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A adoção por pares homoafetivos

A adoção por pares homoafetivos

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Os estudos feitos avaliaram a adoção homoparental e os motivos pelos quais ainda não foi aceita perante o Estado Social.

RESUMO

A monografia aqui apresentada tem como função principal explanar acerca do tema Adoção Homoparental, muito discutido hodiernamente, no Brasil.

Para cumprir o objetivo principal, foi desenvolvido estudo sobre a Instituição Familiar, sua origem histórica, as diversas modificações sofridas no decorrer dos séculos, bem como os motivos pelos quais existe a dinamicidade da Instituição, além da legislação que dá amparo à Família.

Na seqüência, a partir das mudanças comportamentais sofridas pela sociedade, foi realizado estudo sobre a homossexualidade. Avaliou-se sua origem histórica, os motivos que fazem com que grande parte do Estado Social se comporte preconceituosamente e, conseqüentemente, a homofobia. Foi discutida a relação entre homossexuais, seus aspectos legais e a possibilidade jurídica da União Homoafetiva.

Em seguida foram trazidas análises acerca do Instituto da Adoção, juntamente com comentários sobre sua origem histórica e modificações legais sofridas ao longo dos anos. As leis brasileiras que trazem o instituto em seu corpo foram citadas e o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente foram estudados. Apresentou-se, ainda, a realidade das crianças órfãs no Brasil, juntamente com explicações sobre os abrigos e as conseqüências a que estão sujeitas crianças e jovens que habitam tais locais.

Houve, por fim, dissertação acerca da possibilidade da Adoção Homoparental, opinião da psicologia a respeito, opiniões de juristas e alguns dispositivos legais que amparam este tipo de adoção. Falamos sobre seus benefícios e contestamos malefícios, defendendo, enfim, a possibilidade da Adoção Homoparental.

Palavras-Chave: Família, Homossexualidade, União Homoafetiva, Adoção, Adoção Homoparental.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO . CAPÍTULO I - A INSTITUIÇÃO FAMILIAR . 1.1- O MUNDO EM DINAMISMO CONSTANTE . 1.2- A ORIGEM DA FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO . 1.3- REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O CAMINHAR DA FAMÍLIA PARA O FOCO CONTEMPORÂNEO . 1.4- A FAMÍLIA, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88 E O CÓDIGO CIVIL/2002. CAPÍTULO II - A HOMOSSEXUALIDADE. 2.1- A ORIGEM HISTÓRICA . 2.2-A SEXUALIDADE E A IGREJA CATÓLICA. 2.3- A NOMENCLATURA. 2.4-HOMOSSEXUAIS PERANTE A LEGISLAÇÃO – HOMOFOBIA . 2.5-A UNIÃO HOMOAFETIVA. 2.6-AS ULTIMAS CONQUISTAS . CAPÍTULO III - A ADOÇÃO. 3.1-ORIGEM HISTÓRICA.3.2-A ADOÇÃO NO BRASIL E SUA EVOLUÇÃO LEGAL. 3.3-INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . 3.4-SOB ASPECTOS PSICOLOGICOS. 3.5-A REALIDADE DOS ABRIGOS . 3.6-RECENTES JULGADOS. O CAMINHO A SER PERCORRIDO . CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS . ANEXOS


INTRODUÇÃO

O mundo está em constante dinamismo. A tecnologia ganhou nossa graça e contribuiu para a alteração de nossos costumes e valores. A estrutura familiar foi afetada, década após década, sofrendo modificações bruscas em seu núcleo. A instituição familiar que era, obrigatoriamente, constituída por homem, mulher e filhos, hodiernamente pode ser encontrada em diversos outros formatos, tais como, mulher que acumula papel de pai e de mãe diante de seus filhos, ou mesmo homem e mulher que se unem com o objetivo de formar a prole, sem que haja a o matrimônio, na União Estável.

Os preconceitos relacionados aos diversos núcleos familiares foram sendo derrubados pelo costume e pela aceitação jurídica. No entanto, o mundo ainda questiona e discrimina o homossexual e, mais ainda, a união entre pessoas do mesmo sexo que, apesar da discriminação exacerbada, se assemelha, para o Direito, à União Estável.

Do reconhecimento, pela jurisprudência, da União entre pessoas do mesmo sexo para constituir família, surge o questionamento sobre a expansão destas famílias, já que não há formas naturais de procriação. Se não há possibilidades naturais de casais homossexuais expandirem a prole, por que não permitir que adotem crianças carentes?

O Brasil é um país caracterizado pela exclusão, apesar de ser, teoricamente, um Estado Democrático de Direito, comandado por uma Constituição a que chamam de "democrática" e "cidadã" e, como é de conhecimento de todos nós, a cada dia, mais e mais crianças são abandonas em abrigos na esperança de encontrarem uma nova família que as dê carinho, amor, educação e as propicie os demais direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, lei recente que, por sua vez, veio trazer inovações e estabilidade para os cuidados com as crianças e adolescentes do nosso país.

Com o intuito de aumentar a proteção à criança abandonada e dar tratamento igualitário ao casamento homossexual, já que não trata-se de afronta a moral, mas da manifestação do direito que todos temos de constituir família, foi desenvolvido o presente trabalho, destacando dispositivos legais que protegem a união homoafetiva e, evidenciando a importância da realização da adoção, seja por casais homossexuais ou heterossexuais, bem como leis que concedem amparo a tal prática. Para desenvolvimento da presente monografia, houve também amparo de estudos da psicologia.

A Constituição de família é direito de todos, garantido pela Constituição Federal, independente da orientação sexual de cada indivíduo. A adoção, por sua vez, é uma forma de preocupação com o desenvolvimento de nossas crianças, além de manifestação clara de afeto e amor.

As leis estão a serviço da sociedade e devem acompanhar o desenvolvimento dos costumes de nosso povo para atender à nossas necessidades. O trabalho presente foi construído com o intuito de contribuir para alarmar aos leitores sobre a dinamicidade de nossa cultura, sobre as mudanças que tem acontecido e gerado novas necessidades às pessoas e sobre a urgência de fazermos com que a lei acompanhe tais mudanças, já que desde cedo aprendemos ser, o Direito, uma ciência que funciona como fenômeno social.


CAPÍTULO I

1.A INSTITUIÇÃO FAMILIAR

1.1.O mundo em dinamismo constante

O mundo está em constante transformação. Ecologicamente, tecnologicamente, economicamente, o dinamismo se revela em todos os pontos da história da humanidade. Construímos e desconstruímos utopias e conceitos, refazemos filosofias, inventamos, transformamos, somos transformados, aprendemos, modificamos teses, reavaliamos, nos adequamos.

Transformação pode soar ameaça, apesar de significar, muitas vezes, evolução. Seja nos ameaçando ou nos propiciando evolução, precisamos nos adequar ao dinamismo do mundo como uma forma de sobrevivência. Bertold Brecht, com maestria, desenvolveu pensamento que muito diz sobre o dinamismo da humanidade: "O que é, exatamente por ser tal como é, não vai ficar tal como está"(2010) [01]. As mudanças vêm, geralmente, em função da busca pela perfeição.

Ao longo da história, as relações humanas sofreram mudanças para se adequar ao meio ou para corrigir fracassos. Regida por relações humanas, a família que a princípio mostrou ser sólida instituição, não escapa das mudanças freqüentes. Acompanha o dinamismo a ponto de se transformar radicalmente ao logo dos séculos. A instituição passou por inúmeras fases, sofreu bruscas mudanças e hoje luta contra a chamada "Crise na Instituição Familiar".

1.2.A Origem da Família e sua Evolução

O termo família surgiu do latim "famulus", que significa "escravo doméstico", ou um conjunto de servos submissos a um senhor, um chefe. Tal expressão vem da cultura Greco-Romana, que muito influenciou a instituição Família, conhecida por nós hodiernamente. Na dita cultura, a família compunha-se por um patriarca e seus ‘fâmulos’: esposa, filhos, servos livres e escravos, conforme explica Danda Prado em seu livro "O que é família? – Coleção Primeiros Passos".

A família é a unidade básica da sociedade e é formada por indivíduos com ancestrais em comum ou ligada pelos laços afetivos. O sobrenome, a principio, é o que caracteriza pessoas de uma mesma estirpe.

A união do grupo família, seja com indivíduos de laços consangüíneos ou de indivíduos com laços afetivos, se dá a partir da intimidade, do respeito mútuo, da amizade, da troca e do enriquecimento conjunto. É considerada a principal fonte de saúde de seus membros e vista como a matriz do desenvolvimento humano. Representa parte da sociedade, influenciando-a e também, por ela, sendo influenciada.

A professora Ingrid Elsen [02] divide a história da humanidade em grupos. São eles: o estado Selvagem, a Barbárie e a Civilização. O primeiro é o estado em que o homem convive com animais selvagens, uma fase primitiva de evolução. No estado Selvagem o homem começa a desenvolver a linguagem, usar o fogo, lidar com a pesca e a caça, polir pedras para construir armas.

O segundo estado é caracterizado pela domesticação de animais, cerâmica, cultivo de cereais, construções a partir do uso de pedras, fundição de minério de ferro. Na Barbárie, o homem utiliza-se da natureza para subsistência, fazendo pastoreio à beira de rios, e utilizando-se de suas águas para agricultura.

No terceiro período, da civilização, o homem desenvolve suas técnicas de elaboração de produtos naturais, como o azeite. Desenvolve-se a indústria e a arte. Segundo Elsen, em cada um desses estágios a relação entre homem e mulher se caracteriza de uma forma distinta.

O antropólogo Lewis Henry Morgan [03] crê que, à princípio, em uma época primitiva, imperava o comércio sexual promíscuo. O homem pertencia a todas as

mulheres e a mulher pertencia a todos os homens. Costuma-se tentar camuflar esta fase da história da humanidade, considerando-a vergonhosa. Muitos autores negam sua existência alegando falta de provas. No entanto, a história nos mostra que a monogamia não vem desde os primórdios, inclusive, não sendo prática costumeira entre nenhum dos mamíferos.

O primeiro progresso na instituição família foi a exclusão de pais e filhos nas relações sexuais recíprocas. O segundo passo para a evolução foi a exclusão dos irmãos das relações sexuais. Tal progresso ocorreu na denominada Família Punaluana, em que os irmãos podiam ter determinado número de esposas, excluindo deste rol, suas irmãs. Na Família Punaluana, os casamentos eram por grupos, e não por pares.

No entanto, no decorrer da história, mesmo em famílias cujo matrimônio era por grupos, passou a haver a esposa principal ou o esposo principal, dentre os demais do grupo. Estas uniões grupais foram, gradativamente, substituídas pelo matrimônio em pares, caracterizador da Família Sindiásmica. Nesta, um homem estabelece matrimônio com uma esposa, tendo direito a poligamia ocasional. Note-se que trata-se de direito exclusivamente masculino. Às mulheres não facultava a poligamia, sendo o adultério feminino castigado cruelmente. O vínculo conjugal se extinguia com facilidade e os filhos pertenciam exclusivamente à mãe, tendo em vista que os laços consangüíneos maternos eram absolutamente certos, certeza esta que não se fazia presente nos laços masculinos.

Conforme nota-se, o círculo da família foi sendo reduzido progressivamente. Primeiramente permitia-se a União de toda a tribo, na sequência, impediu-se a união de parentes próximos, após, entre parentes distantes e, por fim, impediu-se a união de pessoas vinculadas a qualquer outro relacionamento, por aliança. Devido aos novos impedimentos para o matrimônio, a mulher se tornou escassa e surgiu a prática do rapto de mulheres e também de compra de mulheres.

A Família Sindiásmica era um tanto quanto instável, já que o casamento se dissolvia por simples desejo dos cônjuges. Neste nível da evolução, as mulheres dominavam as famílias e mandavam no lar. A Família Sindiásmica é observada no final do estado Selvagem e no início da Barbárie, mais caracterizadora, porém, deste último estado.

A domesticação de animais e a criação de gado deram origem a propriedade privada. Tanto o gado quanto os tecidos, as artes, a agricultura, passaram a ser propriedade de famílias. A rápida multiplicação do gado fez com que se tornasse necessário maior quantidade de mão de obra para cuidar. Houve a divisão de trabalho dentro das famílias e cabia ao homem buscar alimentação e ferramentas de trabalho, o que o fez proprietário, por direito, dos instrumentos, da plantação e até mesmo da mão-de-obra utilizada (escravos). Neste liame, restava à mulher ser responsável e proprietária dos utensílios domésticos.

Assim, conforme as riquezas aumentavam, crescia também o poder do homem sobre o poder da mulher. A posição masculina tornou-se, pouco a pouco, mais vantajosa que a posição feminina. Com o matrimônio em pares, a linhagem paterna tornou-se certa e o direito hereditário materno foi progressivamente se tornando menos privilegiado, até ser substituído pelo direito hereditário paterno.

Nesta transição do matriarcalismo para o patriarcalismo, passou a ser dado ao filho, o nome pertencente a "gens" paterna. Assim, o homem apoderou-se também da direção da casa e a mulher se viu diante de grande derrota, sendo convertida a servidora. A Família passou a significar exatamente o que denota, qual seja, um grupo de escravos, esposa e filhos, sendo dominados pelo poder paterno do seu chefe.

Gradativamente o matrimônio sindiásmico deu lugar a monogamia. Assegurava-se, por meio da monogamia, a fidelidade da mulher e a paternidade do marido. Ainda hoje, grande parte da humanidade é monógama, no entanto, a Família sindiásmica deixou seu rastro em alguns povos, especialmente do Ocidente. Nestes povos, a poligamia resistiu, sendo privilégio para os homens mais ricos e poderosos.

A família monogâmica nasce ao final da Barbárie e caracteriza, especialmente, o período da civilização. Nesta organização familiar, o homem é o grande dominador do grupo e as finalidades são especificamente procriar e construir riquezas para a herança. A paternidade é, na monogamia, indiscutível, e isso se dá para que os filhos, futuramente, herdem as riquezas de seu pai.

O matrimônio adquire solidez e, diferentemente do que ocorria na família sindiásmica, não pode ser desfeito por simples desejo dos cônjuges. A princípio, para manter os costumes, a infidelidade não era negada ao homem, contanto que a concubina não fosse levada para dentro do lar. Apesar da permissão da infidelidade para os homens, segundo o Código de Napoleão, as mulheres seriam brutalmente castigadas caso cometessem adultério. À mulher, cabia tão somente tolerar sua dura realidade, tão distinta da realidade masculina.

O casamento monogâmico, na Idade Média, era realizado, exclusivamente, por conveniência, por condições econômicas. O objetivo era o domínio do homem sobre a família, sobre as riquezas o que levou a dominação do homem sobre a mulher, inclusive com o direito sobre sua vida. A escravização da mulher pelo homem veio em decorrência do modelo familiar em discussão e gerou um conflito entre os sexos, até então, sem precedentes.

A mulher, descontente com o casamento, com muita frequência tornava-se adultera. Os poemas de amor tão conhecidos da Idade Média não faziam menção ao amor conjugal, mas ao amor extra-conjugal. São gêneros que refletem tal sentimento, as Cantigas de Amor e as Cantigas de Amigo.

Entre o proletariado, o casamento ainda se realizava pelo amor conjugal. Nessa classe não havia a fortuna, inexistindo, portanto, motivos para que o homem exercesse supremacia e, inexistindo, por conseguinte, elementos caracterizadores da monogamia clássica, histórica. Existia, no proletariado, a monogamia em seu sentido estrito.

Por sua vez, a Igreja Católica, na Idade Média, exercia grande controle sobre a família, supervalorizava o matrimônio e se opunha a todas as formas de constituição familiar livre. O casamento se tornou um modelo conjugal cristão – Ainda hoje, apesar do rompimento da Instituição com a Igreja, os cristãos guardaram o caráter da família como sendo a célula básica da igreja. Característica esta que permanece nos dias atuais –. A Igreja contribuiu, ao longo dos séculos, inclusive, com a submissão da mulher diante do homem. Submissão verificada em hábitos, vestuário e outros comportamentos externos.

A sociedade brasileira, enquanto rural, tinha características patriarcais e era absolutamente dependente dos dogmas impostos pela Igreja. A mulher não podia ingressar em seu quadro sacerdotal, não tinha direitos civis e o casamento era um sacramento, qual seja, não podia ser desfeito. A Igreja exigia que fosse mantida a imagem da pureza da união, inclusive condenando a relação sexual, permitida tão somente com fins de procriação e extensão da estirpe.

1.3.A Revolução Industrial e o caminhar da Família para o foco contemporâneo.

Ainda na Idade Média, com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, a família deixou de ser apenas patriarcal e começou a ser também matriarcal. Na era Industrial, a mulher ingressou no mercado de trabalho e a Igreja Católica deixou de interferir de forma tão eloqüente na União. Houve a laicização do casamento, o que tornou os laços de família mais estreitos. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a escola se posiciona na função de educadores das crianças e as instituições de assistência passam a cuidar dos idosos. Cresceu a preocupação jurídica com a dignidade da pessoa humana e bem estar de cada um, o que influenciou fortemente nas modificações sofridas pela Família.

Ao entrar no mercado de trabalho, a mulher deixa de ser propriedade da família e passa a ser provedora, juntamente com o homem. O estigma de "sexo frágil" começa a ser deixado de lado e a mulher ganha as funções de repassar a família valores sociais e culturais. Talento e capacidade, em nada se assemelham ao sexo e, a mulher, ao adentrar no mercado de trabalho, sobrepôs os preconceitos de ser considerada inferior, provando ser capaz.

O número de mulheres empregadas, ainda no século XIX era grande, no entanto, predominavam as diferenças salariais para com os homens. A justificativa era que as mulheres já tinham quem as sustentasse. O sexo feminino começou, então, a reivindicar direitos e, com o surgimento dos partidos de esquerda, após a Revolução Francesa, ganhou espaço para as manifestações e forças de expressão.

A busca feminina por novos ares e direitos se iniciou no século XIX, no entanto, o Feminismo propriamente dito teve inicio no século XX. Neste movimento as mulheres buscavam ampliar as idéias liberais. Eram feitas campanhas pelos direitos civis femininos, direito ao voto - aprovado pela 1° vez em 1918, de forma relativa, nos USA- pelo direito a autonomia da mulher e integridade de seu corpo, direitos reprodutivos (uso de contraceptivos, por exemplo), direitos trabalhistas (incluindo licença maternidade), direitos econômicos, proteção contra violência doméstica, assédio sexual e estupro. A frase "Women’s Liberation", usada pela primeira vez em 1964 nos USA, e a queima de sutiãs de 1968 - episódio conhecido como Bra-Burning, com cerca de 400 ativistas - marcaram a Revolução Feminista.

A mulher conseguiu estender seus direitos especialmente no período entre guerras, em que grande parte dos homens foram a combate. Neste contexto, elas ocuparam os cargos vagos, deixados pelos homens. Com o feminismo, conquistaram direitos sobre o próprio corpo, dentre eles o uso de preservativos e a conseqüente escolha sobre ter ou não filhos. A mulher conquistou, também, direito ao divórcio, que fez com que o casamento abandonasse o caráter de sacramento imposto pela Igreja. A partir do século XX, é posta em foco a realização do casal, que passa a poder decidir por ter ou não filhos.

Os relacionamentos entre homens e mulheres mudaram consideravelmente para se adequar a nova realidade. A mulher, devido as conquistas da

Revolução Industrial, se sobrecarregaram de 3 jornadas de trabalho distintas: O trabalho formal – remunerado –, o trabalho doméstico e a educação dos filhos. Os papéis de marido e mulher passaram a se confundir e, a partir de então, cabe a mulher ser, também, provedora do lar. Sob este diapasão, teoricamente caberia também ao homem auxiliar a mulher nos trabalhos domésticos e na educação dos filhos. Em muitas famílias modernas, de fato há partilha de tarefas, em outras ainda não há tal prática.

O Brasil é país patriarcalista e, como em outros países com essa característica, ainda não se estabeleceu completamente a igualdade plena entre homens e mulheres na relação. No entanto, as mudanças são gritantes. Atualmente a família aderiu à filosofia individualista, que faz com que os membros passem a ser identificados por si só no grupo, individualmente. Proclama-se a igualdade dos filhos e nega-se o caráter religioso do casamento. Chamamos a família do século XXI de pluralista, pós-moderna ou Era Narcisística.

Já não mais se pensa em grupo, mas individualmente, preocupando-se exclusivamente com a própria satisfação. No entanto, as relações são reguladas pelo amor. Há matrimônio apenas se houver amor e os pais tem o dever de dar atenção, carinho e amor às crianças. O amor, hodiernamente, é promessa de plenitude matrimonial e familiar.

Diz-se que, no decorrer do tempo, a família tem perdido a capacidade de cuidar da saúde e educação de seus integrantes, passando a responsabilidade, a cada dia mais, para terceiros. Vem tornando-se, portanto, mais influenciada e menos influente. Fala-se em crise na Instituição. Tal expressão se deve a banalização do divórcio, a baixa taxa de fecundidade, inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho

(homem não é mais provedor exclusivo ou principal provedor), e no conseqüente declínio do casamento. A palavra crise não denota o fim da família e não incide sobre a instituição propriamente dita, mas sobre sua estrutura. Implica no surgimento de novos modelos de família e novas relações entre os sexos.

1.4.A Família, a Constituição Federal/88 e o Código Civil/2002:

Legalmente, no Brasil, mudanças extraordinárias vieram com as transições da CF 67/69 para a CF 88. A Constituição promulgada em 1988 veio com o fim do regime ditatorial no Brasil para se adequar a nova realidade. A Carta representa, então, a ruptura do regime militar. Quando elaborada, o Brasil estava saindo de um período de opressão e de censuras. Seu texto veio garantir um Estado Democrático de Direito, assegurar direitos fundamentais e liberdades nunca antes admitidas, que possibilitariam a dignidade da pessoa humana e seu integral desenvolvimento.

A Nova Carta foi promulgada em 05 de outubro de 1988, por meio de Assembléia Nacional Constituinte, composta em 01 de fevereiro de 1987, por 559 congressistas. Foi chamada, em um primeiro momento, de "Constituição Cidadã", já que definia os direitos destes, sejam direitos individuais, coletivos, sociais ou políticos.

A Constituição deu caráter fraternal ao Estado e o incumbiu de garantir a cada indivíduo a justiça, segurança, desenvolvimento. Veio com ares pluralistas e sem preconceitos. Fundou-se na harmonia social e comprometeu-se com a solução pacífica das controvérsias. Foram abandonadas as velhas utopias para dar inicio a um novo capítulo da história. Para justificar a existência do Estado em função da pessoa humana e não ao contrário, afirmou-se que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal.

A Nova Constituição definiu o fim da censura familiar, modificando as estruturas do Direito de Família, que passou a ter natureza extrapatrimonial e, portanto, personalíssima. Anteriormente à nova Carta Magna, o Código Civil de 1916, no qual a organização familiar fundava-se, se pautava em valores absurdamente patrimonialistas, que predominavam na família àquela época. O dito Código Civil visualizava a família como uma entidade destinada a produção, a busca pela soma do patrimônio e posterior transmissão à prole.

A realidade foi, aos poucos abandonando o conservadorismo, conforme mostra histórico, em linhas anteriores, e a nova Constituição foi a forma encontrada para reler as entidades familiares sob a ótica desta nova realidade que se apresentava. A doutrina chamou o acontecimento de "Constitucionalização do Código Civil". A nova Carta buscou promover o desenvolvimento da dignidade dos membros da família e, sobretudo, dar importância a igualdade de cada membro, baseando-se exclusivamente no afeto, no amor, no carinho e na ética. Mostrava-se a tentativa de abandonar séculos de preconceito e a composição gradativa de um novo cenário familiar.

A nova Constituição, em seus Artigos 226 e seguintes, abandonou a exclusão e adotou a inclusão, admitindo ser entidade familiar não apenas aquela constituída através do casamento, mas constituída pelo afeto, e pela estabilidade. Passou a ser reconhecida a União Estável, a Família Monoparental, a igualdade entre os filhos (biológicos ou não), a dissolução do casamento através do divórcio (Lei 6.515/77), a assistência do Estado a todas as espécies de família, a paternidade responsável.

Como nota-se, o conceito de família foi alterado bruscamente. Deixou de tratar-se de estrutura de sujeitos submissos a um senhor. Foi abandonada a preocupação exclusiva com o patrimônio e o afeto passou a fazer parte do ordenamento, mesmo que implicitamente. O Minidicionário Ediouro define a afeição:"1.Afeto, estima, amizade. 2. Tendência, inclinação. 3. Apego sincero". [04] Amor, carinho e solidariedade se tornaram, portanto, os ditadores da Instituição Familiar. Regras abstratas, então, inspiram o Direito de Família. Conforme afirma sabiamente Maria Berenice Dias: "O amor está para o Direito de Família assim como o acordo de vontades está para o Direito dos Contratos" [05]. Maria Helena Diniz, por sua vez, explica da seguinte forma:

"[...] Deve-se, portanto, vislumbrar na Família uma possibilidade de convivência marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na Monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano." [06]

Cormac Burke, ex juiz da Rota Romana – Supremo Tribunal da Igreja Católica - e especialista em Teologia Moral e Direito Canônico, se posicionou sobre o amor familiar da forma que segue:

"O amor conjugal não está destinado a permanecer apenas como o amor entre duas pessoas e, provavelmente, não sobreviverá se não ultrapassar este estágio. Tornando-se amor familiar, a família tem reconhecida a sua importância no seio da sociedade, ganhando proteção com status constitucional." [07]

Quanto à dissolução do casamento, como justificativa para sua realização de forma cada vez mais simples, diz-se que não se explica a permanência do matrimônio sem afeto. Se seu grande sustentáculo estiver arruinado, não mais estaria caracterizada a entidade familiar.

Enfim, o foco do sistema jurídico após a Constituição de 1988 deixou de ser o Estado e passou a ser o indivíduo. Primeiramente se pensou nos direitos fundamentais do indivíduo, após, se pensou em uma coletividade. A família ganhou proteção do Estado, sendo percebida como a base da sociedade, já que trata-se do local onde se forma a pessoa humana. Considerando-se o caráter afetivo ao qual se subordina a família atual, basta haver União Estável para que exista a proteção do Estado. Prevê a Constituição em seu artigo 226, parágrafo 3°: "Art. 226, § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento." [08]

Princípios inerentes à nova Carta Constitucional passam a pertencer também ao Direito de Família. Princípios como a dignidade da pessoa humana, a igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, a paternidade responsável e o planejamento familiar, a igualdade jurídica de todos os filhos, o pluralismo familiar ou liberdade de Constituição de uma comunhão de vida familiar são diretrizes no novo contexto familiar.

A Carta Magna, para destacar a construção de uma sociedade justa, livre e soberana, traz em seu artigo 1° o seguinte texto:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." [09]

A dignidade da pessoa humana é princípio aplicado individualmente e a família passa a ser vista sob o enfoque da tutela individualizada de seus membros. Carlos Roberto Gonçalves explica, brilhantemente:

"Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições democráticas." [10]

Segundo Maria Helena Diniz, a dignidade da pessoa humana é a base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro, a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.

O texto constitucional traz para o Direito de Família, o Principio da Igualdade Jurídica entre Cônjuges. O artigo 226 da Constituição estatui, em seu parágrafo 5°:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...]

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher." [11]

Para Maria Helena Diniz, a isonomia conjugal acaba com o poder marital e com o sistema de ‘encapsulamento’ da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. Houve a ruína do patriarcalismo, que não mais atende aos anseios do povo brasileiro. A mulher abandona a posição de subordinada para exercer a posição de colaboradora.

A instituição do princípio é sensata, já que os avanços tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados às funções da mulher na família. A mulher, através da Revolução Feminina, já havia conquistado a isonomia social. Restava a isonomia conjugal.

O aumento de seu poder aquisitivo, após adentrar no mercado de trabalho, facilitou esta conquista. As decisões passam a ser tomadas de comum acordo entre os cônjuges, chamados também conviventes. O Artigo 1.511 do vigente Código Civil, por sua vez, estatui: "Art. 1511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges." [12]

O Princípio da igualdade entre cônjuges norteia, não apenas os relacionamentos entre casais, como também o relacionamento após a dissolução do casamento, já que tanto homem quanto mulher podem pleitear ação de alimentos sob a alegação de incapacidade financeira para sua subsistência.

O Principio da paternidade responsável e planejamento familiar, por sua vez, trata de assegurar que a procriação é, segundo a lei, de livre decisão do casal. Há que se salientar que na atualidade, muitas famílias sequer consideram a possibilidade de procriação. O princípio em questão vem previsto no parágrafo 7° do Artigo 226 da nossa Constituição Federal.

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado[...]

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas." [13]

Ainda sob este diapasão, prevê o artigo 1.513 do vigente Código Civil: "Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família." [14]

O arranjo familiar moderno e a família contemporânea são um produto cultural. Além da interferência de movimentos sociais - Movimento Feminista, da Revolução Industrial, dos Movimentos da Juventude - novos valores surgiram, também, em conseqüência da evolução da medicina, intervindo enfaticamente na organização da família, nos relacionamentos e consequentemente, em seu conceito.

A pílula anticoncepcional, criada em 1960, interferiu nos hábitos sexuais, servindo também como modificador da cultura e funcionando como divisor de águas no arranjo familiar.

A possibilidade de se fazer o controle da natalidade permitiu que a sexualidade fosse desvinculada da maternidade e o sexo abandonou, definitivamente, o intuito da procriação. A partir dos anos 60, o sexo passaria a ter, também, objetivo de prazer entre o casal.

Quando lançada, a pílula somente poderia ser usada por mulheres casadas. Hoje em dia, mais de 100 milhões de mulheres em todo o mundo se utilizam da Pílula anticoncepcional para evitar gravidez indesejada.

Em 1980 vieram a inseminação artificial e a fertilização "in vitro", desfazendo o vínculo obrigatório entre relação sexual de homem e mulher e procriação e possibilitando novas formas de constituição de família, distintas das formas convencionais. O exame de DNA, por sua vez, veio na década de 90 permitindo às crianças terem reconhecidos seus direitos de filiação, enquanto a reprodução assistida contribui inclusive para que casais homossexuais tenham filhos.

As mudanças culturais resultaram na redução no número de natalidades, no aumento do número de casais sem filhos, no aumento do número de uniões sem registro, na crescente quantidade de famílias monoparentais, no crescente número de dissoluções de Uniões. Os costumes alterados modificaram as funções familiares, que hoje são: a função reprodutora, função emocional e psicológica, função de reprodução nas relações sociais – consiste em reproduzir ideologia vigente, transmitir dos pais para os filhos as regras morais, princípios e valores -, função econômica, que consiste em manter seus entes e manter ao Estado financeiramente.

Apesar do dinamismo cultural e das mudanças de comportamento, pairam ainda conceitos pré formados sobre as relações de família. Tanto do ponto de vista histórico quanto de dispositivos ideológicos e religiosos, o matrimônio e a constituição da família ganharam, ao logo do tempo, regras, elementos caracterizadores de preconceito, especialmente sobre a sexualidade. O casamento propriamente dito foi, por mais de 2 mil anos, celebrado da mesma forma carregando, portanto, os laços conservadores da religião judaico-cristã. A religião manteve, ao longo dos anos, o incentivo à possibilidade procriativa, devido à grande interesse social, o que acabou por tornar lógica a identificação do casal por homem e mulher.

Ainda hoje, muitos dos dogmas e preconceitos são mantidos, apesar do imensurável dinamismo social e das freqüentes modificações econômicas, religiosas e comportamentais a que a esfera social tem se submetido ao logo do tempo. Forças tradicionais tentam, ainda, manter uma estrutura rígida, com papéis definidos para homens e para mulheres. A cultura influenciou a legislação que considerava, a principio, legítimo apenas a família formada pelo casamento.

Ainda é preciso que as pessoas entendam a origem, a razão e o caminhar das alterações que vem sendo percebidas no seio de cada família. É preciso que se faça entender, inclusive, que o termo "crise familiar" não denota fim, como já dito, e que os indivíduos que se organizam familiarmente de forma não convencional não são responsáveis isoladamente por cada uma das mudanças sofridas. Conforme pincelado ao princípio do presente capítulo, as mudanças vêm, geralmente, em função da busca pela perfeição. Deve-se, portanto, fazer entender que as mudanças no seio familiar podem trazer desenvolvimento social e contribuir para a evolução da sociedade, lembrando que o dinamismo existe desde o início dos tempos.

As novas formas de organização familiar, tem sido absurdamente distantes de qualquer discriminação, assim como nossa Carta Constitucional, pluralista, e para atendermos suas exigências e fazermos com que suas vantagens venham a tona, precisamos livrar-nos dos dogmas e de qualquer preconceito infundado.

A mãe tão forte que sustenta a casa e, sozinha, cria seus filhos na família monogâmica; os casais ou indivíduos que conhecem as necessidades e sofrimentos de uma criança abandonada e adotam-na; as famílias que formam-se em União Estável abdicando-se de cerimônias e dando valor simplesmente à convivência; demonstram caridade, carinho e, sobretudo, demonstram amor.

É preciso nos abdicarmos dos conceitos pré-formados e alimentados por uma série de instituições ao longo dos séculos, e questionarmos. Nesta sociedade tão individualista e solitária, em que o amor é valorizado por ser escasso. Nesta sociedade que provou ao passado que é, o amor, a única e mais próxima fonte real de felicidade e satisfação, felicidade pela qual se busca diariamente, felicidade esta que nos parece tão difícil de ser alcançada e soa ideal tão distante. Nesta sociedade, não seria contraditório que nos opuséssemos às diversas formas de amor ao próximo que se materializam nas diferentes constituições familiares? Não estaríamos dificultando e nos distanciando da felicidade, por nós tão buscada?


CAPÍTULO II

2.A HOMOSSEXUALIDADE

2.1 – A Origem Histórica

O termo "homossexualidade" é recente, no entanto, a atração física, estética ou emocional por indivíduos do mesmo sexo é prática observada ao longo da historia da humanidade. A homossexualidade foi, no decorrer dos tempos, admirada, tolerada ou condenada, a depender das normas sexuais de cada período.

Anteriormente à existência da cultura e de seus dogmas e diretrizes, a espécie humana se assemelhava às espécies animais, sendo regida pelas mesmas leis. O ser humano ainda não havia estabelecido vínculo entre a cópula e a reprodução, por isso, tanto indivíduos machos, quanto fêmeas, comportavam-se de forma bissexual.

Em determinado momento do período pré-histórico, houve modificação nas condições climáticas e, o avanço das geleiras reduziu o habitat do homem, obrigando-o a migrar para as cavernas e, pouco a pouco, inovar suas atitudes e conceitos. Em seu livro "A Republica", ao descrever o "mito da caverna", Platão afirma que a caverna civilizou o homem. Em seu novo habitar, o ser humano descobriu o fogo, desenvolveu a linguagem oral e a expressão artística. Para explicar os fenômenos físicos que ocorriam na natureza, e para fornecer segurança, surgiram as crenças e, a partir daí, veio a religião.

A religião veio também, a fim de homenagear a mulher e a divinizar. O sexo feminino era um enigma e, até então, não tinha-se entendimento algum sobre a reprodução. O fato de gerar um filho e os sangramentos mensais que a fêmea sofria, deixavam o sexo masculino perplexo. As divindades do período eram, portanto, femininas.

Já que não se relacionava o sexo à reprodução, não havia exclusividade acerca das relações heterossexuais e, portanto, ainda não se ligava o homem ao evento da gravidez. A mulher era um ser ainda não compreendido, que fazia com que o homem se sentisse inferiorizado. Por tais motivos, inicialmente a sociedade era matriarcal. Conforme visto em nosso capítulo I, os vínculos dos filhos eram exclusivamente com a mãe, e não com o pai.

O clima voltou a sofrer alterações e o homem abandonou a vida nas cavernas. Se voltou para a dedicação à caça e ao cuidado com os rebanhos, fora de seu lar, enquanto a mulher dedicou-se a agricultura, dentro de seu lar. A distanciação entre afazeres femininos e masculinos foi fator importante para que o homem entendesse sua participação na reprodução. O macho da espécie humana percebeu que as mulheres engravidavam somente quando tinham relações sexuais com homens. Pela forma com que se chegou a tal conclusão, entende-se que, na fase em que estavam distantes uns dos outros, mulheres e homens, tinham relações homossexuais.

Consciente de seu papel na reprodução, o homem passa a discriminar a mulher, tornando-a submissa e dominando-a. Desenvolve a prática da construção de casas, cria uma nova estrutura social, a escrita e as leis e códigos de conduta, inclusive relacionados a comportamentos sexuais.

Não há registros tecendo sobre a homossexualidade na antiguidade oriental , salvo no Antigo Egito, onde foram encontrados documentos escritos 500 anos antes de Abraão, revelando as práticas homossexuais do povo Egípcio. A Bíblia é onde há o primeiro registro escrito sobre o assunto, o que permite constatar que a homossexualidade era prática da Antiguidade Oriental. Entende-se que os textos bíblicos não proibiriam de forma tão veemente atitudes que não fossem costumeiras.

Conforme dito ainda no primeiro capítulo deste trabalho, a família foi gradativamente abandonando a natureza matriarcal e se tornando patriarcal. Desejava-se manter a linhagem paterna e, desta forma, garantir a posse da terra. Os interesses passaram a ser exclusivamente patrimoniais. Era preciso garantir a linhagem, para asseverar a posse da propriedade ao longo dos anos.

Eis que veio à tona o questionamento: como assegurar a linhagem caso não houvesse organização nas relações sexuais?As práticas homossexuais são estéreis,

no entanto, caso fossem aceitas livremente, contribuiriam com a permissividade, que não convinha naquele período.

Além do fator ‘permissividade’ precisar ser abandonado, ao se descobrir a importância masculina na reprodução, a mulher deixou de ser divinizada e o homem passou a ser exaltado e seu esperma/genitália, sacramentado. De acordo com os textos bíblicos e a antiga cultura judaica, seres inferiores, tal qual a mulher passou a ser considerada, não podiam sequer tocar no órgão sagrado do homem. A masturbação passou a ser considerada grande pecado e, daí, os judeus iniciaram a prática da circuncisão, que reduzia as possibilidades de prazeres sexuais e, consequentemente, evitavam o "desperdício" do sêmen sagrado. Ainda hoje, para o xintoísmo (religião tradicional no Japão), a genitália masculina é sagrada.

Crenças religiosas da Índia costumavam castrar os homossexuais para evitar que o órgão sexual masculino seja usado de forma freqüente, evitando assim a desonra em copular com outros homens. A castração permite, de acordo com a cultura hindu, que o indivíduo esteja mais próximo das divindades. Como se vê, a honra em algumas sociedades, está relacionada, exclusivamente, à genitália e não ao caráter do indivíduo.

Ao contrário da Índia e do Japão, no Antigo Egito não havia proibições relacionadas a genitália masculina. Antagonicamente a isso, o pênis era órgão bastante manipulado e valorizado por homens e por mulheres. Os Egípcios eram extremamente erotizados, conforme demonstram pinturas antigas (anexo).

Na Antiguidade Clássica, estudos dizem que os Gregos se comportavam de forma a dar valor à qualidade dos envolvimentos, sem se preocupar tanto com a natureza dos mesmos. Condenavam a prática da prostituição, no entanto, não se importavam se os relacionamentos ocorriam entre indivíduos do mesmo gênero ou de gênero distinto. A regra, na Grécia antiga, era que as relações afetivas acontecessem entre um individuo mais velho e experiente – denominado Erastes - ,e outro mais jovem e inexperiente, ou com escravos de qualquer idade – denominado Eromeno. A arte grega traz consigo traços do homossexualismo, freqüente à época.

O autor Maurice Sartrec, em sua obra "A Homossexualidade na Grécia Antiga", afirma sobre o comportamento grego:

"na realidade, as coisas acontecem como se cada indivíduo masculino adulto possuísse uma vida sexual dupla: uma vida privada, orientada para as mulheres, que permanece discreta e jamais merece ser mencionada; e uma vida pública, orientada para os belos rapazes e objeto de todas as atenções e todos os comentários. Salvo exceções, somente esta vida amorosa confere a seus protagonistas prestígio social e reputação brilhante". [15]

Na cidade de Esparta a relação homossexual era estimulada. Pensava-se que, incentivando a prática, aumentaria a intimidade entre os homens do exército e sua afinidade seria maior para ir a combate. Maria Berenice Dias diz: "Nas Olimpíadas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física. Era vedada a presença das mulheres nas arenas, por não terem capacidade para apreciar o belo." [16] (2009,p. 35) Em outras cidades como Creta, a atividade homossexual funcionava como uma cerimônia de passagem da juventude para a idade adulta.

No que diz respeito à homossexualidade feminina, o nome "lesbianismo" tem origem na Ilha de Lesbos, onde vivia a poetisa grega Safos, conhecida por retratar sua preferência pela atividade sexual com outras mulheres. Na Grécia, a mulher não era considerada cidadã. Vivia reclusa, tecendo e fiando e se encontrava com o marido para o simples fim de aumentar a prole. Seu contato com o sexo masculino era extremamente limitado.

Em Roma, a prática homossexual era denominada "sodomia" e encarada naturalmente, como qualquer outro relacionamento heterossexual. Havia preconceito, na sociedade romana, apenas contra o sujeito passivo da relação, que era considerado impotente, inclusive politicamente, e débil de caráter. A relação entre masculinidade e poder político era clara, como a relação entre feminilidade e fragilidade ou carência de poder.

2.2 – A Sexualidade e a Igreja Católica

As religiões, no geral, inseriram o preconceito contra homossexuais nas sociedades. Docilidade, cultura e religião são conceitos interligados e, daí, surge a censura aos denominados pecados da carne. A Idade Média, ou "Idade das Trevas" foi

dominada pela Igreja Católica, que tinha o intuito de implantar religiosidade. Buscava-se preservar os conceitos de família vindos de Gênesis e da história de Adão e Eva. A Igreja, atuando como a "voz de Deus", era também a "voz do povo", dominando-o e inserindo seus dogmas na sociedade. Quem descumprisse os mandamentos da Igreja estaria descumprindo, também, a voz de Deus.

À época, a expectativa de vida não ultrapassava 30 anos de idade. A partir deste fato, São Tomaz de Aquino explicava a procriação como uma necessidade para povoar o mundo. O sexo deveria ser feito exclusivamente com tal intuito, já que, de acordo com o religioso, o matrimônio foi dado por Deus como uma forma de livrar o homem da luxúria e do amor carnal.

O Catolicismo fez com que o corpo passasse a ser visto como fonte de pecados. O próprio prazer passou a ser visto como pecado. Quem usasse o corpo para fins que não a procriação, ardiam nas fogueiras da Santa Inquisição – Instaurada pela Igreja Católica para investigar e punir pagãos. O III Concílio de Latrão, em 1179, fez da prática homossexual crime punido com mais rigor que o incesto. Curiosamente, há pesquisas que dizem que, na Idade Média, a homossexualidade estava presente principalmente em mosteiros e acampamentos militares.

Neste período, inclusive a arte era disfarçada, para não provocar a ira ou desaprovação da Igreja Católica. Leonardo da Vinci, em 1476, foi exemplo de indivíduo inquirido, sob suspeita de práticas homossexuais. No entanto, foi salvo das fogueiras por falta de provas. Para a Sodomia eram previstas penas cruéis, tais como, morte na fogueira e confisco de bens. Apenas em 1821 é extinta a Santa Inquisição e dá-se o fim de sanções aplicadas a homossexuais.

A Santa Inquisição teve seu fim, houve reforma religiosa, surgiram novas Igrejas, no entanto, a tolerância que se esperava não aconteceu. Os homossexuais ou sadomistas continuaram a ser fortemente repreendidos e perseguidos. Eram acusados de pecadores contra a natureza, de pervertidos. Não muito diferente do que ainda se vê atualmente.

A partir do Iluminismo, a razão passou a se sobrepor ao teocentrismo. A idéia era iluminar as trevas em que estava mergulhada a sociedade, resquício da Idade Média. Pensadores Iluministas acreditavam que o misticismo e a religiosidade exacerbados funcionavam como bloqueio à evolução e ao entendimento do homem.

Pregavam, portanto, a racionalidade sobre as crenças. Abandonou-se, então, a Idade das trevas e adentrou-se ao Século das Luzes.

Durante o Iluminismo, medicina e ciência ocuparam lugar de destaque e o comportamento homossexual, anteriormente entendido como um pecado, passa a ser visto como uma doença mental, uma patologia. A forma de se tratar homossexuais sofre mudanças, no entanto, o preconceito e as perseguições persistem.

No Brasil, o termo "Lésbica" é publicado pela primeira vez em uma obra de Viveiros Castro, denominada "Atentados ao Pudor", em 1894. Logo depois morre na Inglaterra o poeta Oscar Wild, após ter vivido intenso relacionamento amoroso homossexual e ter sido preso com fulcro na Lei Inglesa, que ainda considerava ilegal a homossexualidade.

2.3 – A Nomenclatura

Na Idade Média a homossexualidade era denominada "Sodomia". No período Iluminista, o médico austro-húngaro Karoly Maria Benkert cria o termo homossexual. A palavra é um híbrido do vocabulário grego com o vocabulário latim. (do grego homos = igual + latim sexus = sexo).

A primeira aparição do vocábulo foi em um panfleto datado de 1869, publicado pelo romancista alemão Karl-Maria Kertbeny. Juntamente com o termo homossexual, há outros usados para descrever a mesma prática. São Homofilia – que refere-se ao amor pelo mesmo sexo – , Homossocial – Quando não se trata da prática sexual – , Homoerotismo – usado para obras de arte – , Heteroflexível – pessoas que se dizem heterossexuais mas, ocasionalmente revelam interesse sexual por alguém do mesmo sexo -, além de outras expressões, muitas delas pejorativas e ofensivas, usadas em nossa língua.

No ano de 1985, apenas, a OMS (Organização Mundial da Saúde), retirou a conduta homossexual do rol de patologias ou anomalias. Deixou-se de usar "homossexualismo" já que o sufixo é empregado para nomear doenças. Passou-se a usar o vocábulo "homossexualidade", que foi introduzido na literatura pela primeira vez em 1869, pelo médico húngaro Karoly Benkert.

A Desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, em obra lançada no ano de 2000, citou o neologismo, por ela criado, "Homoafetividade", para buscar dar

fim ao preconceito e evidenciar o fato de que trata-se de uniões em que pessoas do mesmo sexo ligam-se pela afetividade. O autor Enézio de Deus Silva Junior prefere utilizar o termo "Homoessência".

Para se referir à Homossexualidade, deve-se mencionar "orientação sexual", e jamais "opção sexual", tendo em vista que não se opta pela preferência sexual, mas se afirma uma identidade cuja conduta direciona-se para alguém do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) a ambos os sexos (bissexualidade) ou a ninguém (abstinência sexual).

2.4 - Homossexuais perante a legislação - Homofobia

A princípio, o Brasil teve o Catolicismo como religião oficial. No entanto, a Constituição Federal de 1988 não prevê religião oficial para o nosso país. Apesar disso, os dogmas do Catolicismo ainda assombram nossos costumes. A religião católica condena a masturbação, condena o sexo infértil, prega a virgindade até o casamento, condena inclusive o uso de contraceptivos. A conduta homossexual é vista, pela Igreja, como absolutamente pecaminosa, um verdadeiro atentado contra as vontades divinas.

Com o passar dos anos, houveram mudanças sociais que acarretaram no declínio do domínio da Igreja. Deixou de haver, por parte do cidadão, sentimento de culpa por agir conforme a crença religiosa condenava. O Estado passou a ser o responsável por oficializar o matrimônio e veio, consequentemente, a dessacralização do casamento.

Conforme informações contidas no capítulo I do presente trabalho, a estrutura da família sofreu modificações, novas estruturas de convívio surgiram e passou ser imputada maior valoração ao afeto. A orientação sexual abandonou o caráter de culpa ou ilícito, e passou a ser caracterizada como um direito, podendo ser exercida de forma livre. A partir do século XX, a família deixou de ser vista de forma machista e, homem e mulher assumiram os mesmos direitos dentro do lar, no que diz respeito à proteção, educação e carinho.

No espaço familiar, a partir do século XX, o ser humano é visto individualmente e a dignidade deve ser respeitada. As diferenças devem ser entendidas ou toleradas. Em uma época em que se vive níveis altos de stress, época em que tanto

mulher quanto homem ocupam posições de destaque no mercado de trabalho e cabe, tanto ao marido quanto a esposa o sustento familiar, a felicidade é o que se busca. A família, por sua vez, na condição de Instituição que zela pelos seus membros, deve garantir sua busca pelo direito de ser feliz.

Sob este diapasão,há que se recordar que, em 2010, o Senador Cristovam Buarque levou ao Congresso a PEC da Felicidade, a ser acrescida ao corpo do artigo 6º da Constituição Federal. O projeto pede para que o artigo em questão seja transcrito da seguinte forma: "direitos sociais, essenciais à busca da felicidade,a educação,a saúde,o trabalho, a moradia,o lazer,a segurança,a previdência social,a proteção à maternidade e à infância,a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Para defender seu Projeto, Cristovam Buarque proferiu, no Senado, as palavras que seguem: "A PEC representa um salto no processo de humanização na Constituição. Direitos sociais são uma questão prática, fria. Felicidade é uma questão quente, humana". Com seu discurso, o Senador conseguiu 34 adesões da Casa à PEC por ele proposta. Cristovam disse mais:

"Não se trata de garantir apenas a felicidade. Trata-se de dizer que os direitos sociais são essenciais à busca pela felicidade, é isso que deve ser incluído na Constituição. Não é apenas felicidade, é a busca pela felicidade" [17]

Como se vê, nosso povo adquiriu necessidades além do que se pode obter materialmente e, a Constituição Federal, percebendo tal evolução, passa a zelar por direitos subjetivos que levam à humanização de cada indivíduo. A PEC da felicidade foi, ainda, protocolizada na Câmara pela Deputada Manuela D’Àvila, e conquistou aproximadamente 195 assinaturas, enquanto exige-se que no mínimo 171 deputados dêem sua adesão.

Com o caminhar dos tempos e mudanças de perfil sofridas pela nossa cultura, devido a seu dinamismo, a mulher deixou de ser vista como o sexo frágil da relação conjugal. A lei Maria da Penha, por exemplo, veio igualar ainda mais os sujeitos da relação e, consequentemente, igualar a mulher ao homem. A lei de nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, dispõe:

"Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social." [18]

É no seio da família que a mulher, antes discriminada e submissa, busca dignidade, felicidade e igualdade. Para alcançar essas garantias, a mesma Lei traz, ainda, em seu artigo 3°

"Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput." [19]

Com os preconceitos sendo abandonados dia após dia, a começar pelo preconceito contra a mulher, o que defende-se hodiernamente é que, cada ser humano com suas particularidades, é produtivo dentro da sociedade e, as particularidades e diferenças devem ser respeitadas. A cor de pele, ou estrutura física ou condições financeiras não conduzem o caráter do indivíduo e tampouco medem sua produtividade em meio ao convívio social.

A sexualidade do indivíduo, por sua vez, é também diferença ou particularidade a ser respeitada, já que, não diferente das demais singularidades já citadas, não conduz o caráter do sujeito e não diz sobre sua moral. Inteligentemente, o autor Guy Chaussinand-Nogaret diz: "Para a natureza, a moral é uma desconhecida". [20] O raciocínio do autor nos leva a avaliar a homossexualidade não como uma opção sexual, como uma patologia, ou como um transtorno psíquico, mas como uma particularidade natural, cujo preconceito também deve ser abandonado.

Discriminar as diferenças sexuais é desrespeitar a Constituição Federal no que concerne aos direitos humanos. Não pode se ignorar o fato de que nossa Carta Magna foi elaborada democraticamente e é conhecida como Constituição Cidadã, carregando a importante noção de pluralismo, com pressupostos de admissão, respeito e proteção. Em nome da dignidade do cidadão, a Constituição traz os direitos humanos como fundamentais e localizados no ápice do Ordenamento Jurídico, devido a sua total importância. O artigo 5º, responsável pelos direitos fundamentais do ser humano, estatui:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[...]

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;" [21]

Como se vê, a Carta Magna condena a conduta que não seja livre por parte do cidadão, salvo em casos em que a lei autoriza ou proíbe, além de condenar atos de discriminação. O ordenamento, no entanto, é falho ao não falar claramente acerca da sexualidade, já que o sexo é uma necessidade inerente ao ser humano, que contribui para o leal exercício da felicidade, mencionado em linhas anteriores. A livre sexualidade é sinônimo de liberdade e, por analogia, deve ser vista, também, como direito fundamental. A homossexualidade é afirmada como uma das várias nuanças da afetividade humana e, como uma situação sem a qual a pessoa humana não se realiza e não sobrevive, deve ser, a sexualidade exercida livremente. Em palavras da autora Maria Berenice Dias, temos: "Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não consegue alcançar a felicidade." [22](2009, p. 99)

A sexualidade é defendida, inclusive, por estudos médicos, que incentivam a prática sexual consciente e responsável como um hábito saudável. É

defendida como atividade que retarda o envelhecimento, alivia o stress e previne doenças diversas, já que auxilia na circulação sanguínea e melhora o estado de humor, reforçando, em conseqüência disso, o sistema imunitário. A Organização Mundial da Saúde encara a saúde sexual como um dos aspectos mais importantes e positivos do ser humano.

A polêmica da Homossexualidade se estende por todo o mundo. Alguns países – os de mais alto nível socioeconômico-cultural -,trabalham em prol da integração de suas minorias e favorecimento do desenvolvimento da identidade dos grupos. Outros países, especialmente os de cultura islâmica e muçulmana, atuam de forma repressiva, castigando a prática homossexual com pena de morte. No Irã,os homossexuais tem pés e mão amputados, enquanto no Paquistão, os homossexuais masculinos são condenados a prisão perpétua. Ao todo, em mais de 70 países, condena-se a conduta homossexual e, na América do Sul, o único país que ainda estabelece sanção penal à prática é o Chile.

Apesar de merecer proteção, já que o Princípio Constitucional da Igualdade manda que haja extensão do mesmo tratamento jurídico a todas as pessoas, sem distinção de orientação sexual e, apesar de contarmos com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que rege nossa Lei Maior, mandando que haja tratamento igualitário aos semelhantes para que seja possível viver com o mínimo de brio e vedando preconceito de qualquer natureza – étnico, racial, religioso, sexual -, o homossexual ainda é tratado de forma desigual. O não respeito pela afetividade entre pessoas do mesmo sexo, fruto de ignorância de uma maioria, configura ofensa injusta à dignidade e à integridade dos homossexuais.

O Direito homoafetivo deve ser entendido como personalíssimo e subjetivo. É Direito de primeira geração já que tem o indivíduo como titular e, portanto, é inalienável e imprescritível. É também Direito natural, pois acompanha o indivíduo desde o seu nascimento.

No Brasil, em 1996, foi instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos, que veio com o objetivo de coibir qualquer tipo de discriminação e revogar normas discriminatórias da legislação infraconstitucional. A construção de uma sociedade Justa, livre e solidária e a promoção do bem de todos, direitos preservados pela Constituição em seu art. 3º, conforme segue, foi o foco para a elaboração de tal programa.

"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." [23]

O Projeto de Lei 6.960/02, denominado Projeto Ricardo Fiúza apresenta algumas alterações ao Código Civil vigente, propõe a inclusão da chamada "opção sexual" – nomenclatura que deveria ser substituída, no Projeto, por "Orientação Sexual" - como um direito da personalidade, no art. 11, do CC, lembrando que o indivíduo não opta pela direção que seus desejos tomam.

Sujeitos de discriminação freqüente, os homossexuais são hipossuficientes e precisam de proteção, como a mulher, o judeu, a criança, o idoso, e membros de qualquer categoria que sofra exclusão social. Sujeitos à homofobia, homossexuais não podem ser deixados à margem da sociedade, sem amparo da lei, sem proteção física e psíquica. Ignorá-los seria fazer jus à opressão e ignorar o direito à liberdade sexual. Pensar que a heterossexualidade é a única opção existente seria ignorar parcela da sociedade e menosprezar as demais opções.

Todos dispomos de liberdade de escolha. Liberdade esta que deve ser aplicada inclusive ao vínculo afetivo, seja com pessoa do mesmo sexo ou com pessoa do sexo oposto. O repúdio social e a intolerância ao comportamento dito diferente dos demais é discriminação, conceito pré formado e errôneo, considerando-se que o comportamento diferente é também digno de ser respeitado tendo em vista que não se enquadra em qualquer espécie de comportamento ilegal.

Aos iguais deve-se dar tratamento igual. Aos desiguais, deve-se dar tratamento desigual. Diante de uma sociedade multicultural, a diferença é permitida constitucionalmente e deve ser, no mínimo, respeitada. À vista das diversidades sociais, tramita Projeto de Lei 5.003 de 2001, que faz da homofobia, crime, além de estatuir acerca de discriminação de qualquer gênero. Segundo o Projeto, faz-se crime:

"Art. 5º: Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público.

Pena – Reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 6º: Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional.

Pena – Reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.[...]

Art. 20: Praticar, Induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.[...]

§ 5º - O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória e vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica." [24]

Nem um pouco aceitável, no entanto, absolutamente comum, em nosso país, é costume que o respeito às diferenças venham, não de livre e espontânea vontade do povo, mas quando há lei que estabeleça sanção para qualquer desrespeito ou discriminação. Não diferente de outros preconceitos que tem sido vencidos em nosso país, todos mediante leis que amparam as diferenças, o preconceito contra o homossexual precisa também de lei que o ampare para que tais indivíduos estejam protegidos e para que, pouco a pouco, venham ganhando espaço no meio social. A luta que vivemos atualmente buscando direitos e proteção aos homossexuais caracteriza uma atrofia intelectual e religiosa em nossa cultura. Ter o direito de ser diferente e não sofrer por isso faz parte do que chamamos de cidadania.

2.5 – A União Homoafetiva

A Constituição de 1988 trouxe inovações diversas para o Direito de Família. A começar, foi derrogada toda a legislação que estabelecia hierarquia entre homens e mulheres, bem como a legislação que permitia a diferenciação entre filhos. Passa a ser valorizada e protegida a família, independente de ter havido matrimônio. O afeto existente entre membros de um grupo familiar passa a valer mais que a certidão de casamento ou a solenidade religiosa.

Não é encontrado na Carta Magna, dispositivo que prevê que para ser digno de proteção estatal, é preciso que os gêneros sexuais em uma relação afetiva sejam opostos, qual seja, homem e mulher. Não se exclui das relações familiares, portanto, famílias em que os gestores são dois homens ou duas mulheres. O que não se

permite, até então, é o matrimônio e a transformação deste vínculo afetivo em casamento.

A União entre dois homens ou duas mulheres, no entanto, quando se faz duradoura, pública e contínua, em nada difere da União Estável, a não ser no quesito procriação, que não é relevante, lembrando do Princípio da Igualdade que, conforme já dito, não permite que haja discriminação quanto às particularidades de cada indivíduo, ou mesmo de cada família.

No que tange aos aspectos comparativos entre União estável e União homoafeitva, o fato de o legislador ter estabelecido o requisito da diversidade do gênero sexual para a primeira, não é suficiente para que a união entre pessoas do mesmo sexo não seja protegida, ou seja ignorada. Segue o que a lei 9.278/96 estatui acerca da União Estável:

"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes:

I - respeito e consideração mútuos;

II - assistência moral e material recíproca;

III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns." [25]

Há que se questionar: se pode obter amparo legal a União Homoafetiva, porque não trabalharmos para que seja permitida a felicidade de um casal homossexual? É primordial reiterar que a felicidade é o que se procura dia após dia, seja individualmente, seja em casal. A felicidade é, hodiernamente, necessidade subjetiva de cada um de nós.

Há quem afirme que, para ser feliz é preciso que cada um encontre seu par. Não é necessário restringirmos tal teoria ao ser humano, já que mesmo no mundo animal, cada indivíduo procura seu par. O indivíduo quer ter realizações para compartilhá-las com outro ser humano. Queremos obter, inclusive, a felicidade individual, mas não para degustarmos tal prazer sozinhos. Queremos dividir as alegrias, dividir conclusões, dividir pensamentos. A psicologia afirma: Ninguém vive sozinho. O ser humano é social e precisa viver em conjunto para ser, efetivamente feliz.

O Estado, por sua vez, munido do dever de promover o bem de todos e, levando em consideração o que foi dito anteriormente sobre ser, a felicidade, um sentimento a ser partilhado por um casal, tem o dever de favorecer a constituição familiar, seja de qual espécie for, contanto que não vá em desacordo com a legislação.

Para o amor, não há barreiras nem tampouco preconceito. É ele o fato gerador dos sentimentos e dos desejos comuns entre os seres humanos. O preconceito social e religioso sobre a união entre homossexuais encontra barreiras no amor e na lei, já que a regulamentação da União Homoafetiva e a aplicação das leis para a união entre homossexuais é justa.

O afeto e o amor dão origem ao respeito mútuo, a durabilidade e à solidez de um relacionamento e, o gênero sexual ou a orientação dos desejos de cada indivíduo, não interfere em tal aspecto, sob nenhuma hipótese. Então, se contiver os elementos necessários a caracterização da União Estável, tomando como base mais uma vez o Princípio da Igualdade, surge a necessidade de equipararmos os vínculos homoafetivos aos vínculos denominados convencionais no que diz respeito à constituição familiar.

A concretização da União Homoafetiva pela jurisprudência, por sua vez, contribui com o crescimento da necessidade de a legislação intervir no sentido de amparar tal união, criando regra familiar peculiar. No decorrer da evolução de nossa cultura, conforme visto no primeiro capítulo deste trabalho, foram surgindo novas formas de organização familiar, conforme faziam-se presentes os costumes e, pouco a pouco, alguns dogmas e conceitos pré-formados foram abandonados. No tocante a novas organizações familiares que se formam, há que se considerar o que estatui a Constituição Federal acerca da proteção sobre a Instituição:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...]

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.[...]

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações." [26]

Constitucionalmente, como se vê, o Estado tem o dever de proteção a todas as formas de família, sem distinção. A família funciona como a célula máter da sociedade, ou seja, é a unidade política básica da função social. É sobre a base da família que a sociedade se organiza em todos os aspectos, inclusive no que diz respeito a patrimônio e manutenção da prole, levando-se em consideração que as crianças devem ser mantidas e cuidadas por uma estrutura familiar para que não fiquem soltas sob a responsabilidade única do Estado. No entanto, a princípio, sempre se mostrou uma Instituição cuja organização acontece tão naturalmente, que não houve preocupação exacerbada quanto a sua estrutura, pelo Legislativo de nosso país. Sempre acreditou-se simplesmente do fato de que, independente de sua legitimidade jurídica, a família se formaria.

Diante da realidade atual, em que os homossexuais são freqüentes, frente aos reclames sociais, perante as características apresentadas pelo relacionamento afetivo entre homossexuais e, mais do que isso, em virtude de os litígios nesse sentido terem aumentado grandemente, o Estado não poderá e não conseguirá se eximir de seu poder-dever de manifestação, no qual está investido pela função jurisdicional que possui. Como não conceder proteção jurídica a relacionamentos que podem ter efeitos jurídicos relevantes? Se dois homossexuais vivem juntos de forma estável e com assistência mútua, com amor, respeito e o objetivo comum de construir um lar, surgirão, deste vínculo, obrigações. Se existem obrigações e relações jurídicas, é inadmissível que permaneça, tal vínculo, à margem da lei.

O que ocorre, no entanto, é uma resistência causada pelo preconceito enraizado em nossa cultura, perceptível claramente através do não reconhecimento da União Homoafetiva por grande parte dos magistrados em seus julgados, o silêncio de doutrinadores e a omissão persistente pelo poder legislativo, apesar de a união em questão merecer especificidade legal, já que possui amparo constitucional.

Há que se asseverar que, no tocante a casamento, quando o Código Civil menciona "homem" e "mulher" para se referir ao vínculo matrimonial, não diz que o casamento deve ser exclusivamente entre homem e mulher. Seguem os artigos 1.514 e 1.565, do Código Civil em vigência, para análise:

"Art. 1.514 – O casamento se realiza no momento em que homem e mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade estabelecer vínculo conjugal, e os juiz os declara casados." [...]

"Art. 1.565 – Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família." [27]

Conforme se vê, a lei não afirma que exclusivamente homem e mulher devem ser sujeitos no matrimônio. A lei diz apenas que tanto homem quanto mulher, ou seja, os dois sujeitos da relação, impreterivelmente, precisam manifestar perante o juiz sua vontade de estabelecer vínculo conjugal ou, conforme no segundo caso, tanto homem quanto mulher assumem a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

A lei não estabelece, portanto, identidade para contrair casamento. Foi criada então, a teoria do Casamento Inexistente. Certos modelos de matrimônio não precisam estar na lei para existir. Se a identificação sexual, por exemplo, não é exigida em lei como pressuposto para o casamento, é um equívoco das doutrinas torná-la pressuposto.

Sobre o fato de o Código Civil ter entrado em vigor em 2003 e, ainda assim ter vindo omitindo as relações homossexuais, seu relator, Miguel Reale, se defende afirmando não ser o tema de responsabilidade civil, mas de responsabilidade constitucional. Há quem julgue errônea a consideração feita pelo doutrinador, haja vista que, conforme já dito, a Constituição Federal não estabelece proibição para o casamento homoafetivo,apenas não exige que a lei faça do vínculo homossexual, casamento.Assim sendo, cabe ao Código Civil tratar do tema, assim como trata dos casamentos em geral.

Sobre a posição dos magistrados sobre o tema, Maria Berenice Dias considera que:

"A mesma resistência que os juízes tiveram no passado para reconhecer juridicidade às uniões extramatrimoniais repete-se frente às relações de pessoas com identidade de gênero. Ainda é enorme a dificuldade de visualizá-las como entidade familiar, como se as características anatômicas dos parceiros impedissem a vida em comum com os mesmos propósitos das relações heterossexuais. A jurisprudência majoritária ainda se inclina em reconhecer somente a existência de uma sociedade de fato, estribando-se no art. 981 do CC." [28]

A Lei Maria da Penha também tem sofrido a omissão do legislador. Estatui acerca da mulher exclusivamente, de forma original, mas com o intuito de preservar e proteger as boas relações que ocorrem no ambiente doméstico. Se a

violência doméstica acontece no ambiente familiar e podem fazer parte dele dois homens que se relacionam como casal, então deve se estender, a lei em questão, ao homem que sofre agressão em uma união homoafetiva. Todo aquele vulnerável, portanto, pode ser vitimado. Já no ano de 2011, em fevereiro, foi concedida medida protetiva a homem que afirmou estar sendo agredido por seu companheiro, no Rio Grande do Sul.

Está em avanço crescente a proteção aos homossexuais como se vê, bem como a conscientização de que deve ser protegida a família composta por homossexuais, bem como considerada matrimônio, como as demais formas de composição familiar. O assunto tem sido, finalmente, alvo de atenção dos operadores do Direito. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás trouxe em um dos seus julgados, pela 4ª Câmara Cível, o que segue:

"CIVIL. CONSTITUCIONAL. INVENTÁRIO E PARTILHA. UNIÃO HOMOAFETIVA. NOMEAÇÃO DA SUPOSTA COMPANHEIRA COMO INVENTARIANTE - ART. 990, CPC. POSSIBILIDADE. MODERNO CONCEITO DE FAMÍLIA. 1 - Embora ainda não declarada judicialmente, a existência da união estável afirmada persistente ao tempo da morte da autora do espólio, a companheira tem preferência legal para exercer a inventariança, nos moldes do artigo 990, I, Código de Processo Civil. 2 - A discussão sobre o período de convivência do casal e apuração dos bens havidos na constância da união deve ser remetida à via adequada (art. 984, CPC). 3 - O traço fundamental do moderno conceito de família recai no afeto, compreendido com o objetivo comum de felicidade e cooperação mútuas. Nesse sentido, os modelos familiares contidos no artigo 226 da Constituição Federal não podem ser considerados como exaustivos e excludentes de outros. 4 - Na lacuna da lei deve valer-se o julgador da analogia, costumes e princípios gerais de direito, aplicando-se as regras jurídicas que regulam as relações fundadas no afeto, como o casamento e a união estável. 5 - Agravo conhecido e provido." [29]

A 3ª Camara Cível do nosso Egrégio Tribunal traz ainda:

"APELACAO CIVEL. ACAO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO. UNIAO HOMOAFETIVA. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. PROVA INEQUIVOCA. SENTENCA RATIFICADA. I - RECONHECIDA JUDICIALMENTE A UNIAO HOMOAFETIVAMANTIDA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO PELO PERIODO DE SEIS ANOS, MISTER RATIFICAR O ATO DECISORIO, CONFORME SE DEPREENDE DA INTELECCAO CONSTITUCIONAL. II - A UNIAO HOMOAFETIVA, QUE PREENCHE OS REQUISITOS DA UNIAO ESTAVEL DEVE SER CONFERIDO O CARATER DE ENTIDADE FAMILIAR, IMPONDO-SE RECONHECER OS DIREITOS DECORRENTES DESSE VINCULO, SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCIPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. III - DOCUMENTOS COLACIONADOS DEMONSTRAM O COMPARTILHAMENTO DE VIDA ENTRE OS PARCEIROS, OS LACOS AFETIVOS E AQUISICAO DE PATRIMONIO. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO." [30]

As inovações têm vindo além do que diz respeito à União propriamente dita. A Doutrina menciona ter o cônjuge homossexual, em caso de falecimento do outro cônjuge, direito ao benefício oferecido pelo INSS. Os homossexuais estão no rol de Dependentes Preferenciais de Classe I. Não é necessário que se comprove a dependência econômica, apenas a existência de União estável. Tal inclusão é fruto de Ação Civil Publica ajuizada no Rio Grande do Sul. A Instrução Normativa INSS/PRES nº 20 de 10 de outubro de 2007, regulamenta em seu art. 30:

"Art. 30. O companheiro ou a companheira homossexual de segurado inscrito no RGPS passa a integrar o rol dos dependentes e, desde que comprovada a vida em comum, concorre, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, com os dependentes preferenciais de que trata o inciso I do art. 16 da Lei nº 8.213, de 1991, para óbito ou reclusão ocorrido a partir de 5 de abril de 1991, ou seja, mesmo anterior à data da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0." [31]

2.6- As Últimas Conquistas

A partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, cujo argüente foi o atual governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, os ministros do STF reconheceram a União Homoafetiva, em 05/05/2011.

A decisão do ministro relator Ayres Britto foi favorável a não discriminação e a conseqüente aceitação da União Homoafetiva. Os demais ministros acompanharam tal entendimento e a decisão foi unânime. Dez votos foram pela procedência da ADI 4277 e ADPF 132.

A Corte mostrou unanimidade contra todas as formas de discriminação. O Ministro Luiz Fux disse: "A União Homoafetiva é um fato, e já há normação para que os parceiros figurem como União Estável. Daremos a ele mais que um projeto de vida, daremos um projeto de felicidade." [32]

Apesar das conquistas recentes, é preciso caminharmos para continuarmos evoluirmos neste sentido. Não basta que juízes, advogados e desembargadores se convençam da realidade homossexual. É preciso que a sociedade se convença. A ignorância é a mãe de todos os preconceitos. Portanto, é a primeira que deve ser abandonada para caminharmos mais em prol dos direitos homossexuais.


CAPÍTULO III

3- A ADOÇÃO

3.1- Origem Histórica

Conforme demonstram documentos históricos, o instituto da adoção já existia na Antiguidade. Na Babilônia, o próprio Código de Hammurabi que possuía grande senso de justiça, do período de 1728 a 1686 a.C, ditava regras acerca do Instituto. A adoção tinha caráter contratual e, além disso, o filho adotivo deveria ser equiparado ao filho biológico. Segue adiante, o que conclui o autor Antônio Chaves, sobre o que dizia o Código de Hammurabi, em seu § 185, acerca da adoção:

"enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna; mas uma vez educado, tendo o adotante dispendido dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranqüilamente à casa do pai de sangue. Estaria lesando aquele princípio de justiça elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os contratantes devam ser iguais, correspondentes, princípio que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio". [33]

Há relatos da adoção realizada, também, na Antiguidade, pelos hindus, pelo povo Egípcio, pelos palestinos e inclusive pelos Hebreus. A Bíblia trata do instituto chamando-o de levirato. Dentre as histórias da Bíblia, Moisés é um exemplo prático de adoção. Foi adotado pela filha do Faraó, que o encontrou em um cesto, às margens do rio Nilo, enquanto se banhava.

Na Grécia o Instituto também se fazia presente. Em Esparta, a adoção devia ser, necessariamente, confirmada pelo rei, tendo em vista que a estrutura da família era diferenciada, já que Esparta era uma cidade militar e o filho vivia na companhia da mãe apenas até os 7 anos de idade. Após, era entregue ao exército. Em Atenas somente os cidadãos, denominados Homens Polites, podiam adotar e, somente cidadãos podiam ser adotados. Os estrangeiros e escravos não podiam nem adotar e nem ser adotados. Dependia, portanto, exclusivamente, da classe social.

Em Roma, praticava-se a adoção segundo a lei das XII Tábuas. Existia de duas formas: adoção ad-rogatio ou adoção no sentido estrito. A primeira funcionava de forma que o adotante precisava ter mais de sessenta anos e ser no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado. Era necessário haver concordância de ambas as partes e realizava-se por meio de lei e com o concurso da Religião e do Estado, sucessivamente. Em Roma, a adoção ab-rogatio era, principalmente, arma política, uma forma de mudar de classe. Grandes Imperadores Romanos, através da adoção, ganharam oportunidade de mudar de classe e se tornarem Imperadores. São alguns deles: Calígula, Cesar Otaviano, Tibério, Nero.

Quanto à adoção em sentido estrito, eram regras o adotante ser homem, no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado, não possuir filhos legítimos ou adotados. Era denominada adoptio e pertencia ao direito privado, diferentemente da adoção ad-rogatio, que pertencia ao direito público. Na adoção em sentido estrito, à princípio, fazia-se a extinção do poder do pai natural e, por meio de cessão de direitos, era passado este poder ao adotante. Em um segundo momento, permitiu-se que fosse feita a mancipatio – extinção do poder do pai natural – através de contrato, ou através de testamento.

Para os povos antigos, no geral, a importância principal da adoção era permitir que, após a morte, o indivíduo passasse a uma categoria de ser divino e feliz. Para que isso acontecesse, afirmava-se ser necessário que os descendentes fizessem homenagens, cultos e banquetes fúnebres para garantir ao falecido a felicidade após a morte. Assim, para os que não tinham filhos biológicos, a adoção era a forma mais simples de se chegar ao reino dos céus. Por este motivo, era permitida apenas aos que ainda não tinham herdeiros. Caso o filho adotivo desejasse romper os laços com o adotante e sua família, era preciso que colocasse outro filho em seu lugar.

Na Idade Média, à época dos feudos, a adoção se tornou desnecessária e até mesmo inconveniente. Contrariava os direitos hereditários no que diz respeito ao senhor feudal e seus herdeiros.

A partir da Idade Moderna, a adoção voltou a ser usada. Vale destacar, especialmente, o período Napoleônico, em que Napoleão precisava de um sucessor para dar continuidade a seus propósitos políticos. Podia acontecer, no período Napoleônico, de forma Ordinária – feita mediante contrato, homologado por magistrado, permitida apenas para pessoas com idade superior a cinqüenta anos e sem filhos -, Remuneratória – em casos em que o adotado tivesse livrado a vida do adotante de algum mal -, Testamentária – permitida após cinco anos de tutela -, Tutela Ofisiosa – criada em favorecimento de menores.

3.2 – A Adoção no Brasil e a Evolução legal

Clóvis Bevilaqua definiu a adoção como: "ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho" [34], enquanto Caio Mário da Silva Pereira caracteriza da seguinte forma: "ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra, como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco ou afim" [35].

No Brasil, não se tratou da adoção anteriormente ao Código Civil de 1916, portanto, o Instituto veio tardiamente, no século XX. O antigo Código Civil acolheu a Adoção em seu Capítulo V, nos artigos 368 a 378. Era instrumento usado para possibilitar que pessoas sem filhos pudessem tê-los. Pai e filho biológico possuem um vínculo natural e seu parentesco tem origem sanguínea. Enquanto isso, o parentesco civil é criado pela lei. O Civilista Clóvis Bevilaqua tratou do instituto:

"O que é preciso, porém, salientar é a ação benéfica, social e individualmente falando, que a adoção pode exercer na sua fase atual. Dando filhos a quem os não tem pela natureza, desenvolve sentimentos afetivos do mais puro quilate, e aumenta, na sociedade, o capital de afeto e de bondade necessário a seu aperfeiçoamento moral; chamando para o aconchego da família e para as doçuras do bem estar filhos privados de arrimo ou de meios idôneos, aproveita e dirige capacidades, que, de outro modo, corriam o risco de se perder, em prejuízo dos indivíduos e do grupo social, a que pertencem" [36]

No Código Civil de 1916, permitia-se a adoção por maiores de cinqüenta anos que fossem, no mínimo, dezoito anos mais velhos que o adotado, e que ainda não possuíssem filhos, biológicos ou adotados. Era necessário serem casados entre si, os adotantes. Os adotados, por sua vez, quando capazes, deveriam consentir a adoção; se incapazes, o consentimento deveria ser dado pelo representante legal. A adoção podia ter fim por convenção das partes, no ano seguinte em que o adotado incapaz adquirisse sua capacidade civil, além das hipóteses permitidas pelo Código Civil quando discorre acerca do direito sucessório.

Quando se faz o estudo do Instituto, percebe-se que com o decorrer dos anos, pouco a pouco, tem sido liberalizada a adoção, com as transformações nas formas de adotar. Na sequência das inovações trazidas pelo Código Civil de 1916, a Lei 3.133, de 08 de maio de 1957 veio trazer novos parâmetros para o ato de adotar. A nova lei reduziu a idade mínima do candidato, de 50 para 30 anos e reduziu a diferença de idade entre adotante e adotado, de 18 para 16 anos. Além disso, surgiu a possibilidade de adoção por casais com ou sem filhos, em matrimônio há mais de cinco anos.

O Código Civil de 1916 possuía caráter discriminatório e, em virtude disto, muitos de seus artigos foram revogados com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe o princípio da Isonomia. No art. 377, tínhamos: "Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. [37]" Em 1965 vem a Lei 4.665, de 2 de julho, trazendo outras novas modificações.

Com a Constituição Federal de 1988, as possibilidades ampliam-se. A nova Carta Magna trouxe inovações em matéria de família e filiação. Nesta nova Constituição, ficou estabelecido que crianças e adolescentes teriam Direitos Fundamentais superiores aos de qualquer outro indivíduo, conforme o princípio da Prioridade Absoluta. É o que dispõe a Carta Política em seu artigo 227, conforme segue:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." [38]

Desta preocupação diferenciada da CF/88 para com os adolescentes e crianças, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. A adoção passa, então, a ser regulamentada pelo Código Civil, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo ser permeada por função social e valores jurídicos e afetivos, que concedem igual estima a filiação de ordem biológica. Além da função social que norteia a Adoção, o Instituto vem infestado de preconceitos herdados de leis anteriores e costumes anteriores, que fazem com que haja a sub-valorização da filiação adotiva frente à filiação biológica.

3.3- Inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

Diz-se que o fato de nossa sociedade ser excludente, contaminou o instituto da adoção de preconceitos que influem nas características dos candidatos adotantes, o que acaba por afetar os reais interesses e necessidades da adoção, quais sejam, a concessão de um lar a uma criança órfã, a satisfação do desejo de ser pai e mãe, independente da orientação sexual, e a importância do vínculo afetivo sobre o vínculo sanguíneo. No que diz respeito ao preconceito existente sobre candidatos a adoção que tenham orientação homossexual, sob análise dos princípios trazidos pela nossa Carta Política, a orientação distinta jamais deveria fazer com que o indivíduo fosse encarado como sub-cidadão, incapaz de exercer alguns atos da vida civil, tais como a maternidade e paternidade.

Reiterando o fato de que, conforme dispõe o art. 227 da Constituição Federal, compromete-se o Estado a assegurar, com prioridade, à criança e ao adolescente, direitos como à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência ou discriminação, torna-se injustificável o rigor excessivo e preconceitos na escolha do adotante, enquanto o que deveria haver é somente fiscalização e controle, para fornecer a criança e ao adolescente exatamente o que é encargo do próprio Estado, exclusivamente.

O artigo mencionado concede à criança e ao adolescente o direito a convivência familiar. Privá-los de tal direito e submetê-los a negligência de um abrigo, simplesmente para não conceder a adoção a um casal homossexual, em nome do preconceito decorrente de séculos de discriminação e em nome de uma falsa moral, é atitude ilegal e, no mínimo, insensata.

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz exigências que deveriam ser básicas e exclusivas para a concessão da adoção. A colocação da criança em famílias substitutas, na qual teriam amor, afeto, liberdade, companheirismo, estabilidade familiar e igualdade de tratamento e qualificação com os demais filhos (biológicos ou adotivos), deveriam ser os elementos indispensáveis para a adoção, sem virem recheados de preconceito ou discriminação.

A Lei 8.069/90, ao dispor acerca dos direitos da criança e do adolescente, fala sobre o direito à liberdade, no art. 15 e, na sequência, explica o que se entende por liberdade. Participar da vida familiar é aspecto a ser compreendido dentro de tal conceito e trata-se de liberdade, direito fundamental. Segue:

"Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos [...]

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;" [39]

O Capítulo III da lei em questão estabelece normas para a participação da vida familiar e comunitária, mencionadas pelo inciso V, do art. 16, já transcrito. Explica sobre a necessidade de ser criado, o jovem, em um seio familiar e, cita a família substituta, em casos excepcionais. Segue o que traz o Art. 19 do dito capítulo.

"Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.[...]

§ 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária." [40]

Ainda, tecendo informações sobre a Família substituta, na Seção III da mesma lei, temos que a colocação em família substituta poderá se dar de três formas: mediante tutela, guarda ou adoção, conforme segue:

"Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei [...]

§ 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida." [41]

Como dito em linhas anteriores, tratam da adoção tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto o Código Civil. Este prevê em seu artigo1.623 que: "a adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Publico e de sentença constituitiva." [42]

O ECA, por sua vez, trata da adoção na Subseção IV. Segundo esta lei, para adotar, é requisito ter, no mínimo dezoito anos, independente do estado civil. No que diz respeito à adoção conjunta, no entanto, a lei diz que os adotantes precisam ser casados civilmente ou em regime de União Estável, e com estabilidade familiar comprovada. Não há dispositivo que estabeleça, para a adoção, o sexo dos candidatos ou orientação sexual.

No Capítulo anterior foi definido que, pode a União Homoafetiva ser equiparada a União Estável já que, ambas possuem os mesmos requisitos. Levando-se em consideração que o Estado deve proteção a qualquer indivíduo, independentemente de sua orientação sexual e, deve proteção também a família, contanto que tenha caráter duradouro e a convivência seja pública e contínua, a União Homoafetiva caracterizará

União Estável e se, para finalizar, contiver o intuito de constituir família, deverá também ser protegida pelo Estado.

Portanto, um casal em que seus membros tenham idade superior a dezoito anos, sejam no mínimo dezesseis anos mais velhos que o adotando, casados em regime de União Estável – que por vezes equipara-se a União Homoafetiva -, com o intuito de constituir família, caso seja comprovada a estabilidade, independentemente da orientação sexual e, submetidos a um processo de adoção que exige fiscalização, nada obsta que um casal homossexual possa adotar uma criança. Cabe ressaltar que, no processo necessário para a adoção, é imprescindível que haja vantagens para o adotando. Segue o que estatui o Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos." [43]

No decorrer do processo para a adoção, é necessário haver o que a Lei chama de período de convivência para que a criança e a família substituta adquiram vínculo afetivo que, posteriormente, será convertido em vínculo civil, mediante sentença judicial e registro civil. O Vínculo afetivo é requisito para avaliar a conveniência da sua definitiva constituição. A Lei 8.069/90 prevê em seu artigo 46: "Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do casal." [44] O estágio de convivência é a oportunidade que se tem para constatar o grau de solidez do afeto que pode vir a unir adotando e adotante.

Torna-se claro a importância dada pelo legislador ao bem-estar e integral proteção do adotando. Visando benefícios ao adotando, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz ainda: "Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado." [45]

Qual seja, toda e qualquer fiscalização e cuidado para integrar a criança ou adolescente a família que, a ele faça bem e contribua para seu melhor e total desenvolvimento, faz parte do que a lei dispõe acerca dos procedimentos para a adoção. É importante salientar também que, ser homossexual – considere tal característica

isolada de qualquer outra -,ou seja, ter orientação sexual distinta da orientação predominante, não significa ter incompatibilidade com o ato de adotar ou constituir família, nem tampouco caracteriza ambiente familiar inadequado para o desenvolvimento de uma criança. Ser homossexual, por si só, não determina o nível de amor que o ser humano possui para dar ao próximo ou a porcentagem de carinho que possa distribuir, ou ainda, a competência para educar criança que esteja sob sua responsabilidade.

3.4 – Sob Aspectos Psicológicos

A psicóloga Cintia Liana explica, em seu blog, que a homossexualidade não se transfere mediante genética ou mediante convivência. A psicóloga crê que, se ligarmos a homossexualidade a uma doença ou a promiscuidade, estaremos cometendo retrocesso ou generalizando comportamento que existe dentro e fora do mundo homossexual, qual seja, no mundo heterossexual. A grande doença não está na orientação sexual, mas no preconceito existente em torno dela. Para a psicóloga, o fato de sofrerem freqüentes discriminações leva os homossexuais a adquirirem maturidade que, talvez, os heterossexuais não tenham.

Segundo Cintia Liana, deve-se considerar um tanto quanto absurda a idéia de deixar crianças e jovens em abrigos, sem família e sem amor, acreditando ser mais proveitoso que conceder a adoção dessas crianças a homossexuais que possam lhes dar amor, carinho e tudo mais o que uma criança precisa, sem que haja influencia sexual. Se houver vantagens para o adotando em ser adotado por uma família de homossexuais, por que ainda permitir que esta criança permaneça desprotegida, contanto que haja todos os outros requisitos necessários ao processo de adoção? Há que se lembrar que, uma família caracterizada pela homossexualidade não possui, necessariamente, condutas promíscuas, da mesma forma que acontece com casais heterossexuais. Então, o ambiente familiar adequado pode se fazer por patriarcas cuja orientação sexual difere do que se considera "comum".

A Psicologia afirma ainda que, para sua educação e desenvolvimento eficazes, a criança não precisa ter, necessariamente, um homem como pai e uma mulher como mãe. O que deve ser inteligível são os poderes paterno e materno. A criança precisa ter alguém que faça o papel de pai. É pai é a primeira pessoa identificada pela

criança depois da mãe. A figura paterna é necessária para facilitar o desprendimento do filho com relação a mãe, dando-o suporte, apoio e, futuramente, estabelecendo e cobrando regras. Do mesmo modo, é preciso alguém que desempenhe o papel de mãe, dando carinho, demonstrando paciência e cuidados.

A negação aos homossexuais de constituir família, por sua vez, fere o rol dos direitos fundamentais, haja vista que são cidadãos e não podem ser submetidos a nenhum tipo de exclusão social. Para todos os efeitos, considerando o país em que vivemos, o termo exclusão social explica grande parte de nossos conflitos e precisa ser abolido de nossos costumes.

Temos que o preconceito desenvolve-se em grupos políticos majoritários que se manifestam, discriminatoriamente perante grupos minoritários. Os preconceitos, portanto, não são simplesmente fruto de questões ideológicas adquiridas ao longo de um determinado período, mas são conseqüência de relações inter-grupais e suas formas de expressão.

3.5 – A Realidade dos Abrigos

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,os abrigos deveriam ser locais para resguardar crianças órfãs, temporariamente e, preferencialmente, pelo menor tempo possível. No entanto, na prática, há crianças que ficam em abrigos durante toda a sua infância e durante todo o período da adolescência.

Mesmo que os abrigos tentem se adequar ao que determina a lei, não são os locais mais desejados de se estar e, tampouco, trazem para a criança o desenvolvimento do qual precisam. A identidade dos órfãos fica comprometida, sua privacidade é praticamente nula e o carinho que gostariam e precisariam ter, por sua vez, inexiste. Dados recentes do CNA (Cadastro Nacional de Adoção) informam que atualmente, no Brasil, há cerca de 4.427 crianças e adolescentes habilitados para a adoção. No entanto, a quantidade de crianças que habita os abrigos é maior. São crianças entregues aos orfanatos por famílias que passam por dificuldades financeiras, dentre outros problemas. Legalmente, motivos financeiros não são suficientes para que haja suspensão do Poder Familiar, no entanto, na prática, essas crianças vão para abrigos e lá permanecem, sem perspectiva de voltarem para seus lares e, na maioria dos casos, acabam não retornando. Segue o que prevê o Estatuto da Criança e do

Adolescente em seu artigo 23, acerca deste tema: "Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar." [46]

Algumas das crianças enviadas para abrigos perdem o paradeiro de suas famílias e tornam-se elegíveis para a adoção. No entanto, até que possam, finalmente, ser adotadas, passaram dos dois anos de idade. A adoção se torna tardia e, infelizmente, as crianças tem reduzidas as suas chances de serem adotadas e abandonarem o abrigo. Psicologicamente, afirma-se que a adoção tardia não gera boas conseqüências ao adotando, já que levará consigo lembranças vivas de sua história como órfão, juntamente com seus desejos, sonhos e frustrações. Esses traumas podem afetar, inclusive, o relacionamento das crianças com sua família substituta, em razão da insegurança causada por suas vivas lembranças e decepções.

Crianças com irmãos também sofrem grandes dificuldades de serem adotadas. Pesquisa divulgada, recentemente, também pelo CNA, mostra que dos 26.694 interessados pela adoção, cerca de 10.129, tem preferência por crianças ou adolescentes brancos. Do mesmo contingente, 21.376 dos candidatos afirmaram que não adotariam crianças com irmãos. Como é perceptível, as crianças carentes percorrem caminho longo rumo à adoção, que tem pequenas chances de se efetivar. Estão sujeitas a seleções, à escolhas para alcançarem o amor familiar que sonham ter. Assim, não é justo impedir que uma nova possibilidade de adoção venha à tona para tirar as crianças órfãs dos abrigos e conceder a elas chances de ter um lar.

O ex Deputado Federal pelo PT do Rio Grande do Sul, Marcos Rolim, discursou sobre o tema, brilhantemente:

"Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais?"Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?" [47]

De fato, o que deve ser observado com rigor é a estrutura do lar para o qual o adotando poderá ser enviado. A orientação sexual, por usa vez, não interfere na formação de um lar adequado, com respeito, assistência e carinho. É o que Jane Justina Maschio, afirma em artigo redigido para a Revista Jus Navigandi, no ano de 2001:

"[...] se uma criança sofre maus tratos no seio de sua família biológica, abusos de toda espécie, ou se é abandonada à própria sorte, vivendo nas ruas, sendo usada para o tráfico de drogas, como ocorre em nossos centros urbanos, evidentemente que sua adoção, quer seja por parte de casal homossexual, ou heterossexual ou mesmo por pessoa solteira, desde que revele a formação de um lar, onde haja respeito, lealdade e assistência mútuos, só apresenta vantagens." [48]

Se analisarmos, então, a situação a que estará sujeita a criança abandonada enquanto permanece no orfanato e se compararmos com suas condições de

desenvolvimento após a adoção, seja por homossexual, por heterossexual ou por pessoa solteira, é de absoluta vantagem que a adoção seja realizada.

3.6 – Recentes Julgados. O Caminho a ser Percorrido.

Alguns Magistrados já reconhecem a União Homoafetiva, em seus julgados, como entidade familiar. O STF tem entendido conforme segue:

"RECURSO ESPECIAL REsp 820475 RJ 2006/0034525-4 (STJ)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido." [49]

A Desembargadora aposentada Maria Berenice Dias vem sempre buscando amparo na idéia de que os aplicadores do direito precisam se adequar às mudanças sociais e adequar, igualmente, suas concepções e decisões. É decisivo o comportamento dos operadores no direito para que a lei se molde de à realidade e para que a justiça e o ordenamento funcionem de forma efetiva. Os magistrados, mais especificamente, tem desempenhado seu papel de forma sensata, julgando conforme segue em ementa do Tribunal do Rio Grande do Sul:

"Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. PEDIDO DE HABILITAÇÃO. ADOÇÃO CONJUNTA POR PESSOAS DO MESMO SEXO. Sendo admitida, pela jurisprudência majoritária desta corte, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, possível admitir-se a adoção homoparental, porquanto inexiste vedação legal para a hipótese. Existindo, nos autos, provas de que as habilitandas possuem relacionamento estável, bem como estabilidade emocional e financeira, deve ser deferido o pedido de habilitação para adoção conjunta. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70034811810, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/08/2010)." [50]

Além das ementas já citadas, tantos outros julgados tem evoluído no sentido de permitir que crianças, jovens e homossexuais tenham seus direitos protegidos ou garantidos. Em outros países, principalmente países Europeus, já se pratica este tipo de adoção. Na Dinamarca é permitida por pares homoafetivos desde 2009, na Holanda, desde 2001, assim como na Alemanha. Em 2002 a prática foi legalizada na Suécia, a partir de 2005 permitiu-se na Inglaterra, a partir de 2006 foi adotada a prática pela Espanha, Islândia e Bélgica. Nas Américas, os Estados Unidos foram pioneiros, concedendo a adoção a um casal gay ainda no ano de 1986 e, o Uruguai, foi o pioneiro dentre os países sul-americanos, adotando a prática a partir de 2009. A adoção feita desta forma também é percebida na Oceania, África e inclusive no Oriente Médio.

Retomando o início deste capítulo, foi apresentada consideração feita por Clóvis Bevilaqua acerca do Instituto. O Civilista deixa claro o real intuito da adoção e, ao mesmo tempo, nos leva a perceber porque precisa ser aceita sua feitura por casais homossexuais.

A adoção caracteriza-se por dar filhos a quem não pode tê-los, lembrando que constituir família é direito constitucional e, segundo o Princípio da Igualdade, não há que se falar em privação de tal direito a qualquer indivíduo, independente de sua raça, cor ou orientação sexual.

Clóvis Bevilaqua explica ainda que a adoção, quando realizada, "[...] aumenta, na sociedade, o capital de seu afeto e de bondade necessários a seu aperfeiçoamento moral." [51] Então, por que insistirmos na idéia hipócrita e discriminatória de que todo e qualquer tipo de relacionamento que fuja do convencional seja imoral, se o que vai em desacordo com a moralidade é essa falta de amor pelas nossas crianças ao não permitir que sejam inseridas em uma família que possa lhes dar carinho, afeto e educação? O que viola a moralidade é essa ausência de união para com o ser humano, que por fugir do que a história e os preceitos religiosos tomaram como "regular" ou "certo", é taxado como desonesto, libertino, devasso e torna-se privado de suas garantias constitucionais e da proteção estatal.

O que realmente ocorre, é que os homossexuais estão sendo condenados por praticarem condutas diferentes daquelas que um grupo religioso instituiu ao longo da história de forma infundada, irracional, vergonhosa, intolerante, fruto de cegueira moral. A falsa moral pregada pela igreja e adotada pela sociedade ao longo de décadas, não trouxe e jamais trará a perfeição para a humanidade ou sua salvação. Ao contrário, a única conseqüência de todos estes dogmas advindos de profunda intolerância, é a sujeição de crianças e jovens ao abandono e sofrimento.

A lei caminha no sentido de amparar a União Homoafetiva. Não há dispositivo que determine que o caminho a ser percorrido seja distinto, haja vista que a possibilidade de equiparação desta união à União Estável é absolutamente clara. Os julgados, por sua vez, tem acompanhado o que determina a Constituição Federal, em seus princípios, e tem aderido a cada dia mais a aceitação desta nova união.

A psicologia vem incentivando o direito, ao asseverar, após estudos, que não há risco algum de uma criança conviver com um casal homossexual e, por ele, ser criada, já que a orientação sexual dos pais em nada interferirá na orientação de seus filhos. Conclui, a ciência que se dedica ao estudo dos fenômenos psíquicos, que é benéfico para a criança ter seus direitos cumpridos ao ser admitida sua adoção por um casal homossexual, enquanto os mesmos direitos estariam sendo descumpridos e negligenciados com seu abandono em abrigos.

Se fizermos a verdadeira análise do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, grande fundamento da República Federativa do Brasil, que determina que o ser humano é o valor supremo da democracia e deve ter tal valor reconhecido de forma excepcional; se analisarmos o princípio da Igualdade, que determina que os direitos do indivíduo devem ser protegidos, independentemente da cor, raça ou orientação sexual, não há que se falar em negação a concessão da adoção a casais homossexuais.

Não é justo e não é legal impedir que homoafetivos entrem na fila para a adoção. Tal postura caracteriza-se inconstitucional. Diante disso, é inadmissível que o Legislativo permaneça omisso. É de extrema necessidade, sob o aspecto legal, que o ordenamento se adéqüe, finalmente, aos fatos.

É importante que se perceba que a família é mais uma sociedade cultural que biológica, e o afeto é o que distingue a relação familiar das demais. No período de habilitação para a adoção, portanto, o que deve ser revelado não é a orientação sexual do adotante, mas a estabilidade e maturidade do casal e sua capacidade para educar e para amar. No âmbito dos sentimentos, os homossexuais em nada diferem dos heterossexuais.

Há tempos, filhos de pais separados não eram bem aceitos. Hoje, é sabido que a criação por pais separados não é empecilho para o desenvolvimento do menor. As mutações sociais são inteiramente bem-vindas, desde que venham para reforçar o amor ou a felicidade. Quanto a não aceitação da adoção homoparental, derrubados falsos argumentos, o motivo para sua não legalização é a discriminação, argumento este insustentável diante das vantagens apresentadas em linhas anteriores.

Façamos então com que se consagrem os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade para que assim, a realidade se volte efetivamente para o interesse do menor. O amor e a solidariedade são as únicas forças capazes de superar qualquer preconceito.


CONCLUSÃO

Este trabalho buscou fazer abrangência sobre as possibilidades da União Homoafetiva para se atingir a discussão principal, qual seja, a possibilidade da Adoção Homoparental.

Foram confrontadas idéias e dogmas sociais construídos ao longo da história com dispositivos legais que fazem menção a qualquer possibilidade de ser aceita, legalmente, a adoção homoparental, bem como princípios que revelam apoio a esse tipo de adoção.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil e, sobretudo, a Constituição Federal, não deixam dúvidas. Concedem base à adoção homoparental e derrubam teses discriminatórias construídas com o auxilio da Igreja Católica, ao longo dos anos.

As teses mencionadas apresentaram-se sem qualquer fundamento e, ainda, sem nenhuma base moral, lembrando que a moral é o grande trunfo dos defensores dos discursos discriminatórios em questão, pela lei derrubados.

O apoio legal a que o presente trabalho buscava, foi apresentado. Apoio este tão questionado pela sociedade, que ainda se martiriza com questionamentos freqüentes sobre o certo ou o errado perante a legislação.

Sobre a moral tão buscada, os estudos feitos avaliaram a adoção homoparental e os motivos pelos quais ainda não foi aceita perante o Estado Social. Neste sentido, ficou demonstrado o fato de que se desconhece o verdadeiro conceito sobre o que é moralidade e alteramos, desta forma, os verdadeiros bons e maus personagens do dilema Possibilidade da Adoção Homoparental.


REFERÊNCIAS

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  3. BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em:
  4. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm>

  5. BRASIL, Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente: Disponível em:
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  7. BRASIL, Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm >
  8. CAPELLANO, Luiz Carlos. Breve Histórico da Homossexualidade. Disponível em: <http://lucappellano.sites.uol.com.br/Homossexualidade.html>
  9. Congresso em Foco. Disponível em:
  10. <http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_content&view=article&id=3800:pec-da-felicidade-comeca-a-tramitar-na-camara&catid=15&Itemid=100048>

  11. DIAS,Maria Berenice. União Homoafetiva:O preconceito e a justiça.4ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais,2009.
  12. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V. V, Direito de Familia. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
  13. Homossexualidade. Disponível em:
  14. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade>

  15. MATTOS,Caio Victor Vieita. União Homoafetiva: no âmbito do direito sucessório. Disponível em:
  16. <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2131>

  17. NOGARET, Guy Chaussinand – Sade existiu? In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Edição Especial da revista L’Histoire/Seuil, Porto Alegre, L&PM, 1992, p.227.
  18. O Iluminismo. Disponível em:
  19. <http://www.suapesquisa.com/historia/iluminismo/>

  20. SARTREC,Maurice. A homossexualidade na Grécia Antiga. In: Amor e Sexualidade no Ocidente. Edição Especial da revista L’Histoire/Seuil, Porto Alegre, L&PM, 1992, p.49.
  21. SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos. 2ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2007
  22. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família. V VI. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

ANEXOS

A morte de Jacinto, Jean Broc, 1801.

Niankhkhnum e Khnumhotep, pintura mural, por volta de 2380 a 2320 a.C

 

Pinturas em cerâmicas da época clássica: 1. Erastes (maduro) e Eromeno (jovem), onde a homossexualidade é encarada como parte do aprendizado; 2. Dois jovens amantes.

Parada Gay na Avenida Paulista – SP

Orfanato Santa Rita de Cássia.

 

Crianças em situação de abandono.


Notas

  1. MARTINS,Rogério. O mundo em Transformação – O Paradigma da Ameaça Versus a Oportunidade. RH Portal. Disponível em: HTTP://www.rhportal.com.br/artigos/wmview,pgd?idc_cad=8e8uoiop8.
  2. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Intersindical.inf. Disponível em: HTTP://www.intersindical.inf.br/formacao/engels/origem_familia_propriedade_privada_estado.pdf
  3. Ibidem.
  4. XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro. Rio de Janeiro: Ediouro,1999.
  5. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ed. Ver. Atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
  6. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V, Direito de Família. 25ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
  7. BURKE, Cormac apud MELO, Edson Teixeira de. Princípios Constitucionais do Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n 1213, 27 out.2006. Disponível em: HTTP://jus.com.br/revista/texto/9093. Acesso em 24 nov. 2010.
  8. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil/03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24 nov. 2010
  9. Ibidem.
  10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.V.VI, Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2005.
  11. Op. Cit.
  12. BRASIL, Lei n°10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm.
  13. Op. Cit.
  14. Op. Cit.
  15. Disponível em: <http://lucappellano.sites.uol.com.br/Homossexualidade.html >.
  16. DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O Preconceito e a Justiça.4ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009
  17. A PEC da felicidade começa a tramitar na Câmara. Disponível em: <http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php?option=com_content&view=article&id=3800:pec-da-felicidade-comeca-a-tramitar-na-camara&catid=15&Itemid=100048>.
  18. BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>.
  19. Ibidem.
  20. CAPELLANO, Luiz Carlos. Breve Histórico da Homossexualidade. Disponível em: <http://lucappellano.sites.uol.com.br/Homossexualidade.html>.
  21. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm >.
  22. DIAS, Maria Berenice, Op. Cit., p. 99.
  23. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Op. Cit.
  24. BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003 de 2001. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/429491.pdf >.
  25. BRASIL. Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm >.
  26. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Op. Cit.
  27. BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm >.
  28. DIAS, Maria Berenice, Op. Cit., p. 140
  29. Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consultas&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar>
  30. Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consultas&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar >
  31. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1117>
  32. TOLEDO, Virginia. Com decisão unânime, STF reconhece União Homoafetiva. Disponível em:< http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2011/05/uniao-homoafetiva-ja-tem-tres-votos-favoraveis-no-stf>
  33. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/A%20Evolucao%20historica%20do%20instituto.pdf>.
  34. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/2669/adocao-por-homossexuais>
  35. Disponível em:< http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=128 >
  36. Disponível em:< http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=128>
  37. BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado,1988.
  38. Ibidem.
  39. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>
  40. Idem.
  41. Ibidem.
  42. BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>
  43. Op. Cit.
  44. Ibidem.
  45. Idem.
  46. Ibidem.
  47. ROLIM,Marcos. Casais Homossexuais e Adoção. Disponível em: <http://www.rolim.com.br/cronic162.htm>
  48. MASCHIO, Jane Justina. A Adoção por Casais Homossexuais.Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2764/a-adocao-por-casais-homossexuais>
  49. Disponível em:< http://www.jusbrasil.com.br/topicos/349641/uniao-homoafetiva>
  50. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=ado%E7%E3o+casal+homossexual&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr>
  51. Disponível em:< http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=128>, loc. Cit.


Informações sobre o texto

Orientador(a): Gustavo Henrique Carneiro Requi

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSA, Helena Rodrigues Vaz. A adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2994, 12 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19975. Acesso em: 26 abr. 2024.