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O prévio indeferimento administrativo em matéria previdenciária e a fixação dos pontos controvertidos da demanda

O prévio indeferimento administrativo em matéria previdenciária e a fixação dos pontos controvertidos da demanda

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A exigência do prévio indeferimento administrativo decorre da idéia geral de que sem existência de pretensão resistida (lide), não é possível o ingresso em juízo. Por isso, no âmbito previdenciário, não é possível caracterizar a lide se o INSS nem sequer teve a possibilidade de aceitar ou recusar previamente o pedido formulado.

Introdução

O interesse de agir, juntamente com a legitimidade de partes e a possibilidade jurídica do pedido, é enumerado como uma das condições da ação pelo Código de Processo Civil no inciso VI do artigo 267. Segundo o conhecimento corrente, o interesse de agir sustenta-se sobre o binômio necessidade-adequação. Dessa forma, para existir essa condição da ação, a pretensão do autor somente pode ser satisfeita por meio do ingresso em juízo (necessidade) e a providência judicial requerida deve ser capaz de corrigir a situação conflituosa (adequação).

Em matéria previdenciária, um exemplo de inadequação da via eleita é o uso de mandado de segurança para reconhecimento de tempo de serviço quando se exige dilação probatória como oitiva de testemunhas em juízo. No entanto, é em torno do aspecto necessidade que surge uma das mais polêmicas questões no âmbito do direito processual previdenciário, qual seja, a da imprescindibilidade do prévio indeferimento administrativo.

Muitos já se debateu na doutrina e na jurisprudência acerca da questão do prévio indeferimento administrativo. No presente artigo, objetiva-se abordar brevemente o tema, destacando-se a importância da exigência do prévio indeferimento administrativo na fixação dos pontos controvertidos da demanda, dando como exemplo os casos da concessão judicial dos benefícios previdenciários por incapacidade.


1. Da necessidade do prévio indeferimento administrativo

Em linhas gerais, os defensores da desnecessidade do prévio indeferimento administrativo no âmbito previdenciário sustentam que haveria uma afronta ao princípio da universalidade da jurisdição consagrado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, na medida em que estaria sendo criada uma via administrativa de curso forçado em hipótese diversa da única prevista constitucionalmente (artigo 217 da CF). Da mesma forma, subsiste, ainda que muitas vezes de maneira velada, o argumento da realidade fática de determinadas regiões do país, da demora de atendimento pelo INSS ou mesmo da negativa do próprio protocolo do requerimento.

Entende-se, todavia, que nenhum desses argumentos é suficiente para afastar a exigência do prévio indeferimento administrativo.

De início, é cediço que se não há controvérsia inexiste qualquer razão para o ingresso em juízo. De fato, a existência de lide é inerente à própria tutela jurisdicional, havendo críticas até mesmo à nomenclatura "jurisdição voluntária", comumente utilizada para os casos em que, embora não haja conflito de interesses, há previsão legal de atuação jurisdicional. De ordinário, sem resistência sequer iminente, não há necessidade de se ingressar em juízo, pelo simples fato de que não existe qualquer situação que demande correção judicial. No âmbito previdenciário, não é possível caracterizar a lide se o INSS sequer teve a possibilidade de aceitar ou recusar previamente o pedido formulado.

Outrossim, é de se salientar que a exigência de prévio indeferimento administrativo não se confunde com a hipótese do artigo 217 da Constituição Federal, no qual se exige o esgotamento das instâncias da justiça desportiva (esfera administrativa) para só então ser possível o ingresso em juízo. Isso porque no caso das demandas previdenciárias não se impõe um esgotamento de instâncias administrativas, mas apenas que seja formada uma controvérsia decorrente de uma resistência da Administração em conceder o benefício pleiteado [01]. Em outras palavras, exige-se um indeferimento e não o esgotamento.

Se essa resistência não fosse exigida, seria de se questionar a própria razão de se existirem as instâncias administrativas, já que tudo poderia de antemão ser pleiteado judicialmente. O Judiciário teria que reconhecer como suas atribuições como renovar passaportes, fornecer carteiras de identidade, proceder à matrícula escolar na rede pública etc. Enfim, deixaria de ser um órgão de controle da atividade administrativa para realizar por si mesmo tal atividade, assumindo o papel dos agentes administrativos em prejuízo do próprio serviço jurisdicional [02].

De outro lado, a realidade fática de determinadas regiões do país pode e deve ser considerada pelo juízo, em decorrência mesmo da finalidade social inerente à jurisdição (artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil). É, porém, exceção a possibilitar a mitigação do prévio requerimento administrativo, a partir do conceito de impossibilidade fática de acesso ao INSS. Nunca regra geral a incidir mesmo em situações em que não resta demonstrada tal impossibilidade.

Logo, a exigência não merece prevalecer apenas quando, diante das peculiaridades do caso concreto, a imposição de prévio ingresso administrativo represente uma negativa fática ao direito de se pleitear o benefício judicialmente. É o que ocorre, por exemplo, no caso dos juizados itinerantes, no qual juízes e servidores se deslocam temporariamente para regiões de difícil acesso. Em tal circunstância não seria razoável impor ao segurado o ônus desproporcional de procurar uma Agência da Previdência Social muitas vezes há vários quilômetros de distância e, com isso, impedir a tutela efetiva de seu direito [03] . Da mesma maneira, outra hipótese é a inviabilidade fática de se pleitear o benefício devido à greve dos servidores do INSS, pois também nesse caso o indivíduo não pode ser desproporcionalmente onerado em decorrência de um fato extraordinário a que não dera causa. Aliás, cabe ressaltar que tal ponderação é feita pela própria legislação previdenciária, quando dispensa o início de prova material para reconhecimento de tempo de serviço nos casos de força maior ou caso fortuito (artigo 55, §3º, da Lei nº 8.213/91).

Acrescente-se ainda que, embora se exija o prévio indeferimento administrativo, a análise do pedido pelo INSS deve ocorrer em tempo razoável. Não fosse assim, a ineficiência da estrutura da Autarquia e a demora na análise dos processos administrativos iria favorecer o próprio órgão previdenciário. Essa hipótese é ainda mais preocupante nos casos de requerimento de benefícios por incapacidade, nos quais o segurado, de ordinário, não tem condições de prover o seu sustento e da sua família, em decorrência da própria moléstia que o acomete. Condicionar o ingresso em juízo a um prévio indeferimento administrativo sem que fosse fixado um prazo razoável para a apreciação do pedido pelo INSS seria negar o próprio direito à tutela jurisdicional tempestiva.

No entanto, é descabido deixar que o conceito amplo do que venha a ser um "prazo razoável" seja deixado ao arbítrio de cada Agência da Previdência Social ou mesmo de cada agente administrativo do INSS. Isso permitiria que alegações vagas como ausência de servidores ou elevado número de demandas tivesse o mesmo efeito prático que se busca coibir.

Analisando a legislação previdenciária, nota-se que o §5º do artigo 41-A da Lei nº 8.213/91 estabelece que "O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão" . Ora, como o pagamento é ato necessariamente posterior ao deferimento do benefício, conclui-se que em 45 (quarenta e cinco) dias o pedido administrativo deve ser analisado e, em caso de concessão, o primeiro pagamento deve estar à disposição do seu beneficiário. Ademais, entende-se que esse prazo, por ser específico, sobrepõe-se ao de 30 (trinta) dias para decisão após o término da fase instrutória, conforme previsto no artigo 49 da Lei nº 9.784/99- Lei do Processo Administrativo Federal [04].

Dessa forma, não apreciado o pedido formulado administrativamente no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, surge o que poderia ser considerado como um indeferimento tácito, a possibilitar o acesso à via judicial.

Por fim, é de se salientar que essa situação não se confunde com a prática ilegal de alguns servidores do INSS de simplesmente se recusarem a protocolar o pedido, sob a alegação verbal de que o requerimento seria de todo modo indeferido ou de que faltaria algum documento. Essa conduta reprovável, para além de afrontar o direito de petição constitucionalmente consagrado (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a", da CF), ofende a literalidade do artigo 105 da Lei nº 8.213/91, segundo o qual "a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício".

Ocorre que tal recusa do próprio protocolo não se confunde com o indeferimento do pedido de concessão [05]. Assim, a tutela jurisdicional adequada não é aquela que permite a análise do direito ao benefício, mas sim a que é apta para a correção da recusa do recebimento da petição administrativamente. Daí porque se admite a utilização de mandado de segurança, ação constitucional que, de ordinário, não é aplicável quando se trata da própria concessão judicial de benefício previdenciário, que, no mais das vezes, exigem a dilação probatória.

Outra alternativa que vem se mostrando eficaz na prática e que evita a necessidade de instauração de uma demanda judicial, é o encaminhamento de ofício assinado pelo juiz competente para apreciar a ação de correção do ato administrativo à Agência da Previdência Social que recusou o protocolo, destacando o nome do requerente e os fundamentos legais e constitucionais que exigem o recebimento do protocolo. Como regra, ao serem alertados de sua conduta ilegal, os servidores administrativos procedem ao protocolo do pedido, dando ensejo à análise prévia pelo INSS [06].

Em síntese, com tais ponderações, afastam-se os argumentos comumente citados em desfavor da exigência do prévio indeferimento administrativo [07]. A seguir, cabe destacar a importância do prévio requerimento para a definição dos pontos controvertidos da demanda.


2. Da fixação dos pontos controvertidos

Um aspecto um pouco menos relembrado, mas que se mostra de suma importância para a própria eficiência da tutela jurisdicional, é o prévio indeferimento administrativo como elemento delimitador da controvérsia [08]. De fato, partindo-se do pressuposto de que o Judiciário deve exercer primordialmente a função de revisor dos atos administrativos, chega-se a duas conclusões paralelas: a) os requisitos já reconhecidos administrativamente não podem ser objeto de impugnação judicial e b) a princípio, somente aquilo que já foi apreciado pelo INSS pode ser considerado judicialmente.

No tocante aos benefícios previdenciários por incapacidade, por exemplo, isso significa que, caso haja reconhecimento da incapacidade por médico perito do INSS, mas o benefício tenha sido indeferido por perda da qualidade de segurado ou falta do período de carência, a discussão deve ser limitada judicialmente aos requisitos não reconhecidos. Isso porque inexiste controvérsia em relação à incapacidade.

Portanto, em determinadas situações, a prova pericial terá como único objetivo aferir a data de início da incapacidade, para fins de constatar se em tal data o autor da demanda possuía a carência e a qualidade de segurado necessárias. Eventual conclusão no sentido de que o autor não se mostra mais incapaz pode, assim, ter relevância apenas para fins de limitação da duração do benefício, mas não da concessão do mesmo, ainda que apenas para que haja pagamento de atrasados [09].

Outrossim, em casos ainda mais específicos, torna-se prescindível mesmo a prova pericial, conforme autorizado pelos artigos 420, II, e 427, ambos do Código de Processo Civil. Imagine-se, por exemplo, a hipótese em que foi reconhecida a incapacidade somente a partir da data da entrada do requerimento e o benefício foi indeferido por falta de carência. Caso se verifique em juízo que a moléstia incapacitante reconhecida pelo próprio médico perito do INSS é uma das que dispensam um número mínimo de contribuições, nos termos do artigo 151 da Lei nº 8.213/91, a concessão judicial independe de produção da prova pericial. O mesmo ocorre quando o benefício é indeferido por perda da qualidade de segurado, pelo fato de administrativamente não ter sido reconhecido o termo de dispensa como prova de desempregado a possibilitar a extensão do período de graça na forma do artigo 15, §2º, da Lei nº 8.213/91.

Já no tocante à afirmação de que somente aquilo que já foi apreciado pelo INSS pode ser considerado judicialmente, reitere-se que o requerimento administrativo está intimamente ligado à possibilidade do INSS se manifestar acerca de um pedido formulado pelo segurado que se considera incapaz. Em outros termos, não havendo possibilidade de análise da pretensão pela Administração Pública, não há configuração da lide, pelo simples fato de que o ente previdenciário sequer se opôs ao bem jurídico pretendido.

Tratando especificamente dos benefícios previdenciários por incapacidade, isso significa que não há interesse de agir caso a pretensão do autor se baseie exclusivamente em um documento que não foi apresentado anteriormente perante o INSS, como são os típicos casos de exames médicos produzidos após o indeferimento administrativo. Da mesma forma, inexiste interesse de agir se a queixa alegada judicialmente é por demais discrepante daquela sustentada na esfera administrativa [10].

Ocorre que, muitas vezes, a discrepância entre os documentos apresentados administrativamente ou a moléstia alegada somente é percebida após a realização da perícia judicial, ou seja, quando já foram produzidas todas as provas necessárias para o julgamento. Nesse contexto, o que deve haver é uma ponderação de princípios que procure conciliar a falta de interesse de agir com a economia processual.

Uma solução aventada é a suspensão do processo por prazo razoável para que o autor formule pedido administrativamente, ocasião em que a própria perícia judicial servirá como elemento de prova de incapacidade. No entanto, na medida em que a prova pericial já foi realizada, tal providência vem se revelando inútil. Isso porque caso a perícia administrativa confirme a incapacidade, apenas estará ratificando a perícia judicial. Caso negue a incapacidade, será inevitavelmente substituída pela conclusão do perito de confiança do Juízo em perícia já realizada, a menos que o INSS comprove a necessidade de nova perícia judicial ante a alteração da situação dos fatos.

Dessa forma, melhor analisando a questão e alterando anterior posicionamento, entende-se que o mais adequado é dispensar o requisito do prévio requerimento administrativo de acordo com as especificidades do caso concreto, sobretudo no caso em que a urgência do benefício traduza-se em uma impossibilidade fática de se aguardar por uma resposta administrativa, em raciocínio análogo àquele que permite a dispensa do próprio requerimento nas situações dos Juizados itinerantes ou da greve de servidores. Com isso, não se nega o caráter do prévio requerimento administrativo como condição da ação, mas se mitiga a sua exigência para aceitar o mero indeferimento sem se questionar acerca dos elementos apresentados administrativamente, quando já produzida a prova judicialmente. Em outras palavras, em tais hipóteses a ausência de interesse de agir deve ceder espaço à economia processual e a própria eficiência da administração.

Nada impede, de outro lado, que a discussão seja superada a partir da formulação de uma proposta de acordo pelo Procurador Federal do INSS. Assim, poderá o Procurador relevar a ausência de prévia apresentação de determinado documento ou de incapacidade superveniente, quando da elaboração da proposta, oferecendo um acordo, por exemplo, de implantação do benefício sem pagamento de atrasados. Isso é favorável para a própria Autarquia, que não precisa realizar uma perícia administrativa que está de antemão fadada a ser substituída pela perícia judicial já realizada. A propósito, cabe destacar que é possível a homologação de acordo por sentença mesmo em relação a matéria não posta em juízo, tendo tal ato eficácia de título executivo judicial, como bem expressa o inciso III do artigo 475-N do Código de Processo Civil [11]

Cabe ressaltar, todavia, que tal posicionamento somente deve prevalecer quando se observe que não houve má-fé ou deslealdade do autor em não apresentar anteriormente determinado exame administrativamente ou não informar determinada moléstia, dentro do dever geral imposto às partes pelo artigo 14, II, do Código de Processo Civil. Pesa, portanto, as peculiaridades do processo previdenciário, em que a dificuldade informacional do autor quanto ao seu direito e as formas de prová-lo é a regra. No entanto, se for constatada que houve omissão fraudulenta de documento perante o INSS ou que somente houve a preocupação da produção de exames e atestados após a perícia administrativa e, nada impede que haja aplicação da penalidade decorrente da prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo 14 do CPC, bem como a aplicação da pena de litigância de má-fé. Esta última, aliás, pode inclusive ser aplicada pessoalmente ao advogado no caso em que este tenha agido com deslealdade e praticado atos temerários, na forma do artigo 17, V, do mesmo diploma processual [12].

A propósito, como a mitigação do requisito do indeferimento administrativo depende da boa-fé e lealdade do autor, é quase improvável relevar tal requisito quando tenha havido ausência injustificada na perícia agendada perante o INSS. Isso porque a ausência injustificada já denota a falta do dever de cooperação do autor e, assim, de sua boa-fé.

Por fim, cabe a ressalva de que, embora o indeferimento administrativo delimite a controvérsia posta em juízo, a delimitação baseia-se na moléstia incapacitante e não no benefício pretendido. Em outros termos, é aferida a partir dos fatos e não de suas conseqüências jurídicas.

Perfilha-se o entendimento de que o Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social [13] deve ser interpretado com cautela, de modo a evitar generalizações no sentido de que, diante de um pedido, o agente administrativo deve analisar todos os benefícios possíveis a que o segurado porventura faça jus, ignorando as peculiaridades da análise de cada benesse (por exemplo, exigência de exame médico pericial no caso de benefícios por incapacidade e de contagem de tempo de serviço nos casos de aposentadoria por tempo de contribuição). No entanto, é inegável que, pleiteado o benefício de auxílio-doença, o agente administrativo deve analisar a possibilidade da concessão de benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-acidente, pois todos se baseiam no mesmo requisito fundamental ou na mesma situação fática de base, qual seja, a incapacidade. Por isso, o indeferimento de pedido de auxílio-doença em decorrência de parecer médico contrário já é suficiente para o ingresso em juízo. Nesse sentido cabe destacar a lição de José Antonio Savaris (2009:66):

Em relação à condicionante de prévio indeferimento administrativo, entende-se que o indeferimento administrativo de uma dessas prestações em razão de ‘perícia médica contrária’ pode abrir espaço para ajuizamento de qualquer das ações que busque benefício da seguridade social por incapacidade. O raciocínio empregado aqui é o de que se o INSS indeferiu o auxílio-doença porque não reconheceu a incapacidade para o trabalho, com maior razão indeferiria o pedido de aposentadoria por invalidez ou de benefício de prestação continuada da assistência social. Se indeferiu o requerimento administrativo de aposentadoria por invalidez por ausência de incapacidade laboral, também indeferiria o benefício assistencial.

Tal raciocínio decorre da constatação de que os benefícios por incapacidade previstos na Lei nº 8.213/91 são fungíveis entre si, diferenciando-se, sobretudo, em razão do grau da incapacidade observado em cada caso concreto. Assim sendo, no caso de incapacidade total e temporária ou parcial e temporária (Enunciado nº 25 da Súmula da AGU) é possível o deferimento de auxílio-doença. Consolidada a lesão, se a incapacidade for total, cabível a aposentadoria por invalidez. De outro lado, sendo a incapacidade parcial e permanente, a hipótese é de auxílio-acidente. Dessa forma, os diversos graus de incapacidade são contemplados pela legislação, dando cumprimento efetivo ao disposto no artigo 201, I, da Constituição Federal.

É esse motivo, aliás, que também permite que, em juízo, seja concedida aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente ainda que o pedido inicial tenha requerido apenas auxílio-doença, sem que isso represente julgamento extra petita [14].

De todo modo, a partir do momento em que é delimitada a controvérsia a partir da idéia central de que o Judiciário exerce o poder de revisão dos atos administrativos, fica melhor firmada o objeto da prova.


Conclusão

Assim sendo, nota-se que a exigência do prévio indeferimento administrativo decorre da idéia geral de que sem existência de pretensão resistida (lide), não é possível o ingresso em juízo. Por isso, no âmbito previdenciário, não é possível caracterizar a lide se o INSS nem sequer teve a possibilidade de aceitar ou recusar previamente o pedido formulado. Embora em determinadas situações seja possível presumir o indeferimento (decurso de prazo de 45 dias sem resposta) ou dispensá-lo (impossibilidade fática de acesso), a regra é a sua exigência;

Logo, partindo-se do pressuposto de que o Judiciário deve exercer primordialmente a função de revisor dos atos administrativos, de ordinário, somente o que tiver sido objeto de prévia apreciação pelo INSS poderá ser objeto de demanda judicial e não será objeto de controvérsia judicial o que já foi reconhecido administrativamente. No caso dos benefícios previdenciários por incapacidade, como regra, somente moléstias analisadas pelo INSS podem ser objeto de processo judicial e requisitos já reconhecidos pela Autarquia (como incapacidade, carência ou qualidade de segurado), são tidos como aspectos incontroversos. Dessa forma, o prévio indeferimento administrativo tem a importante função de delimitar a controvérsia posta em juízo.


Notas

  1. É nesse sentido, aliás, que deve ser interpretada a Súmula 213 do extinto Tribunal Federal de Recursos: "O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária".
  2. Como bem salientado por José Antonio Savaris (In: Direito Processual Previdenciário, Curitiba, Juruá, 2009, p.198): "As regras jurídicas se destinam de maneira geral e abstrata a todos os indivíduos e uma nação está perto de fracassar em seus propósitos fundamentais quando o cumprimento espontâneo do ordenamento jurídico se tornar a exceção e a violação dos direitos materiais é a regra. Ao ter de intervir em praticamente tudo para assegurar a boa-fé dos indivíduos e o adimplemento das normas jurídicas, o Judiciário não será poupado dos graves vícios sociais e culturais que dominam sua época. Antes, será profundamente afetado por eles. Será uma peça a mais na engrenagem de iniqüidade social. A justiça sairá torta e a destempo".
  3. A propósito, cabe destacar trecho de notícia veiculada pelo Caderno TNU nº 6, de junho a agosto de 2009, que se refere ao Processo nº 2007.38.00.719271-6/MG, no qual a Turma de Uniformização Nacional dispensou o prévio requerimento administrativo : "A relatora do processo na Turma, juíza federal Joana Carolina Lins Pereira, votou pelo provimento do pedido fazendo questão de salientar sua sensibilidade à situação peculiar do processo tendo em vista se tratar de juizado itinerante. Além disso, destacou que ‘outros casos envolvendo requerimento administrativo já foram apreciados na TNU e o entendimento que se firmou foi de que, em se tratando de juizado itinerante, seria desnecessário o requerimento administrativo’. Seu voto foi acompanhado por unanimidade. Durante o julgamento, o juiz federal Derivaldo Filho fez questão de falar de sua experiência. ‘No Tocantins, por exemplo, se faz juizado itinerante a mil e tantos quilômetros da capital. Nesses locais, 70 ou 80% dos requerentes de benefício fazem o primeiro contato com o Estado no momento em que a Justiça Federal chega, porque nem certidão de nascimento nem carteira de identidade eles têm’. E concluiu: ‘Se não abrimos mão da exigência do prévio requerimento administrativo nesses casos, inviabilizaremos os itinerantes porque a acessibilidade à Justiça Federal, como também aos órgãos do INSS, não existe na 1ª Região, principalmente no Nordeste e no Norte do país’."
  4. No mesmo sentido é o Enunciado nº. 80 dos Fóruns Nacionais dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF: "Em juizados itinerantes, pode ser flexibilizada a exigência de prévio requerimento administrativo, consideradas as peculiaridades da região atendida".

  5. A propósito, cabe destacar que, embora o prazo previsto na Lei nº 8.213/91 seja superior, o artigo 49 da Lei do Processo Administrativo Federal permite uma prorrogação motivada, totalizando, por isso, até 60 (sessenta dias). Já o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias do §5º do artigo 41-A é improrrogável. Além disso, o artigo 49 remete apenas à decisão, enquanto o artigo 41-A já impõe o pagamento da primeira parcela.
  6. Nesse aspecto, cabe relembrar, todavia, que o Enunciado 79 do FONAJEF iguala a recusa a prévio requerimento administrativo caso haja denúncia perante a ouvidoria da Previdência Social, ao dispor que "A comprovação de denúncia da negativa de protocolo de pedido de concessão de benefício, feita perante a ouvidoria da Previdência Social, supre a exigência de comprovação de prévio requerimento administrativo nas ações de benefícios da seguridade social".
  7. Mais uma opção aventada por Savaris (op. cit., p. 206) é ação declaratória do direito de receber tutela administrativa com pedido de tutela urgente no sentido de determinar à autarquia previdenciária que, em prazo razoável, sob pena de multa e outras imposições que se apresentarem necessárias, ofereça resposta final ao requerimento de concessão de benefício previdenciário.
  8. A favor de tal posicionamento, cabe destacar a Súmula 2 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul ("Tratando-se de concessão de prestações previdenciárias, é imprescindível o prévio requerimento administrativo, que deve ser comprovado pela Carta de Indeferimento ou pelo protocolo fornecido pela Administração (no caso de demora injustificável). No caso de cancelamento de prestações previdenciárias, ou de ações de reajustamento, o exame das questões ventiladas prescinde da via administrativa") e o Enunciado 77 do FONAJEF ("O ajuizamento da ação de concessão de benefício da seguridade social reclama prévio requerimento administrativo").
  9. De todo modo, tal idéia foi enumerada pela Juíza Federal Cláudia Cristina como uma das vantagens do prévio ingresso administrativo: "O ingresso administrativo reúne uma série de vantagens ao segurado e ao juízo (que não tem condições de se transformar em substituto administrativo do INSS para analisar em cada processo e de ofício um sem número de vínculos trabalhistas e atividades desenvolvidas, afora outros requisitos legais, tornando-se regra o ajuizamento de ação concessiva), tais como: a) permitir eventual deferimento da pretensão em tempo inferior ao da sentença judicial definitiva, sendo regra a oposição de recurso; b) se indeferido administrativamente o benefício, haver delimitação do objeto litigioso, passando a ser objeto de instrução e decisão judicial unicamente o ponto duvidoso, e não todos os requisitos do benefício, o que ocorreria por força da ausência dos efeitos materiais da revelia contra o INSS; c) assegurar a fixação da data de início de benefício (equivalente à data do requerimento administrativo); d) interromper a prescrição; e) administrativamente é possível, conforme a necessidade, tomar depoimento de testemunhas, bem como a investigação direta mediante solicitação de pesquisa, com maior flexibilidade do que a produção da prova judicial; f) possibilita que o segurado faça expressa opção para aposentadoria proporcional, caso não haja reconhecimento de todo o tempo de serviço/contribuição, com maior flexibilidade para programação da aposentadoria pelo segurado; g) o judiciário, com sua pouca estrutura, ficaria liberado para decidir os casos realmente litigiosos; h) não se estará negando o acesso ao judiciário, que a qualquer tempo poderá ser provocado" (g.n.) (cf.Savaris, op. cit., pp. 203-4).
  10. É o que ocorre, por exemplo, em um caso no qual o autor contribuiu por mais de 12 (doze) meses até 01/01/2005, encerrando os seus recolhimentos a partir de então. Em perícia administrativa, o médico do INSS fixa o início da incapacidade na data de entrada do requerimento realizada em 01/01/2009, atestando que o autor permanecerá incapaz por, pelo menos, 6 (seis) meses (alta programada), ou seja, até 01/07/2009.No entanto, o benefício é indeferido por perda da qualidade de segurado. Já em juízo, o autor passa por perícia médica em 01/05/2009, ocasião em que o Perito Judicial atesta que a incapacidade teve início em 01/01/2005, mas não mais subsiste. Ainda assim pode ser concedido o benefício, pois não mais subsiste a controvérsia acerca da qualidade de segurado. O prazo de cessação, porém, deve ser o fixado administrativamente, pois não havia lide nesse aspecto. De todo modo, isso não impede que haja uma revisão administrativa nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.212/91.
  11. É evidente, porém, que a discrepância de queixas não deve ser baseada nos rigores técnicos da medicina. Não deixará de haver interesse de agir, por exemplo, se administrativamente a queixa do autor é identificada como uma artrose e judicialmente como uma artrite reumatóide. Para inexistir interesse de agir, a discrepância deve ser baseada no senso comum, como ocorre quando se alega administrativamente sofrer de dores de coluna e, em juízo, sustenta-se a existência de doença cardíaca.
  12. "Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
  13. (...)

    III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)"(g.n.)

  14. Aparentemente contraditória, tal prática de se obter de maneira forçada o próprio indeferimento administrativo, mostra-se relativamente freqüente quando se observa que o pagamento de atrasados pela via judicial pode ser mais vantajosa em relação a base de cálculo para honorários.
  15. "A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido".
  16. Nesse sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. AUXÍLIO-ACIDENTE. REDUÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. 1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Os benefícios decorrentes de redução da capacidade são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. 3. Comprovada a existência de redução da capacidade para o trabalho, uma vez preenchidos os requisitos previstos no art. 86 da Lei nº 8.213/91, é de ser reconhecido o direito ao auxílio-acidente. 4. Sucumbente, cabe ao requerido arcar com os honorários periciais. Omissão da sentença que se supre. (TRF4, APELREEX 2006.72.01.004044-1, Sexta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 30/10/2008)"


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAKAHASHI, Bruno. O prévio indeferimento administrativo em matéria previdenciária e a fixação dos pontos controvertidos da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3033, 21 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20265. Acesso em: 23 abr. 2024.