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Fator econômico como inviabilizador do exercício de direitos.

Adoção dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos como passíveis ampliadores do acesso à justiça

Fator econômico como inviabilizador do exercício de direitos. Adoção dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos como passíveis ampliadores do acesso à justiça

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RESUMO: Aprecia-se que o direito ao acesso a justiça está erigido a direito fundamental, logo, coloca-se como irrepreensível a condenação de impedimentos para o seu exercício. Nesta balada, não há como admitir que os custos judiciais sejam fortes causadores da retração à busca pelo acesso à justiça. Ideal seria encontrar meios de tornar as despesas impostas pelo Poder Judiciário em razoáveis montantes. Ocorre, porém, que esta tarefa se mostra extremamente árdua e de difícil concretização. Sendo assim, impende averiguar a viabilidade da utilização de outros meios mais econômicos e capazes de ampliar o acesso à justiça a maior parte da camada social, reflete-se, então, a respeito dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos e a sua capacidade de sintetizar os excessos de formalismos, amenizando os fatores econômicos embaraçosos, e, por conseguinte, ampliando a concretização dos direitos.

PALAVRAS-CHAVES: Acesso à justiça – direito fundamental – fator econômico – custos judiciais – mecanismos alternativos de resolução de conflitos.


1. INTRODUÇÃO

Verdadeiro é tecer a afirmação de que cabe ao Estado o papel de receptor das contendas e o papel de ditar as soluções das controvérsias. É por isso que se atribui a ele - Estado - a titulação de garantidor do exercício do direito de acesso à justiça.

Nos ditames da doutrina moderna, tem-se que o direito ao acesso à justiça não se resume apenas à possibilidade de se apresentar uma demanda e de se receber uma decisão judicial; é necessário que haja a efetiva prestação de todos os demais direitos que se inserem na órbita da procura por soluções.

Ao se proibir a autotutela, ou seja, a resolução dos conflitos pelos próprios meios, inclusive pela força física, está-se a pressupor que o ingresso no Poder Judiciário não deve sofrer coibições. Ocorre, porém, que não é esta a realidade que desponta, pois constantemente críticas e insatisfações são direcionadas à atuação desse Poder.

Dentre as principais causas de descontentamento estão os altos custos preliminares e incidentais de uma demanda judicial, fator este que desestimula os indivíduos na busca pela aplacação das divergências pela via estatal, desencadeando no que se conceitua de litigiosidade contida.

Nesta conjuntura, cientifica-se que esta pesquisa irá pautar seu desenvolvimento na questão que envolve o fator econômico – especificadamente os custos judiciais – como desestímulo ao acesso à justiça via Poder Judiciário.

Verificar-se-á que vastas são as afirmações que atribuem às elevadas exigências monetárias o adjetivo de relevante entrave ao socorro às vias estatais. Conforme será exposto, não há o posicionamento contrário a fixação de valores para se entrar com pleitos, mas se condena a desarrazoada fixação das quantias.

Inserto nessa conjuntura e diante da provável frustração na concretização de planejamentos que ensejam a redução das quantias judiciais impostas, enxerga-se nos mecanismos alternativos de resolução de conflitos uma forma de se alargar o caminho ao acesso à justiça.

Diante disso, entrará em cena a análise de métodos como a conciliação, a mediação e a arbitragem, evidenciando que suas adoções dispensam solenidades e formalidades, logo, a simplificação dos meios pode trazer consigo a gratuidade ou o baixo custo das prestações pacificadoras, sendo que assim um dos mais significativos obstáculos ao acesso à justiça será afastado.


2. DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA

Muito já se escreveu a respeito de como se solucionavam conflitos antes do Estado intervir para tanto. Leciona-se que aqueles que pretendiam vislumbrar seus interesses satisfeitos, tinham que fazer preponderar suas habilidades ligadas à força física.

Ocorre que com a evolução das sociedades observou-se a tendência destas em admitir organizar-se, cedendo poderes ao Estado. Passa, então, a autotutela ser vedada e o Estado a deter o monopólio da jurisdição.

BATISTA (2010, p. 21) apresenta esta situação, expondo que:

"Desenvolvendo uma análise da sociedade a partir do período da história moderna, o ser humano, para que pudesse ter uma relação de convivência mais ordenada, encontrou uma forma organizativa, que é o Estado. Uma relação que ajudou na segurança, mas com a condição que o ser humano fizesse parte do Estado como membro contribuinte. Como a sociedade evoluiu desde então, permitiu-se a compreensão das mudanças e dos fenômenos de massa e seus reflexos no Direito".

Atenta-se que, via de regra, não mais se consente agir com meios próprios para satisfazer interesses pessoais resistidos, razão esta que faz despontar o direito de socorrer-se da justiça por meio do direito de ação.

Concebe-se, desta feita, o direito ao acesso à justiça. MARINONI e ARENHART (2008, p.33), ao abordarem o tema, afirmam que a doutrina moderna outorga a esse direito não apenas a função de conceder uma decisão judicial, atribuindo-lhe também a função de garantir a tutela efetiva dos demais direitos.

"O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como aquele que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. A importância que se dá ao direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores.

Por essas razões, a doutrina moderna abandonou a idéia de que o direito de acesso à justiça, ou o direito de ação, significava apenas o direito à sentença de mérito. Esse modo de ver o processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que estão nos estudos dos processualistas ligados ao tema da ‘efetividade do processo’, que traz em si a superação da ilusão de que este poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material".

É por isso que se prega que o mero alcance de decisões judiciais é incapaz de cumprir com a obrigação de pacificação social atribuída ao Estado, mister se faz eliminar conflitos tendo em conta as realidades sociais. "Não se alcança a paz resolvendo só parcela do problema; o que se busca é a pacificação do conflito com a solução de todas as questões que envolvam o relacionamento entre os interessados". (BACELLAR, 2001, p.198).

Aprofundando a temática concernente ao acesso à justiça, aufere-se que a doutrina (RODRIGUES, 1994, p.28) tem-lhe designado duplo significado, revelando uma acepção intimamente ligada ao acesso ao Judiciário, tornando sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; e outra acepção voltada para uma visão que detecta no acesso à justiça o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.

Adentra-se ao duplo significado, para tratar primeiramente do acesso à justiça via Poder Judiciário, expondo que a tramitação da contenda inserida nesse Poder acarreta dispêndios econômicos capazes de consistir em um fator de desestímulo aos que pretendem ingressar com demandas. Verificar-se-á, inclusive, a outra acepção dada ao termo, pois este "compreende os equivalentes jurisdicionais, os quais são: autotutela, autocomposição, mediação e arbitragem, compreendendo também um sentido axiológico e coerente com os direitos fundamentais" (BATISTA, 2010, p.24). Inserto nessa segunda acepção, irá se prezar pela averiguação quanto aos valores monetários a serem despendidos para a utilização de vias alternativas de aplacação de conflitos.

Indubitável é que seja qual for o significado atribuído ao termo acesso à justiça, tem-se nele um direito fundamental. CAPPELLETTI e GARTH (1988, p. 12) formalizaram suas constatações aduzindo que "O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos".

RIBEIRO (2005, p. 07), reiterando o status de direito fundamental que recai sobre o acesso à justiça e posicionando-se como a doutrina moderna, complementa no sentido de dispor que além de ser identificado como direito de ação, o acesso à justiça apresenta-se como a afirmação de toda a ordem jurídica, pois reflete a efetivação de inúmeros direitos.

"Assim, o acesso à justiça, em um conceito mais amplo, é um dos princípios básicos do Estado Democrático de Direito: é um direito fundamental, previsto constitucionalmente, alcançado através do exercício da função jurisdicional. Pode ser identificado, de forma imediata, como o direito de ação; e, de forma mediata, como a afirmação de toda a ordem jurídica, já que reflete na efetivação de inúmeros direitos".

Neste diapasão, mostra-se inconcebível que entraves possam vir a obstar qualquer manifestação de exercício desse direito fundamental. Desta forma, o presente estudo irá se desenvolver na averiguação de aspectos econômicos, especialmente os que envolvem os custos judiciais e os gastos complementares de ingresso com demandas, sondando o quanto estas expensas podem inviabilizar a procura e o exercício do direito de acesso à justiça, e conseqüentemente, alcançar tudo o que por ele é envolvido.

Prossegue-se, então, na elucidação de dados indicadores dos encargos exigidos para se exercer o direito de acesso à justiça ante o Poder Judiciário.


3. O CUSTO DOS DIREITOS

NABAIS (2007, p. 164) elucida que todos os direitos possuem custos, já que, via de regra, não advêm de dádivas e não são auto-realizáveis.

"E uma primeira verificação, que devemos desde já assinalar a tal respeito, é esta: os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos.

Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm portanto custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também têm custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento. Por conseguinte, não há direitos gratuitos, direitos de borla, uma vez que todos eles se nos apresentam como bens públicos em sentido estrito".

Dentro dessa orientação, constata-se que também o exercício do direito de ação vai exigir gastos.

Há uma máquina que deve ser movimentada, há pessoas que a movimentam e que devem ser remuneradas. Portanto, indubitável que o acesso à justiça deve ser consagrado e garantido, todavia, não sem antes elucidar que é preciso pagar para tanto.

Para que o direito de ação se concretize é necessário o ingresso com uma demanda, que, por sua vez, irá dar ensejo a um processo que precisará ser financiado.

DINAMARCO (2005, p. 634 e 635), sem delongas, concede a realidade custosa para exercer a jurisdição e para defender os interesses das partes.

"O processo custa dinheiro. Não passaria de ingênua utopia a aspiração a um sistema processual inteiramente solidário e coexistencial, realizado de modo altruísta por membros da comunidade e sem custos para quem quer que fosse. A realidade é a necessidade de despender recursos financeiros, quer para o exercício da jurisdição pelo Estado, quer para a defesa dos interesses das partes. As pessoas que atuam como juízes, auxiliares ou defensores fazem dessas atividades profissão e devem ser remuneradas. Os prédios, instalações, equipamento e material consumível, indispensável ao exercício da jurisdição, têm também o seu custo".

Tal situação remonta ao que descrito acima, ao fazer parte do Estado, assim como fazer parte da estrutura organizativa imposta por ele, passa-se a conceber o socorro à Jurisdição (Dever/ Poder estatal), e para que a função jurisdicional seja exercida, necessário se faz que o jurisdicionado patrocine esta atividade.

Citando mais uma vez DINAMARCO (2005, p. 635), coloca-se ser inconcebível que o Estado exerça a jurisdição à própria custa.

"Seria igualmente discrepante da realidade a instituição de um sistema judiciário inteiramente gratuito para os litigantes, com o Estado exercendo a jurisdição à própria custa, sem repassar sequer parte desse custo aos consumidores do serviço que presta".

Ademais, não se deixa de analisar os imensuráveis inconvenientes que adviriam se o ingresso com demandas fosse totalmente isento de cobrança, isto porque surgiria um cenário de litigar por litigar, ou seja, uma espécie de promoção da litigância sem responsabilidade.

Não se olvida, todavia, que as condições econômicas não são as mesmas entre os jurisdicionados, havendo alguns mais desafortunados que outros em razão da disparidade da concentração da renda. Ocorre que tal realidade não pode, por si só, negar o exercício do direito de acesso à justiça. É por isso que se concebe a possibilidade da gratuidade da justiça em casos específicos. Clarifica TUCCI (1989. p. 20) que "Por outro lado, tem-se, outrossim, que o acesso aos juízos e tribunais não deve ser obstado em nenhuma hipótese, especialmente na de insuficiência econômica, devendo ser possibilitada, de modo equânime, a gratuidade".

Entretanto, pontua-se que "os casos de gratuidade são excepcionais e específicos, estando tipificados em normas estritas" (DINAMARCO, 2005, p. 635).

Colima-se, desta feita, que nem todos os jurisdicionados serão beneficiados pelo que positiva o art. 5°, LXXIV da Constituição da República, nem serão agraciados pelas disposições dos artigos da Lei 1.060/50, isso porque há aqueles que não se encontram no discriminado estado de pobreza estipulado pela lei.

TUCCI (1989, p. 21) anuncia tal panorama descrevendo que:

"em que pese a reafirmação, a nível constitucional, do beneficio da assistência judiciária gratuita, não se pode deixar de ressaltar que, infelizmente, em nossa pratica forense, mostra-se ele (e, por certo, continuará mostrando-se...) inadequado ao fim colimado e, por assim ser, incondizível com as exigências de um moderno Estado social.

Realmente, em decorrência dos critérios que norteiam a sua concessão, e por paradoxal que possa parecer, o acesso à Justiça é facultado aos ricos e aos necessitados, mas não àqueles – a grande maioria da população – que não são suficientemente favorecidos para poder suportar as despesas de um processo, maiores a cada dia, e, ao mesmo tempo, não se encontram em estado de pobreza tal, que lhes permita usufruir da assistência judiciária gratuita.

Ademais, em muitas situações correlatas, por força desse mesmo fato, restam favorecidos os economicamente privilegiados, em detrimento dos direitos dos menos poderosos, ou mais fracos".

Observa-se, então, que o fator econômico pode representar um relevante desestímulo ao exercício do direito de acesso à justiça, como também, a todos os demais direitos que ele é capaz de consagrar. Vislumbra-se que para a grande parcela da população, as restrições econômicas acabam por se perfazerem em uma espécie de denegação da justiça.


4. FATOR ECONÔMICO COMO INVIABILIZADOR DO ACESSO À JUSTIÇA VIA PODER JUDICIÁRIO

RODRIGUES (1994, p. 31) informa que "O primeiro grande problema sempre apontado pela doutrina, como entrave ao efetivo acesso à justiça, é a carência de recursos econômicos por grande parte da população para fazer frente aos gastos que implicam uma demanda judicial".

Na mesma balada, PORTANOVA (1999, p. 24) destaca que "O preço elevado dos custos processuais, a demora e o emperramento fazem parte do conjunto de críticas mais constantes e procedentes que se fazem ao aparelho estatal".

O jurisdicionado, ao se deparar com a obrigação de arcar com taxas judiciárias, honorários advocatícios, custos de diligências e também o ônus de adiantamento de valores, passa a crer na impossibilidade de resolver sua pendência via Estado, dando-se ensejo a situações que configuram o que a doutrina denomina de ‘litigiosidade contida’ (WATANABE, 1985, p. 2).

Aduz o Documento Técnico Número 319 do Banco Mundial que as Cortes de Justiça devem ser acessíveis para aqueles que necessitam utilizá-las por razões legítimas, neste prisma, fala-se em acesso a quem, movido por razões legítimas, necessita do Poder Judiciário, e não em acesso restrito a quem dispõe de condições monetárias para tanto.

CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2003, p. 72) despertam a atenção para o fato de que o processo deve ser um meio a ser manuseado para que se chegue a uma solução, logo, como instrumento que é, não pode, por si só, ser tão economicamente pesaroso aos litigantes: "Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício".

Pautado nesse raciocínio, verifica-se ao menos a edição da súmula 650 do STF, cujo escopo é a vedação da cobrança de taxas sem limite sobre o valor da causa [01].

Insta salientar que o ordenamento processual exige que se faça dispêndios econômicos logo no limiar do trâmite, tanto que o adiantamento inicial das despesas é erigido à categoria de pressuposto de constituição válida e regular do processo. DINAMARCO (2005, p.643) faz o alerta para a possível extinção do processo por falta de embolso:

"Quanto ao preparo inicial, dispõe o art. 257 que será cancelada a distribuição do feito em caso do demandante omitir-se no recolhimento no prazo de trinta dias a partir da intimação. Na prática, ordinariamente os cartórios distribuidores sequer recebem petições iniciais desacompanhadas da guia de recolhimento do preparo inicial; mas se a petição for recebida e a parte não atender ao chamado a preparar, o processo será extinto, inclusive porque o adiantamento inicial de despesas do juízo é um pressuposto de constituição válida e regular do processo (art. 267, inc. IV)".

Ocorre que não somente os custos precedentes representam óbices para os jurisdicionados, há também os gastos incidentais, os quais se consolidam como barreiras limitadoras ao acesso à justiça.

Reitera-se menção ao Documento Técnico Número 319 do Banco Mundial para elucidar que os gastos incidentais são de três ordens, os quais potencialmente implicam em barreiras à postulação dos direitos:

"Os gastos incidentais da litigância incluem honorários advocatícios e taxas notariais, morosidade do Judiciário e custas processuais. Primeiro, a simples exigência de um advogado para representar as partes obsta o acesso à justiça, ainda que em algumas instâncias não possa ser evitada. Além disso, a padronização de taxas e os elevados honorários advocatícios pode impedir um expressivo número de indivíduos de procurar assistência jurídica ou aconselhamento. (...) A morosidade também aumenta os gastos com advogados, impedindo as partes de levar uma demanda válida e justa, após as Cortes de 1ª Instância. Devido a um grande número de recursos disponíveis nas Cortes da America Latina, a morosidade causa fadiga e prejuízos, enfim, injustiça a ambas as partes. O terceiro tipo de gastos incidentais são as custas processuais. É importante que as custas sejam razoáveis, justas e compatíveis com a renda, para que não obstem o acesso ao sistema".

O Documento assinala ser a cobrança elevada dos honorários advocatícios algo que obstaculiza o cidadão a valer-se das vias estatais para discutir sua pendência. Coloca-se que raras são as ocasiões que prescindem a presença de advogados na postulação; a exigência do profissional se faz em razão da capacidade postulatória.

Diante da impossibilidade econômica de se contratar advogados é possível auxiliar-se do que dispõe a Constituição da República de 1988 [02], a qual positivou a Defensoria Pública sob a designação de função essencial à justiça, ambicionando que esta supra a carência daqueles que não conseguem arcar com a contratação de profissionais, proporcionando orientações jurídicas, assim como proporcionando defesa aos necessitados. Entretanto, esta função essencial é ainda incipiente.

Tal situação decorre, principalmente, em razão do comprometimento da sua autonomia financeira, vez que a realidade que prepondera é o pouco repasse econômico feito pelo Estado para manter tais instituições. Ademais, destaca-se a pouca quantidade de defensores públicos em relação à procura da população.

Desponta também no excerto acima, a morosidade como fator prejudicial e majorador das despesas a serem arcadas pelas partes. Isso porque a falta de celeridade que macula os trâmites processuais, além de abalar a função pacificadora do Poder Judiciário, eleva os custos a serem suportados, representando, de certa forma, um ‘impulso negativo’, vez que conduz os economicamente mais fracos a anuírem com acordos que lhes são prejudiciais.

Quanto aos custos processuais impende salientar que não se é contrário a imposição dos mesmos, o que se repudia é a sua instituição desproporcional.

Esclarece-se que o vocábulo custo do processo é designação generalizada, envolvendo as despesas processuais e os honorários advocatícios. No que tange às despesas processuais – inserto na realidade processual brasileira – tem-se que estas abarcam (DINAMARCO, 2005, p. 635 e 636):

"(a) a taxa judiciária, ou custas devidas ao Estado pelo exercício da jurisdição, (b) os emolumentos devidos a eventuais cartórios não-oficializados, (c) o custo de certos atos e diligências, como intimações ou citações, (d) a remuneração de auxiliares eventuais, aos integrantes dos quadros do Poder Judiciário. Não constituem despesas processuais outros gastos eventualmente realizados em preparação do processo ou por causa dele, como captação de documentos, viagens e alimentação das partes ou defensores etc.".

Desta feita, discriminam-se as despesas ordinárias a serem arcadas, ressalvando que qualquer despesa extrajudicial não está computada neste rol, devendo então, estimar-se que o patrocínio de uma demanda é, por regra, maior do que se planeja.

Esta realidade cerceia o ingresso dos economicamente frágeis, tanto que "Já se disse que a Justiça Civil brasileira está à disposição do povo tal qual um hotel ‘cinco estrelas’: quem tem dinheiro usa e se aproveita dela; que não tem a mesma sorte fica do lado de fora". (BACELLAR, 2001, p. 106).

PINHEIRO (2002, p. 04) acrescenta que as pequenas empresas são desencorajadas a provocar a Jurisdição face aos custos impostos, informa ainda que estes valores, por serem desarrazoados, fazem com que também as empresas de grande porte repilam as vias judiciais:

"A Justiça no Brasil é vista acima de tudo como muito lenta, ainda que uma parcela relevante dos empresários também reclame dos custos de acesso. As pequenas empresas, em particular, encaram o custo de acesso à Justiça como proibitivos e só têm contato com esta quando acionados. Um padrão semelhante também se observa para as empresas de maior porte, que procuram estruturar suas operações de forma a evitar contato com o Judiciário(...)".

Pondera-se, mais uma vez, que não se está a exaltar uma posição contrária a cobrança de taxas judiciárias ou a fixação de outros valores como os honorários advocatícios; está-se sim anunciando a desproporção estridente - e comumente presente - na exigência do pagamento de pesados valores e a realidade econômica dos jurisdicionados, assim como a própria significação monetária do bem jurídico objeto de proteção, acarretando a impossibilidade de se ingressar no Judiciário.

TUCCI (1989, p. 20), anunciando a possibilidade de convivência harmônica entre gastos e o ingresso com demandas, visualiza que "um ideal perfeitamente exigível, todavia, é o de manter o custo da Justiça dentro de razoáveis limites, que não constituam um convite, dada a sua irrisoriedade, para o ingresso em Juízo, nem um elemento dissuasório fadado a encobrir uma indireta denegação de Justiça".

Todavia, reconhece-se ser tarefa que beira a impossibilidade àquela que objetiva reformular todo o sistema de custos preliminares e incidentais do Poder Judiciário brasileiro adequando-os a plausíveis limites, até porque vaga é a abordagem desses parâmetros.

Ante a essa realidade, sugere-se que o acesso à justiça possa se concretizar por instrumentos cuja simplificação de seus métodos resulta em significativa redução de expensas econômicas quando comparadas ao acesso via Judiciário. Trata-se da referência feita anteriormente a respeito da dupla acepção dada pela doutrina ao acesso à justiça, sendo que a segunda acepção faz adução à possibilidade de utilização de meios alternativos para tanto.


5. MECANISMOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO AMPLIADORES DO CAMINHO AO ACESSO À JUSTIÇA

Inegável a existência de conflitos sociais diários, inegável também é que tais conflitos devem ser resolvidos.

Neste sentido, repudia-se o fato de se ter presente fatores que perfazem entraves a busca pelo apaziguamento, como o fator econômico em relação à procura pelo Poder Judiciário.

Parte-se, então, da premissa que a superação das desavenças é algo que se apresenta imprescindível, sendo que sua efetivação deve ocorrer seja via Poder Judiciário, seja via métodos alternativos.

CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2003, p. 25 e 26) revelam a aludida necessidade de pacificação, assim como a constatação que o Estado tem falhado nesta sua atribuição também em razão das exigências monetárias:

"Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista.(...) Ao lado da duração do processo (que compromete tanto o penal como o civil ou trabalhista), o seu custo constitui outro óbice à plenitude do cumprimento da função pacificadora através dele. O processo civil tem-se mostrado um instrumento caro, seja pela necessidade de antecipar custas ao Estado (os preparos), seja pelos honorários advocatícios, seja pelo custo às vezes bastante elevado das perícias. Tudo isso, como é perceptível à primeira vista, concorre para estreitar o canal de acesso à justiça através do processo".

Estes autores revelam a tendência dos processualistas modernos em direcionarem sua atenção e estudo a outros meios de solução de conflitos, especialmente a conciliação e o arbitramento. Aduzem que além de haver quebra ao excessivo formalismo processual e a aplicação de juízos de eqüidade, há uma maior preocupação com o social, vez que a gratuidade, ou ainda, o menor custo, abre caminho ao acesso de todos que necessitam dissolver situações conflituosas.

CAPPELLETTI e GARTH (1988, p. 87 e 88) também visualizaram na conciliação uma alternativa para as partes penderem a evitar litígios judiciais, já que assim haveria um desvio dos riscos advindos de um julgamento:

"Outro método geral para evitar litígio judicial consiste em encorajar acordos pelo uso seletivo de incentivos econômicos. É claro que fatores econômicos tais como os custos do julgamento, os métodos pelos quais esses custos são alocados (incluindo os honorários antecipados), a taxa de inflação e a demora, influenciam a disposição das partes para com a conciliação, mesmo que esses fatores possam afetar diferentemente os diversos tipos de litigante. A demora e os altos índices de inflação tornam um demandante em busca de numerário, especialmente quando se trata de um indivíduo isolado, mais ansioso por uma composição, de modo a poder receber alguma quantia desde logo. O valor elevado das custas, de modo especial (mas não exclusivo), na medida em que elas são impostas apenas ao sucumbente, também aumenta os riscos de um julgamento. Litigantes individuais são especialmente suscetíveis a essas pressões, porque não podem distribuir seus riscos entre diversas causas".

A respeito da conciliação, a Constituição Imperial brasileira, assim como o Regulamento 737 de 1850, já haviam feito referência à sua adoção. O Código de Processo Civil de 1939 omitiu-se de dispor sobre ela, entretanto, o CPC de 1973 vislumbra na conciliação uma forma de se atingir a pacificação.

SABACK (2009) conceitua conciliação, assim como elucida no que constituem suas atividades:

"A conciliação constitui forma de heterocomposição, com intervenção de um terceiro conciliador, junto aos litigantes, com o intuito de levá-los à autocomposição.(...) As atividades conciliatórias constituem um inteligente trabalho de negociação em que o conciliador se põe na condição de intermediador das propostas visando à obtenção de consenso entre os litigantes, através de mútuas deliberações acerca do direito material que entendem possuir" [03].

Observa-se hodiernamente que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil e com outros entes, organizam e divulgam o movimento "Conciliar é Legal", chamando a atenção para a ocorrência de negociações que potencialmente trarão soluções amigáveis.

Relata-se que a atuação do referido movimento perfaz-se por meio de mutirões de conciliação nas justiças de primeiro grau, especialmente em sede de Juizados Especiais, sendo que se toma o cuidado para organizar as reuniões de acordo com os réus mais habituais, como, por exemplo, as concessionárias prestadoras de serviço público e instituições financeiras.

Verifica-se que a organização dos movimentos conciliatórios em mutirões acarreta simplificação das formalidades, quando comparadas àquelas estabelecidas pelo Judiciário ao trâmite de processo. Desta feita, a conseqüência advinda dessa atuação é a aplacação de contendas de forma mais econômica, incentivando que aqueles que por causa dos custos evitavam formular suas queixas, assim o façam e potencialmente verifiquem suas pretensões satisfeitas sem aguçados gastos.

Ao lado da conciliação, examina-se a mediação, sendo que ambas têm como fito resolver pendências, todavia, diferenciam-se (ALMEIDA, 2009, p. 95):

"A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de suas demandas pessoais (...) As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mesmo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e benefício mútuo".

No contexto deste estudo, mister observar como a mediação pode ser um veículo auxiliador dos economicamente mais frágeis, que por não terem condições financeiras deixam de acessar a justiça, conformando-se com as eventuais mazelas impostas.

Divulga-se, então, experiência vivenciada pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, que ao constatar que desacordos entre médicos e órgãos públicos ocasionaram a morte de um paciente e estavam na iminência de ocasionar um número maior de óbitos, providenciou que audiência pública fosse realizada e um acordo fosse celebrado (VILLAÇA, 2009, p. 253 e 254):

A Defensoria Pública do Estado do Ceará, a fim de solucionar conflitos coletivos, passou a aplicar o instituto da mediação, com seus princípios e procedimentos a tais questões, de forma a promover com efetividade e celeridade o pleno acesso à Justiça.(...).

O primeiro caso decorreu de notícia televisiva no qual se deu conta da morte de um paciente na fila de espera para transplante de coração, em hospital na capital cearense. Afirmou-se que tal fato decorreu da não renovação do contrato com a Cooperativa dos Cirurgiões Cardiovasculares do Estado (COOPICARDIO) com as Secretarias de Saúde do Estado e do Município, em razão da política púbica implementada pelos entes públicos envolvidos, não havendo consenso quanto o valor a ser pago a título de honorários médicos.

Sem ser provocada por nenhum dos envolvidos citados, nem mesmo qualquer interessado, mas percebendo que os prejudicados pela controvérsia eram os hipossuficientes economicamente, a Defensoria Pública determinou a realização de Audiência Pública para discutir o caso, convocando-se todos os possíveis interessados, quais sejam: Poder Executivo Municipal, Poder Executivo Estadual e suas respectivas Procuradorias, Conselho Regional de Medicina, Cooperativa dos Médicos envolvidos e Diretoria dos Hospitais em que se realizavam as cirurgias cardiovasculares. Neste ato, tomou-se conhecimento de que os pólos estavam discutindo resolução para o problema há vários meses, sem, contudo, chegar a um acordo.

Facilitando o diálogo entre os mesmos, a Defensoria Pública ressaltou o grave problema de saúde pública que a falta de acerto entre os interessados estava provocando, inclusive com o fato gravíssimo do falecimento de paciente, e, possivelmente, de tantos outros que não haviam se pronunciado na mídia local.

Neste sentido, os presentes, percebendo a necessidade de se resolver o problema, fixaram o acordo numa proposta que ficava a meio termo daquelas formuladas durante as tratativas até então frustradas. Este fato promoveu a retomada imediata das cirurgias cardiovasculares no hospital, que é referência nacional neste tipo de procedimento".

Intui-se que a atuação da Defensoria Pública do Estado do Ceará, ao se utilizar da mediação, favoreceu centenas de jurisdicionados, pois ao que tudo indica os desacordos entre os médicos e o poder público tardariam a cessar, situação que forçaria o ingresso com demandas no Poder Judiciário de quem não detém condições financeiras para tanto. Atuou esta função essencial à justiça no sentido de precaver maiores violações à dignidade humana, atou no sentido de precaver que não houvesse debilidades na possibilidade de se acessar a justiça.

Tal caso narrado apenas exemplifica uma possibilidade de utilização da mediação, sendo que em outras circunstâncias este método pode ser aprimorado e utilizado, como, por exemplo, nas relações de consumo, e também no âmbito do que se firmou a denominar de Balcão de Direitos.

O Balcão de Direitos traduz-se na efetivação de projetos cujo intuito é conceder assistência jurídica às favelas e periferias. BATISTA (2010, p. 99 e 101) concede elogios a este instituto viabilizador de acesso à justiça, informando as suas finalidades:

"Desse modo, o Balcão de Direitos visa a auxiliar juridicamente os habitantes das favelas e das periferias pobres por meio da mediação de conflitos que possam ser resolvidos pacificamente, sem o subsídio das instituições formais de Justiça, como também visa ensinar noções de direitos e deveres, ou seja, o fortalecimento da noção de Justiça. (...) Sem ambiguidade, é imperiosa a performance do Balcão de Direitos de prover orientação aos acolhidos sobre os problemas jurídicos a que todos os inclusos socialmente estão sujeitos. O amplo mérito da instituição é exatamente buscar legitimar-se como via aberta de diálogo, resolvendo por meio da mediação, os conflitos pertinentes às favelas e às periferias pobres".

Reitera-se, assim, ser a mediação um método condutor do acesso à justiça, dando azo àqueles que barrados pelas custas judiciais restariam frustrados em suas pretensões.

Outro método de resolução de controvérsias que requer análise é a arbitragem, cujas diretrizes estão expostas na Lei n° 9.307/1996.

BACELLAR (2001, p. 149) ao caracterizar a arbitragem apresenta que: "pode ser definida como a convenção que defere a um terceiro, não integrante dos quadros da magistratura oficial do Estado, a decisão a respeito de questão conflituosa envolvendo duas ou mais pessoas".

No que tange aos elementos diferenciadores do processo jurisdicional e o processo arbitral, verifica-se que (REISDORFER, 2010, p. 301 e 302):

"O processo jurisdicional estatal, paradigma de solução de litígios, é marcado pela prevalência de normas de ordem pública, em face das quais em princípio não há margem para a opção entre uma o outra via procedimental. As hipóteses em que se reconhece a fungibilidade das vias perante o Poder Judiciário são casos-limite, que dependem de previsão legal, ou ainda da demonstração de dúvida objetiva ou de divergência sobre a alternativa cabível em determinada situação. Prevalece a diretriz segundo a qual a condução dos processos estatais não pode ficar à mercê da vontade dos envolvidos.

Já no processo arbitral, à exceção de determinados referenciais legislativos e constitucionais cogentes (alguns evidentes, outros implícitos no sistema), a arbitragem caracteriza-se pela flexibilidade e pela autonomia das partes em fixar os parâmetros materiais e processuais para a solução de um litígio. Assim, o processo arbitral apresenta uma ratio de funcionamento completamente distinta. De acordo com os artigos 5° e 21 da Lei de Arbitragem, n. 9.307/96, compete às próprias partes disciplinar ou relegar a disciplina da arbitragem à instituição arbitral ou ao árbitro que dirigirá a arbitragem. Trata-se de uma das mais relevantes vantagens da arbitragem em relação ao processo estatal, já que é possível modular o rito procedimental de acordo com as especificidades da situação material litigiosa. Com a flexibilidade, ganha-se em eficiência e tempo – realiza-se, em outras palavras, o devido processo legal".

Ocorre que no Brasil a arbitragem vem ganhando relevo na seara empresarial, até porque em muitos casos o cidadão que vier a optar por ela poderá despender maiores custos que o ingresso no Poder Judiciário, vez que despesas, como os honorários dos árbitros, devem ser suportadas (FERNANDES JÚNIOR, 2008, p. 69 e 70)

"A arbitragem, por sua natureza, é um procedimento oneroso, pois além das custas com advogados às quais as partes normalmente incorrem, existem também as custas processuais, honorários dos árbitros e o valor inicial para entrar com uma demanda arbitral, sem mencionar que, por ainda não estar totalmente difundido, por tratar-se de um instituto desconhecido para a massa social, torna-se inaplicável para algumas matérias e, principalmente, para algumas classes de litigantes".

Coloca-se, então, que no contexto dessa abordagem, viável é tecer apreciação sobre a arbitragem endoprocessual prevista na Lei 9.099/1995, a arbitragem inserta nos Juizados Especiais Cíveis.

Ressalva-se que embora a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) seja mais recente, nada obstaculiza sua convivência com a Lei que regulamenta os Juizados Especiais.

Preconiza o artigo 24 da Lei 9.099/95 que acaso não obtida a conciliação, as partes poderão optar pelo juízo arbitral, sendo que o §2° do mesmo artigo pontua que o árbitro será selecionado dentre os juízes leigos.

TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR (2007, p.24) denunciam, entretanto, que a arbitragem em sede dos Juizados Especiais está fadada ao esquecimento, em razão da não aplicabilidade diante da ausência de objetividade e maior efetividade. Ante a esse cenário, posicionam-se contrários a escolha dos árbitros, vez que estes somente podem recair sobre os juízes leigos:

"Em outros estudos da nossa lavra não deixamos de registrar a crítica da instituição da arbitragem para os Juizados Especiais, sobretudo pela forma inadequada de ‘escolha’ dos árbitros, a qual somente poderá recair, absurdamente, sobre os impropriamente denominados ‘juízes leigos’(os quais preferimos nominar de juízes instrutores), além do requisito indispensável da homologação judicial do ‘laudo’ (art. 26)".

Em que pese as críticas tecidas sobre a seleção dos árbitros, já que há o cerceamento de escolha, reconhece-se que esta arbitragem instaurada no imo dos Juizados é realizada de forma gratuita (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, p.236):

"O legislador, percebendo que os honorários do árbitro inviabilizariam o desenvolvimento da arbitragem nos Juizados Especiais, estabeleceu indiretamente a gratuidade dos serviços dos juízes privados, determinando que somente estes poderão serão árbitros . Resolveu-se um problema, criou-se outro: de um lado, acabaram sendo gratuitas tanto a atividade estatal quanto a arbitral; de outro, limita-se drasticamente a possibilidade de os litigantes escolherem seus juízes".

Analisa-se, porém, que a gratuidade da arbitragem instituída nos Juizados Especiais vem para estimular a utilização desse mecanismo alternativo de resolução de conflitos; percebe-se com o seu emprego que ocorrerá a escolha do árbitro dentre os profissionais do Direito com mais de 5 anos de prática (art. 7° da Lei 9.099/95) e que este profissional irá instaurar o juízo arbitral, que o permitirá conhecer a fundo da pendência levada, sem para tanto ter o apego a solenidades.

Visualiza-se que a escolha do árbitro restrita aos quadros dos juízes leigos não é algo de todo prejudicial, sendo que eventual desconforto pode ser resolvido através da atividade estatal no sentido de aprimorar a preparação de tais instrutores na condução do certame. Acredita-se que a possibilidade de se ter acesso ao procedimento arbitral sem ter expensas econômicas acaba sendo algo de extrema viabilidade, já que permitirá um maior conhecimento e debate da causa, atingindo finalidade primordial: o acesso à justiça.

Por fim, cabe evidenciar o que prega o Documento Técnico n° 319 do Banco Mundial ao aduzir que:

"O acesso à justiça pode ser reforçado através de mecanismos alternativos de resolução de conflitos (MARC). (...) MARC podem proporcionar as partes métodos alternativos de resolução amigável de conflitos, distante da morosidade do sistema formal. Ao mesmo tempo, os MARC ampliam o acesso a grande parcela da população".

Diante das orientações trazidas, não há receio em se afirmar que também o fator econômico ligado aos custos das demandas judiciais representa óbice a procura pela pacificação social, contudo, chama-se atenção a adoção dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos, que por muitas vezes, ao se apresentarem gratuitos ou de baixo custo, permitem que as restrições que ligam os indivíduos ao efetivo acesso à justiça sejam minoradas.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Almejou-se expor que corriqueiramente os membros das sociedades estão sujeitos a vivenciar situações conflituosas, sendo que diante da inviabilidade de se conseguir resolver as pendências sem graves atritos, erige-se a possibilidade de se acessar a justiça.

Ocorre que numa das acepções dada ao termo acesso à justiça, traduzida no acesso via Poder Judiciário, o que se constatou foi que o ingresso nas vias estatais apresenta-se mais fácil e efetivo a quem detém condições econômicas para tanto, ou seja, os custos processuais, honorários advocatícios e outras taxas constituem pesaroso percalço àqueles que não possuem como financiar o ingresso com demandas, excluindo-os.

Imprescindível que haja mudanças e soluções capazes de albergar os indivíduos que se encontram em zonas periféricas ao Judiciário, imprescindível levar a eles métodos pacificadores.

Examinaram-se, então, os mecanismos alternativos de acesso à justiça, e lobriga-se que se o importante é por termo aos embates, não importa a via empregada, desde que lícita e conforme os preceitos do Estado de Direito implementado.

Pretendeu-se dar prioridade a análise dos potenciais custos envolvendo os mecanismos alternativos de acesso à justiça, atentando-se que por serem meios menos formais, requerentes de pouca solenidade, são mais palpáveis à realidade nacional.

Teceu-se apreciação quanto à conciliação, verificando sua tendência de pender para uma maior preocupação com o social. Como forma de aplicar este mecanismo, utilizou-se da menção ao projeto "Conciliar é Legal", exemplificando como a conciliação, ao contar com intermediações feitas por voluntários e concretizada por meio de mutirões, consegue prumar para soluções mais econômicas aos conflitos.

Também a mediação foi objeto de apreciação, informando-se que o mediador apenas auxilia as próprias partes a encontrarem a resolução das altercações. Nesse sentido, considerou-se a atuação da Defensoria Pública ao mediar grave desentendimento pendente sobre a prestação de serviços ligados à saúde. Constatou-se que se a mediação não tivesse ocorrido, violações pesarosas ao direito dos indivíduos teriam ocorrido, e o fenômeno da litigiosidade contida teria vez, já que muitos deixariam de instaurar um processo face aos custos exigidos.

No que concerne a arbitragem, ressalvou-se que esta em muitos casos pode não ser viável, já que se constitui em um procedimento oneroso. Entretanto, não se olvidou de tratar da arbitragem ocorrente em sede dos Juizados Especiais. Sabe-se que pela Lei n° 9.099/95 a escolha dos árbitros recai sobre os próprios juízes leigos, sendo dessa forma implementada de forma gratuita.

Ponderou-se que se críticas são perpetradas motivadas pelos critérios de escolha dos árbitros, pois não há ampla liberdade na seleção dos mesmos, o outro revés é que se permitirá que o procedimento seja gratuito, logo, se algum percalço deve ser sanado, é aquele que se refere à preparação dos juízes leigos pelo Estado, não se apresentando algo tão penoso quando comparado a possibilidade de se permitir uma maior perseguição dos direitos daqueles que são merecedores e não possuem condições monetárias para tanto.

Sendo assim, restou consignado que os custos iniciais e incidentais exigidos pelo processo judicial constituem fator que impede o amplo acesso à justiça, vez que eliminam ampla parcela da sociedade do pleito de seus direito. No entanto, não se demonstra impossível superar esta situação, pois os mecanismos alternativos de resolução de conflitos, pela sua gratuidade ou por seus baixos custos, podem vir a superar esta conjuntura.

Desta feita, apresenta-se recomendável o fomento a programas que divulguem e aprimorem meios de acesso à justiça que não àqueles restritos ao ingresso com demandas judiciais.


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Notas

  1. Súmula 667: "Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa".

2.Registra-se que a Constituição da República de 1998 diferencia-se das demais Constituições mundiais por trazer em seu texto a previsão da Defensoria Pública. Neste sentido, OLIVEIRA (2009) pontua: "Vale destacar que o Brasil é o único país que elevou a Defensoria Pública ao nível de garantia constitucional, permitindo observar o grande desenvolvimento formal ao tratamento de possibilidade dos necessitados de garantir o seu acesso à resolução de forma mais justa possível do problema".

3.Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/22246/2/A-PRATICA-CONCILIATORIA-NOS-JUIZADOS-ESPECIAIS/pagina2.html, Acesso em agosto de 2010.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANSANA, Maureen Cristina. Fator econômico como inviabilizador do exercício de direitos. Adoção dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos como passíveis ampliadores do acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2868, 9 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19083. Acesso em: 19 abr. 2024.