidadania. A afirmação "nosso corpo nos pertence" demonstra uma transcendência da questão material do corpo, começa-se a visualizar as estruturas de opressão e exclusão social existente na sociedade. O principal efeito desta idéia é a ruptura de padrões sociais e a construção de novos modelos de pensamento(12).

O regime militar brasileiro, da década de 70, instigava o discurso de que a segurança nacional estaria ameaçada pelo grande contingente de pobres e numerosas famílias, reforçando pelas idéias eugênias sobre a condição de sub-raça brasileira.

A participação das mulheres na luta contra a ditadura dava-se igualmente na busca dos direitos civis e políticos, porém, alguns grupos de mulheres, dentro da lógica de expansão desses direitos, foram, paralelamente as lutas anti-ditadura, inserindo a discussão da sexualidade e reprodução, ou seja, o direito de ter ou não ter filhos e a relação com os serviços de saúde. Essas reivindicações faziam com que as mulheres brasileiras, a partir dos anos 60, processassem uma ruptura com o clássico e exclusivo "papel social" que lhes era atribuído, contribuindo para uma redefinição das relações sociais como um todo.

Em meados dos anos 80, depois do Congresso Internacional de Saúde e Direitos Reprodutivos, ocorrido em Amsterdã, no ano de 1984, houve significativa expansão deste tema junto às práticas dos movimento sociais. A pauta de então privilegiava denúncias às políticas demográficas em curso nos países do sul, ao mesmo tempo que assinalava questões emergentes, tais quais o incremento das técnicas conceptivas nos países do norte. Essa conjuntura permitiu o surgimento de um novo discurso, baseado nos princípios do direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais na definição do tamanho de sua prole, esta nova perspectiva teve como respaldo o processo avançado da reforma sanitária brasileira, que definiu a saúde como direito do cidadão e o dever do Estado em provê-la, culminando com o surgimento, em 1983, do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM).

A década de 80 destaca-se, ainda, pela luta democrática pelas eleições diretas presidenciais e as eleições dos governos estaduais. O governo democrático de São Paulo, através do governador Franco Montouro, cria o primeiro Conselho da Condição Feminina que tem como uma das pautas a discussão sobre o planejamento familiar. Neste momento temos em paralelo as políticas de controle de natalidade (BEMFAM, CPAIMC, IPPF etc.) e o incentivo à natalidade como forma de garantir soberania estatal, os partidos de esquerda e os movimentos de mulheres apontando críticas às políticas controlistas com a inserção da idéia de planejamento e de associação à saúde(13). A substituição dos termos "controle" por "planejamento" implica numa nova percepção da reprodução e sexualidade como questões desvinculadas da biologia, pois insere a idéia de autonomia, o "natural", o "biológico", não são mais os justificadores das políticas, bem como do direito, mas sim o indivíduo enquanto integrante de uma sociedade moral. Além disso, a forma como a sociedade lida com a fecundidade, é um sintoma de uma nova organização familiar, como também da idéia de família, e da comunidade em geral.

Entre 1983 e 1984 surge junto ao governo federal o PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher fruto da articulação e organização do movimento de mulheres frente a forma como se dava a assistência à saúde da mulher: uma política que reiterava uma pré-disposição da mulher à reprodução alienando outras questões de sua saúde. A percepção de integralidade nada mais é do que o resultado de que a reprodução não é uma dádiva ou um dom natural, mas parte do exercício da cidadania. Há uma inversão da relação reprodutiva, esta deixa de ser o principal adjetivo da mulher para ser parte da sua humanidade. A reprodução começa a ser percebida como algo de foro individual, devendo habitar no universo dos direitos civis. Além disso esta linguagem representa um rompimento nas relações entre o Estado "controlista" de natalidade para o de "planejamento", o que implica numa ação substancialmente provedora de informações e acesso, ou seja, incrementando o princípio da cidadania que só se viabiliza através da autonomia. O direito de decisão não era possível sem o oferecimento, pelo Estado, de condições de escolha, eis a vinculação com os direitos sociais.

O PAISM é o embrião da linguagem que foi posteriormente legitimada pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção do Cairo em 1994. O destaque à Conferência do Cairo é porque ali se constrói a linguagem dos direitos sexuais e reprodutivos, rompendo, assim, a linguagem das políticas demográficas.

No Cairo emerge o conceito de cidadão como sujeito de direitos e deveres, sem condicionamentos religiosos, com a ampliação dos sujeitos de direito incluídos nas relações da vida reprodutiva e sexual: os adolescentes, as mulheres solteiras, os homens e as pessoas da 3ª idade, há uma ampliação da própria idéia de humanidade – pauta das discussões.

É importante destacar que tanto a Constituição Federal de 1988, no que se refere a planejamento familiar, quanto o Cairo e Beijing, refletem a mobilização e as demandas dos movimentos de mulheres, gerando conseqüências concretas principalmente no perfil dos serviços oferecidos ou gerenciados pelo Estado. Pelo fato das conquistas, em termos de constituição de direito, serem resultado das demandas do movimento de mulheres é importante destacar que muitas vezes, não era incluído o masculino como ator determinante do processo de reprodução e paternidade. Que, de certa forma, poderia ter como conseqüência uma imagem social de homem ausente, irresponsável e pouco colaborar. Podendo contribuir para a cristalização dos papéis sociais, dificultando a compreensão de gênero e a redefinição das relações de poder.

Outro fator determinante para a redefinição das relações sociais é a sexualidade. A sexualidade teve seu início de desmistificação no século XX quando Freud escreveu três ensaios sobre a sexualidade infantil, quebrando a hegemonia do pensamento da idade média que tratava a sexualidade apenas na perspectiva moral e religiosa, tornando-a objeto de produção científica(14). Depois, com Foucault, com a relação entre corpo e poder. Há uma desnaturalização da sexualidade, passando a ser compreendida como dimensão cultural da vida dos sujeitos(15).

Nos anos 80 e 90, houve um significativo crescimento da pesquisa e reflexão sobre a sexualidade e a experiência sexual. As razões deste crescimento são complexas, estando, sem dúvida, associadas ao conjunto de mudanças que vêm ocorrendo nas relações sociais, principalmente através dos vários movimentos sociais que se desenvolveram ao longo da década de 60(16). A década de 60 destaca-se pela publicização das condutas e de cultura gay e lésbica, pela perda do valor da virgindade e liberação dos costumes no corpo feminino.

Outro fator que influenciou o aumento da pesquisa e reflexão sobre sexualidade foi o crescente interesse internacional em torno de temas como população, saúde reprodutiva de mulheres e homens. A conquista pelo gerenciamento da reprodução (pílula anticoncepcional) contribuiu diretamente para separar a relação sexual da reprodução, alterando significativamente, ou refletindo significativamente, nas relações sociais. Outro destaque é a pandemia do HIV/AIDS que interagiu, em grande parte, com a construção de agendas em torno dos interesses feministas, gays e lésbicos(17). Estes movimentos indicam uma mudança nas práticas sexuais e a sua desvinculação da identidade sexual, seguindo a lógica das categorizações sociais e pensando a sexualidade por uma perspectiva de construção social: daí o direito à livre orientação sexual.

A mudança das condições de vida da população(18) contribui para a transformação dos significados atribuídos à concepção e contracepção. Isso ressalta que as práticas reprodutivas, assim como a sexualidade, além de serem episódios biológicos, estão condicionadas por determinantes sócio-culturais, além de remeterem constantemente ao campo da ética.


4. Os Direitos Sexuais e Reprodutivos como Direitos Humanos: a construção de um conceito

Pode-se afirmar que os direitos reprodutivos correspondem ao conjunto dos direitos básicos relacionados ao livre exercício da sexualidade e da reprodução humana, circulando no universo dos direitos civis e políticos, quando se referem a liberdade, autonomia, integridade etc. e aos direitos econômicos, sociais e culturais quando se referem às políticas do Estado. Esse conceito, compreende o acesso a um serviço de saúde que assegure informação, educação e meios, tanto para o controle da natalidade, quanto para a procriação sem riscos para a saúde(19). A partir desta percepção incorpora-se o princípio de que, na vida reprodutiva, existem direitos a serem respeitados, mantidos ou ampliados. Isso implica em obrigações positivas para promover o acesso à informação e aos meio necessários para viabilizar as escolhas. O conceito de direitos reprodutivos não é meramente explicativo, eis que imputa responsabilidades, ações direta ao Estado. Já no caso dos direitos sexuais pode-se falar, ainda, em obrigações negativas, significa que o Estado, além de ter que coibir práticas discriminatórias que restrinjam o exercício do direito à livre orientação sexual (tanto no âmbito estatal quanto das relações sociais), não deve regular a sexualidade, bem como as práticas sexuais.

Nesse sentido merece destaque o princípio 4 da Conferência do Cairo:

Promover a equidade e a igualdade dos sexos e os direitos da mulher, eliminar todo tipo de violência contra a mulher e garantir que seja ela quem controle sua própria fecundidade são a pedra angular dos programas de população e desenvolvimento. Os direitos humanos da mulher, das meninas e jovens fazem parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação da mulher, em igualdade de condições na vida civil, cultural e econômica, política e social em nível nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação por razões do sexo são objetivos prioritários da comunidade internacioanal."

Como explica Leila Linhares: "No Cairo, em 1994, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento introduziu um novo paradigma à temática do desenvolvimento populacional, deslocando a questão demográfica para o âmbito das questões relativas aos direitos reprodutivos e ao desenvolvimento. Nessa Conferência, ficou firmado o princípio que as políticas relacionadas à população devem ser orientadas pelo respeito aos direitos humanos universais. A ativa participação do movimento internacional de mulheres nas fases preparatórias e durante a própria Conferência permitiram a legitimação da noção de direitos reprodutivos, apontando a necessidade de amplos programas de saúde reprodutiva e reconhecendo o aborto como um grave problema de saúde pública"(20). Em 1995, a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague, deu ênfase à necessidade de erradicação da pobreza, incluindo iniciativas destinadas a medir e a reduzir os impactos sociais do ajuste econômico, especialmente sobre as mulheres e crianças. Ainda em 1995, em Beijing, foi realizada a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz, que incorporou as agendas das Conferências de Direitos Humanos, 1993, de População e Desenvolvimento, 1994, e da Cúpula de Desenvolvimento Social, 1995, avançando e firmando, de modo definitivo, a noção de que os direitos das mulheres são direitos humanos; a noção de saúde e direitos reprodutivos, bem como o reconhecimento de direitos sexuais, com a recomendação de que sejam revistas as legislações punitivas em relação ao aborto, considerado, tal como na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, 1994: um problema de saúde pública.

Os documentos básicos dessas Conferências, mesmo não sendo textos legais, como os tratados internacionais, configuram-se, a partir de seus princípios básicos, aprovados por consenso pelos Estados-membros das Nações Unidas, como fonte do direito que devem ser incorporadas na sua interpretação e aplicação.

Os direitos reprodutivos como direitos sociais centram-se mais na percepção da sua efetivação e garantia. As respostas para perguntas como: Onde as pessoas estão conseguindo exercer a anticoncepção? Através do serviço de saúde? Através da esterilização? No mercado, em farmácias, com a compra de pílulas?, passam, invariavelmente pela forma como o Estado desenvolve suas políticas.

Ao mesmo tempo em que o centro da questão é o respeito aos direitos individuais de integridade, não discriminação, dignidade, autonomia etc. há necessidade de existir políticas realmente efetivas que viabilizem a garantia destes direitos, ou seja, o modelo de política econômica adotada pode contribuir ou não para a exclusão e empobrecimento da população. Exemplo disso é o uso da pílula e da esterilização como principais métodos contraceptivos (a pílula, no Brasil, é em 80% fornecida pelo setor privado(21)). O fornecimento dos métodos anticoncepcionais pelo setor privado pode parecer secundário, mas quando falamos de um país cujo os índices de concentração de renda rendem o título de primeiro lugar no rol mundial, o enfrentamento da questão econômica é base das relações de desigualdade e violação a direitos, principalmente no universo dos direitos sexuais e reprodutivos. Se as políticas de planejamento não incorporam questões sócio culturais, constituem-se de forma frágil e pouco eficiente, pois reiteram as desigualdades ao invés de contribuir para sua erradicação.

A compreensão da saúde reprodutiva como direito reprodutivo é uma ponte ainda não construída, isso porque os dispositivos legais não são auto-explicativos, possibilitando que

os direitos reprodutivos possam assumir significados diversos para diferentes pessoas, dependendo da posição de poder que ocupam, da orientação sexual, do gênero, da nacionalidade, e assim por diante(22).

Além da difícil necessidade de conciliar o plano da saúde: direitos sociais e o plano da autonomia: direitos individuais, que conjuntamente abarcam o universo dos direitos reprodutivos, cujo ideal, segundo Sonia Correa, é a complementação, também pode gerar problemas reais de viabilização de direitos, como por exemplo o tratamento dado ao aborto. Se compreendido como um problema de saúde pública, como ficou elencado no Cairo, e não como uma violação à autonomia e uma discriminação, dá margem para a intervenção do Estado no gerenciamento deste problema, confrontando o direito individual e o direito social.

Jonatham Mann(23) afirma que a promoção e proteção da saúde estão intrinsecamente ligadas à promoção e proteção dos direitos humanos, e que, ao não compreender isto, os formuladores e gestores de políticas na área da saúde, bem como os operadores de direito podem cometer o grave erro de elaborar estratégias ineficientes e discriminatórias.

Conceber os direitos reprodutivos como direitos humanos significa compreender o exercício da sexualidade e da reprodução como inerentes à condição humana. A ausência dessa consciência explica, Rebecca Cook(24)

é o motivo pelo qual as normas internacionais sobre direitos humanos ainda não têm sido aplicadas de forma efetiva para reparar as desvantagens e injustiças que vivem as mulheres unicamente pelo fato de serem mulheres.

A importância de abordar os direitos reprodutivos como direitos humanos justifica-se, segundo Rebbecca Cook(25), não apenas pela carência de interpretação dos documentos internacionais pelos sistemas nacionais, mas porque os direitos humanos representam a garantia da dignidade humana contra ações do Estado e de indivíduos.

Todos os principais documentos sobre direitos humanos, desde a Declaração Universal de 1948, têm muito a dizer sobre direitos humanos das pessoas em suas vidas particulares e pessoais: casar e formar família, expressar suas crenças e religiões, educar os filhos, respeito a privacidade e a propriedade etc., mas nada consta no sentido de expressar e ter liberdade em sua sexualidade(26). Nenhum instrumento internacional relevante, anterior a 1993, faz qualquer referência ao mundo da sexualidade. Antes de 1993, a sexualidade de qualquer espécie e suas manifestações estão ausentes do discurso internacional sobre direitos humanos.

Somente com a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, de 1993, em Viena, houve, a partir dos esforços dos movimentos sociais, a inclusão da questão da sexualidade. A Declaração de Viena foi importante, não só pelo fato de reconhecer a violência sexual como uma violação dos direitos humanos, mas também porque finalmente introduziu-se o sexual na linguagem dos direitos humanos. Entretanto, foi apenas na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994, que a sexualidade começou a aparecer nos documentos internacionais como algo positivo, em lugar de algo sempre violento, insultante, ou santificado e escondido pelo casamento heterossexual e pela gravidez. Pela primeira vez em um documento internacional de direitos humanos é incluído de modo explícito a saúde sexual na lista dos direitos que devem ser protegidos pela população e pelos programas de desenvolvimento. Contudo a liberdade de expressão sexual e a orientação sexual jamais receberam reconhecimento como um direito humano, nem na Conferência do Cairo, nem em qualquer outra.

A Plataforma de Ação elaborada em Beijing, 1995, avançou alguns passos no sentido de formular um conceito referente aos direitos sexuais como parte dos princípios dos direitos humanos:

Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, livre de coação, discriminação e violência(27).

A autodeterminação e os direitos sexuais implicam tanto a liberdade negativa de impedir intrusões indesejadas, violações e abusos, quanto a capacidade positiva de buscar e experimentar prazeres em uma variada gama de modos e situações.

Tendo como referência os preceitos enunciados nos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, pode-se destacar que os direitos sexuais e reprodutivos incluem: a) o direito de adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coerção ou violência; b) o direito de decidir livre e responsavelmente o número de filhos e o intervalo entre seus nascimentos; c) o direito de ter acesso a informações de métodos anticoncepcionais e meios seguros (serviços), disponíveis, acessíveis e d) o direito de acesso ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva. Por sua vez, os direitos sexuais compreendem: a) direito a decidir livre e responsavelmente sobre sua sexualidade; b) o direito a ter controle sobre seu próprio corpo; c) o direito a viver livremente sua orientação sexual, sem sofrer discriminação, coação ou violência; d) o direito a receber educação sexual; e) o direito à privacidade; f) o direito a fruir do progresso científico e a consentir livremente à experimentação, com os devidos cuidados éticos recomendados pelos instrumentos internacionais; g) o direito de Ter a prática sexual desvinculada da gerência do Estado.(28)


5. Os Direitos Sexuais e Reprodutivos e o ordenamento jurídico Brasileiro

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se por estar orientado por princípios e normas, legitimadas pela vontade popular, que o auto limita e delega responsabilidades, ou seja, direciona as suas práticas políticas. Esses princípios e normas estão sistematizados fundamentalmente na Constituição Federal de 1988(29).

O Brasil tem ratificado vários instrumentos internacionais que referem-se direta ou indiretamente as questões da reprodução e sexualidade, e que vêm a influenciar, uma vez introduzidos no sistema interno, as ações do Estado.

A implementação(30) das normas internacionais e plataformas de ação é um dos grandes desafios para o aprimoramento dos sistema interno de direito. A especificidade e o caráter especial dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos encontram-se, com efeito, reconhecidos e sancionados pela Constituição Brasileira de 1988: se, para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte passam, consoante os artigos 5º, x 2º e 5º, x 1º, da Constituição Federal de 1988, a integrar e podem ser imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno(31):

x 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

x 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O disposto no artigo 5º, x 2º se insere na tendência (recente) de conceder um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos e garantias individuais internacionais consagrados. Porém, o Supremo Tribunal Federal compreende as normas internacionais de direitos humanos com o status de lei federal, o que resulta em implicações diretas na funcionalidade do direito, tanto pela questão da hierarquia das normas, mas, principalmente, porque são os princípios constitucionais que orientam a interpretação das dispositivos jurídicos, interpretação que influencia diretamente as decisões dos tribunais e, indiretamente, na forma de organização das políticas do Estado(32).

Ao mesmo tempo que o direito representa um sistema fechado, por deliberar sobre sua própria ação e prática do estado, impondo limites e obrigações através da positivação, é aberto porque esta deliberação ocorre com a leitura dos dispositivos. Se impera a lógica dedutiva, de mera vinculação de fatos e normas, a interpretação é condicionada pela cultura e moral da sociedade em que estamos inseridos. Por outro lado, se a base de justificação e validade da norma é a constituição e os princípios de direitos humanos a chance das operadores reproduzirem preconceitos sociais e de reiterarem as desigualdades diminuem, principalmente porque há a possibilidade de incorporação da perspectiva de gênero(33), raça e classe.

A incorporação pelo sistema jurídico brasileiro dos postulados internacionais reflete-se em uma nova forma de compreensão do fenômeno da reprodução e da sexualidade. Um exemplo disso é o que ocorre com os direitos sexuais e reprodutivos a partir da sua positivação na Conferência sobre População e Desenvolvimento(34), realizada pela ONU em 1994, na cidade do Cairo/Egito. Esta Conferência foi palco de uma discussão muito importante sobre os temas da reprodução e da sexualidade, tendo como referência o impacto das políticas públicas no tamanho das populações e no desenvolvimento da sexualidade e reprodução.

Em 1968, na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em Teerã, surge os primeiros alinhavos sobre o que viria a se constituir, internacionalmente como direitos reprodutivos:

Capítulo 16.

Os pais têm o Direito Humano fundamental de determinar livremente o número de seus filhos e os intervalos entre seus nascimentos.

Porém, é somente com a Conferência do Cairo, que pode ser citada como uma marco desta discussão, que foi introduzido, de forma global e politicamente articulada, a previsão de gênero, reordenando o lugar da reprodução e da sexualidade no universo social.

O Capítulo 7 da convenção adota a definição da Organização Mundial de Saúde para a "saúde sexual" como parte integrante da saúde reprodutiva, afirmando que a

saúde reprodutiva é um estado geral de bem-estar físico, mental e social, e não de mera ausência de enfermidades ou doenças, em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, suas funções e processos.

Consequentemente, a saúde reprodutiva implica na capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória, podendo decidir se, quando e com que freqüência desejam se reproduzir. Esse capítulo define o propósito da vida sexual como a intensificação da vida e das relações pessoais, não apenas o aconselhamento e os cuidados relacionados com a reprodução e com as doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, define como direitos do homem e da mulher obter informação e de planejar a família de sua escolha, bem como de fazer uso de métodos para a regulação da fecundidade que não estejam legalmente proibidos, de ter acesso à métodos seguros, eficazes, exeqüíveis e aceitáveis, o direito de receber serviços apropriados de atenção à saúde que permitam gravidez e parto sem riscos e ofereçam aos casais as melhores possibilidades de terem filhos sadios(35).

Outra questão é o gerenciamento da reprodução, dos direitos reprodutivos, que possui objeto distinto dos direitos sexuais e não os pressupõem para o seu desenvolvimento, ainda mais com as atuais tecnologias reprodutivas. O item 7.3 afirma que:

os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos nas leis nacionais, nos documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos pertinentes das Nações Unidas aprovados por consenso. Esses direitos baseiam-se no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente o número de filhos e o intervalo entre eles, a dispor da informação e dos meios para tal e o direito de alcançar o nível mais elevado de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também o direito a tomar decisões referentes à reprodução sem sofrer discriminação, coações nem violência, conforme estabelecido nos documentos dos direitos humanos. No exercício deste direito, os casais e os indivíduos devem levar em consideração as necessidades de seus filhos já nascidos e futuros e suas obrigações com a comunidade. A promoção do exercício responsável desses direitos de todos deve ser a base primordial das políticas e programas estatais e comunitários no âmbito da saúde reprodutiva incluindo o planejamento familiar.

Os postulados das Plataformas de Ação, como Viena, Cairo e Beijing, proporcionam base interpretativa para as normas internacionais, como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, quando, no seu artigo 4º, direito à vida, afirma:

Artigo 4º Direito à vida

1.Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente (grifo nosso).

E no artigo 5º, direito à integridade pessoal:

Artigo 5º Direito à integridade física

1.Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

Ao relacionarmos com os direitos sexuais e reprodutivos a proteção a vida e a integridade pessoal devem ser pensadas conjuntamente. Além da idéia de autonomia e integridade física os direitos sexuais e reprodutivos centram-se no pressuposto da não discriminação, ou seja, quando o artigo 4º fala em geral ao se referir a proteção a vida desde a concepção a interpretação deve ser feita de acordo com o conjunto de fatores que envolvem os fatos: condições econômicas e sociais, civis e políticas e históricas, sob o risco de que elementos morais, presentes no sistema jurídico, promovam práticas discriminatórias. É importante ressaltar, ainda, que o Pacto de San José foi ratificado em 1969, quando a América Latina estava sob a lógica dos Estados Totalitários e da promoção da natalidade. Mais recentemente, em 1979, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher(36) (CEDAW), orienta para novas práticas referente ao assunto da sexualidade e reprodução:

Artigo 1º

Para fins da presente Convenção, a expressão discriminação contra a mulher significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de sue estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, do direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políticos, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

As leis que determinam a situação jurídica das mulheres, incluídos seus direitos reprodutivos, derivam de diversas fontes. No sistema jurídico brasileiro, as fontes formais do Direito estão hierarquizadas em vários níveis, de acordo com o princípio de supraordenação que estabelece a superioridade da Constituição Federal sobre as demais normas.

A Constituição Federal de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática no país, sendo resultado de um amplo movimento pela redemocratização brasileira, estabelecendo, por fim, o Estado Democrático de Direito, cuja legitimação provem da vontade social. Já os tratados ratificados pelo Brasil comprometem legalmente o governo ao fazer parte do ordenamento jurídico existente, influenciando-o de duas formas: a) através das resoluções proferidas em sentenças e b) com orientação para as políticas públicas do Estado. Assim, o direito exerce um duplo grau de ação no Estado, daí a sua importância nas questões pertinentes a construção e efetivação dos direitos humanos.

O status dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil não é pacífico. A doutrina orienta-se no sentido de dar status constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos a partir da interpretação do x 2º do artigo 5º em harmonia com o próprio x 1º desse mesmo artigo, combinado com o inciso III do artigo 1º e inciso II do artigo 4º da CF/88:

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem com fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana

Artigo 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos.

Porém, até hoje, o STF não decidiu segundo este pensamento, delegando status de norma federal. Os instrumentos internacionais apresentam um duplo impacto: seja perante as instâncias nacionais, seja perante as instâncias internacionais. Todavia a sua plena utilização carece de operadores sensíveis e capacitados para tanto, o que é perfeitamente compreensível num modelo jurídico pouco criativos e demasiadamente dogmático.

Na medida em que os direitos reprodutivos se expressam, muitas vezes sob a forma de princípios, sua relação com o sistema jurídico é extremamente ampla, podendo tais direitos ser relacionados com diversas áreas, como a economia, o sistema educacional etc(37).

Para estudos das normas constitucionais, conforme ensina Flávia Piovesan(38)., deve-se ter em mente que, ao abordar uma determinada norma constitucional, não se pode ignorar que o texto constitucional representa um todo coeso, sendo que aqual norma específica deve ser entendida no conjunto das normas constitucionais, com especial destaque para os princípios informadores da própria Constituição. Esse processo é designado, na área do direito, por interpretação sistemática.

Dentro da Constituição, pela sua própria disposição, há uma hierarquia axiológica das normas, ou seja, algumas normas têm mais preponderância que outras. Os princípios constitucionais estão no topo desta relação, devendo ser fonte inspiradora e de referência para a leitura das normas constitucionais e do ordenamento jurídico em geral. Dos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, destacam-se relevantes dispositivos na discussão sobre os direitos reprodutivos. Assim, o artigo 1º arrola entre os fundamentos da República Federativa do Brasil: a cidadania e a dignidade da pessoa humana, enquanto que o artigo 3º coloca como um de seus objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade e quaisquer outras formas de discriminação. Tais princípios reiteram a lógica dos direitos, que se apresentam através do exercício da cidadania e da dignidade da pessoa humana, opondo-se a todos os tipo de preconceitos ou discriminações. Do Título II: Dos direitos e garantias fundamentais, destacam-se os dispositivos do capítulo referente aos direitos e deveres individuais e coletivos:

Artigo 5º

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

O artigo 5º traz os pressupostos do ordenamento jurídico brasileiro, o inciso primeiro é de grande importância para derrogar toda e qualquer tipo de discriminação quanto à mulher existente na ordem infraconstitucional.

Do capítulo consagrado aos direitos sociais, destacam-se:

Artigo 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Artigo 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XXV – proibição de diferença de salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Na mesma linha, prevês o artigo10, II, "b" do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Artigo 10

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

§ 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.

Os direitos sociais representam o instrumento de efetivação do direito individual, são de fundamental importância para a garantia do pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.

No Título VIII, "Da Ordem Social", encontra-se a maior parte das normas constitucionais relativas aos direitos reprodutivos, com destaque para aquelas concernentes aos direitos à saúde e ao planejamento familiar:

Artigo 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 199.

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo o tipo de comercialização.

Artigo 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição atenderão, nos termos da lei, a:

II – ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;

III – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

Artigo 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

Artigo 226

§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Neste parágrafo a noção de família e casamento ainda está considerada a partir da relação entre pessoas de sexos diferentes, profundamente relacionada a moral vigente. O parágrafo 4º do artigo 226 reconhece adequadamente a extensão do conceito de família para outras formas de comunidade que não apenas aquelas em que estejam presentes o casal com seus filhos:

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

No entanto, conforme explica Wilson Ricardo Pirotta e Flávia Piovesan, os modelos de família citados pela Constituição devem, para atender-se aos princípios dos direitos reprodutivos, ser entendidos como rol exemplificativo e não taxativo, não excluindo outras formas de organização familiar. Um exemplo disso é a decisão do Tribunal de Justiça do RGS (AI 599075496/RS), ao determinar que um conflito entre pessoas do mesmo sexo, dissolução de união, seja julgado na vara de família, reexplicando esta relação, e indo ao encontro do proposto pelo artigo 5º da Constituição.

O parágrafo 7º positiva e eleva à categoria de norma constitucional muitos dos princípios correlacionados aos direitos reprodutivos:

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

É importante destacar que o processo de constituição dos direitos sexuais e reprodutivos no ordenamento jurídico brasileiro é resultado da mobilização dos movimentos sociais, que num primeiro momento resultaram no PAISM que inspirou diretamente o artigo 226 da Constituição, quanto a Lei Federal nº 9.263(39) de 12 de janeiro de 1996, que regula o seu x 7º do art. 226. Esta lei é de fundamental importância para o campo dos direitos sexuais e reprodutivos porque ao longo dos seus 25 artigos dimensiona e instrumentaliza a prática para efetivação desses direitos.


6. Os Direitos Sexuais e Reprodutivos e o Poder Judiciário.

O Judiciário representa um dos três poderes da clássica divisão de Estado. A característica formal da atividade judiciária e seu poder coercitivo ampliam sua responsabilidade social, principalmente porque a produção de texto no interior do procedimento judicial confunde-se como o próprio direito, além de inspirar e legitimar práticas que se estendem a toda a sociedade. As decisões são a materialização de um processo argumentativo no qual são consideradas várias perspectivas, ocorre que estas decisões tem peso de lei para o caso específico e passa a ser condicionante das práticas sociais em geral. A peculiaridade do direito é uma certa circularidade funcional, ou tautologia, decorrente, em parte, da busca de segurança para encaminhar às soluções. Se as decisões são o resultado de um processo de argumentação, este não ocorre de forma livre. É condicionado pela estrutura lógica do funcionamento do campo do direito; e esta estrutura jurídica também é passível de moral, porém, é uma moral positivada. No entanto, há uma carência de significado deste dispositivo face o fato ao qual se relacionada. A relevância de uma decisão no judiciário é o seu duplo grau de legitimação, seja em relação ao dispositivo que irá utilizar, seja em relação a lei que cria junto ao fato em análise. O judiciário constrói, constantemente, as relações sociais. Compreendendo, segundo Débora Diniz, o papel de difusão oficial de categorias morais usadas em prol da decisão, ou seja, o suporte jurídico-moral à decisão.

Para a realização desta parte do estudo foi analisado acórdãos selecionados através dos termos de busca utilizados (ver metodologia). Foram obtidos 348 Ementas(40): 113 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; 106 do STJ; 99 do STF e 30 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

As ações do STF e STJ relacionam-se principalmente a pedido de pensão e investigação de paternidade ("época da concepção"). Sendo três decisões relacionadas a mortalidade materna decorrente de aborto, 16 decisões relacionadas a parto, prioritariamente à questões trabalhistas como direito a férias, auxílio maternidade, licença maternidade. As demais ementas dos Tribunais Superiores centram-se em questões de ordem processual ou constitucional (inquérito, cominação pena, regime inicial, prisão preventiva etc.), nas quais não há avaliação do mérito.

Sobre aborto foram encontradas 106 ementas, sete dos Tribunais de Segunda Instância: autorização aborto, dano moral por interrupção da gravidez decorrente de acidente de trânsito, malformação congênita etc.. E 65 relacionadas aos direitos da mulher, das quais a natureza da ação está vinculada a direitos contratuais, casamento e questões de ordem pública (concursos), separação de bens etc.. As decisões relacionadas a aborto, esterilização, mortalidade materna não são compreendidas como direito ou violação aos direitos da mulher, quando surgem na pesquisa estão inseridas de forma autônoma "esterilização", "aborto etc., sem vinculação à mulher, tampouco a direitos fundamentais (liberdade, igualdade, autonomia, não discriminação) ou direitos humanos, isso é relevante porque demonstra como estas questões estão pensadas e dispostas nos sistemas existentes de localização dos acórdãos.

A partir deste levantamento selecionamos as ementas que: a)eram da década de 80 e 90; b)discutiam o direito material e não formal(41) e c)tinham como objeto direto o aborto, esterilização feminina; mortalidade materna e união homossexual; obtendo-se, assim 47 Jurisprudências (5 TRF 4ª região; 37 TJRGS; 5 Tribunais Superiores), além dos acórdãos uma sentença da Justiça Federal sobre união de pessoas do mesmo sexo. Dos 47 acórdãos, 25 foram fotocopiadas para análise dos relatórios e votos, tendo com critério a maior ou menor relação com o tema proposto.

6.1. Mortalidade materna

Nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 50, ocorreram intensas modificações no padrão da morbi-mortalidade no Brasil. Podendo destacar o descenso dos níveis de mortalidade infantil (redução de 64%, de 1940 até a década de 90), a diminuição de quase 30% das taxas de mortalidade materna entre 1981 e 1988 e a redução da participação da mortalidade proporcional das doenças infecciosas e parasitárias que, em 1930, eram responsáveis por mais de 45% do total das mortes e, na década de 90, representavam aproximadamente 5%(42).

A mortalidade materna é um importante indicador de saúde por refletir as condições de assistência ao pré-natal, parto e puerpério, os aspectos biológicos da reprodução humana e as doenças agravadas ou provocadas pelo ciclo gravídico-puerperal. Como mortalidade materna se compreende a morte durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o seu término, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pelo estado gravídico ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais(43).

As taxas de mortalidade materna, em geral, são calculadas tendo como numerador o número de mortes maternas nesse conceito e como denominador o número de crianças nascidas vivas, ou seja, o coeficiente de mortalidade materna no Brasil é o cruzamento de dados sobre os registros de mortes maternas (DataSUS) e nascidos vivos (IBGE).

A mortalidade materna está associada a diversos fatores, entre os quais se destacam: a) as taxas de fecundidade vigente, e b) o acesso e a qualidade dos serviços de controle pré-natal e parto assistido, correspondem, hoje, por cerca de 6% dos óbitos de mulheres de 10 a 49 anos no Brasil, sendo que destes 90% são evitáveis.

Ressalta-se, também, os problemas recorrentes da certificação médica desta causa específica de morte e, consequentemente, da fidedignidade das estimativas obtidas, a morte materna é a mais subinformada, quer dizer, é a morte onde se omite com maior frequencia que é decorrente de complicações na gestação, parto ou puerpério, estima-se que para cada morte declarada como materna existe uma que não foi declarada com tal(44). Desta forma, se os dados atuais indicam que no Brasil, em 1997, a taxa de mortalidade materna foi de 55,1 por 100 mil nascidos vivos, na realidade deve estar, no ano referido, muito próxima de 110 por 100 mil nascidos vivos. Este valor aproxima o Brasil dos países mais pobres da América Latina.

As quatro principais causas de morte materna no Brasil são: síndromes hipertensivas, hemorragias, complicações do aborto e as infecções puerperais, que são causas obstétricas diretas, responsáveis por 89% das mortes maternas no Brasil(45). As causas obstétricas diretas são mais evitáveis que as indiretas, pois dependem da qualidade da assistência durante o ciclo gravídico-puerperal. Estudo realizado na França mostrou que 66% dos óbitos ocorridos no período estudado eram evitáveis, sendo que 54,1% foram devidos à inadequação da assistência, 10,8% à negligência da paciente e 2,7% à má prática. Os problemas assistências ocorrem principalmente nas causas hipertensivas e nas hemorrágicas, seja pela inexperiência do médico em cuidar da doença seja pela demora em admitir a gravidade do caso(46). No Brasil, em 1995, as mortes devidas às síndromes hipertensivas apareceram em 29% das declarações de óbito; as síndromes hemorrágicas, em 17%; o aborto, em 9%; e as infecções puerperais, em 6% dos casos(47).

Dentre as causas de morte materna não se pode esquecer que, além das complicações anestésicas, as infecções e hemorragias estão relacionadas à via de parto, principalmente à cesariana. Pesquisa realizada por Tanaka e Mitsuiki, em 1999, mostrou que, para os 15 municípios estudados, a taxa de morte materna por cesariana foi 3,7 vezes maior do que no parto normal, cujos coeficientes foram de 46,20 e 12,57 por 100 mil nascido vivos.

O aborto é a terceira causa de óbito no país, o que demonstra a completa falência da assistência à população, visto a garantia constitucional do planejamento familiar. A morte de mulheres por aborto indica que as ações de planejamento familiar não estão funcionando adequadamente. Associado a isso, existe a questão da sua criminalização, que contribui como agravante do problema, em decorrência da clandestinidade e da maior vulnerabilidade das mulheres pobres.

A mortalidade materna levou o Estado a incrementar seu rol de estratégias para a redução do problema e implementação de um sistema de vigilância do óbito materno. A Portaria nº 773/94 do Ministério da Saúde, institui o Comitê Nacional de Mortalidade Materna e o óbito materno passou a ser evento de notificação compulsória face a Resolução nº 256/97 do Ministério da Saúde.

Considerando que a mortalidade materna refere-se, em sua maioria, a precariedade da assistência, é importante destacar que a relação usuário X serviço de saúde (médico/hospital), é uma relação que possuiu guarda no Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/90. O Código de Defesa do Consumidor veio para proteger a vida quotidiana dos sujeitos, enquanto parte de relações de prestação de serviço, oferecendo-lhes mecanismos próprios e adequados para a sua defesa, em caso de patologia na relação de consumo, mas antes de tudo fornecer meios hábeis à prevenção da mesma(48).

Entre as ementas pesquisadas, afim de obter ações pertinentes a mortalidade materna, 63 relacionavam-se a questões contratuais (pagamento do parto, plano de saúde etc.). Em comparação com o número de mortes de mulheres as ações judiciais (impetradas pelos filhos ou maridos/companheiro) são poucas. Talvez em decorrência da não compreensão da violação à direito, de quem pleteia judicialmente a responsabilidade, civil ou penal, pela morte, ou dificuldade de acesso à justiça.

A necessidade de verificação de culpa inexiste nos casos de morte materna e as poucas ações encontradas referem-se a dano moral e material, utilizando-se principalmente do Código de Defesa do Consumidor e apenas uma de responsabilidade penal, que pressupõe a culpa e o dolo. Um exemplo desta relação, em que provar a culpa é secundário face a responsabilidade objetiva, ou seja, responsabilidade pelo resultado, é o caso Schering do Brasil, uma empresa farmacêutica que manteve no mercado pílulas anticoncpecionais inertes. A relevância deste caso é a utilização do princípio da responsabilidade objetiva para garantia reparação da violação ao direito da consumidora:

Responsabilidade civil do fabricante. Anticoncepcional inerte. Defeito do produto reconhecido. Ingestão pela autora não provada. Imposição do pagamento de despesas do parto em antecipação de tutela.

A prova inequívoca, parte o efeito de antecipação de tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena dispensa-se juízo de certeza, bastando a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. (AI 599 172 343/RS)

A empresa Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda, interpôs recurso da decisão que determinou o "pagamento das despesas necessárias a todos os procedimentos laboratoriais e hospitalares para o parto, até a alta da autora", na ação de reparação de danos decorrentes de gravidez indesejada, provocada por ingestão de medicamento inerte (Microvilar-teste). A decisão de responsabilização da empresa teve por base o artigo 12 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):

"O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bom como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos."

Esta decisão acolhe os postulados da responsabilização objetiva, ao desconsiderar, no plano probatório, quaisquer investigações relacionadas com a conduta do fornecedor. Na linha da responsabilidade objetiva encontram-se as ações decorrentes de problemas no parto, esterilização involuntária e mortalidade materna.

Outro exemplo é a Apelação Cível nº 595060146/RS:

Responsabilidade Civil.. Morte por infecção contraída em hospital. Entidade hospitalar, pessoa jurídica. Aplicação dos preceitos contidos no código do consumidor.

É o hospital, pessoa jurídica, civilmente responsável pela reparação por danos materiais e moral sofridos por familiares de pessoa que, por infecção hospitalar contraída durante internamento, vier a morrer. Hospital que não presta apenas serviço de hotelaria, mas fornecedor do equipamento e instrumental cirúrgico, empregador do corpo de funcionários, mesmo graduados, além de credenciador do corpo médico, sendo, consequentemente, responsável por tudo o que ocorrer no período de internamento do paciente, inclusive e especialmente no campo da responsabilidade por dano que decorrer à saúde ou vida do paciente. Responsabilidade só afastada se o dano decorrer do imponderável, do fortuito ou da força maior, causas externas ou excludentes de responsabilidade. Ademais, entidade prestadora de serviços, está, o hospital, sujeito ao Código do Consumidor, inclusive no que diz com a inversão do ônus de provar e ao princípio da responsabilidade objetiva.

A responsabilidade objetiva se difere da responsabilidade subjetiva, por não pressupor a necessidade de comprovar a culpa ou dolo, valendo-se da presunção a partir do resultado. A verificação da responsabilidade do médico não deve atrapalhar a responsabilização do hospital, sendo, em alguns casos, ambos responsáveis:

Processual Civil. Agravo de Instrumento. Ação de Indenização Ajuizada contra o Hospital de Clínicas. Denunciação da Lide. Indeferimento.

Tendo em vista que a pretensão do autor está fundamentada na responsabilidade objetiva do hospital e o direito de regresso deste é baseado na responsabilidade subjetiva de preposto seu, não se defere a denunciação da lide, que poderia ensejar a produção de provas estranhas à matéria postulada na inicial, prejudicando o andamento da lide principal.

Os votos explicam melhor o significado desta ementa:

A denunciação da lide foi indeferida com base em precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça segundo o qual não se defere a denunciação que implique o exame de fundamento novo, não constante da lide originária. Com a pretensão do autor está fundamentada na responsabilidade objetiva e o direito de regresso do agravante é baseado na responsabilidade subjetiva de subordinado seu, o despacho agravado deve ser mantido, sob pena de violar o objetivo precípuo do instituto que é o de assegurar a celeridade da solução da lide instaurada entre denunciante e denunciado. Acrescenta-se a isto que o autor não pode ter o andamento de sua causa prejudicado pela discussão entre o agravante e o eventual denunciado sobre a existência ou não da obrigação de regresso, muito menos quando isso pode ocasionar a necessidade de provas acerca de matéria estranha àquela postulada. Em face o exposto, nego provimento ao agravo.

A possibilidade de utilizar a via civil, com base nos Princípios do Código de Defesa do Consumidor abre uma nova perspectiva para exigir do Estado serviços condizentes com sua própria previsão: O artigo 2º da Lei 9263/96 que regulamenta o x 7º do artigo 226 da CF/88 define planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal(49). O artigo 3º afirma, ainda, ser o planejamento familiar o conjunto de ações de atenção integral à saúde e de atenção à mulher, ao homem e ao casal, obrigando as instâncias gestoras do SUS a garantir tais ações e programas de atenção integral à saúde que incluam, entre outras atividades básicas, a assistência à concepcão e contracepção, o atendimento pré-natal, a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, o controle das doenças sexualmente transmissíveis, o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis.

Além da possibilidade de ação individual (de caráter reparador) face a violação, morte materna evitável, há a possibilidade de acionar o Estado enquanto responsável pela garantia do direito social à saúde (caráter preventivo), tendo como base a própria Lei de Planejamento Familiar (Lei 9263/96) e as responsabilidades, presentes nas Convenções assumidas e ratificadas internacionalmente pelo Brasil. Ademais, face o número de mortes maternas e a consciência de que 90% destas seriam evitáveis, os baixos processos reforçam a existência de uma lógica seletiva no direito, que mesmo com a existência do fato, o seu significado social não apresenta relevância ao ponto de acionar os mecanismos jurídicos formais do Estado.

6.2 Esterilização de Mulheres

A consagração no Brasil da prática da esterilização feminina como método de contracepção, proporcionando às mulheres brasileiras o controle definitivo de sua fecundidade, trouxe à tona contradições do debate sobre direitos reprodutivos num país marcado por profundas desigualdades sociais e alvo de políticas demográficas de controle populacional.

A taxa de esterilização feminina das mulheres brasileiras que possuem parceiro fixo e usam algum método contraceptivo, com idade entre 15-49 anos, passou de 26.9% em 1986 para 40.1% em 1996, aumentando 49.07%, o que situa o Brasil entre os países com uma das mais altas taxas de esterilizações femininas do mundo. Este dado também está relacionado ao abuso de partos cirúrgicos que passaram de 31.6% em 1991, para 36.4% em 1996. Cabe lembrar que 74% das esterilizações no Brasil são realizadas no momento do parto, das quais, 80% em um parto cesáreo(50). Segundo Daphne Rattner, do Instituto de Saúde da Secretaria de São Paulo, um dos fatores que possam ter contribuído com o acentuado número de partos cesáreos no Brasil, mesmo com os riscos conhecidos, é a adoção de um paradigma "medico", proveniente dos EUA, ao contrário do "social" dos países Europeus e Japão, cuja diferença básica centra-se na lógica controlista e risco zero do parto, tirando da mulher o principal gerenciamento do processo(51). Ainda nesta lógica Tânia Di Giácomo do Lago, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, 2000, salienta o fato de que os médicos recebiam pela cesárea o equivalente ao parto, sendo aquela mais cômoda em termos de organização do serviço. Entre as medidas adotas pelo Ministério da Saúde para reverter este quadro, face os riscos de saúde à mulher e os custos do Estado, estão o aumento em 30% para os médicos que fizerem parto, a equiparação de enfermeiras obstétricas, limite de 40% de cesáreas por hospital e o prêmio Galba de Araújo que visa reconhecer o trabalho mais humanizado(52).

A vinculação entre escolaridade e esterilização ressaltam que a queda da fecundidade está associada à generalização do conhecimento e do uso de métodos contraceptivos na sociedade brasileira. Apesar dos anos mais recentes simbolizar para uma maior diversidade dos métodos contraceptivos a esterilização continua sendo o método mais freqüente(53). Por outro lado, a idade média das mulheres que se esterilizam diminuiu de 31.4 anos em 1986 para 28.9 anos em 1996, indicando aumento de precocidade na decisão de não mais procriar(54). Os argumentos a favor da esterilização baseiam-se em inúmeros fatores, entre os quais, destacam-se: 1. a falta de outras opções contraceptivas; 2. a sua eficácia contraceptiva; 3. a não verificação de efeitos imediatos sobre a saúde das mulheres e 4. a sua característica de atuar sem a necessidade de controle diário.

É inócuo desvincular a prática de esterilização das mulheres brasileiras das desigualdades sociais existentes no país. As regiões mais pobres do país, por exemplo, são as que têm as mais altas taxas de esterilização e estas aumentam conforme diminui os anos de escolarização, mostrando-nos o alcance desta prática entre as camadas mais pobres da sociedade(55). Ainda há o agravante relacionado às dificuldades que ainda enfrentam as redes públicas de saúde em oferecerem um serviço integral de anticoncepção, acabando por colocar as mulheres diante uma perigosa encruzilhada: esterilização, aborto clandestino ou gravidez não planejada(56).

A partir da lógica dos direitos reprodutivos, o debate sobre a esterilização feminina no Brasil levantou vários problemas, num primeiro momento com o caráter de denúncia contra o crescimento inexorável do fenômeno, resultado das práticas políticas controlistas de natalidade, ressaltando: a) sua aplicação como política de controle do crescimento das populações mais pobres no país e/ou da raça negra; b) sua associação com partos cesáreos; c)o desconhecimento de suas conseqüências à saúde das mulheres; d) seu caráter definitivo e o arrependimento que pode provocar; e)o distanciamento das mulheres esterilizadas do funcionamento reprodutivo de seus corpos. Isso reforçou uma redefinição das práticas do Estado, facilitando a incorporação de uma políticas mais condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana, que ocorreu, inicialmente com o programa de assistência à saúde da mulher: PAISM.

A permanência e o aumento da esterilização na sociedade brasileira modificou o teor do debate e, nesta década, passou-se a tratar de sua regulamentação, sem enfrentar diretamente questões como problema de pobreza, da desigualdade social, discriminação, qualidade dos serviços, qualificação técnica etc..

O estatuto jurídico da esterilização nunca foi muito claro no país, discutia-se a juridicidade desta prática, sendo que parte da doutrina considerava a esterilização cirúrgica como ilícito penal, a teor do art. 129 x 2º, III do Código Penal, já que dela resulta a inutilização de função orgânica, configurando-se, portanto, lesão corporal de natureza gravíssima. Nessa linha de raciocínio, a autorização do paciente, não afastaria a ilicitude do ato. Outros doutrinadores preferiam enquadrar a esterilização voluntário no campo dos direitos privados da personalidade(57).

Em agosto de 1997, os vetos aos artigos 10, 11, 14 e 15 da Lei 9.263/96 que regulamenta o x 7º do artigo 226 da CF/88 foram afastados, retornando à lei os dispositivos referentes à esterilização cirúrgica do homem e da mulher. Atualmente, conforme o artigo 10 da lei é permitida a esterilização voluntária, desde que cumprida uma série de formalidades previstas para desencorajar a opção por tal método de controle de fecundidade, em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos. A lei proíbe, ainda, a esterilização no período do parto e aborto, e através de histerectomia (remoção do útero, em extensão variável) e ooforectomia (extirpação de ovário em extensão variável). O artigo 12 da lei proíbe a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica. O art. 13, reafirma a proibição existente na Lei 9.029/95 de exigir-se atestado de esterilização ou teste de gravidez para quaisquer fins. No capítulo II, arts. 15 a 21, a lei cuida dos crimes e penalidades para o caso de descumprimento das previsões nela contidas. Passam a ser crimes: a) a omissão por parte do médico de notificação à autoridade sanitária das esterilizações cirúrgicas que realizar, art. 16; b) induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica, art. 17; ou c) exigir atestado de esterilização para qualquer fim, art. 18. O artigo 14, parágrafo único da Lei 9263/96, apresenta os critérios para autorização das instituições interessadas em fornecer os serviços de esterilização.

Ainda, acerca da legislação, é importante destacar as iniciativas dos municípios em disponibilizarem o serviço gratuito, por exemplo a Lei 45/98 da cidade de Novo Hamburgo/RS. Porém, foi considerada inconstitucional por ter sido iniciativa da Câmara dos Vereadores e não do Executiva (incremento de gastos para o executivo: vício de origem na propositura da lei).

Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pode-se perceber que parte do Judiciário tem como pressuposto para decidir as demandas sobre esterilização a capacidade civil do demandante. A exemplo a apelação civil AC 596 210 153/ RS, cuja ação visava obter determinação judicial quanto à ligadura tubária de uma mulher interditada, a fim de evitar nova e inconveniente gravidez, com riscos à interdita e ao filho:

2. Mérito. Ação Cautelar Inominada. Esterilização de Interdita. Inexiste amparo legal, moral ou científico para a pretensão da laqueadura das trompas da interdita. Apelo desprovido, por maioria (AC 596 210 153/ RS).

O voto do desembargador explica a decisão:

As pessoas capazes fazem isso todos os dias e a negativa em relação à curatelada a diferencia por ser incapaz, em infração aos arts. 5º e 6º da Constituição Federal. Nega, também, o disposto no x 7º, art. 226 da mesma Carta, pois ali se prevê que há possibilidade de planejamento familiar.

O recurso visa obter referendo judicial para a esterilização da interdita. Não há amparo legal, moral ou sequer científico para tal pretensão. Se as condições de internamento da interdita são insatisfatórias, permitindo que ocasionais escapadas venham a ensejar o contato sexual com homens, o que poderá propiciar nova gravidez, o problema é do apelante, que deverá tomar precauções para que maior vigilância seja exercida sobre a enferma. O que não se pode é transferir para o Judiciário a responsabilidade por uma solução simplista, mas que representa uma forma fascista de resolver um problema individual. A medida judicial, se deferida, irá remeter-se à nefanta Lei racista alemã de 14 de julho de 1933, que previa a esterilização de anormais, por motivos eugênicos.

Merece destaque neste voto o afastamento do Estado da prática sexual da interdita. Porém, afirma o juiz que a curatela a diferencia por ser incapaz. O voto não permite afirmar a relação direta entre a incapacidade e a prática sexual, porém, cabe o questionamento se a postura e a base moral da decisão do judiciário seria a mesma no caso de mulher plenamente capaz? A conduta feminina sempre esteve relacionada com o universo da sua capacidade, sendo compreendida como ausente ou limitada na prática de condutas não condizentes com a lendária idéia de "mulher honesta", presente no direito brasileiro.

O voto vencido, a favor da esterilização, argumenta tendo como base os direitos sexuais da interdita:

De primeiro, gostaria de referir que não vejo na pretensão - pedido de realização de cirurgia esterilizadora de um incapaz – indevida interferência do Estado na vida das pessoas. Aliás, essa é a finalidade da estruturação social: resolver os problemas que se abatem sobre o cidadão, soluções estas que devem ser dadas pelo Poder Judiciário. De outra parte, não enxergo no pedido violação a qualquer dos direitos individuais. Fácil e cômodo é deixarnos ao curador, ou ao estabelecimento onde se encontra internada a interdita, a tarefa de impedir que mantenha contatos sexuais. Não consigo deixar de ver nessa postura um certo ranço preconceituoso de limitar o exercício da liberdade sexual, como única forma impeditiva da gravidez. Impedir a gestação de alguém que só tem a capacidade reprodutora física e não tem condições de manter um filho sob sua guarda não configura a tentativa de purificação da raça referida pelo relator.

No voto divergente há, com base na lógica dos direitos sexuais e reprodutivos, uma incoerência argumentativa. De certa forma a desembargadora defende o exercício da sexualidade da interdita, sendo este um direito e estando desvinculado da capacidade reprodutiva. De outro lado busca a gerência do Estado como forma de garantir o seu direito, firmando uma dependência direta entre sexualidade e ação estatal. Cabe ressaltar que o objeto da ação é a incapacidade da interdita, porém, apesar da discussão versar sobre o universo da capacidade da mulher, em nenhum momento é enfrentada diretamente. Os argumentos que justificam a decisão são buscados na moral e na ética e não no pressuposto para efetivação de uma esterilização: a consciência da vontade individual, eis que esta pressupõe o pleno exercício da cidadania. A preocupação centra-se na não gravidez, no controle reprodutivo de forma a não comprometer o Estado com ações vinculadoras a uma lógica nazista, ao exercício arbitrário da sexualidade. Os argumentos associados a preservação da capacidade reprodutiva compõe o cerne argumentativo que não concede a validez do ato de esterilização. Limitar a capacidade reprodutiva desta mulher, que já apresenta diminuição da sua capacidade social relacional, implicaria em limitar o seu significado na sociedade.

Com base no voto divergente o réu interpôs embargos infrigentes, por entender que este avaliou a situação fática com bom senso e realismo, eis que a interdita é pessoa manifestamente promíscua, devendo, assim, prevalecer o voto minoritário por seus próprios fundamentos.

A decisão mantém o indeferimento da esterilização, ressaltando que a excessiva preocupação com a interdita, quanto a concepção, ignora perigos como a contaminação de HIV/AIDS e outras doenças. O relator tece um panorama da situação da mulher na sociedade e a vinculação direta a sua capacidade reprodutiva como sua "razão de ser":

Mulher portadora de doença mental, que a incapacita para os atos da vida civil, sem vontade de consentir, não cabe ser esterilizada, através de uma ligadura de trompas, para que deixe de engravidar. O pedido de seu curador, se autorizada a esterilização, está a abrir um precedente perigoso e terrível. O avanço da ciência poderá mais tarde até curar a psicose de que é portadora a interdita, que se submetida a uma esterilização, perderá a possibilidade de procriar, pois não há garantia de ser reversível o ato cirúrgico. O irmão, curador da interdita, quer liberá-la para o sexo, quando outros meios existem para controlar a concepção.

(EI 597185271/RS)

Apesar de haver um estranhamento social quanto a prática da esterilização esta é amplamente utilizada no Brasil. O direito, enquanto um sistema aberto (passível de valorações), tem uma capacidade "seletiva", a partir do que compreende como "relevante". O exercício do judiciário não se reduz a prestação judicial, mas envolve toda a dinâmica das delegacias de polícia, da confecção de provas e, principalmente, da compreensão de direitos da sociedade. O que talvez explique a ausência de julgamentos tendo como objeto a esterilização de mulheres, mesmo que socialmente esta tenha ocorrido indevidamente antes de 1996 (Decreto nº 20931/31(58)), ou sem os critérios estabelecidos na Lei 9263/96.

6.3.Aborto

Quando se pensa a questão do aborto é importante ter presente duas perspectivas: a) a saúde e b) as relações de poder que envolvem o tema: pensar o aborto enquanto metáfora para as questões democráticas que envolvem as relações de poder no Brasil, principalmente no que versa sobre a sexualidade. Eis que o direito ao aborto só é conquistado a partir do reconhecimento do direito à autonomia individual, e como forma de contestação do poder do Estado em legislar sobre questões de intimidade do indivíduo. Nesse sentido nos serve como metáfora para as questões que pressupõe o alargamento das dimensões da democracia e o reconhecimento da autonomia para a real incorporação da idéia de igualdade, muitas dessas questões estão na pauta dos movimentos sociais, principalmente o movimento de mulheres. Esse "alargamento" implica num Estado cuja prática, não deve estar calcada na moral religiosa ou de categorias de poder, mas sobre os direitos humanos, já universalmente reconhecidos e, no caso dos direitos reprodutivos sobre quatro princípios éticos: integridade corporal, autonomia pessoal, igualdade e diversidade(59).

Leila Linhares(60) chama a atenção que o que está em pauta não é o retórico discurso de proteção à vida, mas o exercício efetivo de autonomia e cidadania. A questão "ter direito de escolha a..." engloba tanto o aborto quanto o método anticoncepcional a ser usado, que pode ser condicionado pelo modelo de assistência, pelas leis do mercado ou pela ordem religiosa, porém, sempre relacionados. Evidenciando a complexidade desta relação. Pensar aborto sem ter presente esta dinâmica é enfrentar o problema de forma parcial.

Estima-se que, em 1998, no Brasil, tenham sido realizados 728 mil abortos ano, quase 350 mil abortos a menos em comparação com o ano de 1996(61). Esta queda talvez se explique pela dissiminação do Cytotec(62) e pela utilização da pílula anticoncepcional de emergência. O que é importante perceber nestas cifras é que, segundo dados da OMS/87, 80 mil mulheres morriam por ano decorrente de aborto, número responsável por 13% das 600 mil mortes maternas da época, uma cifra que denota o peso da criminalizarão e a ineficiência dos serviços de planejamento familiar.

No direito positivo brasileiro, o aborto é tratado no Código Penal em seus artigos 124 e 128, nos quais se encontram a descrição e as penas para cada tipo. Assim, a mulher que provoca aborto em si mesma ou consente que o provoquem incorre em pena detenção de um a três anos (art. 124), que é a mesma pena cominada em caso de homicídio culposo. Provocar aborto sem consentimento da gestantes sujeita o agente a uma pena de reclusão de três a dez anos (art. 125); se há o consentimento, tal pena é reduzida para reclusão de um a quatro anos (art. 126), sendo inválido tal consentimento se a gestante é maior de 14 anos ou é alienada ou interdita.

O aborto é crime, prevista na lei penal. Porém, para saber se uma conduta é ou não criminosa, não basta verificar se ela é ou não típica, por exemplo, o homicídio é típico, porque está descrito no artigo 121 do Código Penal: matar alguém, mas se uma pessoa mata alguém em legítima defesa, não pratica nenhum crime. Isso porque segundo o Direito Penal, a legitima defesa exclui a antijuridicidade da conduta típica. Assim, para que um fato típico (que está na lei) seja considerado crime, é preciso que, contrarie o direito. A lei penal, em certas hipóteses, afirma que, embora típica, a conduta não é criminosa, ou seja, não contraria o direito, como o caso da legítima defesa. Com relação ao aborto, este é penalizado por lei, salvo em casos de estupro e para salvar a vida da mulher, compreendido com aborto legal. O aborto legal(63) está previsto pelo Código Penal em seu artigo 128, relacionando-se aos casos em que não há punição pelo aborto praticado: aborto necessário ou terapêutico (resultado de estupro). A redação do inciso I do artigo 128:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Encontra-se consonante com os artigos 23 e 24 do Código, que prevêem a exclusão de ilicitude no caso de estado de necessidade. Assim, o médico pratica abortamento como a única forma de salvar a vida da gestante, pratica uma conduta típica, mas não comete crime. O artigo atribui ao médico a decisão sobre a necessidade de fazer ou não o aborto. O aborto necessário não depende do consentimento da gestante, como também não há necessidade de autorização judicial. No caso do aborto resultante de estupro, que exige para a sua configuração típica penetração vaginal, cabe salientar que a doutrina e os tribunais têm entendido por analogia que os atos libidinosos diversos da conjunção carnal devem ser equiparados à penetração vaginal, possibilitando, assim o aborto terapêutico.

Estes dois permissivos legais foram ameaçados de extinção por uma proposta de emenda constitucional em 1995, que visava proibir a prática do aborto provocado, mas não foi aprovada..

Segundo dados do Dossiê Aborto Inseguro(64) somente 11 Hospitais Públicos, em sete cidades brasileiras, realizam o aborto nos casos previstos por lei. A maioria dos Hospitais coloca tanta exigência que inviabiliza o procedimento. Desde 1991, o aborto aparece nas estatísticas como a terceira causa da mortalidade materna no país, assim como os demais países da América Latina.

Pelo projeto de reforma do Código Penal, em trâmite junto ao Congresso Nacional, o artigo 128 teria acrescentado um terceiro inciso prevendo a exclusão de ilicitude no caso de aborto motivado por anomalia fetal grave.

Neste sentido já existem decisões nos tribunais que permitem o abortamento nos casos de inviabilidade do feto:

Direito ao Abortamento Necessário

Decididamente, não há falar em reprovabilidade nem em censurabilidade de abortamento praticado em face das condições expostas na inicial, pois é inadmissível exigir da interessada que suporte a gravidez até o seu termo, com todas as conseqüências e riscos que até mesmo uma gravidez normal acarreta, para que, depois do nascimento, ocorra inevitavelmente a ocisão fetal.

É perfeitamente admissível e juridicamente cabível o procedimento judicial para a autorização da prática do abortamento nas hipóteses de caracterização de quaisquer excludentes de antijuridicidade ou culpabilidade. (Vara do Júri e Execuções Criminais da Comarca de Campinas – Juiz José Henrique Rodrigues Torres)

A aprovação de tal dispositivo viria aperfeiçoar a legislação brasileira aplicável ao tema, apesar de não contemplar plenamente as recomendações das Conferências do Cairo e Beijing, que propugnam o tratamento do aborto como uma questão de saúde pública e não como uma questão criminal, aconselhando que os países revisem suas legislações.

O levantamento dos casos de aborto nas bases de dados, tanto no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, bem como no Tribunal de Justiça do RGS, demonstram que a totalidade dos casos julgados, catalogados como referentes a aborto, chegaram a tal instância por questões de natureza processual, ou seja, que dizem respeito às formalidades intrínsecas ao procedimento adequado para o processo da causa, não atingindo diretamente o seu mérito.

O pequeno número de acórdãos versando sobre o crime de aborto, leva a refletir sobre a existência de uma seletividade de situações pelo poder judiciário, o que denota a menor ou maior importância do crime para a sociedade. No caso do aborto, essa seletividade, frente ao rigor com que é tratado na lei, pode ser explicada a partir da teoria da "reação social"(65) que parte do entendimento de que a criminalidade não é uma qualidade intrínseca da pessoa, mas resultado de um contexto social, ou seja, os tipos penais são previamente determinados, voltados a um publico específico, o que explica a grande concentração de analfabetos, pobres e negros no sistema prisional. Desse modo, a criminalidade surge através de um processo de criminalização que se dá duplamente: no momento da "definição" legal de crime, por meio do processo legislativo; e a "seleção" do autor do ato como um criminoso, através da polícia e do Judiciário(66). Essa teoria, adotada pela criminologia contemporânea (em especial pela denominada criminologia crítica) desloca o interesse do estudo do criminoso ou do próprio ato para a sociedade e sua reação frente a conduta desviada - para isso, utiliza o sistema penal como objeto demonstrativo de tal reação, sendo este a fonte do tipo penal perseguido: procura-se indicar no interesse de quem, contra quem e de que modo é exercido o controle social.

Esta teoria serve a compreensão do papel que o aborto ocupa nas relações sociais, eis que de um lado há o rigorismo de sua proibição, o que identifica a moralidade que permeia o processo de sua positivação, o excessivo interesse de regulação e o controle social que exerce sobre a mulher, mais especificamente sobre sua prática sexual, de outro, o pequeno número de julgamentos demostram pouco interesse na punição do crime de aborto.

Nessa linha de reflexão, observa-se que a questão do aborto, para a sociedade, parece estar vinculada à problemática da moral sexual. Assim, talvez não fosse tão surpreendente o fato do aborto ser pouco punido, ainda quando resulta na morte da gestante, posto que a atitude "imoral" que a levou à gravidez indesejada e, consequentemente, ao recurso extremo do aborto, seria vista como o elemento principal que motivou sua morte. Segunda Leila Linhares:

Não há, na realidade, uma pressão social contra a prática do aborto. Para a maioria das pessoas, esse é um assunto da vida privada e muito poucas pessoas sairiam de suas casas para denunciar quem o pratica à polícia. Esses diferentes significados e comportamentos em relação ao aborto demonstram, também, que não há uma unidade no Estado em relação a assunto. O Poder Legislativo o condenou através do Código Penal, mas o Judiciário mostra-se pouco à vontade para puní-lo e o Executivo, através da polícia, ou "fecha os olhos" à existência de clínicas que o realizam ou se torna cúmplice da chamada "indústria clandestina do aborto."(67)

O aborto é o último recurso para a não efetivação de uma gravidez indesejada, recurso este que, no contexto da ilegalidade, coloca em risco a vida das mulheres. É importante pensar que a sua criminalização pode configurar discriminação contra a mulher.

6.4.União entre pessoas do mesmo sexo

O movimento da década de 60 trouxe visibilidade para as práticas homossexuais, entretanto, as pessoas que possuem uma prática sexual fora dos padrões moralmente vigentes são vítimas de grande discriminação e violência.

O processo de reconhecimento de união entre pessoas do mesmo sexo teve como facilitador decisões do Poder Judiciário(68), que, em certa medida legitimaram as reivindicações dos movimentos sociais e adotaram as recomendações internacionais, principalmente da Coferência do Cairo, 1994 e do Plano de Ação de Beijing, 1995.

No sentido de minimizar o preconceito frente a orientação sexual, destaca-se a decisão do STF, Ministro Vicente Cernicchiaro, acerca de impossibilitar de que esta cerceie a credibilidade e igualdade da pessoa:

Direito à Igualdade e Não-Discriminação em virtude de Orientação Sexual

Testemunha homossexual. A história das provas orais evidencia evolução, no sentido de superar preconceito com algumas pessoas. Durante muito tempo, recusou-se credibilidade ao escravo, estrangeiro, preso, prostituta. Projeção, sem dúvida, de distinção social. Os romanos distinguiam – patrícios e plebeus. A economia rural, entre o senhor do engenho e o cortador da cana, o proprietário da fazenda de café e quem se encarregasse da colheita.

Os direitos humanos buscam afastar distinção. O Poder Judiciário precisa ficar atento para não transformar essas distinções em coisa julgada. O requisito moderno para uma pessoa ser testemunha é não evidenciar interesse no desfecho do processo. Isenção, pois. O homossexual nesta linha, não pode receber restrições. Tem o direito-dever de ser testemunha. Assim, se concretiza o princípio da igualdade, registrado na Constituição da República e no Pacto de San José de Costa Rica (STF – Resp. nº 154.857 – 6ª T, DJU, de 26.10.98 p.169)

No sentido das relações de união estável destaca-se a Apelação Cível 598362655/RS que embasa sua decisão no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que versa sobre os objetivos da República Federativa do Brasil, entre eles a não discriminação:

Apelação Cível. Declaratória de Sociedade de Fato. Relação Homessexual. Competência.

Processo envolvendo matéria de direito de família, relativo a sua existência frente ao ordenamento jurídico. Competência do 4º Grupo Cível, por interpretação do inciso III, do artigo 11, da Resolução nº 01/98. Declinaram competência.

No voto a juíza afirma que:

O pedido principal vai ao encontro de um fator social evidente, que anseia por uma análise consciente e ausente de preconceitos, pois assim pede o tema, sob pena de, negando-se a discussão, fechar-se os olhos à realidade social. Realidade esta que apresenta pessoas do mesmo sexo convivendo em uma relação amorosa, impregnada nos deveres inerentes a ambos os cônjuges trazidos pelo instituto do casamento, entre eles a fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e mútua assistência. Não se deseja enquadrar ou intitular tais relações como uma hipótese de casamento, este acompanhado de todas as suas formalidades legais, mas, sim, e apenas isso, dar o devido reconhecimento a uma situação de fato, eis que não pode o mesmo Estado que estabelece como princípio constitucional a não discriminação, persistir na marginalização dos seus. A negação do pretenso reconhecimento fundamenta-se na alegada eleição, pela Carta Magna de ser qualquer união constituída entre heterossexuais. Contudo – salvo melhor juízo – tal norma deve ser interpretada dentro do ordenamento jurídico, e deste extrair-se a correta decisão ( inciso IV, artigo 3º da CF/88).

Outro exemplo é o decisão da Oitava Câmara Cível, de 17 de junho de 1999, que definiu a competência das Varas de Família para situações que envolvem relações de afeto homossexual.

Relações Homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo.

Em se tratando de situação que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais.

Porém, não há passividade, no Poder Judiciário, em relação a prática sexual homossexual. Neste sentido, cita-se o acórdão proferido na 4ª Câmara Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo(69), que trata de julgamento referente a atentado violento ao pudor: a ré, mulher maior, teria constrangido, agindo por violência presumida, a menor ECMS, com idade de treze anos à época dos fatos, a praticar atos libidinosos. Tendo sido absolvida em sentença de primeiro grau, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, o Ministério Público recorreu, sendo negado provimento ao recurso. Do texto do acórdão destacam-se algumas passagens onde o preconceito ante a prática homossexual é flagrante.

Assim, ao referir-se ao depoimento da apelante na delegacia, diz:

A apelada, na Delegacia de Polícia, confessa ser homossexual e manter relacionamenteo amoroso com a vítima, inclusive praticando atos libidinosos.

Conforme observa Flávia Piovesan e Wilson Pirotta, o termo confessa abrange tanto os atos que poderiam caracterizar o ilícito, quanto a própria condição homossexual da inquirida. Na medida em que a confissão judicial denota a prática de ato ilícito, a orientação sexual da ré recebe um tratamento como se caracterizada uma ilicitude no âmbito penal, o que se coloca de forma claramente contrária aos direitos sexuais que lhe são garantidos não só pelos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, como pela Constituição Federal.

Mais adiante, citando trechos da peça apelatória do MP, prossegue o acordão:

Não resta dúvida tratar-se de fato grave. Neste sentido, o recurso acusatório: tamanha é a seriedade da situação que, justamente pela pouca idade da menor e sua inexperiência, poderia ter uma noção totalmente distorcida sobre a questão, de forma a propiciar que também tivesse, no futuro, o mesmo destino da apelada: a homossexualidade. Entretanto tal não aconteceu. A vítima diz ter voltado à normalidade de sua vida amorosa e sexual, tendo inclusive um namorado.

A argumentação do Ministério Público demostra-se clara quanto a sua posição frente a homossexualidade, classificando-a como algo anormal e distorcida.

Todo o sistema de proteção internacional aos direitos humanos, bem como a ordem jurídica interna atualmente vigente no Brasil, notadamente a Constituição Federal, propugnam a eliminação de todas as formas de preconceito, o que inclui os preconceitos de ordem sexual, um dos principais objetos dos direitos sexuais, sendo certo que os operadores do direito atuantes na estrutura judiciária brasileira estarão cumprindo de forma mais satisfatória suas funções ao tomar consciência de seu papel na consolidação dos direitos e garantias individuais e na eliminação de todas as formas de preconceito, como o exemplo das decisões de união estável.

Ainda tramita no Congresso Nacional o projeto de lei para União Homossexual, afim de dar segurança e reconhecimento social desta forma de relação afetiva e imputando ao estado a obrigação que lhe confere quanto aos direitos sexuais, que é não ingerência e a garantia da igualdade de tratamento.

Mais uma vez é importante ressaltar que os dispositivos que versam sobre as relações sociais, principalmente familiares, devem possuir o caráter explicativo, com interpretação calcada nos Princípios Constitucionais e não caráter taxativo, desvinculando a Justiça da realidade social e fazendo-a um instrumento de reiteração dos preconceitos.


7. Considerações finais

Em 1850 o Tribunal de Relação no Rio de Janeiro concedeu a alforria a uma mulher negra. O seu tutor entrará em juízo cobrando a promessa do seu senhor de que a libertaria mediante a prática sexual. Durante 20 anos ela foi estuprada, "cumprindo sua obrigação", mas nunca recebera a alforria. Em primeira instância a justiça compreendendo o escravo como coisa, não poderia imputar-lhe capacidade para participar de uma relação obrigacional, tampouco cobrar alguma obrigação.

O Tribunal, porém, compreendeu que obrigações também se firmam a partir de atos unilaterais de vontade, independente da capacidade e da existência da outra parte na relação, assim, libertaram a escrava(70).

Esta história ilustra as possibilidades existentes no universo dos direitos humanos e a necessidade de garanti-los, uma vez já estarem devidamento construídos e fundamentados. No universo dos direitos sexuais e reprodutivos existem novos problemas que remetem a velhas discussões, como a relação direitos individuais e direitos sociais, público e privado, estado e indivíduo. Esta velha dicotomia das relações sociais carece de novas idéias para ser ultrapassada, principalmente porque esconde, e por esconder reitera, práticas de constante preconceito, discriminação e exclusão.

Indiscutivelmente a realidade atual não se assemelha a do Brasil de 1800, porém herda antigos problemas. As vantagens são as alternativas de ação inexistente a época, como, no caso brasileiro uma Constituição Federal com princípios fundamentais na ordem de garantia da dignidade da pessoa humana e da não discriminação; Estados Democráticos, com um Poder Judiciário autônomo do Executivo, garantido limites necessários para a viabilização de uma sociedade democrática e, no âmbito internacional os Sistemas Globais e Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, como as Cortes Internacionais.

A relação com o Poder Judiciário deve ser destacada pela crítica que permeou todo este estudo: o caráter de constante interpretação e significação dos dispositivos. Deve-se pensar o Direito além da sua seara institucional, mas como um real e possível instrumento de modificação e crítica das relações de desigualdade social. O Direito, enquanto passível de moralidade, não pode reiterar preconceitos e desigualdade, cabe, porém, a sociedade organizada, e aí maior destaque às ONG’s, garantir este espaço de constantes resistências à todas as formas de exclusão. Exemplo disso, são as decisões já existentes, que podem e devem servir de referência para novas demandas judiciais e para incorporação pelo Estado brasileiro de conceitos trazidos com as ratificações das convenções de direitos humanos, que o comprometem, ainda mais diretamente na prática das políticas públicas, obrigando-se a ações que contemplem os compromissos assumidos.

Em resumo:

1.Pensar novos direitos exige uma reestruturação do conceito de cidadania;

2.Pensar direitos sexuais e reprodutivos pressupõe pensar as relações de desigualdade e poder existente nas sociedades modernas, sob o risco de reiterar preconceitos e construir políticas frágeis e inócuas;

3.Nenhuma declaração de direitos humanos, inclusive os documentos do Cairo e de Beijing, enuncia a liberdade de orientação sexual ou as diversas formas de sexualidade. Desse modo os direitos sexuais continuam a depender das interpretações atribuídas a essas declarações;

4.Os direitos reprodutivos e os direitos sexuais trazem a necessidade de novos instrumentos legais, de novos direitos sociais, fazendo surgir uma nova agenda para o exercício dos direitos tantos civis e políticos, quanto econômicos, sociais e culturais;

5.Os direitos sexuais e reprodutivos colocam na pauta da democracia questões de âmbito privado, diminuindo a dicotomia estrutural das práticas jurídicas e políticas de público e privado; porém há uma dificuldade de relacionar a lógica privada com a pública, o que pode, implicar em problemas epistemológicos.

6.As decisões jurídicas, jurisprudência, configuram-se como um espaço de definição, explicação, dos dispositivos jurídicos, o que contribui como precedente para novas decisões e práticas políticas;

7.O Direito, enquanto possibilidade política, é um instrumento pouco utilizado para modificar as relações de desigualdade social e garantir a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos.

8.Pelo fato do Direito também ser um sistema aberto, por ser passível de interpretação, os movimentos sociais e as práticas políticas são determinantes para a interpretação e construção dos dispositivos jurídicos;

9.Os movimentos sociais, principalmente as ONG´s, possuem um papel determinante para a construção e efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos e dos direitos humanos em geral.

10.O universo jurídico ainda é pouco utilizado como instrumento de reformulação das práticas sociais discriminatórias.

11.É necessário construir, para as demandas jurídicas de direitos sexuais e reprodutivos, a idéia de não discriminação e auto determinação.


NOTAS

1. Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero é uma ONG do RS que desenvolve trabalhos na promoção dos direitos humanos das mulheres (mail: [email protected]).

2. Categoria de classificação é o termo utilizado para explicar o significado do fenômeno dentro de determinado contexto, e o quanto (a explicação do fenômeno) é variável. O exemplo mais tranqüilo é a compreensão de uma determinada conduta criminosa, o que era crime no início do século XIX necessariamente não tem a mesma representação hoje; fortes agentes de mudança de "categoria de classificação" são a lei interna, como também os tratados internacionais, as plataformas de ação e as decisões nos tribunais.

3. Segundo Antônio Augusto Cançado Trindade as Conferências contribuem significativamente no tratamento e reavaliação global da matéria a que se propõe. A exemplo a Conferência de Teerã que propiciou o reconhecimento e asserção, endossados por resoluções subseqüentes da Assembléia Geral das Nações Unidas, da inter-relação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos. As Conferências passam a fazer parte da doutrina dos direitos humanos. Ver TRINDADE, A.A Cançado. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. San José, CR: IIDH, ACNUR, CIVC, CUE, 1996. Pg. 46.

4. No site do STF (http://stf.org.br) é possível acessar o do STJ e de alguns Tribunais de Justiça que já estejam disponibilizados na internet.

5. Acórdãos são decisões prolatadas por tribunais, em processos de sua competência originária ou em sede recursal, por um órgão colegiado, normalmente composto de três juizes.

6. Ementa, derivado do latim ementum (pensamento, idéia), de e e mens (juízo, razão, mente), no sentido próprio do Direito pode ser compreendida como um texto referencial, um resumo dos princípios expostos em uma sentença ou em um acórdão, é a expressão de uma jurisprudência (decisão de tribunal superior).

7. Como direito material adota-se a definição da análise dos fatos, da relação norma e fenômeno social, já direito formal são questões de âmbito processual, da técnica jurídica.

8. CORREA, Sonia. PECHASTKY, Rosalind. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma perspectiva feminista. In: PHYSIS – Revista de Saúde Coletiva, Ed. UERJ/IMS, 1996.

9. É importante ressaltar que a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres teve início com as primeiras normas internacionais de proteção à maternicade, em 1919 no OIT. Na década de 30 a 50, o direito ao voto. Na década de 70 a Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 1979, pode simbolizar um marco na conquista dos direitos das mulheres porque além de dispor sobre os direitos da mulher obriga diretamente os países membro à ações concretas, caracterizando como uma Convenção com poder delegado, além de discricionário. Em 1993, a 2ª Conferência sobre Direitos Humanos de Viena endossou a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, estabelecendo que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A Conferência de Viena acrescentou que a violência contra a mulher constitui violação aos direitos humanos, afrontando a dignidade humana. Em dezembro de 1993, a ONU adotou a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, que serviu como base à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, aprovada pela OEA, em 1994.

10. DORA, Denise Dourado. No Fio da Navalha. In: Direitos Humanos, Ética e Direitos Reprodutivos. p.37. Ed. Themis.

11. NUNES, Maria José Fontelas Rosado. De Mulheres, Sexo e Igreja: Uma pesquisa e muitas interrogações. In: Alternativas Escassas. Saúde, Sexualidade e Reprodução na América Latina. São Paulo PRODIR; Rio de Janeiro, Ed.34, 1994. p. 180 e 181.

12. AVILA, Maria Betânia. Modernidade e cidadania reprodutiva. In: Estudos Feministas. Rio de Janeiro: Ciec/ECO/UFRJ, 1(2), 1993.

13. A relação entre as políticas de controle demográfico e os anticontrolistas data de meados da década de 60. O pensamento controlista surge concomitantemente à época que nos EUA imperava a política de ajuda aos países latino-americanos, no qual, como condição para ser ajudado economicamente, deveria adotar programas e estratégias voltadas à redução do crescimento demográfico. Ressalta-se que ainda hoje nos contratos e convênios internacionais assinados pelo Brasil, são encontradas cláusulas que explicitam o compromisso com o controle populacional.

14. Freud conclui que: 1. há uma separação entre sexualidade e relação sexual genital; 2.quebra da inocência das crianças, quando fala do processo de erotização que ocorre desde o nascimento, 3.a sua independência frente o objeto de desejo, ou seja, a singularidade e 4.ao admitir a existência da bissexualidade. (ARRILHA, Margareth. 9º Programa de Estudos em Sáude Reprodutiva e Sexualidade, NEPO – Núcleo de Estudos de População,, 08 a 26 de maio de 2000, UNICAMP/Campinas).

15. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1977.

16. Crescimento do movimento feminista, gay e lésbico na década de 60 e sua afirmação ao longo dos anos 70 e 80, principalmente ao se introduzirem como pauta nos estudos das ciências sociais e no direito.

17. BARBOSA, Regina Maria. PARKER, Richar. Sexualidade pelo Avesso – Direitos, Identidades e Poder. Rio de Janeiro, IMS/UERJ; São Paulo, Ed. 34, 1999. P. 09 – 12.

18. Por exemplo: crescente entrada da população feminina no mercado de trabalho, transformação das práticas sexuais, desenvolvimento e disponibilidade de tecnologias anticonceptivas, expansão dos modernos sistemas de comunicação etc..

19. PIOVESAN, Flávia. Temas atuais de direitos humanos. São Paulo, Limonad: 1998. pg: 168.

20. LINHARES, Leila. As Conferências das Nações Unidas influenciando a mudança legislativa e as decisões do Poder Judiciário. In: Seminário "Direitos Humanos: Rumo a uma Jurisprudência da Igualdade.", Belo Horizonte, de 14 a 17 de maio de 1998. Obra citada In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, pg.172.

21. Dossiê Aborto, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. 1998

22. MANN, Jonathan. Saúde Pública e Direitos Humanos. In: Revista da Saúde Coletiva. Vol. 6, número 1 e 2, 1996.

23. Ob. cit.

24. COOK, Rebecca. Los derechos humanos internacionales de la mujer: el camino a seguir, p.3. In: Derechos Humanos de la mujer: Perspectivas Nacionales e Internacionales. Ed: Rebecca Cook, 1995.

25. COOK, Rebbecca. Human Rights na reproductive self-determination, in: The American University Law review, Volume 44, 1995.

26. PETCHESKY, Rosalind Pollack. Direitos Sexuais: Um novo conceito na prática política internacional. In: Sexualidade pelo Avesso – Direito, Identidade e Poder. P. 17.

27. Parágrafo 96 da Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, Beijing, 1995.

28. CHIAROTTI, Susana. MATUS, Veronica. Guia para capacitação: dos direitos humanos aos direitos das humanas. São Paulo: Instituto para Promoção da Equidade – IPÊ, 1997. P. 42-47.

29. A Constituição Federal, além de orientar a prática dos tribunais, sob o legado dos princípios condicionadores das decisões, contém normas respeitantes à organização básica do Estado, ao reconhecimento e à garantia dos direitos fundamentais do ser humano e do cidadão, às formas, aos limites e às competências do exercício do Poder Público (legislar, julgar, governar). Ver, FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo, Atlas: 1988. Pg. 205.

30. Há uma diferença semântica entre adesão, incorporação e implementação, apesar de serem eventos relacionados e comporem uma seqüência lógica ocorrem em momentos e com conseqüências diversas. A adesão é o momento de ratificação, já a incorporação é o cumprimento dos critérios formais do Estado, ou seja, quando a norma ratificada passa pelo Congresso Nacional e a implementação reflete-se na harmonização da legislação interna com os tratados ratificados, a auto-aplicabilidade das normas internacionais de direitos humanos, as obrigações contraídas pelo Estado e o reflexo nas políticas públicas (controle da violência, erradicação da pobreza, educação em direitos humanos, promoção da igualdade etc.), quando o direito interno torna executória as normas internacionais. Em alguma medida incorporação confunde-se com implementação face o princípio da legalidade. Ver: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Editor), A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. San José, C.R.: IIDH, ACNUR, CIVC, CUE, 1996. Pg. 16, 17, 145.

31. TRINDADE, A.A. Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos –Fundamentos Jurídicos e Instrumentos Básicos, São Paulo, Ed. Saraiva, 1991. Pg. 630-635.

32. Para a teoria jurídica mais tradicional apenas os dispositivos justificam, legitimam e abrem novas possibilidades de práticas jurídicas e consequentemente estatais, cuja interpretação é dada pelos operadores de direito a partir de um racionalismo formal-instrumental. As teorias mais modernas ressaltam a necessidade desta interpretação dos dispositivos tendo como base os princípios constitucionais e de direitos humanos. Ver CADERMATORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade. PoA: Livraria do Advogado, 1999. Cadermatori utiliza a teoria Garantista de Luigi Ferrajoli para repensar a teoria jurídica a partir de uma proposta politico-constitucional, ou seja, uma readequação da teoria jurídica ao modelo trazido pela Constituição Federal de 1988.

33. Gênero diz respeito a ordenadores sociais, que transcendem corpos, práticas e identidades. É uma dimensão a partir da qual organiza-se o mundo e a vida. As dinâmicas do gênero estão atravessadas por posições de poder, que classificam e normatizam corpos, identidades, práticas, instituições, relações sociais etc.. Para este trabalho utilizaremos o conceito de gênero como uma categoria de análise das relações sociais de poder, ver SCOOT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, jul/dez.1990.

34. A Conferência do Cairo, 1994, como a de Beijing, 1995 e Viena, 1993, não são Convenções Internacionais, mas Programas de Ação. Em termos jurídicos não são fonte legislativa de direito, mas costumeira.

35. Capítulo 7. Parágrafo 7.1 e 7.2 da Conferência do Cairo.

36. A CEDAW foi ratificada pelo Estado Brasileiro em 1979.

37. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, p.178. ob. cit.

38. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2ª ed. São Paula: Max Limonad, 1997. passim. Ver, em especial, a página 59.

39. Inicialmente esta lei teve os artigos 10, 11, 14 parágrafo único, e 15 vetados pelo Presidente da República. Em 1997, tais vetos foram afastados, retornando à lei os dispositivos referentes à esterilização cirúrgica do homem e da mulher, que constituem sua maior inovação.

40. Ementa, derivado do latim ementum (pensamento, idéia), de e e mens (juízo, razão, mente), no sentido próprio do Direito pode ser compreendida como um texto referencial, um resumo dos princípios expostos em uma sentença ou em um acórdão.

41. Como direito material adota-se a definição da análise dos fatos, da relação norma e fenômeno social, já direito formal são questões de âmbito processual, da técnica jurídica.

42. CUNHA, Estela Maria Garcia de Pinto da. Módulo VII – Morbidade e Mortalidade. 9º Programa de Estudos em Saúde Reprodutiva e Sexualidade, NEPO – Núcleo de Estudos de População,, 08 a 26 de maio de 2000, UNICAMP/Campinas

43. MEDICI, André Cezar. Uma década de SUS (1988-1998) progressos e desafios. In: Saúde Sexual e Reprodutiva no Brasil. São Paulo, Editora Hucitec, Population Council, 1999.

44. Tanaka e Mitsuiki, 1999. In: Dossiê Mortalidade Materna, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2000.

45. DataSUS, Ministério da Saúde (Internet), dados de maio de 2000.

46. Bouvier-Colle e cols, 1995. In: In: Dossiê Mortalidade Materna, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2000.

47. Ministério da Saúde, 1998.

48. QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Responsabilidade Civil por Vício do Produto e do Serviço, RT, São Paulo: 1998, p. 91.

49. Destaca-se o fato de que a lei estendeu para o indivíduo o direito de decidir sobre o planejamento familiar, numa postura mais consonante com a reivindicações dos movimentos sociais atuantes na área dos direitos reprodutivos e com as recomendações internacionais sobre o tema.

50. Bemfam et al., 1997

51. 9º Programa de Estudos em Saúde Reprodutiva e Sexualidade, NEPO – Núcleo de Estudos de População, 08 a 26 de maio de 2000, UNICAMP/Campinas.

52. 9º Programa de Estudos em Sáude Reprodutiva e Sexualidade, NEPO – Núcleo de Estudos de População, 08 a 26 de maio de 2000, UNICAMP/Campinas.

53. Em 1996, 40% das mulheres em união estavam esterilizadas e 21% utilizavam pílulas anticoncepcionais. O condom (camisinha) é o terceiro método mais utilizado (Bemfam et al., 1997).

54. Bemfam et al., 1997.

55. 59.5% de mulheres unidas estão esterilizadas na região centro-oeste e 51.3% na região norte, contra 29.0% na região sul; 45.7% das mulheres com nenhuma escolarização estão esterilizadas, contra 35.7% das mulheres com 12 anos de escolarização, Bemfam et al., 1997.

56. BERQUO, Elza. Ainda a questão da Esterilização Feminina no Brasil. In: GIGGIN, K., Costa, S.H. (orgs). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. P. 113-126.

57. PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização voluntária do homem e da mulher. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 1985. 90p. (Dissertação de Mestrado).

58. O artigo 16 proíbe a ligação tubária e a esterilização masculina.

59. CORREA, Sonia. PECHASTKY, Rosalind. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma perspectiva feminista. In: PHYSIS – Revista de Saúde Coletiva, Ed. UERJ/IMS, 1996.

60. 9º Programa de Estudos em Sáude Reprodutiva e Sexualidade, NEPO – Núcleo de Estudos de População,, 08 a 26 de maio de 2000, UNICAMP/Campinas.

61. The Alan G. Institute, índices corrigidos pelo fator 3, ou seja, para cada aborto notificado estima-se que três abortos ocorreram.

62. Do final da década de 80 em diante, um medicamento indicado para tratamento de úlceras gástricas com a apelação comercial de Cytotec passou a ser utilizado no Brasil como abortivo. Remédio com a mesma prostaglandina utilizada no RU486, o misoprostol, seu uso generalizou-se de tal maneira que sua venda, antes livre, passou a ser controlada. Atualmente ele é vendido clandestinamente, aumentando os riscos de falsificações do produto e, evidentemente, os riscos do seu uso. Cabe lembrar, que seu custo varia em torno de 100 dólares. As mulheres brasileiras o utilizam de formas diversas e, muitas vezes, sem critérios na dosagem: a principal complicação deste medicamento é a hemorragia uterina que seguidamente leva à hospitalização. Apesar disto, a utilização deste método diminuiu a mortalidade por aborto nas estatísticas nacionais. Com este quadro, o aborto no Brasil (e em outros países da América Latina com situação semelhante como, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru) foi reconhecido como um grave problema de saúde pública e portanto, a luta pelo direito ao aborto seguro e sem riscos - que concerne a questão de fundo de sua despenalização - tem sido, nos últimos anos, uma das bandeiras do feminismo latino-americano, exemplificando bem, um dos aspectos legítimos da luta pelos direitos reprodutivos neste continente

63. O correto seria dizer aborto não criminoso em razão da exclusão de antijuridicidade, mas a expressão aborto legal está consagrada e deve ser adotada e aceita.

64. Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, Dossiê Aborto Inseguro, 1998.

65. A teoria da Reação Social surgiu nos Estados Unidos em fins da década de 50 e início da década de 60.

66. BUGLIONE, Samantha. A face feminina da Execução Penal. In: Revista Direito e Justiça. EDIPUC, Porto Alegre: 1998. Pg. 239-267.

67. BARSTED, Leila de Andrade Linhares. Sexualidade e reprodução: Estado e sociedade/ In: BILAC, Elisabete Dória e ROCHA, Maria Isabel Baltar da (orgs). Saúde Reprodutiva na América Latina e no Caribe: temas e problemas. Campinas: PROLAP, ABEP, NEPO/UNICAMP/ São Paulo: Editora 34, 1998. Pg. 169.

68. Sobre "direitos sexuais" foi encontrado um total de 42 ementas: 23 "homossexualismo" e 19 "sexual"; a palavra "sexual" seleciona exclusivamente questões relacionadas a violência, enquanto que homossexualismo apresenta a discussão sobre as uniões, dissolução, transexualismo etc. Permitindo verificar a posição dos Tribunais quanto a estas demandas.

69. RT – 739, maio de 1997, 86º ano p. 580-81. In: PIOVESAN, Flávia. PIROTTA, Wilson Ricardo Buquetti., Os Direitos Reprodutivos e o Poder Judiciário. Seminário Saúde Reprodutiva na Esfera Pública e Política na América Latina, Campinas, 28 e 29 de julho de 1999.

70. Hédio Silva, palestra proferida no Seminário regional no Brasil para operadores do direito: Direito Internacional dos Direitos Humanos: Sistema Global e Regional, etapa região Sudeste/Sul – Porto Alegre/RS, Março de 2000. Promoção IPÊ, Cladem-Brasil e Themis, apoio Fundação Ford.


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QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Responsabilidade Civil por Vício do Produto e do Serviço, São Paulo: RT, 1998.

RODRIGUES, Silva Ilda Lopes. Direitos e condição social: desafios da família na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: CBCISS, 1995.

SCOOT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, jul/dez. 1990.

TRINDADE, Cançado A.A.. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol I. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor: 1997.

____. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. San José, C.R.: IIDH, ACNUR, CIVC, CUE, 1996. Pg. 16, 17, 145


Anexos

9.1. Legislação

LEI Nº 9.263, DE 12 DE JANEIRO DE 1996.

Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DO PLANEJAMENTO FAMILIAR

Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo o cidadão, observado o disposto nesta Lei:

Art. 2º Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único. É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.

Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.

Parágrafo único. As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I - assistência à concepção e contracepção;

II - o atendimento pré-natal;

III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;

IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis;

V - o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis.

Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.

Parágrafo único. O Sistema Único de Saúde promoverá o treinamentos de recursos humanos, com ênfase na capacitação do pessoal técnico, visando a promoção de ações de atendimento à saúde reprodutiva.

Art. 5º É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.

Art. 6º As ações de planejamento familiar serão exercidas pelas instituições públicas e privadas, filantrópicas ou não, nos termos desta Lei e das normas de funcionamento e mecanismos de fiscalização estabelecidos pelas instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde.

Parágrafo único. Compete à direção nacional do Sistema Único de Saúde definir as normas gerais de planejamento familiar.

Art. 7º É permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada pelo órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde.

Art. 8º A realização de experiências com seres humanos no campo da regulação da fecundidade somente será permitida se previamente autorizada, fiscalizada e controlada pela direção nacional do Sistema Único de Saúde e atendidos os critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde.

Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.

Parágrafo único. A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.

Art. 10. (VETADO)

Art. 11. (VETADO)

Art. 12. É vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica.

Art. 13. É vedada a exigência de atestado de esterilização ou de teste de gravidez para quaisquer fins.

Art. 14. Cabe à instância gestora do Sistema Único de Saúde, guardado o seu nível de competência e atribuições, cadastrar, fiscalizar e controlar as instituições e serviços que realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar.

Parágrafo único. (VETADO)

CAPÍTULO II

DOS CRIMES E DAS PENALIDADES

Art. 15. (VETADO)

Art. 16. Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações cirúrgicas que realizar.

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 17. Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica.

Pena - reclusão, de um a dois anos.

Parágrafo único. Se o crime for cometido contra a coletividade, caracteriza-se como genocídio, aplicando-se o disposto na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956.

Art. 18. Exigir atestado de esterilização para qualquer fim.

Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.

Art. 19. Aplica-se aos gestores e responsáveis por instituições que permitam a prática de qualquer dos atos ilícitos previstos nesta Lei o disposto no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 29 do Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Art. 20. As instituições a que se refere o artigo anterior sofrerão as seguinte sanções, sem prejuízo das aplicáveis aos agentes do ilícito, aos co-autores ou aos partícipes:

I - se particular a instituição:

a) de duzentos a trezentos e sessenta dias-multa e, se reincidente, suspensão das atividades ou descredenciamento, sem direito a qualquer indenização ou cobertura de gastos ou investimentos efetuados;

b) proibição de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas e de se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista;

II - se pública a instituição, afastamento temporário ou definitivo dos agentes do ilícito, dos gestores e responsáveis dos cargos ou funções ocupadas, sem prejuízo de outras penalidades.

Art. 21. Os agentes do ilícito e, se for o caso, as instituições a que pertençam ficam obrigados a reparar os danos morais e materiais decorrentes de esterilização não autorizada na forma desta Lei, observados, nesse caso, o disposto dos arts. 159, 1.518 e 1.521 e seu parágrafo único do Código Civil, combinados com o art. 63 do Código de Processo Penal.

CAPÍTULO III

AS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22. Aplica-se subsidiariamente a esta lei disposto no Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, e, em especial, nos seus arts. 29, caput, e §§ 1º e 2º, 43, caput e incisos I, II e III; 44, caput e incisos I e II e III e parágrafo único; 45, caput e incisos I e II; 46, caput e parágrafo único; 47, caput e incisos I, II e III; 48, caput e parágrafo único; 49, caput e §§ 1º e 2º; 50, caput, 1º e alíneas e § 2º; 51, caput e §§ 1º e 2º, 52; 56; 129, caput e § 1º, incisos I, II e III, § 2º, incisos I, III e IV e § 3º.

Art. 23. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias, a contar da data de sua publicação.

Art. 24. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 12 de janeiro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

LEI Nº 9.029, DE 13 DE ABRIL DE 1995

Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;

II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem;

a) indução ou instigamento à esterilização genética;

b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Pena: detenção de um a dois anos e multa.

Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:

I - a pessoa física empregadora;

II - o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista;

III - o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no artigo anterior, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações:

I - multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência;

II - proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais.

Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregado optar entre:

I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 13 de abril de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

PRT/SAS/MS N° 115, de 9/9/93 - DOU 176, de 15/9/93
Inclui na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS a inserção de DIU, somente pelas entidades públicas do SUS.

PRT/SAS/MS N° 118, de 9/9/93 - DOU 176, de 15/9/93
Inclui na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS, o atendimento clínico para a indicação do uso do Diafragma Vaginal, somente pelas entidades públicas do SUS.

Lei Federal N° 9.263, de 12/1/96 - DOU 159, de 20/8/97
Regulamenta o parágrafo 7°, do Artigo 226 da Constituição Federal que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.

PRT/SAS/MS N° 144, de 20/11/97 - DOU 227, de 24/11/97
Inclui no SIH/SUS procedimentos de laqueadura tubária e vasectomia.
Republicada no DOU 230, de 27/11/97.

PRT/SAS/MS Nº 48, de 11/2/99 - DO 31, de 17/2/99
Inclui nos Grupos de Procedimentos da Tabela do SIH/SUS os códigos de procedimentos que especifica e de acordo com o disposto no Artigo 10 da Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regula o parágrafo 7º da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.

PRT/SAS/MS N° 85, de 15/3/99 - DO 51, de 17/3/99
Estabelece a obrigatoriedade do procedimento do Módulo Informações sobre Procedimentos de Esterilização, na forma dos Anexos desta portaria e dá outras providências.

9.2. Jurisprudência

AC 96.04.55333-0/ RS

Administrativo, Constitucional, Civil e Processual. Justiça Federal. Justiça do Trabalho. Competência. Ausência de intervenção do Ministério Público. Nulidade. Inocorrência. Aplicação do art. 272 do CPC na sentença. Mera irregularidade. União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Reconhecimento. Impossibilidade. Vedação do x 3º do art. 226, da Constituição Federal. Inclusão como dependente em plano de saúde. Viabilidade. Princípios constitucionais da liberdade, da igualdade, e da dignidade humana. Art. 273 do CPC. Efetiva à decisão judicial. Caução. Dispensa.

AG 96.04.49317/ RS

Relator Edgard Antonio Lippman Junior

Denunciação à lide. Ação de indenização. O Estado responde pelos prejuízos que seus servidores causarem a terceiros, segundo a responsabilidade objetivo-adminstrativa. Poderá, todavia, requerer o ressarcimento de danos, sob o fundamento do direito de regresso.

Ação Ordinária (15.04.1999)

Juiz Cláudio Roberto da Silva

Réus: Universidade Federal de Santa Catarina e Vânia Terezinha Elias Nicolau

O autor, devidamente qualificado, propôs a presente ação requerendo a concessão de pensão de servidor público, deixada por seu companheiro, com fulcro no art. 215 Lei 8212/91...

AI 96.04.48051-0/RS

Relatora Juiza Silvia Goraieb

Processual Civil. Agravo de Instrumento. Ação de Indenização Ajuizada contra o Hospital de Clínicas. Denunciação da Lide. Indeferimento. Tendo em vista que a pretensão do autor está fundamentada na responsabilidade objetiva do hospital e o direito de regresso deste é baseado na responsabilidade subjetiva de preposto seu, não se defere a denunciação da lide, que poderia ensejar a produção de provas estranhas à matéria postulada na inicial, prejudicando o andamento da lide principal. Agravo Improvido.

AC 596210153 – 7ª Câmara Cível

Relator Eliseu Gomes Torres

1. Preliminar de nulidade. A ação cautelar inominada proposta envolve claro conflito de interesses entre o curador e sua curatelada, razão porque competente para o julgamento da lide o juízo do domicílio da interditada.

2. Mérito. Ação Cautelar Inominada. Esterilização de Interditada. Inexiste amparo legal, moral ou científico para a pretensão de laqueadura das trompas da interdita. Apelo desprovido, por maioria.

EI 597185271 – 4º Grupo de Câmaras Cíveis

Relator Antonio Pereira

Mulher portadora de doença mental, que a incapacita para os atos da vida civil, sem vontade para consentir, não cabe ser esterilizada, através de uma ligadura de trompas, para que deixe de engravidar. O pedido de seu curador, se autorizada a esterilização, está a abrir um precedente perigoso e terrível. O avanço da ciência poderá mais tarde até curar a psicose de que é portadora a interdita, que se submetida a uma esterilização, perderá a possibilidade de procriar, pois não há garantia de ser reversível o ato cirúrgico. O irmão, curador da interdita, quer liberá-la para o sexo, quando outros meios existem para controlar a concepção.

APC 598362655 – 6ª Cível

Relator Marilene Bonzaninin Bernardi

Apelação Cível. Declaratória de Sociedade de Fato. Relação Homossexual. Competência. Processo envolvendo matéria de direito de família, relativo a sua existência frente ao ordenamento jurídico. Competência do 4º Grupo Cível, por interpretação do inc. III, do art. 11, da Resolução nº 01/98. Declinaram competência.

EMI 70000080325 – 4º Grupo

Relator Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves

Registro Civil. Homossexualidade. Prenome. Alteração. Impossibilidade. O fato de ser homossexual e exteriorizar tal opção sexual é que pode expor a pessoa a situações desagradáveis e não o uso do nome. Não se tratando de corrigir erro de grafia, nem de nome capaz de levar seu usuário ao ridículo, mas mera alteração por não gostar dele, o pedido se mostra juridicamente impossível, visto Ter decorrido mais de vinte e oito anos do prazo lega. Não se trata, também, de apelido público e notório. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei nº 6015/73 e da Lei nº 9.708/98. Embargos infringentes desacolhidos.

APC 587009887 – 3ª Cível

Relator Nelson Oscar de Souza

Apelação Cível. Mudança de Sexo e de Prenome. Restrinção Imposta pelo Juiz. Embora não constitua, a restrição imposta pelo Juiz, disposição ultra petita e nem afronte ao princípio constitucional da igualdade, provê-se, em parte, o apelo para fazer constar apenas a causa determinante de ditas alterações. Fica, assim, resguardada a boa-feá de terceiros. Louvor à sentença. Unânime.

RN 585002298 – 3ª Câmara Cível

Relator Egon Wilde

Anulação de Casamento. Erro Essencial. Prova suficiente a demonstrar a má fama do réu, inclusive por prática homossexual, o que vem a se caracterizar em erro essencial. Sentença confirmada em reexame necessário.

RN 41.932

Relator Manoel Celeste dos Santos

Anulação de Casamento. Erro Essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. Comprovada plenamente a qualidade de estado de saúde e de anormalidade ou transtorno de personalidade, por ser o requerido um uranista, evidenciado o conhecimento desorado de tal situação a conseqüência necessária é a insuportabilidade da vida em comum, dentro de contexto pessoais, com o que corretamente autorizado o reconhecimento da anulação do casamento forte no erro essencial sobre a pessoa do cônjuge homssexual. Sentença Confirmada em reexame necessário.

APC 587009887 – 3ª Câmara Cível

Relator Nelson Oscar de Souza

Dano Moral. Delito de imprensa. Veicular notícia, sem motivação de interesse público, atribuindo a uma professora, de pequena cidade de colonização italiana, a condição de homossexual ofende o decoro e a dignidade, denegrindo ademais disso reputação alheia. Deram provimento.

AC 599348562 – 8º Câmara Cível

Relator Antonio Carlos Pereira

Intimação Pessoal do Ministério Público. Relações Homossexuais. Ausência de Nulidade da Sentença Proferida no Juízo Cível. Competência das Varas de Família. Obrigatoriedade da intimação pessoal do Ministério Público da sentença proferida em primeiro grau (arts. 83, I, 84 e 236 x 2º, do CPC). Em razão da data do acórdão que definiu a competência das Varas de Família para apreciação de relações que envolvem afeto homossexual, se mostra hígida a sentença, proferida pela Titular da Sexta Vara Cível, por ser anterior à decisão do Colegiado.

AI 599075496 – 8ª Câmara Cível

Relações Homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido.

APC 595060146 – 6ª Cível

Relator Osvaldo Stefanello

Responsabilidade Civil.. Morte por infecção contraída em hospital. Entidade hospitalar, pessoa jurídica. Aplicação dos preceitos contidos no código do consumidor.

APC 595143801 – 4ª Cível

Relator Ramon Georg Von Berg

Responsabilidade Civil. Erro Médico. Absolvição Criminal. Desimporta, aos efeitos da perquirição da responsabilidade civil, que tenha sido o agente absolvido na esfera penal, especialmente se o foi com fundamento no inciso VI do art. 386 do CPP (insuficiência de provas)

Danos materiais e lucros Cessantes – legitimidade do marido para pleitear indenização, por morte da mulher. Tem legitimidade para pleitear indenização, tanto por danos materiais como por lucros cessantes, em decorrência da morte da mulher, o marido.

AC 596166090 – 5ª Câmara Cível

Relator Paulo Lopes

Responsabilidade Civil. Médico e Hospital

Ausente a prova do agir culposo do médico na realização de parto cesáreo e do facultativo e da instituição hospitalar no quadro infeccioso surgido em momento posterior à alta da paciente, inexiste como responsabilizá-lo civilmente. Apelo provido.

CC 595170473

Relator Nelson de Souza

Conflito de Competência. Autorização Judicial para proceder a aborto decorrente de estupro. Competência de Vara Cível. Julgaram Improcedente o Conflito

ADI 598077931 – Tribunal Pleno

Relator Clarindo Favretto

Ação Direta de Inconstitucionalidade. É inconstitucional a Lei nº 7781/96, do Município de Porto Alegre, emanada da Câmara de Vereadores, que invadiu a competência reservada do Sr. Prefeito, ao tomar iniciativa na proposição de lei que disciplina a prática de aborto nas situações de gravidez resultante de estupro ou com risco de vida e obriga dar atendimento nos hospitais pertencentes ou conveniados ao SUS. Tratando dessa matéria, a norma impugnada violou a lei do orçamento ao criar despesa pública não prevista e feriu o princípio da separação de poderes. Ação Julgada Procedente.

AI 599172343 – 9ª Câmara Cível

Relatora Mara Chechi

Responsabilidade Civil do Fabricante. Anticoncepcional interte. Defeito do Produto Reconhecido. Ingestão pela Autora não provada. Imposição do pagamento de despesa do parto em antecipação de tutela. A prova inequívoca, para efeito de antecipação de tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena dispensa-se juízo de certeza, bastando a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. Decisão mantida

ADIN 599244803 – Tribunal Pleno

Relator Decio Antonio Erpen

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei municipal dispondo sobre planejamento familiar. Inconstitucionalidade formal e material. Ação acolhida.

ADI 598061257 – Tribunal Pleno

Relator Clarindo Favretto

Ação Direta de Inconstitucionalidade. É inconstitucional a Lei nº 4408/97, do Município de São Leopoldo, emanada da Câmara de Vereadores, que invadiu a competência reservada ao Sr. Prefeito, ao tomar iniciativa na proposição de lei que autoriza distribuição gratuita de pílula contraceptiva (chamada pílula do dia seguinte), às mulheres vítimas de estupro e determina seu fornecimento pela Secretaria Municipal de Saúde. Tratando dessa matéria, a norma impugnada violou a lei do orçamento ao criar despesa pública não prevista e feriu o princípio da separação de poderes.

ADI 595115171 – Tribunal Pleno

Relator Clarindo Favretto

Ação direta de Inconstitucionalidade. São inconstitucionais as Leis nº 1734/95, 1741/93, 1756/93, 7779/93, 1836/94, 1870/95, 1871/95 do Município de Sapucaia do Sul... planejamento familiar...

RHC 61816/RJ - STF

Ministro Soares Munoz

Provocação de Aborto por médico com a morte da gestante. Pronuncia fundamentada, quer quanto a materialidade da infração, que relativamente a autoria. Reexame aprofundado da prova insuscetível de ser feito em "habeas corpus", uma vez que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e privativo do tribunal do Juri. Ordem indeferida pelo Tribunal de Justiça. Recurso Desprovido.

RHC 1291/91 – MG (STJ)

Ministro Costa Leite

Habeas Corpus. Crime de Aborto. Crime de Aborto pena aumentada de um terço, na forma do art. 127, do código penal, porquanto sobreveio a morte de gestante, considerando-se, no entanto, apenas o aspecto objetivo, em franca testilha, pois, com a forma inserta no art. 19, do mesmo código no sentido de que só responde pelo resultado que agrava especialmente a pena o agente que houver causado ao menos culposamente. Expungido da condenação o aumento da pena operado, com reflexo no regime de cumprimento (art. 33 paragrafo 2, c, do código penal c/c art. 117, I, da LEP)

RHC 1078/91 – MG (STJ)

Ministro Cândido de Carvalho Filho

Recurso de Habeas Corpus Res já pronunciadas e libeladas. Atendidos os pressupostos da lei processual, não há deferir as pacientes, denunciadas por aborto com morte da gestante, a pretendida liberdade provisória, se já estão pronunciadas e liberadas. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Improvido.


Autor


Informações sobre o texto

Pesquisa realizada na Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero junto ao Projeto: Novos Mecanismos de Acesso à Justiça, apoio Ford Foundation.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUGLIONE, Samantha. Reprodução e sexualidade: uma questão de justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1855. Acesso em: 26 abr. 2024.