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A litigância de má-fé como empecilho à razoável duração do processo

A litigância de má-fé como empecilho à razoável duração do processo

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RESUMO

Um dos grandes problemas enfrentados por quem busca e por quem presta a jurisdição é a excesso de tempo que um processo demora para ser concluído. O comportamento das partes e especialmente do réu tem contribuído em muito para a falta de celeridade. O ordenamento processual coloca à disposição dos magistrados diversas ferramentas para coibir condutas desleais no processo, como as sanções por litigância de má-fé, as quais devem ser melhor utilizadas para que os processos possam terminar em um tempo razoável.

Palavras-Chave: Litigância de má-fé. Razoável duração do processo. Boa-fé objetiva. Processo do Trabalho.

ABSTRACT

The bigger problem faced by those seeking and those offering the jurisdiction is the excess of time a process takes to complete. The behavior of the parties and especially the defendant has contributed greatly to the lack of speed. The procedural law of judges available to various tools to discourage conduct unfair process, such as sanctions for bad-faith, which should best be used so that processes can finish in a reasonable time.

Keywords: Litigation in bad-faith. Reasonable duration of proceedings. Objective good faith. Labor Process.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL. . 1.1 Direitos Fundamentais . 1.2 Due process of law. 1.3 EC nº 45/2004. 2 TEMPO RAZOÁVEL DE DURAÇÃO DO PROCESSO. 2.2 Falta de Razoabilidade. 3 A BOA-FÉ PROCESSUAL COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. 3.1 Boa-fé Processual. 3.2 A litigância de má-fé. 3.3 O dever de veracidade.3.4 Aplicação das penalidades. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Não é de hoje que a doutrina e os tribunais se preocupam com a razoável duração do processo, sugerindo medidas para coibir e impedir artimanhas e as condutas protelatórias que fazem com que a prestação jurisdicional não se efetive a contento. É crescente o interesse que o agora princípio constitucional da razoável duração do processo produza efeitos reais na vida das pessoas, facilitando a entrega do bem da vida perseguido em menos tempo.

Os legisladores têm editado normas processuais com o fito de contribuir com uma melhor eficiência da atividade jurisdicional mais eficiente, deixando o processo, pelo em tese, mais rápido.

O foco dessas alterações é o processo civil.

Exemplificando, pode-se citar a previsão da multa do devedor, estabelecida pelo art. 475-J, do CPC, introduzida pela Lei n. 11.232/2005. O referido dispositivo fixa que o débito deverá ser acrescido de multa de 10% em caso de não cumprimento das obrigações reconhecidas em sentenças condenatórias, no prazo de quinze dias depois da intimação do executado.

Nos moldes do artigo 14, incisos I a V do CPC, todos que de algum modo participam da relação processual (partes, advogados, representantes do Ministério Público, testemunhas, serventuários, oficiais de justiça e outros auxiliares do juízo) são obrigados a, mutuamente, agir com lealdade e boa-fé, expor os fatos conforme a verdade, não fazer afirmações cientes de que são destituídas de fundamento, sendo vedada a produção de provas e a prática de atos desnecessários e inúteis à solução da controvérsia e, ainda, devem cumprir os provimentos mandamentais e não devem criar embaraços à efetivação dos provimentos jurisdicionais.

Com exceção dos advogados, que se sujeitam às normas de disciplina e éticas próprias da categoria, os demais participantes da relação processual que violarem o dever de não criar embaraços a efetivação dos provimentos jurisdicionais ou que deixarem de cumprir os provimentos mandamentais com exatidão, consoante previsto pelo parágrafo único do artigo 14 do CPC, estão sujeitos ao pagamento de multa pecuniária a ser aplicada pelo juiz, de acordo com a gravidade da conduta, não superior a 20% do valor da causa, podendo ser inscrita como dívida ativa da União, em caso de não-pagamento no prazo estabelecido.

Esta é a conhecida conduta atentatória ao exercício da jurisdição, que não exclui, sublinhe-se, pela imposição da multa pecuniária, outras sanções de natureza civil, criminal e processual.

O artigo 16 do CPC, por seu turno, estabelece a responsabilidade por perdas e danos daquele que postular de má-fé, na qualidade de autor, réu ou interveniente.

Por derradeiro, o artigo 17, incisos I a VII, do CPC, arrolam as condutas que configuram litigância de má-fé: deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (inc. I); alterar a verdade dos fatos (inc. II); usar do processo para conseguir objetivo ilegal (inc. III); opuser resistência injustificada ao andamento do processo (inc. IV); proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo (inc. V); provocar incidentes manifestamente infundados (inc. VI); e interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (inc. VII).

As sanções pela litigância de má-fé são previamente fixadas pelo código, consistindo em pagamento de multa, honorários advocatícios e indenização dos prejuízos e de todas as despesas que a outra parte efetuou.

Registre-se que as disposições do direito processual comum são aplicáveis subsidiariamente ao processo do trabalho, por força do artigo 769 da CLT, desde que omissa esta, e desde que não haja incompatibilidade com suas disposições.

Não obstante todas estas ferramentas postas à disposição para coibir as chicanas processuais, que em primeira vista podem até parecer excessivas, na Justiça do Trabalho cultua-se uma impregnada ineficácia destas normas, seja por se entender que são incompatíveis com a CLT, seja por não compreender adequadamente o alcance do dever de lealdade.

É claro que o processo do trabalho é regido pelos princípios da simplicidade e da informalidade. É o único ramo do judiciário (ressalvado o caso dos juizados especiais) em que capacidade postulatória plena é atribuída à própria parte, nos termos do artigo 791 da CLT. O advogado, inobstante indispensável para a administração da justiça (artigo 133 da CF/88) não é necessário para a postulação, o que exige que as normas do processo laboral, particularmente as referentes ao ingresso em juízo e participação em audiências, num primeiro momento, sejam concebidas para leigos.

Não é razoável, por óbvio, exigir do postulante – quando não representado em juízo por advogado - conhecimento técnico do direito ou consciência dos deveres processuais e das sanções.

Este contexto, em que o formalismo e a exigência de conhecimento técnico abriram espaço para a informalidade e a simplicidade, tem contribuído para as lides temerárias, fundadas em alegações desproporcionais ou inverídicas, mesmo quando a capacidade postulatória não é exercida diretamente pelas partes, mas sim, por advogados.

É que uma boa quantidade de magistrados do trabalho, com muita freqüência, tem o mau hábito de agir com alto grau de tolerância às postulações comprovadamente de má-fé ou deficientes tecnicamente, violando as normas processuais mais básicas.

A falta de aplicação das sanções legais, demonstradas habitualmente pelos juízes do trabalho, relevam ao desuso importantes ferramentas existentes para coibir a litigância de má-fé, agindo de forma negativa na imagem da Justiça do Trabalho perante a opinião pública e ajudando na criação de uma visão pessimista da instituição naqueles que transitam por outros ramos do Poder Judiciário.

Com efeito, a tramitação processual trabalhista deixa a impressão de que não há maiores medos com os efeitos em se postular com má-fé, em desrespeito aos artigos 14 e 17 do CPC. Formou-se convicção, notadamente no entendimento dos advogados, no sentido de que a possibilidade de sofrer alguma sanção é praticamente inexistente, valendo a pena correr o risco. Desde a graduação os estudantes de Direito escutam de seus professores de Trabalho e Processo do Trabalho o jargão: "pede tudo e o que vier é lucro". Esta mesma filosofia vem sendo aplicada na militância, pois o judiciário trabalhista aceita passivamente a conduta.

A posição de não penalizar quem atua de má-fé e com deslealdade demonstra uma incompreensível tolerância com o dolo processual manifesto, que até pode ser, ainda que não percebido claramente, reflexo inconsciente da própria sensação de impunidade no Brasil. Quando não se pune tempestivamente e com rigor delitos e condutas ilícitas, na verdade está-se incentivando a reiteração das mesmas condutas.

No processo do trabalho, diferentemente do processo civil, que é mais formal, apenas exige-se a exposição sucinta dos fatos. Outra grande diferença é que na seara trabalhista não há incidência do princípio da sucumbência em relação aos pedidos rejeitados, que acaba servindo de estímulo para a postulação de pretensões sabidamente improcedentes e infundadas.

Todas essas disposições processuais antes referidas, em que pese abrangentes, não têm tido sucesso dentre os magistrados do trabalho, pois estes demonstram-se resistentes a aplicar as sanções por litigância de má-fé, sempre que a conduta recusada pela lei se verificar.

Utilizam-se vários argumentos para elidir a aplicação das penas, como, por exemplo, aquele de que seria a parte e não o profissional que a representa em juízo que sofreria os efeitos da litigância de má-fé.

Mencionam, também, a falta de prova de dolo processual, como se a própria conduta tipificada pela lei não fosse o suficiente para implicar em litigância de má-fé, do propósito de prejudicar o adversário ou, quando não, de tentar obter vantagem proibida, afrontando as decisões judiciais, a lei e a Constituição.

Registre-se que aplicar sanções pedagógicas para desmotivar a atuação desleal, em genuína litigância de má fé ou ato atentatório ao exercício da jurisdição, não viola a garantia constitucional do acesso à justiça (CF/88, art. 5º, inc. XXXV), que é outro grande argumento utilizado nos tribunais trabalhistas para a não utilização do artigo 17 do CPC.

O exercício regular do direito de ação e a prática de atos processuais possuem limitações. O processo é necessidade da democracia. Todavia, não se podem permitir excessivas intervenções dos litigantes, salvo ser isso plausível para a defesa do direito.

Podem ser consideradas raras as decisões que aplicam ou mantêm as sentenças que aplicam multas por litigância de má-fé.

Toda esta situação acima descrita, aliada à recente garantia constitucional da razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, introduzido pela EC n. 45/2004), incentiva estudos mais aprofundados sobre o tema, especialmente em relação às lides discutidas na Justiça do Trabalho.

O fato é que os operadores do Direito, juízes, advogados, servidores e qualquer que trabalhe com o Poder Judiciário, interessados na melhoria da prestação jurisdicional, em um processo que seja devido e tempestivo, devem voltar sua atenção às condutas desleais que vêm se repetindo nas relações processuais.

Somente com uma mudança de paradigma será possível alcançarmos um processo dignamente razoável, sendo que este trabalho objetiva subsidiar os operadores do Direito. Aos juízes, para que entendam o Princípio da Lealdade Processual e a Boa-Fé objetiva. Aos advogados, para que fiquem esclarecidos das repercussões de determinados atos em juízo. E às próprias partes, para que fiquem cientes que sua conduta (seja pessoal ou por procurador), repercutem não só na relação processual mas em toda a prestação jurisdicional e que os abusos devem ser punidos.


1 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004, de 30 de dezembro de 2004, incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição da República (CF/88), trazendo para a gama de direitos e garantias fundamentais "a razoável duração do processo e os meios que garanta a celeridade de sua tramitação".

Todavia, a celeridade processual já há algum tempo era tratada como direito fundamental.

1.1 Direitos Fundamentais

Antes de se discutir propriamente dito o direito fundamental da razoável duração do processo, mister que se limite, neste trabalho, o alcance e significado do que é, em essência, direito fundamental.

Pode-se afirmar que a principal característica é a previsão constitucional. Os direitos fundamentais são constitucionalizados, pois decorrem de uma opção de determinada sociedade em determinada época em transformá-los em fundamentais. Com a previsão constitucional assumem lugar privilegiado no ordenamento jurídico. Assim, numa lógica basilar, é direito fundamental o que a Constituição diz ser. Esses direitos enumerados pela Carta Magna possuem a característica da fundamentalidade formal. Devido a este aspecto, possuem caráter supralegal e estão protegidos pelos limites formais e matérias da reforma constitucional (AGUIAR, 2009).

Importante registrar, contudo, que embora existam direitos fundamentais constitucionais, nem todos os direitos constitucionais são fundamentais.

E de outra forma, não poderia ser, pois a fundamentalidade traz ao direito uma especial dignidade e proteção. Alça-os, inclusive, ao nível de cláusula pétrea, não podendo assim sequer o poder constituinte derivado limitar ou restringir seu núcleo básico. Nesse sentido, a lição de Ingo Sarlet: É, portanto, evidente que uma conceituação meramente formal, no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na Constituição, revela sua insuficiênciatambém para o caso brasileiro, uma vez que a nossa Carta Magna, como já referido, admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Título II da CF), seja com assento na Constituição, seja fora desta, além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo (isto é, a matéria propriamente dita) dos direitos fundamentais (AGUIAR, 2009).

Direitos fundamentais, para Mafra Filho (2010) "São liberdades públicas de direitos humanos ou individuais que visam, num primeiro momento, a inibir o poder estatal no sentido de proteger os interesses do indivíduo, exonerando-o de seus deveres nesses campos".

Mas este conceito não é, por si só, apto a definir um sentido de direito fundamental, notadamente porque é a própria comunidade que "escolhe" quais serão seus direitos fundamentais, seja pela sua Constituição ou por outras formas.

No caso brasileiro, além daqueles direitos expressamente previstos, a Constituição deixa aberta a possibilidade de que se adotem como fundamentais outros direitos (artigo 5º, §2º, CF/88).

Uma característica predominante dos direitos fundamentais é que estão ligados à noção da dignidade da pessoa humana. É claro que alguns direitos fundamentais, em seu conteúdo, não estão relacionados com este valor (Ex.: incisos XXI, XXV, XXVIII, XXIX).Todavia, estas garantias possuem a fundamentalidade formal e isto basta por si. O Constituinte definiu-os como fundamentais. A fundamentalidade material (ligada à noção de dignidade da pessoa humana) é exigidados direitos que não integram o rol constitucional. É a dignidade da pessoa humana a fonte comum dos direitos fundamentais e critério que legitima o reconhecimento de direitos fundamentais decorrentes, implícitos ou previstos em tratados internacionais conforme a autorização (formal, é bom ressaltar) do artigo 5º, §2º da Constituição Federal de 1988 (AGUIAR, 2009).

Diante do acima exposto, pode-se definir, para fins deste trabalho, direito fundamental como aquele expressamente previsto na norma constitucional ou, se não expresso, ligados à dignidade da pessoa humana quando assimilados ao ordenamento interno, consoante prevê o §2º do artigo 5º da CF/88, voltados, de um lado, a inibir o poder estatal e, de outro, a proteger interesses individuais ou coletivos.

1.2 Due process of law

Conforme mencionado alhures, o direito fundamental, inicialmente, é aquele expressamente previsto como tal na Constituição.

A redação original da CF/88 já previa, dentre os direitos e garantias fundamentais, o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV). O devido processo legal, como princípio que é, origina-se da expressão inglesa "due process of law", que em tradução literal seria algo como "devido processo da lei", mas tem um sentido muito mais amplo, englobando não só os procedimentos em si, mas o próprio processo.

Fredie Didier Jr. explica que o devido processo legal possui dois sentidos, o material (ou substancial) e o formal (DIDIER JR, 2009, p. 32-39).

Em sentido formal, o devido processo legal é o direito de processar e ser processado consoante normas previamente estabelecidas. Está ligado ao procedimento. Já em sentido substancial (substantive due process), para que haja o devido processo é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta, emergindo, daí, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como um mesmo fenômeno (DIDER JR., 2009).

Desse modo, sendo o devido processo legal aquele que é razoável e correto, inclui-se neste princípio, também, a sua razoável duração.

Cândido Dinamarco, citado por Barruffini (2008), destaca:

Ao definir e explicitar muito claramente garantias e princípios voltados à tutela constitucional do processo, a nova Constituição tornou crítica a necessidade não só de realizar um processo capaz de produzir resultados efetivos na vida das pessoas (efetividade da tutela jurisdicional), como também de fazê-lo logo (tempestividade) e mediante soluções aceitáveis segundo o direito posto e a consciência comum da nação (justiça). Efetividade, tempestividade e justiça são os predicados essenciais sem os quais não é politicamente legítimo o sistema processual de um país (Kasuo Watanabe).

Não há como negar, portanto, que o direito à razoável duração do processo já estava ínsito no ordenamento jurídico brasileiro, caminhando timidamente para sua concretização, como a criação dos juizados especiais, o procedimento sumariíssimo na Justiça do Trabalho, entre outras medidas paliativas de agilizar o trâmite processual.

1.3 EC nº 45/2004

Não obstante a garantia a uma razoável duração do processo já possuir previsão na Constituição da República como decorrência do Princípio do Devido Processo Legal, o Poder Constituinte Reformador, na chamada reforma do Judiciário, entendeu por incluir expressamente, dentre os direitos e garantias individuais, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação.

Desse modo, a razoável duração do processo ingressou expressa e formalmente no rol de direitos fundamentais, deixando de ser uma consequência lógica-doutrinária de outros direitos.

Pode-se afirmar, com certo grau de certeza, que a intenção do legislador foi a de reforçar a discussão especialmente quanto ao longo tempo de duração dos processos judiciais, que se tornou um entrave para a resolução de litígios e consequentemente ao exercício da cidadania.

Dalmo Dallari, citado por Barruffini (2008), critica a posição quase inerte que o Poder Judiciário sempre manteve perante a sua própria morosidade. Em suas palavras:

Enquanto Legislativo e Executivo dialogam permanentemente, muitas vezes exigindo a satisfação de seus respectivos interesses como condição para apoiar ou realizar um objetivo de interesse público, o Judiciário tem sido mantido à margem, num honroso isolamento.

Nunca é demais lembrar que se constitui em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. O Poder Judiciário e o processo são ferramentas colocadas à disposição do cidadão justamente para a garantia de sua dignidade. Um Poder Judiciário eficaz, com um processo razoavelmente rápido, que reconheça o direito tempestivamente, é fundamental.

Nesta senda é que a partir da EC n. 45/2004 o próprio Poder Judiciário engaja-se na discussão para a solução do problema da demora na prestação final da jurisdição, com vistas a garantir a todas as pessoas o mais novo direito fundamental catalogado pela constituição.

A pacificação social buscada pelo processo, sublinhe-se, somente será plena se ele conseguir entregar de forma rápida o bem da vida almejado pelo possuidor do direito.

A razoável duração do processo, contudo, é um conceito aberto. Sua exata compreensão ainda está em construção na doutrina, pois não há como saber qual é o prazo para a duração de uma causa.

Os contornos do que se entende por prazo razoável de duração de um processo serão descritos no capítulo seguinte. Adianta-se que o item será sucinto e exclusivo para tratar este tema.


2 TEMPO RAZOÁVEL DE DURAÇÃO DO PROCESSO

A EC n. 45/2004, ao incluir no catálogo constitucional o direito fundamental à razoável duração do processo, logicamente não estabeleceu especificamente um tempo em que o processo deva ser encerrado, pois cada caso é um caso e demanda, de acordo com sua própria complexidade, um (in)determinado tempo.

2.1 Razoabilidade do tempo do processo

Quando se fala em razoável duração do processo, o primeiro pensamento que se tem é de um tempo determinado, justo ou razoável, em que a lide submetida ao Poder Judiciário será definitivamente resolvida.

Todavia:

É imprescindível que o processo tenha uma certa duração, maior do que aquela que as partes desejam, porquanto o Estado deve assegurar aos litigantes o devido processo legal, amplo direito de defesa e contraditório e, até mesmo, tempo para se prepararem adequadamente. Contudo, nada justifica a interminável espera causada pela tormentosa duração do processo a que os cidadãos se vêem submetidos e da qual, ao final, resta sempre a sensação de injustiça. (HOFFMANN, 2005).

E não poderia ser diferente, pois

ao primar pela celeridade – e só pela celeridade – um juiz pode vir a cometer outros erros que são, no mínimo, tão prejudiciais quanto a demora para proferir sua decisão final. Neste contexto, tem-se que a tutela prestada em tempo curto não é, necessariamente, a garantia de uma solução adequada para a lide. Tanto quanto a morosidade traz a angústia e a sensação de insegurança para os litigantes, a sentença superficial ou injusta gera o descrédito e a insatisfação social. Ainda, é preciso ponderar que o descontentamento em relação aos pronunciamentos emitidos gera crescimento tanto na proposição de recursos quanto na de novas demandas (FERRARI, 2006).

A conclusão que emerge, portanto, é que não é possível a fixação de prazos estanques para a duração do processo, pois cada caso é um caso e a complexidade da questão é que definirá o prazo de duração da ação.

Um processo adequado e justo deve demorar exatamente o tempo necessário para a sua finalização, respeitado o contraditório, a paridade entre as partes, o amplo direito de defesa, o tempo de maturação e compreensão do juiz, a realização de provas úteis e eventuais imprevistos, fato comum a toda atividade; qualquer processo que ultrapasse um dia dessa duração já terá sido moroso. Uma demanda, com pedido de despejo por falta de pagamento dos aluguéis, em que a efetiva desocupação do imóvel ocorra mais de seis meses após a distribuição da petição inicial terá sido longa; contudo, uma demanda, com pedido de rescisão de contrato de fornecimento de programas de computador, em decorrência da não total consecução do trabalho, que tenha durado dois anos em 1ª instância, provavelmente, terá sido solucionada dentro de um prazo aceitável. Apesar de haver uma "lógica" comum no que tange à razoabilidade ou não da duração de determinado processo, temos que a criação de metas mínimas acarretaria resultados contrários, tornando-se prazo máximo a acomodar os juízes e as partes. Neste sentido, concordamos com os critérios adotados pela Corte Européia dos Direitos do Homem: a) complexidade do caso; b) o comportamento das partes; c) o comportamento dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição interna de cada país, para verificação em cada caso concreto sob violação do direito à duração razoável do processo (HOFFMANN, 2005).

Hofmann (2005) sugere, ainda, critérios para aferição se o processo está tendo ou não uma razoável duração:

Em razão do lamentável quadro atual da justiça brasileira, apresentamos três propostas básicas como primordiais e iniciais na busca da realização do direito constitucional da razoável duração do processo:

1ª - imediata destinação de verbas para a completa reforma da estrutura do Poder Judiciário, investindo-se seriamente em equipamento, tecnologia, pessoal e treinamento. Além disso, entendemos que a resolução do problema da exagerada duração do processo civil passa pela conscientização das partes e dos operadores do direito, cada qual fazendo a parte que lhe é cabível.

2ª - efeito somente devolutivo como regra para o recurso de apelação.

3ª - estipulação de prazo máximo de duração do processo em cada esfera judicial.

Efetivamente, reformas processuais com vistas a agilizar o trâmite dos processos são sempre bem vindas. Todavia, conforme já afirmado acima, a fixação de prazos limites para o término dos processos, se curtos, culminarão com sentenças apressadas e, talvez, incorretas, e se longos incentivarão os juízes a "afrouxar" a cinta.

A razoável duração do processo é um tempo indeterminado, compatível com a complexidade da causa e com o comportamento das partes, hábil a entregar tempestivamente a jurisdição ao interessado.

2.2 Falta de razoabilidade

Já se estudou que o processo deve ter um prazo razoável, de acordo com a complexidade da causa. Não é possível estabelecer-se, de antemão, qual é o prazo certo que um processo deve durar. Somente concretamente analisado o processo poderá ser apreciado se sua duração foi, ou não razoável.

Mas não há como resolver os problemas de demora na prestação jurisdicional apenas indicando quais processos demoraram demais e quais processos demoraram de menos.

Recente alteração na Constituição Italiana fixou o direito das partes em ser indenizadas pelo Estado no caso de demora na prestação jurisdicional. Talvez não seja esta a melhor saída de resolução do problema da falta de celeridade, pois somente cria outro ônus para os cofres públicos sem, de fato, solucionar a demora dos processos.

Com efeito, fixar o direito à indenização, devida pelo Estado, em caso de demora, sem que, ao mesmo tempo, criem-se mecanismos fortes e eficazes para agilizar a tramitação processual, com recursos materiais, humanos e processuais, não terá outro resultado senão o de onerar toda a coletividade pela prestação jurisdicional deficiente.

Para a busca de uma razoável duração do processo é importante destacar quais situações, que proporcionem a demora do processo, não são razoáveis.

Da prática forense, pode-se facilmente apontar três frentes a serem atacadas.

A primeira frente é, com certeza, a falta de estrutura material e de pessoal para que o processo tenha uma tramitação mais rápida. Não basta contratar mais servidores, admitir mais juízes, adquirir computadores velocíssimos para que o processo tenha uma tramitação mais rápida.

Os servidores devem ser bem treinados e motivados, os juízes constantemente capacitados [01] e as rotinas estabelecidas de forma que sejam aptas a dar conta, pelo menos, do mesmo número de processos que são ajuizados.

A segunda frente a ser enfrentada consiste em fazer com que estes servidores treinados e motivados e os juízes capacitados e atualizados possam respeitar os prazos estabelecidos pela lei. Não é razoável que o servidor demore mais do que 48 horas para fazer a conclusão ao magistrado e não é razoável que ele demore mais do que 10 dias para a prolação da sentença.

No Direito Criminal, por exemplo, a jurisprudência evoluiu a tal ponto que considera coação ilegal a manutenção de prisão quando a instrução processual demorar mais do que o razoável.

A matéria já é pacífica no STJ:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. 1. EXCESSODE PRAZO. DELONGA INJUSTIFICADA NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. OCORRÊNCIA. 2. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. GRAVIDADE DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. 3. ORDEM CONCEDIDA. 1. Transcende ao princípio da razoabilidade a delonga, não ocasionada pela defesa, em se encerrar a instrução criminal cujo feito é desprovido de qualquer complexidade. 2. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que também não se justifica ante a fundamentação inidônea para o indeferimento da liberdade provisória. 3. Ordem concedida a fim de conceder ao paciente a liberdade provisória, expedindo-se o competente alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, mediante o compromisso decomparecimento a todos os atos do processo a que for chamado, sob pena de revogação da medida. (HC 128572 / PA).

A terceira frente constitui o foco deste trabalho. É a forma como as partes se comportam no decorrer do processo. Produção de provas inúteis ou impertinentes, requerimentos de perícias desnecessárias ao deslinde da controvérsia, ajuizamento de incidentes manifestamente infundados etc., são exemplos de práticas que contribuem desnecessariamente para a demora no término do processo.

Processo rápido não existe em lugar nenhum do mundo, a não ser por exceção, mas não por definição e como regra geral, mas, de outro lado, prestação jurisdicional que demora demais, para que o bem da vida perseguido seja efetivamente entregue a quem tem razão, é inaceitável, e todo comportamento que venha a frustrar a garantia constitucional da razoável duração do processo deve ser combatida com rigor pelo Judiciário (PAROSKI, 2008).

Há vários outros direitos também constitucionalizados em jogo, como a ampla defesa e o acesso à justiça. Mas tais direitos não podem ser usados como fundamento para lides temerárias ou outras práticas desleais no curso do processo, pois se estaria negando eficácia à norma constitucional. Quando conflitam regras de mesma categoria (ambas constitucionais, no caso), todas elas devem ser razoavelmente respeitadas.

Não se pode negar que devedores contumazes, que têm o costume de usar o fator tempo do processo em seu favor, adoram esse discurso. Os magistrados que o encampam servem de instrumento de manobra para a perpetuação de condutas reprováveis baseadas na retórica do acesso a justiça a todo custo (PAROSKI, 2008).

O comportamento das partes e, especialmente, da parte ré, é o principal objetivo deste trabalho e seu reflexo na razoável duração do processo será tratada nos capítulos seguintes.


3 A BOA-FÉ PROCESSUAL COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Conforme já mencionado, o comportamento das partes possui papel decisivo no tempo em que o processo alcançará seu final. Sejam com requerimentos para produção de provas, perícias, exceções, recursos e outras infindáveis ferramentas postas nas mãos das partes. O objetivo dessas ferramentas, é claro, é garantir o devido processo legal e a ampla defesa. O problema é quando elas são utilizadas como artimanhas para atrasar a prestação jurisdicional, impedindo o exercício de direitos pela parte adversa.

Fábio Milman, citado por Pinheiro (2008), menciona que:

[é] antiga a preocupação com a conduta dos sujeitos da demanda. Desde que se deixou de conceber o processo como um duelo privado, no qual o juiz era somente o árbitro, e as partes podiam usar de toda argúcia, malícia e armas contra o adversário para confundi-lo, e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores faculdades para impor o fair play. Existe toda uma gama de deveres morais que acabaram traduzidos em normas jurídicas e uma correspondente série de sanções para o seu descumprimento no campo processual. Tudo como necessária conseqüência de se ter o processo como um instrumento para a defesa dos direitos e não para ser usado ilegitimamente para prejudicar ou para ocultar a verdade e dificultar a reta aplicação do direito, na medida em que este deve atuar em conformidade com as regras da ética. Deveres que alcançam primeiramente às partes, também o fazendo, logo em seguida, aos procuradores dos litigantes e aos julgadores e seus auxiliares.

Explanar-se-á, neste capítulo, especialmente sobre a boa-fé processual e sua repercussão no processo.

3.1 Boa-fé processual

O processo foi concebido para que pessoas envolvidos em alguma contenda pudessem livremente proteger os seus direitos, inclusive com a escolha dos meios idôneos à consecução de seus objetivos.

Mas, "essa liberdade há de ser disciplinada pelo respeito aos fins superiores que inspiram o processo, como método oficial de procura da justa e célere composição do litígio" (JÚNIOR, 2004, p. 80).

É com esse espírito que os artigos 14, 17 e 18 do CPC tentam coibir as condutas inapropriadas das partes e intervenientes, que, ou causam prejuízo latente à parte contrária ou, no mínimo, causam um atraso indevido ao andamento do processo.

Não se pode negar, sublinhe-se, a aplicabilidade dos referidos dispositivos ao processo do trabalho. O artigo 769 da CLT admite a entrada do processo civil comum na seara trabalhista no caso de omissão. Ipsis litteris: "Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título".

Conforme leciona Bezerra Leite (2009), as lacunas que dão margem à aplicação subsidiária do direito processual comum ao processo do trabalho podem ser as tradicionais lacunas normativas, mas também as ontológicas e as axiológicas [02].

No caso específico dos artigos 14, 17 e 18 do CPC há evidente lacuna normativa, sendo que sua aplicação ao Processo do Trabalho é inegavelmente compatível com os princípios adotados pela CLT, pois visam a agilizar a prestação da jurisdição.

O artigo 14, inciso II, do CPC, que conforme já explicado é aplicado subsidiariamente ao Processo Trabalhista por força do artigo 769 da CLT, estabelece como dever das partes e de todos aqueles que intervirem no processo proceder com lealdade e boa-fé.

No referido inciso II, importante registrar, encontramos lado a lado a "lealdade" e a "boa-fé" dando a falsa impressão que se tratam de conceitos diversos, pois que, na verdade, afirmam o mesmo objetivo.

"[...] a expressão lealdade [...] se confundirá com a boa-fé objetiva, pois que ser leal significa estar de acordo com determinados padrões de conduta que independem da concepção particular do sujeito. Isto quer dizer que ninguém é honesto somente porque acredita sê-lo. É preciso que tal concepção se projete na visão social e, diante dela, sejam observados os elementos existentes para o preenchimento do modelo padrão de honestidade/lealdade (PINHEIRO, 2008).

Bezerra Leite (2009, p. 75), complementa, explicando que:

O princípio da lealdade processual, portanto, tem por escopo impor aos litigantes uma conduta moral, ética e de respeito mútuo, que possa ensejar o curso natural do processo e leva-lo à consecução de seus objetivos: a prestação jurisdicional, a paz social e a justa composição da lide.

Parte importante da doutrina vincula os deveres de lealdade processual e de boa-fé à subjetividade de quem pratica o ato. Entendem necessário que a parte ou interveniente possua a intenção de prejudicar o adversário, excluindo, portanto, os casos de culpa.

Ao contrário do que muitos pensam, a boa-fé, como norma de conduta, é cláusula geral processual (DIDIER JR., 2009). Isto é,

Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos efeitos da tutela prevista no inciso II do art. 273 do CPC. A "boa-fé subjetiva" é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito do processo: trata-se de normal que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções (DIDIER JR., 2009, p. 46).

Boulos, citado pro Pinheiro (2008), explica que:

A ilicitude subjetiva é aquela que leva em conta um juízo de valor acerca do comportamento do sujeito que se pressupõe livre e consciente, ao passo que a ilicitude objetiva deriva da análise tão-somente do comportamento do sujeito em comparação com a determinação contida no comando normativo.

Desta feita, a vontade subjetiva da parte que pratica o ato não importa para a caracterização da boa ou má-fé em sua conduta. Baste que ela pratique ato lesivo da boa-fé, objetivamente considerado, para que se quebre esta cláusula geral de processo.

E não haveria como ser diferente, pois a investigação da motivação particular da parte, quando pratica seus atos, se tornaria muito difícil no processo, ocasionando, invariavelmente, um atraso na prestação final da jurisdição, que é exatamente o contrário do que o referido princípio visa. Vale registrar, ainda, que não são raros os atos violadores da lealdade processual que possuem a aparência de licitude.

Como cláusula geral de processo e ligada à conduta objetivamente considerada da parte, a quebra da boa-fé, em regra, independe de prova da intenção ilícita, pois o próprio ato, por si só, já implica na violação do referido princípio. Um interessante e corriqueiro exemplo disso é do reclamante que postula o pagamento das verbas rescisórias, quando estas já foram depositadas pelo empregador em sua conta bancária onde recebia os salários. A alegação de que não consultou o extrato da sua conta pode até elidir a má-fé subjetiva, mas o simples postular por crédito recebido configura quebra do princípio da boa-fé objetiva, no mínimo por culpa.

Desse modo, assim como há uma "cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana" no direito brasileiro, a qual impõe a ilicitude objetiva aos atos contrários à dignidade humana, há, também, uma cláusula geral de tutela da aparência de licitude, segundo a qual quem estiver em situação de vantagem deve se comportar de forma honesta e leal, segundo exigido pela boa-fé objetiva, sob pena de configuração do ato abusivo (ilícito objetivo). "Cria-se um dever jurídico de bem portar-se em situação jurídica de vantagem, como a de aparente titularidade do direito, não se valendo dela para causar danos a terceiros" (JORDÃO, 2006, p.128).

A jurisprudência trabalhista resiste em considerar de forma objetiva as condutas das partes, confundindo práticas desleais com o direito à ampla defesa [03], mas já é sensível nos tribunais uma pequena mudança de paradigma [04].

É certo que o entendimento correto do Princípio da Boa-Fé Objetiva é fundamental para que sejam utilizadas as ferramentas disponíveis na legislação para coibir práticas desleais e contrárias à razoável duração do processo, como as penas pela litigância de má-fé, por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por atentado à dignidade da justiça, previstas nos artigos 18, 14, parágrafo único, e 601, ambos do CPC.

3.2 A litigância de má-fé

Como visto alhures, o código de processo civil fixa a cláusula geral de processo que é a boa-fé objetiva. Assim, litiga de má-fé aquele que quebra a referida cláusula geral, isto é, quem age objetivamente sem boa-fé, seja com dolo ou com culpa.

O artigo 17 arrola as condutas tipificadas como caracterizadoras de litigância de má-fé:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

O professor Nelson Nery Junior, citado por Ares (2009), conceitua o litigante de má-fé:

como a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito.

Na prática processual trabalhista percebe-se com uma certa frequência a prática, pelas partes, dos atos tipificados nos incisos II a VII do artigo 14 do CPC. Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso não á algo comum de se ver.

Vê-se com uma desonrosa habitualidade na Justiça do Trabalho as partes, em colusão, utilizarem-se do processo para atingir objetivos ilegais, seja a formação de início de prova de tempo de serviço inexistente para fins de aposentadoria, seja fraudar credores legítimos, transferindo judicialmente o patrimônio da empresa para o pseudo-empregado, utilizado como ‘laranja’.

A resistência injustificada a andamentos de processos é verificada nos reiterados pedidos de adiamento de audiências, na resistência em receber notificações pelo correio e no tolerado silêncio do executado quando se inicia a execução, não indicando onde estão e quais são os bens que possuem.

As condutas temerárias das partes, outrossim, é outra prática contumaz na práxis trabalhista. A retenção indevida de autos por advogados e por peritos é vista como comum nas secretarias das Varas Trabalhistas. A pior parte é que os magistrados têm-se mostrado complacentes com essas práticas, não aplicando as penalidades previstas pelo CPC.

Os incidentes manifestamente infundados são das mais diversas espécies. Impugnação à liquidação para discutir indevidamente índices de correção monetária. Embargos à execução sustentando a impenhorabilidade de dinheiro, quando o artigo 655 do CPC o coloca em primeiro da lista. Exceções de incompetência e de suspeição impertinentes. Em verdade, é impossível arrolar aqui todos os incidentes manifestamente infundados que se vê diariamente nos processos trabalhistas.

Os recursos manifestamente protelatórios, inicialmente vistos como garantia ao duplo grau de jurisdição, já são barradas no processo civil comum pela aplicação do artigo 518, §1º, do CPC, com a redação da Lei nº 11.276/2006: "O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal." Na Justiça do Trabalho, somente em caso de recurso de revista, isto é, já em sede extraordinária, é que o judiciário está autorizado a negar seguimento a recurso, nos termos do §5º do artigo 896 da CLT:

Estando a decisão recorrida em consonância com enunciado da Súmula da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, poderá o Ministro Relator, indicando-o, negar seguimento ao Recurso de Revista, aos Embargos, ou ao Agravo de Instrumento. Será denegado seguimento ao Recurso nas hipóteses de intempestividade, deserção, falta de alçada e ilegitimidade de representação, cabendo a interposição de Agravo.

O referido dispositivo é plenamente compatível com o processo trabalhista e se traduziria, caso aplicado na seara laboral, em uma maior celeridade processual.

Os agravos de instrumentos para o TST, no âmbito trabalhista, são outro grande entrave para a solução rápida dos litígios. A possibilidade de execução provisória em nada auxilia, pois o bem da vida não é entregue ao autor até que a lide esteja definitivamente resolvido. Este expediente (agravos de instrumentos), recorrentemente usado pelos Bancos para procrastinar a saída dos recursos (depositados com eles mesmos) o máximo possível, possui a intenção de ser menos utilizado com a recente inclusão do §7º no artigo 899 da CLT pela Lei nº 12.275/2010: "No ato de interposição do agravo de instrumento, o depósito recursal corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar".

Todavia, embora bem intencionada, a alteração não trará os resultados pretendidos, pois os maiores clientes do TST em matéria de agravo de instrumentos são aqueles que mais dispõe de recursos financeiros (Bancos) e o depósito de 50% ainda será barato se considerado os lucros que auferem a cada ano de atraso no processo com o dinheiro que deveriam pagar ao reclamante.

Mas a mais afrontosa conduta de má-fé e que, infelizmente também é a mais corriqueira, é a falta da verdade das partes. Este é o principal tópico que se deseja atacar, pois é um dos maiores entraves à realização da justiça e da busca da pacificação social.

Propositadamente será tratada em item próprio.

3.3 O dever de veracidade

O artigo 14, inciso I, do CPC estabelece como um dos deveras das partes "expor os fatos conforme a verdade". Nesta senda, não se pode admitir, no processo, alegações falsas.

Então, é de se concluir que falar a verdade é um dever, imputado a todos que estejam no processo, respeitadas as exceções legais – e as partes desse dever não escapam. (...) Mas é importante lembrar que tal dever existe porque a função primordial da tutela jurisdicional é buscar a solução para o conflito e, neste sentido, não pode permitir que os fatos trazidos para sua apreciação sejam adulterados, pois poderá o Estado ser enganado e prestar a tutela jurisdicional de modo equivocado. O prejuízo seria não somente para a parte contrária, mas especialmente para a própria dignidade da Justiça (IOCOHAMA, 2007).

O inciso LXIII do artigo 5º da CF/88 fixa o direito do preso em permanecer calado, havendo construção doutrinária e jurisprudencial que o réu, no processo penal, pode se utilizar de todos os meios que julgar aptos à proteção de sua liberdade, inclusive mentir.

Todavia, o referido dispositivo possui aplicação restrita ao processo penal e não pode ser transplantado, por analogia, ao processo civil, notadamente porque há norma expressa exatamente do contrário, isto é, as partes possuem o dever de veracidade.

O juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Erechim-RS possui a posição de que a parte no processo trabalhista, assim como o réu no processo penal, pode defender-se da forma que bem entender, narrar os fatos que quiser, independentemente de sua ligação com a verdade ou não.

Com a máxima vênia ao referido entendimento, quem determina à parte o dever de dizer a verdade não é a doutrina, mas sim a lei. O Código de Processo Civil fala neste sentido em diversas oportunidades.

Ademais, o juiz deve (ou deveria) alinhar sua conduta com a busca da verdade real, tentar reconstruir ao máximo no processo o que realmente ocorreu, mesmo que ao final apenas consiga uma verdade meramente formal.

Nesse sentido, Iocohama (2007):

De qualquer modo, cabe ao juiz a busca da verdade. Ainda que, no final, a prova produzida no processo represente uma reconstrução do fato (e, portanto, a verdade será meramente formal), a busca pela verdade real deve servir de objetivo ao juiz, de maneira que possa se aproximar o máximo possível da melhor representação dos acontecimentos. Assim, fortalecerá seu convencimento e terá condições para um julgamento bem mais adequado à pacificação que se espera da tutela jurisdicional.

O juiz que permite e aceita que as partes mintam demonstra descomprometimento com a verdade e, consequentemente, com a própria justiça.

Não só o artigo 14 do CPC cria o dever de a parte expor os fatos conforme a verdade, como o artigo 17, inciso II, do CPC, considera litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos.

De qualquer maneira, no processo onde a parte faltar com a verdade (entre outros comportamentos de má-fé) deverá ela ser condenada pela litigância de má-fé (ex officio), incorrendo no pagamento dos prejuízos sofridospela parte contrária, em multa de até 1%sobre o valor da causa, mais honorários advocatíciose todas as despesasque a outra parte efetuou, respondendo por tudo isso nos próprios autos (Iocohama, 2007).

As partes tem o dever de falar a verdade, sendo que na hipótese de teses mentirosas, a sanção não pode deixar de ser aplicada.

Há de se distinguir, contudo, teses mentirosas de teses não comprovadas.

Se o réu afirma fato impeditivo do direito do autor (como a condição de trabalhador externo incompatível com a fixação de jornada de trabalho) e não consegue provar esta condição e, tampouco, a jornada real do reclamante, pelos simples critérios de distribuição de ônus probatório ela sairá derrotada na demanda. Não há como afirmar, contudo, que a parte ré faltou com a verdade sem que, nos autos, fique provado isto. Ao contrário, se a prova produzida indicar que, de fato, havia controle de horários, demonstrando ser mentirosa a versão do réu, ele deve ser considerado litigante de má-fé.

Outra situação muito comum nas causas trabalhistas é a real jornada exercita pelo trabalhador. Há direito a horas extras ou não há?

A tese da inicial aponta uma jornada de aproximadamente 10 horas diárias, sendo que invariavelmente o réu reporta-se aos cartões-ponto e sustenta que toda a jornada de trabalho está anotada e que eventuais horas extras foram devidamente remuneradas.

Tendo sido provada a jornada declinada na inicial e, por corolário, demonstrada a mentida da tese defensiva, não há como negar que o demandado agiu com absoluta falta de boa-fé quando fez afirmações falsas quanto ao real tempo trabalhado pelo obreiro.

Este tipo de situação está tão disseminada na Justiça do Trabalho, que a mentira da reclamada está banalizada. Tese de defesa: mentira. Tão banalizada que alguns juízes sequer apreciam suas alegações, pois sabem que não passam de mentiras e, quando muito, uma simples distorção da verdade.

Ocorre que neste caso em especial são os próprios juízes os grandes responsáveis pela banalização da mentira, pois deixam de aplicar as ferramentas disponíveis para coibir este tipo de conduta.

3.4 Aplicação das penalidades

A litigância de má-fé, caracterizada pela quebra do dever de lealdade e de boa-fé objetiva da parte, é um dos maiores entraves à plenitude da razoável duração do processo.

Os juízes devem estar comprometidos com a justiça e em busca da verdade real, ficando atentos à condutas procrastinatórias, aplicando as penalidades já existentes no CPC.

O artigo 16 do CPC prevê que "Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente".

O dispositivo, portanto, cria o direito da parte prejudicada em ser ressarcida pelas perdas e danos provenientes da conduta praticada de má-fé, objetivamente considerada, ressalte-se.

O artigo 18 do CPC, por sua vez, estabelece que:

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.

Cabe ao magistrado, assim, mensurando a gravidade da conduta da parte, graduar a multa a ser aplicada, não superior a 1% do valor da causa. Deve o juiz arbitrar, ainda, os prejuízos que a parte adversa teve, seja com advogado, testemunhas, viagens, perícias etc., em razão da litigância de má-fé, cujo valor, de acordo com o dispositivo acima transcrito, não poderá ser superior a 20% do valor da causa.

Pode o juiz, ainda, se entender violados os deveres do artigo 14, inciso V, do CPC (cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final), aplicar multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição, que reverte em favor da própria fazenda pública envolvida (Estado ou União).

Sublinhe-se que não há qualquer empecilho para a cumulação de ambas as sanções (por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por litigância de má-fé) em razão de uma mesma conduta. Com efeito, o mesmo ato pode ser (e normalmente é) tanto prejudicial à parte contrária, que tem na demora na prestação judicial o principal obstáculo ao reconhecimento do seu direito, como ao próprio Poder Judiciário, que tem o dever de resolver tempestivamente os litígios e é impedido pela conduta temerária de uma das partes.

Segundo Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 83): Às sanções dos arts. 16 e 18 pode ser cumulada a multa de até 20% do valor da causa, por ato atentatório ao exercício da jurisdição (art. 14, parágrafo único, acrescido pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001), que, entretanto, reverterá em favor da Fazenda Pública, e não da parte prejudicada".

O que deve ficar assente é que as referidas cominações, dentre tantas outras previstas pela legislação (artigo 601 do CPC, por exemplo – ato atentatório à dignidade da justiça), devem ser constantemente aplicadas pelos magistrados, punindo aqueles que insistem em atrasar a solução, utilizando-se de artifícios processuais para isso.

Deveras, a falta de sanção para as partes que agem deslealmente no processo acabam por incentivar a reiteração da conduta, atravancando em larga escala a tramitação e resolução das lides postas à apreciação do Poder Judiciário.


CONCLUSÃO

O objetivo desse trabalho, conforme mencionado na introdução, não é esgotar o tema da morosidade processual e da litigância de má-fé, nem se posicionar de forma definitiva sobre as polêmicas que suscita. O objetivo é contribuir, embora de forma tímida, para enriquecer o debate sobre ele. Deveras, a razoável duração do processo tem merecido holofotes entre os operadores jurídicos, notadamente depois da EC nº 45/2004.

Nessa senda, como recomenda a metodologia da pesquisa à um texto que tenha a pretensão de ser minimamente científico, cabe apresentar algumas conclusões sobre a matéria abordada.

A morosidade na tramitação processual vem sendo um dos maiores entraves à realização da Justiça e o Poder Judiciário há muito permanece inerte perante este problema.

Sempre responsabilizou as normas de processo pela demora e nunca se perguntou o que ele próprio poderia fazer para amenizá-la.

A partir da EC nº 45/2004 foi incluído no catálogo de direitos fundamentais da Constituição da República a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação.

A partir de então a sociedade passou a cobrar o próprio Poder Judiciário por uma solução, proporcionando um debate por busca de uma maior celeridade no trâmite dos processos, de forma a buscar o efetivo exercício da justiça.

Um dos elementos que mais contribui para a morosidade processual (senão o maior) é a própria conduta das partes, seja com intuito de obter vantagens indevidas, seja simplesmente com o objetivo de retardar o reconhecimento do direito da parte adversa, tornando o processo um verdadeiro martírio.

Vencer pelo cansaço é filosofia processual corrente de muitos escritórios de advocacia e os tribunais trabalhistas podem ser considerados cúmplices deste desrespeito com o trabalhador reclamante.

A prática abusiva no processo,

seguramente, não é o único responsável pela demora na prestação jurisdicional e pela efetivação das decisões judiciais, mas é uma das causas da morosidade da Justiça, tão indesejada pela sociedade quanto combatida pela ciência processual, favorecido pelo sistema legal vigorante, marcado por uma burocracia gigantesca, muitas vezes inútil, sob o pretexto de prestigiar a segurança jurídica, como se esta fosse mais importante que a produção de resultados justos, individual e coletivamente, pela atividade jurisdicional (PAROSKI, 2008).

O que se vê no processo do trabalho é a parte que possui a intenção de atrasar a prestação jurisdicional ou a efetivação da decisão judicial alegando, provocando incidentes e recorrendo quantas vezes bem entender, sem qualquer constrangimento ou penalidade. Mesmo sendo derrotado em todas as oportunidades, muitas vezes com versões que colidem com a Constituição e com a verdade, sem um mínimo de razoabilidade e de possibilidade de êxito, nenhuma sanção sofre. Esta impunidade acaba por incentivar a reiteração desta conduta indesejada.

Conforme já mencionado, na seara trabalhista verifica-se um sem-numero de casos de litigância de má-fé de partes e procuradores que, somados a uma ilimitada tolerância por parte dos magistrados, que muitas vezes abdicam do poder de punir em razão da garantia do devido processo constitucional, proporcionam uma demasiada demora na prestação final da jurisdição, impossibilitando a entrega tempestiva do bem da vida àquele possuidor do direito.

O direito a ampla defesa e ao contraditório devem ser interpretados de forma razoável e em consonância com a razoável duração do processo, pois princípios de mesmo patamar constitucional, notadamente quando, para o bem da Justiça, deve-se limitar exageradas oportunidade de intervenção no processo com objetivos ilícitos, imorais ou contrários aos bons costumes e ao exercício da jurisdição.

Além disso, deve ser considerado que na Justiça do Trabalho invariavelmente se busca o pagamento de verbas de natureza alimentar, sonegadas durante o contrato de trabalho. Verbas estas que, impagas, causam prejuízos irreparáveis ao trabalhador e à sua família, que tem tolhido a possibilidade de buscar a melhoria de sua condição social.

Tratando-se de verbas de cunho alimentar, a chicana e a procrastinação do processo praticadas pelos empregadores em sua atuação em juízo, acarretam presumíveis e graves conseqüências ao trabalhador, que se vê privado de recursos para satisfazer suas necessidades mais prementes, adiando sonhos e a realização de objetivos, diminuindo expectativas e pondo em descrédito a própria Justiça do Trabalho e sua capacidade de pacificar, resolvendo tempestiva e adequadamente os litígios (PAROSKI, 2008).

Deve se ter em mente que as atitudes procrastinatórias normalmente são praticadas por meio de meios processuais legais, em uma aparente licitude, e nem por isso há óbice ao seu reconhecimento e a aplicação das penalidades cabíveis. São o exagero e a ilicitude do resultado pretendido que devem ser coibidos com rigor.

Outrossim, a condenação do litigante de má-fé, semelhante ao que ocorre com a reparação do dano imaterial, deve observar as três funções idênticas à reparação civil por dano extrapatrimonial: compensatória, pedagógica e repressiva, tornando desinteressante ao infrator a reiteração de condutas desta ordem.

Sublinhe-se que os danos causados a outra parte no processo não precisam ser provados, pois são presumidos pela gravidade da conduta do adversário, especialmente pelo tempo que ele conseguiu ganhar em prejuízo aos direitos daquele que tem razão.

A aplicação da multa e a condenação de reparar os danos do litigante de má-fé não exige requerimento da vítima, pois pode ser imposta ex officio pelo juiz, já que o dano não se limita à esfera da parte adversa, mas atinge a própria confiabilidade, eficiência e credibilidade das instituições judiciárias, militando em desfavor da garantia constitucional da razoável duração do processo, havendo interesse público na punição do agressor.

Mauro Vasni Paroski (2008), na mesma linha de raciocínio, registra em seu trabalho que:

(...) há uma considerável redução da efetividade e da celeridade do processo e da eficiência da prestação jurisdicional, colocando as instituições judiciárias em condição de impotência, diante das atitudes procrastinatórias do litigante, transmitindo à opinião pública a impressão de que o sistema judiciário não funciona a contento, é lento, é ineficiente e é incapaz de resolver seus próprios problemas internos, o que dirá os problemas dos jurisdicionados (PAROSKI, 2008).

Identificada a litigância de má-fé como um dos principais obstáculos à rápida solução dos litígios, a Justiça do Trabalho, especialmente os magistrados, não pode ficar inerte perante esta prática corrente nas reclamatórias trabalhistas, onde as partes mentes, dissimulam e procrastinam, incentivados pela falta de qualquer tipo de sanção.

As penas por litigância de má-fé precisam vir à baila também no processo trabalhista, pois somente quando as partes tiverem efetivo prejuízo ao agir com má-fé passarão a se comportar de forma leal, proporcionando um processo mais célere e compatível com o mais novo direito fundamental da razoável duração do processo.


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Notas

  1. Infelizmente o que se vê na prática é os magistrados abandonarem os livros depois de aprovação no concurso público. A maioria dos juízes deixa de se atualizar e acompanhar a evolução da doutrina e da jurisprudência e deixa de acompanhar de perto a tramitação dos processos sob sua responsabilidade. Especialmente na Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, na rotina de uma secretaria judiciária é o Diretor de Secretaria (muitas vezes sem conhecimento do direito e só pela experiência) que redige os despachos, relegando ao juiz somente a tarefa de estar presente às audiências e assinar as minutas, e isso quando não é o próprio servidor as assina, já que com a implantação da assinatura eletrônica basta que o juiz forneça a senha do cartão para que o Diretor assine digitalmente todos os despachos.
  2. Lacunas ontológicas surgem quando as normas existentes não correspondem aos fatos sociais em razão do desenvolvimento das relações, causando o ancilosamento da norma. Lacunas axiológicas evidenciam-se quando há ausência de norma justa, isto é, existe um preceito que, se aplicado, trará um resultado insatisfatório ou injusto (LEITE, 2009, p. 97). Não se aprofundará mais neste tema, porquanto não é o objetivo deste trabalho dissertar sobre a aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho.
  3. "Inviável a aplicação da pena por litigância de má-fé ao autor. Não se verificam as hipóteses previstas nos artigos. 14 e 17 do Código de Processo Civil, mas sim, o exercício do direito de ampla defesa, assegurado no inciso LV do art. 5° da Constituição Federal." (Acórdão - Processo 0115400-67.2006.5.04.0373 (AP). Redator: MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO. Data: 13/04/2010 Origem: 3ª Vara do Trabalho de Sapiranga.

"Litiga de má-fé a parte que, com dolo ou culpa, atua no processo de forma temerária, causando dano processual à parte contrária ou à própria administração da Justiça" (TRT/4. Acórdão do processo 0008500-40.2009.5.04.0281 (ED). Redator: MARIA MADALENA TELESCA. Participam: MARIA INÊS CUNHA DORNELLES, BEATRIZ RENCK. Data: 14/07/2010 Origem: Vara do Trabalho de Esteio


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URNAU, Evandro Luis. A litigância de má-fé como empecilho à razoável duração do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2795, 25 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18560. Acesso em: 23 abr. 2024.